Abordagem psicossocial e saúde de mulheres negras: vulnerabilidades, direitos e resiliência11Artigo inspirado e sustentado por pesquisa de mestrado, apoiada pela Capes, com dissertação intitulada "Feridas até o coração, erguem-se negras guerreiras. Resiliência em mulheres negras: transmissão psíquica e pertencimentos", realizada por Clélia Prestes, e na qual constam os casos aqui ilustrados.

Resumo

Este artigo apresenta uma revisão crítica de teorias, técnicas e práticas que visam a potencialização da saúde de mulheres negras com foco em concepções sobre resiliência. Além da literatura acadêmica, em especial da psicologia, o texto mobiliza diferentes fontes sobre relações raciais, inclusive a produção do movimento social. Mulheres negras estão expostas à privação de direitos humanos, à ineficiência dos programas de governo na garantia do direito à educação e à saúde integral, entre outros. Estão também expostas à incidência frequente do racismo e do sexismo, que se traduzem em prejuízos à sua saúde. A concepção processual de resiliência adotada neste artigo, que resulta tanto da reflexão crítica sobre a literatura como de resultados de pesquisa apresentados, fortalece a adoção de uma perspectiva psicossocial, resultante da análise das vulnerabilidades integrada ao quadro dos direitos humanos. Conclui-se pela produtividade de iniciativas que incluam a sabedoria prática das mulheres negras e a valorização de experiências coletivas e transgeracionais que as apoiam para superar os contextos de alta vulnerabilidade a que estão expostas, estimulando a potencialização de processos de resiliência. Nessa perspectiva será necessário considerar não apenas o acolhimento das mulheres negras, mas também suas experiências e instâncias de pertencimento, suas trajetórias, suas redes, comunidades e territórios.

Palavras-chave:
Psicossocial; Relações Raciais; Origem Étnica e Saúde; Mulheres; Vulnerabilidade em Saúde; Resiliência Psicológica

Introdução

No Brasil, como vários estudos incluídos nesta revista demonstram, a população negra está frequentemente exposta a contextos de maior vulnerabilidade ao adoecimento. Essa situação expressa a histórica privação de direitos humanos em geral (Santos, 2012SANTOS, A. O. Superar o racismo e promover a saúde da população negra: desafios para o trabalho de prevenção ao HIV/Aids no Brasil. In: PAIVA, V.; AYRES, J. R.; BUCHALLA, C. M. (Org.). Vulnerabilidade e Direitos Humanos - Prevenção e promoção da saúde: da doença à cidadania. Curitiba: Juruá, 2012. p. 145-164. (Coletânea Vulnerabilidade e direitos humanos: prevenção e promoção da saúde. Livro 1). ) e, no caso da saúde das mulheres negras, comprova uma específica ineficiência dos programas de governo na garantia de prevenção e cuidado integral à saúde, além da incidência sistemática do sexismo e racismo institucional (DFID; Instituto AMMA Psique e Negritude, 2007DFID (Ministério do Governo Britânico para o Desenvolvimento Internacional); INSTITUTO AMMA PSIQUE E NEGRITUDE. Identificação e abordagem do racismo institucional. Brasília, DF: Articulação para o combate ao racismo institucional (CRI); Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, 2007.; Lopes, 2005LOPES, F. Experiências desiguais ao nascer, viver, adoecer e morrer: tópicos em saúde da população negra no Brasil. In: BRASIL. Fundação Nacional de Saúde. Saúde da população negra no Brasil: contribuições para a promoção da equidade. Brasília, DF: Funasa, 2005. p. 9-48.).

As mulheres negras devem colher os benefícios da reflexão crítica e dos estudos que têm descrito sua maior vulnerabilidade ao adoecimento e precisam que se vá além da denúncia e da descrição. O debate acadêmico reconhece a relevância da capacitação permanente de profissionais que atuam em vários setores (empresas, organizações da sociedade civil, órgãos governamentais), assim como o esforço de compreender e mitigar os processos históricos de estigmatização ou de discriminação institucionais baseados na cor da pele, na direção de uma melhor interação profissional-paciente e serviço-usuário..Por outro lado, é um desafio a compreensão das trajetórias e experiências concretas que têm permitido a algumas mulheres negras, apesar do contexto social e programático, alguns processos no sentido de sustentar a adesão aos serviços de saúde, garantir uma interação produtiva e uma vida cotidiana com qualidade.

O objetivo deste texto é apresentar uma visão panorâmica de teorias e práticas que potencializam a saúde de mulheres negras, por meio da abordagem psicossocial que dialoga com o quadro de vulnerabilidade e dos direitos humanos, e com foco na noção de resiliência.

Da concepção sociopsicológica de risco à abordagem psicossocial de vulnerabilidades e direitos

As noções de "fatores de risco" e "comportamentos de risco", mesmo quando interpretadas em uma perspectiva biopsicossocial ou sociopsicológica do processo saúde-doença, encontraram seus limites para pensar práticas de saúde ao longo da década de 1990. No Brasil, a ampliação dessas noções pela articulação com a linguagem dos direitos humanos já se desenhava desde a luta pela reforma psiquiátrica e na implementação inovadora da política do Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PAISM), nos anos 1980. No contexto do enfrentamento da epidemia da aids, esse movimento produziu uma alternativa mais elaborada.

Diferentes fenômenos produziam a explosiva epidemia de aids nesses anos. Logo ficou claro que as noções como as de "fatores" e "comportamentos de risco" da descrição epidemiológica não sustentavam a mesma produtividade no desenho das ações no campo da prevenção e do cuidado. Ao contrário, a colonização do cuidado e da prevenção pelo discurso epidemiológico de risco, sem mediação, mostrou-se contraproducente. A compreensão da prevenção restrita a fatores e comportamentos de risco resultou, por exemplo, em culpabilização das pessoas atingidas que, reduzidas a tipos populacionais, eram estigmatizadas e acusadas de "se comportarem mal" (manterem comportamentos de risco) ou, pior, estereotipadas como encarnação de grupos de risco (homossexuais, trabalhadoras(es) do sexo, jovens). Mostrou-se mais produtiva uma descrição mais dinâmica e contextualizada da epidemia, analisada de modo integrado à resposta e contexto social-programático (o cenário da epidemia dependerá sempre fortemente da presença ou ausência de políticas e programas), articulada com a linguagem dos direitos humanos.

A construção da resposta à aids consolidou, teórica e metodologicamente, o quadro de vulnerabilidade e dos direitos humanos (V&DH) (Paiva; Ayres; Buchalla, 2012PAIVA, V.; AYRES, J. R.; BUCHALLA, C. M. Direitos humanos e vulnerabilidade na prevenção e promoção da saúde: uma introdução. In: ______. (Coord.).Vulnerabilidade e Direitos Humanos - Prevenção e promoção da saúde: da doença à cidadania. Curitiba: Juruá, 2012. p. 9-22. (Coletânea Vulnerabilidade e direitos humanos: prevenção e promoção da saúde. Livro 1).)22Esse processo está descrito na introdução e em vários capítulos da coletânea Vulnerabilidade e Direitos Humanos: prevenção e promoção da saúde. Curitiba: Juruá, 2012..

Por vulnerabilidade se compreende, segundo Lopes (2005LOPES, F. Experiências desiguais ao nascer, viver, adoecer e morrer: tópicos em saúde da população negra no Brasil. In: BRASIL. Fundação Nacional de Saúde. Saúde da população negra no Brasil: contribuições para a promoção da equidade. Brasília, DF: Funasa, 2005. p. 9-48.), a configuração de aspectos individuais e coletivos em contexto que gradua a intensidade e a forma de exposição a certas conjunturas que estimulam agravos de saúde. Modula também o acesso a maior ou menor condição de reação e proteção diante de efeitos potencialmente nocivos das situações. O programa de aids foi um dos primeiros programas de saúde a produzir material específico no qual, ao ilustrar os grupos ditos vulneráveis à infecção e ao adoecimento/morte, estes eram apresentados com diferenciação de cor (negra e não negra).

Um dos princípios da compreensão do processo de saúde-doença com base no quadro da vulnerabilidade é começar pela identificação de situações de discriminação de direitos humanos. Em territórios ou segmentos populacionais em que se encontram maior discriminação de direitos, costuma-se encontrar também mais doenças e mais mortes (Ayres; Paiva; França Junior, 2012AYRES, J. R.; PAIVA, V.; FRANÇA JUNIOR, I. Conceitos e práticas de prevenção: da história natural da doença ao quadro da vulnerabilidade e direitos humanos. In: PAIVA, V.; AYRES, J. R.; BUCHALLA, C. M. (Coord.). Vulnerabilidade e Direitos Humanos - Prevenção e promoção da saúde: da doença à cidadania. Curitiba: Juruá, 2012. p. 43-94. (Coletânea Vulnerabilidade e direitos humanos: prevenção e promoção da saúde. Livro 1).). No campo da aids, foram pioneiros os estudos que incluíram o "quesito cor" como fator central para a boa análise da epidemia, necessária ao desenho de programas e políticas nacionais (Santos, 2012SANTOS, A. O. Superar o racismo e promover a saúde da população negra: desafios para o trabalho de prevenção ao HIV/Aids no Brasil. In: PAIVA, V.; AYRES, J. R.; BUCHALLA, C. M. (Org.). Vulnerabilidade e Direitos Humanos - Prevenção e promoção da saúde: da doença à cidadania. Curitiba: Juruá, 2012. p. 145-164. (Coletânea Vulnerabilidade e direitos humanos: prevenção e promoção da saúde. Livro 1). ).

A análise no quadro de vulnerabilidade e dos direitos humanos deve abordar a inextricável interação entre as dimensões individual (da pessoa tomada como sujeito de direitos), social e programática que, no Brasil e seguindo a constituição, deve garantir a não discriminação de direitos baseada na cor da pele e sexo. No campo da saúde deverá garantir a equidade, a universalidade e a integralidade do direito à saúde que dependerá sempre da integração de vários saberes - por exemplo, da epidemiologia às análises sociais com base na categoria gênero, da articulação dos diversos saberes clínicos com a compreensão densa das culturas e religiosidades de pessoas e comunidades. Uma análise sistêmica, como a das vulnerabilidades, considerará que as dimensões individuais estão necessariamente associadas às dimensões social e programática.

A individualidade é compreendida como intersubjetividade nesse quadro, em contraste com as noções mais comuns no campo da saúde, que pensam o plano individual como o plano do indivíduo biológico-comportamental, reduzidos a tipos que são a expressão da categorização de fatores sociopsicológicos-comportamentais derivados de inquéritos populacionais. Para alcançarmos algum sucesso, cada pessoa precisa ser tomada na sua singularidade e, no encontro para o cuidado ou a prevenção, em seus diferentes contextos intersubjetivos.

No quadro da V&DH, a dimensão individual é concebida como o plano da pessoa que será, então, abordada como sujeito de sua vida cotidiana e como sujeito de direitos, focalizando a experiência viva da intersubjetividade (Paiva, 2013PAIVA, V. S. F. Psicologia na saúde: sociopsicológica ou psicossocial? Inovações do campo no contexto da resposta brasileira à aids. Temas em Psicologia, Ribeirão Preto, v. 21, n. 3, p. 531-549, 2013.; Ayres; Paiva; França Junior, 2012AYRES, J. R.; PAIVA, V.; FRANÇA JUNIOR, I. Conceitos e práticas de prevenção: da história natural da doença ao quadro da vulnerabilidade e direitos humanos. In: PAIVA, V.; AYRES, J. R.; BUCHALLA, C. M. (Coord.). Vulnerabilidade e Direitos Humanos - Prevenção e promoção da saúde: da doença à cidadania. Curitiba: Juruá, 2012. p. 43-94. (Coletânea Vulnerabilidade e direitos humanos: prevenção e promoção da saúde. Livro 1).). Segundo esses autores, a compreensão da dimensão individual deve considerar cada interação social e suas dinâmicas subjetivas/intersubjetivas assim como os aspectos físicos e psicológicos, as características sociodemográficas, as vivências e os valores pessoais, o estilo de administração de circunstâncias, a forma como absorve (elabora/incorpora/dispõe de) recursos e as relações interpessoais.

Na dimensão social da vulnerabilidade, a justaposição de especificidades que modelam as diferentes relações sociais, como as étnico-raciais, de gênero, de classe social, geracionais, de condições físicas e psicológicas, entre outras, traduzem-se na corporificação das relações. Por exemplo, entre uma mulher negra, idosa, profissional autônoma, que vive em um bairro popular, e sua vizinha, mulher branca, adulta, funcionária, ambas inseridas em famílias sustentadas por mulheres. As relações sociais são sempre permeadas por características de maior igualdade/desigualdade no âmbito da cidadania, garantia/privação de direitos, inclusão/exclusão social, liberdades/cerceamentos, simetrias/assimetrias, que influenciam o acesso ou não a direitos e aparelhos sociais como saúde, educação, cultura, lazer, emprego, informação e conhecimento relevante.

Por fim, a dimensão programática, que outros modelos incluem como parte da dimensão social, no quadro da vulnerabilidade, deve ser considerada como um determinante social à parte. Na análise programática são consideradas as relações entre pessoas e serviços, políticas, instituições e programas, em diferentes setores − como saúde, educação, cultura, bem-estar social, justiça, trabalho, moradia − no que tange a acesso e garantia ou privação de direitos, podendo promover, reproduzir ou diminuir a vulnerabilidade ao adoecimento.

Essa compreensão do processo saúde-doença tem se beneficiado da perspectiva psicossocial construcionista adotada e produzida em uma vertente brasileira do quadro da vulnerabilidade e dos direitos humanos que, em síntese:

não prescinde da centralidade da pessoa, concebida como sujeitos em interação com outros e como sujeito em relação com os direitos humanos. Como sujeito em relação, toda pessoa pode experimentar um dado processo de adoecimento ou se proteger dele, o que envolve sua constituição física e o modo singular de produzir seu cotidiano, como parte de uma comunidade. Como sujeito portador de direitos pode reivindicá-los ou, como agente comunitário ou do estado, solidariamente promover e proteger os direitos de outras pessoas que deve encontrar como co-cidadãos (Paiva, 2013PAIVA, V. S. F. Psicologia na saúde: sociopsicológica ou psicossocial? Inovações do campo no contexto da resposta brasileira à aids. Temas em Psicologia, Ribeirão Preto, v. 21, n. 3, p. 531-549, 2013., p. 545).

Relações raciais e a perspectiva psicossocial no Brasil

O reconhecimento do racismo e do sexismo como determinantes das condições de saúde, assim como a consideração da consequente produção de desigualdades raciais e de gênero, exigem inovação e seu enfrentamento no campo da promoção da saúde e, portanto, demandam alargamento de perspectivas, reformulações de teorias, técnicas e práticas. A forte inspiração nos movimentos sociais de resistência e de enfrentamento do racismo, de desigualdades e violação de direitos fortaleceu a noção de que a contribuição da psicologia no campo da saúde deve ser desde uma perspectiva psicossocial. Mas o que isso significa?

O termo psicossocial é usado em vários sentidos na literatura, raramente recebe alguma definição substantiva e ainda não se configura como descritor independente nas diversas bases de dados (Paiva, 2013PAIVA, V. S. F. Psicologia na saúde: sociopsicológica ou psicossocial? Inovações do campo no contexto da resposta brasileira à aids. Temas em Psicologia, Ribeirão Preto, v. 21, n. 3, p. 531-549, 2013.). Tem, por outro lado, adjetivado outros termos como "atenção", "risco", "reabilitação", "readaptação", "intervenção", "avaliação", "aspecto", "adequação", "integração", "desenvolvimento" - nesse último caso em associação com "risco" quando trata de estágios progressivos de maturação, estágios que "naturalmente" carregariam riscos aumentados, especialmente em face de contextos sociais específicos. Psicossocial aparece conjugado a outros termos, emprestando-lhes sentidos específicos. "Atenção psicossocial", por exemplo, costuma ter o sentido de atendimento de comprometimentos ou de sofrimento mental que prejudicam o convívio social; qualifica ainda tanto estratégias para lidar com problemas advindos de vulnerabilidade social e pobreza quanto um conjunto de cuidados paliativos.

Quando se descrevem e analisam "fatores psicossociais", o sentido aparece relacionado a dados socioeconômicos e sociodemográficos, fatores que produzem "efeitos psicossociais", e que emprestariam a alguns grupos e contextos o caráter de risco aumentado. Como esses textos resultam de macroanálises ou estudos populacionais, ao interpretar seu sentido prático derivam-se práticas de saúde focalizadas no indivíduo que carregará a responsabilidade pela prevenção e cuidado de saúde, um indivíduo genérico ou tipificado pela fatoração "socioeconômica", "sociodemográfica" ou "sociopsicológica" (social psychological).

Especificamente na literatura brasileira, Paiva (2013PAIVA, V. S. F. Psicologia na saúde: sociopsicológica ou psicossocial? Inovações do campo no contexto da resposta brasileira à aids. Temas em Psicologia, Ribeirão Preto, v. 21, n. 3, p. 531-549, 2013.) mostrou como o psicossocial nomeia as práticas que substituíram o modelo asilar em saúde mental, como nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) ou Núcleos de Atenção Psicossocial (NAPS). O termo psicossocial também qualifica, nos textos produzidos para pensar a construção do Sistema Único de Saúde (SUS), uma forma de trabalho em que as ações de cuidado são pautadas pela integralidade, em contraponto ao modelo exclusivamente biomédico, ou, ainda, faz referência à associação e complementariedade entre as dimensões individual e social. Mais recentemente, o termo "psicossocial" tem sido usado para qualificar relações sociais (por exemplo, entre classes, gêneros e etnias/raças, em grupos e instituições), nomear o contexto sócio-histórico, ou para ressaltar a necessária consideração do contexto social em detrimento de teorias e práticas restritas à dimensão psíquica individual.

Ao utilizar o quadro de vulnerabilidade e dos direitos humanos, a abordagem psicossocial transcende a abordagem psicológica (mais comum na clínica) e a sociopsicológica (mais comum na epidemiologia) e considera as dimensões individual, social e programática para organizar, por exemplo, práticas de saúde junto a mulheres negras. Esse desafio foi enfrentado em algumas produções teóricas, técnicas e práticas desenvolvidas na área de psicologia e relações raciais e se tornou muito produtiva, pois deu maior amplitude a estudos e ações em sintonia com tradicionais concepções políticas e acadêmicas sobre pessoas negras, como se vê a seguir.

A definição de racismo institucional (ou sistêmico), que em 1967 foi delineada por integrantes do grupo estadunidense Panteras Negras, tem sido adotada também no Brasil em várias práticas antirracistas do movimento social negro, e tem ampliado a concepção restrita de racismo e seu enfrentamento como fenômeno individual e interpessoal (Geledés − Instituto da Mulher Negra; Cfemea; Werneck, 2013GELEDÉS - INSTITUTO DA MULHER NEGRA; CFEMEA - CENTRO FEMINISTA DE ESTUDOS E ASSESSORIA; WERNECK, J. Racismo institucional: uma abordagem conceitual. São Paulo: Geledés; Cfemea, 2013.; Werneck, 2010WERNECK, J. (Org.) Políticas públicas para negras e negros. Rio de Janeiro: Criola; Fundação Heinrich Boll, 2010.; Goulart; Tannús; Lopes, 2007GOULART, F. A.; TANNÚS, L; LOPES, F. (Coord.); Subsídios para o enfrentamento do racismo na saúde. Brasília, DF: Ministério do Governo Britânico para o Desenvolvimento Internacional, 2007.). Essa definição dialoga com o quadro da vulnerabilidade inextricavelmente associado à perspectiva dos direitos humanos, e com as reflexões e práticas brasileiras que têm defendido que equipamentos e programas institucionais têm o dever de garantir direitos.

O racismo institucional é o fracasso das instituições e organizações em prover um serviço profissional e adequado às pessoas em virtude de sua cor, cultura, origem racial ou étnica. Ele se manifesta em normas, práticas e comportamentos discriminatórios adotados no cotidiano de trabalho, os quais são resultantes da ignorância, da falta de atenção, do preconceito ou de estereótipos racistas. Em qualquer caso, o racismo institucional sempre coloca pessoas de grupos raciais ou étnicos discriminados em situação de desvantagem no acesso a benefícios gerados pelo Estado e por demais instituições (DFID; Instituto AMMA Psique e Negritude, 2007DFID (Ministério do Governo Britânico para o Desenvolvimento Internacional); INSTITUTO AMMA PSIQUE E NEGRITUDE. Identificação e abordagem do racismo institucional. Brasília, DF: Articulação para o combate ao racismo institucional (CRI); Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, 2007., p. 15).

Expressa-se em duas dimensões. Na dimensão interpessoal, por meio de dinâmicas da sinergia entre estigmas, estereótipos, preconceitos e discriminações que ocorrem entre colegas, entre profissionais e pacientes, ou entre diferentes postos hierárquicos, funções e papéis. Na dimensão programática, as mesmas dinâmicas aparecem nos ambientes e processos de trabalho, contaminando normas, procedimentos, e provocando negligência em relação a necessidades específicas e direitos (Santos, 2012SANTOS, A. O. Superar o racismo e promover a saúde da população negra: desafios para o trabalho de prevenção ao HIV/Aids no Brasil. In: PAIVA, V.; AYRES, J. R.; BUCHALLA, C. M. (Org.). Vulnerabilidade e Direitos Humanos - Prevenção e promoção da saúde: da doença à cidadania. Curitiba: Juruá, 2012. p. 145-164. (Coletânea Vulnerabilidade e direitos humanos: prevenção e promoção da saúde. Livro 1). ). Somam-se ainda a desqualificação, a desvalorização e a invisibilização das demandas da população negra nos serviços, que culminam em procedimentos e programas de assistência à saúde (prevenção e promoção) que não se pautam pelos princípios de igualdade e equidade, como informa Lopes (2005LOPES, F. Experiências desiguais ao nascer, viver, adoecer e morrer: tópicos em saúde da população negra no Brasil. In: BRASIL. Fundação Nacional de Saúde. Saúde da população negra no Brasil: contribuições para a promoção da equidade. Brasília, DF: Funasa, 2005. p. 9-48.).

Tanto a psicologia social construcionista na saúde como a psicologia que pensa as relações raciais valorizam uma abordagem psicossocial em suas produções acadêmicas e permitem compreender como o racismo institucional influencia tanto os conhecimentos técnico-científicos como as práticas que permeiam diversas áreas da vida cotidiana (educação, trabalho, entre outras) resultando na violação ou negligência do direito à saúde para mulheres negras.

Uma publicação de 2007, do DFID (Ministério do Governo Britânico para o Desenvolvimento Internacional) em conjunto com o Instituto AMMA Psique e Negritude, organização não governamental do movimento negro e de mulheres negras, já ilustrava a adoção da abordagem psicossocial em práticas desenvolvidas como parte de um programa de identificação e enfrentamento do racismo institucional33O Programa de Combate ao Racismo Institucional (PCRI) durou sete anos e teve as seguintes etapas: (1) Construção do Programa, (2) Formação do Grupo Intersetorial (instituições públicas nacionais e internacionais) e da Equipe Base (organizações da sociedade civil), (3) Sensibilização do Grupo Intersetorial e (4) Diagnóstico do Racismo Institucional. Nessa última etapa, as atividades incluíram oficinas de identificação e abordagem do racismo institucional, as quais consideraram como dimensões de análise a das relações interpessoais e a político-programática..

Na dimensão interpessoal, as intervenções enfocaram centralmente as interações entre chefias e subordinados(as), entre pares, e entre profissionais e usuários(as). As ações na dimensão político-programática miraram desigualdades, discriminações, omissões na garantia de direitos, e também visaram a implementação de normas, mecanismos e estratégias de enfrentamento do racismo institucional para promoção de igualdade e equidade. Além de cursos e articulações políticas, foram desenvolvidas oficinas de identificação e abordagem do racismo institucional, com incentivo para servidores(as) e gestores(as) trocarem testemunhos e aprimorarem a percepção do racismo que incide na vida diária e em políticas públicas. Nesses espaços, participantes foram estimulados(as) a identificar os próprios preconceitos e estereótipos, as vivências de discriminação e as relações raciais no ambiente de trabalho, recursos e dificuldades dos órgãos públicos em relação à temática e os mecanismos de opressão; foram também estimulados(as) a compreender o racismo como determinante de desigualdades e pensar possíveis estratégias de enfrentamento.

Posteriormente, o Instituto AMMA Psique e Negritude definiu a importância e a concepção de uma abordagem psicossocial (e não sociopsicológica) que:

Possibilita trabalhar com as atitudes, considerar o sentido do comportamento, os afetos, as ideias, percepções, lembranças e fantasias investidas na ação. Implica em promover a prática de olhar para si e se incluir na contextualização dos problemas sociais. Promove a passagem de uma consciência restrita e imediata sobre questões de gênero e raça para uma consciência alargada, analítica, politizada. Elucida a associação entre vivência e informação, envolvendo, por um lado, a consciência de si e do outro e, por outro lado, informações de base étnico-raciais, de gênero e sociopolíticas como uma maneira de promover alteração de atitudes44Comunicação oral proferida durante a oficina "Os efeitos psicossociais do racismo na educação", realizada no I Fórum Internacional de Educação, Diversidade e Identidades (I FIEDI), em 2010..

Explicita-se, portanto, a necessidade de considerar os aspectos sociocognitivos integrados aos intrapsíquicos, interpsíquicos, sociais e políticos, entre outros, contextualizando a dinâmica das relações raciais e das atitudes e ações, aspectos que podem ser associados às dimensões social e individual da vulnerabilidade.

Em outro projeto de enfrentamento do racismo institucional (Geledés - Instituto da Mulher Negra, Cfemea e Werneck, 2013GELEDÉS - INSTITUTO DA MULHER NEGRA; CFEMEA - CENTRO FEMINISTA DE ESTUDOS E ASSESSORIA; WERNECK, J. Racismo institucional: uma abordagem conceitual. São Paulo: Geledés; Cfemea, 2013.), outras organizações não-governamentais feministas e antirracistas brasileiras, em conjunto com agências do Governo Federal e Sistema das Nações Unidas oferecem subsídios para diagnóstico do racismo institucional, com discussão de marcos conceituais, análise de indicadores sociais para identificar como o racismo incide em desigualdades e avaliar os níveis de proteção/desproteção social de mulheres negras. Esse projeto disponibilizou metodologias replicáveis de monitoramento, avaliação e enfrentamento do racismo institucional para garantia de direitos a mulheres negras. Como em Prestes (2013PRESTES, C. R. S. Feridas até o coração, erguem-se negras guerreiras: resiliência em mulheres negras: transmissão psíquica e pertencimentos. 2013. Dissertação (Mestrado em Psicologia Social) - Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013.), reconhecem a fertilidade do quadro da vulnerabilidade, e a produtividade da análise da sua dimensão programática para descrever o racismo institucional. Destacam como o racismo institucional repercute em maior vulnerabilidade de pessoas e grupos sociais atingidos.

Costa (1986COSTA, J. F. Violência e psicanálise. Rio de Janeiro: Graal, 1986.), por sua vez, contribui para a reflexão sobre como o racismo e seus estereótipos, preconceitos e discriminações permeiam ações institucionais (dimensão programática) e da vida cotidiana (dimensão social), e contaminam a dinâmica inter e intrapsíquica. O autor aborda os efeitos da ideologia racista como interferência significativa sobre dimensões pessoais como o corpo, psiquismo e identidade. Em uma perspectiva muito produtiva nesse campo, defende que o modelo idealizado de "brancura" gera prejuízos para brancos(as) com uma perfeição irreal enaltecedora, e para negros(as) como fetiche inatingível. A negação do corpo e identidade negra surge como expressão da interiorização do racismo.

Nogueira (1998NOGUEIRA, I. B. Significações do corpo negro. 1998. Tese (Doutorado em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano) - Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1998.) acrescenta importantes contribuições do campo psicanalítico à temática das relações raciais, ao considerar tanto características intrapsíquicas quanto intersubjetivas, sociais e históricas. Compreende o corpo e a subjetividade negras como signos que respondem às dinâmicas sociais e marcas ideológicas. Nesse contexto, o corpo negro, ao mesmo tempo que é campo de concretização do desejo do sujeito negro, carrega marcas pejorativas que comprometem sua aceitação e reconhecimento.

Na mesma vertente de consideração dos conteúdos psíquicos como interligados a um contexto, Reis Filho (2005REIS FILHO, J. T. Negritude e sofrimento psíquico. 2005. Tese (Doutorado em Psicologia Clínica) - Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2005.) trata da condição social e psicológica de sujeitos negros como "sintoma social e individual" do racismo. Questiona o fato de haver baixíssima incidência de pessoas negras entre clientes e analistas no âmbito da clínica. Explica, então, a invisibilidade da temática racial como uma decorrência do despreparo de profissionais para acolherem essa demanda quando expressada, para a identificarem espontaneamente e para contextualizarem questões intra e interpsíquicas interligadas às dimensões social e histórica. Esse panorama aumenta a vulnerabilidade programática específica da população negra.

O livro de Souza (1990SOUZA, N. S. Tornar-se negro: as vicissitudes da identidade do negro brasileiro em ascensão social. 2. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1990.), um clássico para a área de psicologia e relações raciais, faz a vinculação entre a psicanálise e a contextualização social e histórica. A autora discute o processo de se tornar negro com um percurso que parte de uma histórica comum, mas inclui consciência política, respeito à diferença e dignidade resistente mesmo em contexto de exploração.

Nascer com a pele preta e/ou outros caracteres do tipo negroide e compartilhar de uma mesma história de desenraizamento, escravidão e discriminação racial, não organiza, por si só, uma identidade negra. Ser negro é, além disto, tomar consciência do processo ideológico que, através de um discurso mítico acerca de si, engendra uma estrutura de desconhecimento que o aprisiona numa imagem alienada, na qual se reconhece. Ser negro é tomar posse desta consciência e criar uma nova consciência que reassegure o respeito às diferenças e que reafirme uma dignidade alheia a qualquer nível de exploração. Assim, ser negro não é uma condição dada, a priori. É um vir a ser. Ser negro é tornar-se negro (Souza, 1990SOUZA, N. S. Tornar-se negro: as vicissitudes da identidade do negro brasileiro em ascensão social. 2. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1990., p. 77).

Ainda, segundo a autora, ser negra implicaria uma configuração de massacre da identidade e prejuízo das perspectivas pessoais sob a imposição de exigências e expectativas alheias. Apesar e a partir desse contexto, ressalta a autora, ser negra significa poder resistir por meio de resgate de sua história e concretização de suas potencialidades.

Hooks (2006HOOKS, B. Vivendo de amor. In: WERNECK, J.; MENDONÇA, M.; WHITE, E. C. (Org.). O livro da saúde das mulheres negras: nossos passos vêm de longe. 2. ed. Rio de Janeiro: Pallas; Criola; San Fracisco: Global Exchange, 2006. p. 188-198.), autora de referência no feminismo negro, discorre sobre as possibilidades de reversão do quadro de danos produzido pelo racismo e sexismo sobre a saúde psíquica de negras e negros. Afirma que essas duas ideologias de dominação podem levar a dificuldades para experienciar e manifestar vínculos de amor, com prejuízo nos relacionamentos afetivos, familiares e com possibilidade de comprometimento da capacidade de amar. Como ressalta a autora, para negras(os), feridas(os) até o coração, amar é um ato de resistência. Se a resiliência, como discutido no próximo trecho deste artigo, está associada a superação, transcendência, sentido de vida e bom relacionamento familiar e interpessoal, essa concepção ratifica a tese de que os vínculos de amor saudáveis, por sua força transformadora, contribuem para uma saúde integral satisfatória e para o enfrentamento das estruturas sociais vigentes.

Fanon (2008FANON, F. Pele negra, máscaras brancas. Salvador: Edufba, 2008.), importante autor no campo de psicologia e relações raciais, oferece produtivo embasamento psicanalítico para analisar contextos de opressão, colonialismo, racismo, entre outros potencializadores de vulnerabilidade ao sofrimento psíquico. Para o autor, no processo de elaboração em detrimento de contexto racista, a cicatrização das feridas e a conscientização devem estar acompanhadas da superação da fixação ao passado de dores e do abandono da noção essencializada de negritude, enquanto se atinge liberdade para alcançar sintonia com o presente, com a realidade social, com o compromisso pessoal e social, com atuações contra opressões e a favor da igualdade. Alinha-se à perspectiva psicossocial ao conceber a superação de vulnerabilidades como um processo que extrapolará a dimensão pessoal.

A satisfação pessoal e a saúde individual ampliam as possibilidades de exercício de outros aspectos da vida, como autonomia e cidadania. Pela perspectiva que aqui se defende, o caminho inverso também é possível, ou seja, autonomia e cidadania favorecerem satisfação pessoal e saúde individual. São uma constante histórica as estratégias autônomas de enfrentamento empenhadas por mulheres negras para alcançar satisfação pessoal ou cuidar dos seus, como apontado por Lopes (2008LOPES, H. T. Mulher, cultura e identidade afro-brasileira. In: NASCIMENTO, E. L. (Org.). Guerreiras de natureza: mulher negra, religiosidade e ambiente. São Paulo: Selo Negro, 2008. p. 85-96. (Coleção Sankofa: matrizes africanas da cultura brasileira. Volume 3). ), Oliveira e Brito (2011OLIVEIRA, M. A. B.; BRITO, A. M. B. B. A trajetória do racismo e a violência sofrida pela mulher negra: uma questão de saúde pública. In: RISCADO, J. L. S.; OLIVEIRA, M. A. B. (Org.). Quilombolas, guerreiros alagoanos: aids, prevenção e vulnerabilidades. Maceió: Edufal, 2011. p. 85-96.) e Werneck (2006WERNECK, J.; MENDONÇA, M.; WHITE, E. C. (Org.). O livro da saúde das mulheres negras: nossos passos vêm de longe. 2. ed. Rio de Janeiro: Pallas; Criola; San Fracisco: Global Exchange, 2006.). Desde o período pós-abolição e apesar dos contextos em que geralmente se encontram, mulheres negras figuram, muitas vezes, como responsáveis pelo sustento familiar, guardiãs das tradições, organizadas em grupos em busca de liberdade e igualdade para os seus. Em outras palavras, formam um segmento populacional que historicamente tem protagonizado estratégias individuais e grupais de enfrentamento, superação e resistência, como sujeitos de sua vida cotidiana e atrizes sociais. Esses aspectos favorecem processos de resiliência, como explicado adiante.

Até aqui se tem discutido como a abordagem psicossocial é relevante para mitigar o processo de adoecimento da população negra e que essa abordagem pode ser sofisticada pelas perspectivas adotadas no quadro de vulnerabilidade e dos direitos humanos. No trecho a seguir, a potência da abordagem psicossocial nessa perspectiva, vinculada à temática de saúde de mulheres negras, será ilustrada por uma ampliação do conceito de resiliência.

Abordagem psicossocial de resiliência em mulheres negras

As diferentes concepções de resiliência e suas consequentes especificidades teóricas, das quais se derivam técnicas e práticas, são um bom exemplo da diferença entre perspectivas individualizantes e abordagens psicossociais. Em trabalho anterior, Prestes (2013PRESTES, C. R. S. Feridas até o coração, erguem-se negras guerreiras: resiliência em mulheres negras: transmissão psíquica e pertencimentos. 2013. Dissertação (Mestrado em Psicologia Social) - Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013.) elencou diferentes definições de resiliência de autores(as) de referência no campo, como Angst, Barbosa, Benevides-Pereira, Bortoletti, Cicchetti, Delongis, Flach, Folkman, Garcia, Grotberg, Lazarus, Luthar, Pesce, Selye, Sequeira, Vasconcellos, Wagnild, Young e Yunes. As definições foram então classificadas em duas vertentes: a primeira define a resiliência com um viés estrutural e adjetivante, e foi nomeada como "concepção constitucional"; a segunda vertente concebe a resiliência com sentido mais dinâmico e contextual, e foi denominada como "concepção processual". Na concepção constitucional, as definições abordam:

traços de personalidade individuais especiais, a capacidade de recuperação de traumas, a capacidade de superação de obstáculos, um conjunto de habilidades e competências individuais, invulnerabilidade, o resultado do equilíbrio entre fatores de risco e fatores de proteção e resultados do enfrentamento de situações de estresse, entre outros (Souza, 2009SOUZA, M. T. S. Terapia familiar e resiliência. In: OSÓRIO, L. C.; VALLE, M. E. P. (Org.). Manual de terapia familiar. Porto Alegre: Artmed, 2009. p. 193-207., p. 193).

Já na concepção processual, a resiliência "deixa de ser considerada uma qualidade ou uma capacidade individual para ser compreendida como um processo dinâmico inter-relacional, sistêmico, inserido no contexto histórico, social e cultural" (Souza, 2009SOUZA, M. T. S. Terapia familiar e resiliência. In: OSÓRIO, L. C.; VALLE, M. E. P. (Org.). Manual de terapia familiar. Porto Alegre: Artmed, 2009. p. 193-207., p. 193). O campo pode, então, caminhar no sentido de uma abordagem psicossocial integrada às análises do processo saúde-doença no quadro de vulnerabilidade e dos direitos humanos.

A distinção entre duas vertentes de definição de resiliência e a valorização da concepção processual (com diferentes nomeações) são também observadas em autores como Barlach (2005BARLACH, L. O que é resiliência humana? Uma contribuição para a construção do conceito. 2005. Dissertação (Mestrado em Psicologia Social) - Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005.), Cyrulnik (apud Sequeira, 2009SEQUEIRA, V. C. Resiliência e abrigos. Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, v. 29, n. 1, p. 65-80, 2009.), Grotberg (apud Melillo; Ojeda, 2005MELILLO, A.; OJEDA, E. N. S. Resiliência: descobrindo as próprias fortalezas. Porto Alegre: Artmed, 2005.), Luthar e Cicchetti (2000LUTHAR, S. S.; CICCHETTI, D. The construct of resilience: implications for interventions and social policies. Development and Psychopathology, Cambridge, v. 12, n. 4, p. 857-885, 2000.) e Souza (2009SOUZA, M. T. S. Terapia familiar e resiliência. In: OSÓRIO, L. C.; VALLE, M. E. P. (Org.). Manual de terapia familiar. Porto Alegre: Artmed, 2009. p. 193-207.).

Ao se adotar uma concepção processual, defende-se que a resiliência não representa um estágio, capacidade, estado, traço, condição de invulnerabilidade, atributo ou habilidade de pessoas ou grupos (Prestes, 2013PRESTES, C. R. S. Feridas até o coração, erguem-se negras guerreiras: resiliência em mulheres negras: transmissão psíquica e pertencimentos. 2013. Dissertação (Mestrado em Psicologia Social) - Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013.). Trata-se a resiliência como um processo, como um fenômeno multideterminado e, principalmente, contextual, que pode se apresentar em diferentes fases da vida de uma pessoa ou grupo, em diferentes segmentos populacionais, em presença de maiores ou menores sintomas. Uma abordagem psicossocial será mais produtiva, portanto, para compreender e promover a resiliência concebida como processo sistêmico que, por meio do acesso a recursos e suportes, alcança superação de grandes adversidades com efeitos menos devastadores que o constatado em situações semelhantes. O resultado de maior fortalecimento, transcendência e sentido de vida, mesmo em condições de grande vulnerabilidade ao adoecimento que predispõem à exaustão, indicará que mulheres que mobilizam resiliência em sua trajetória encontraram recursos que as permitem não sucumbir e superar.

Resiliência é um processo de reorganização, ressigificação, superação e transcendência perante vivência de contexto potencialmente desintegrador. Acessa recursos pessoais e coletivos, como: autoconfiança, otimismo, bom humor, autocontrole, flexibilidade, perseverança, bom relacionamento familiar e social, boa análise de situações, criatividade, pertencimentos, suporte social e programático, autonomia e sentido de vida. (Prestes, 2013PRESTES, C. R. S. Feridas até o coração, erguem-se negras guerreiras: resiliência em mulheres negras: transmissão psíquica e pertencimentos. 2013. Dissertação (Mestrado em Psicologia Social) - Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013., p. 63).

No caso de mulheres negras, o que se pode pensar a partir dessa noção de resiliência?

Para analisar processos de resiliência, Prestes (2013PRESTES, C. R. S. Feridas até o coração, erguem-se negras guerreiras: resiliência em mulheres negras: transmissão psíquica e pertencimentos. 2013. Dissertação (Mestrado em Psicologia Social) - Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013.) discutiu a trajetória de mulheres negras entrevistando quatro gerações de mulheres negras da mesma família (matriarca, filha, neta, bisneta). Todas descreveram enfrentamentos e superações de grandes adversidades, para que se compreendesse as influências advindas de transmissão psíquica (familiares negras, descendentes, ascendentes, ancestrais); advindas de simbolismos associados às mulheres negras; e advindas de significados compartilhados em práticas tradicionais das comunidades negras, sejam elas culturais, políticas, intelectuais ou religiosas.

A matriarca, por exemplo, relatou como lidou com a situação do falecimento do marido: demonstrou se empenhar em resolver assuntos logísticos e proteger o filho ao dar a notícia. Ao descrever suas reações, lembrou-se da sua decisão: a partir daquele momento, iria se concentrar em trabalhar, em se doar. Lista como os mais frequentes aspectos que coincidiram com superações ao longo da vida: a fé religiosa cristã, a ligação com a família nuclear, sua persistência e autoconfiança. Esses aspectos como facilitadores de processos de resiliência são também descritos nas teorias mais tradicionais. Sua filha, por outro lado, reconheceu no percurso de identificação racial uma das influências mais marcantes de seus processos de resiliência. Descreveu sua ligação com manifestações políticas das comunidades negras e o interesse por história - de povos negros e da parte negra da família − enquanto assinalava como o pertencimento racial e o conhecimento dessas histórias contribuíram para superações.

A neta, por sua vez, localizou, em situações em que superou grandes adversidades, a importância dos ensinamentos religiosos de matriz tradicional africana e da rede de apoio formada por familiares negras. Por fim, a bisneta descreveu, como exemplo de superação de grande adversidade, um desfecho satisfatório diante de eventos de discriminação racial, que ocorreu quando ela passou a usar seu cabelo crespo no estilo black power e foi, em princípio, alvo de discriminações para, em seguida, conquistar a admiração de colegas. Identificou a importância do suporte de familiares negras, da inspiração advinda de figuras negras significativas e o incentivo resistência a partir de significados compartilhados em manifestação cultural negra (hip hop).

Ao longo das gerações, nos processos de superação do racismo interiorizado, observou-se a influência da transmissão psíquica de vivências de outras gerações, de simbolismos associados a mulheres negras e de significados compartilhados em manifestações negras. Os laços de coesão entre as mulheres negras, as ações em rede, os movimentos de resistência e seu suporte social contribuíram para a construção de uma identidade coletiva afirmativa, de um sentimento de pertencimento racial crescentemente mais positivo, de maior autoconfiança e confiança no grupo de pertença. Mostram como recursos pessoais e coletivos favorecem processos de resiliência (Prestes; Vasconcellos, 2013PRESTES, C. R. S.; VASCONCELLOS, E. G. Mulheres negras: resistência e resiliência ante os efeitos psicossociais do racismo. Pambazuka News, 2013.).

Nas narrativas das quatro gerações, é notória a repetição da palavra "força", com o sentido de identificação com o simbolismo de guerreira, presente no imaginário social e projetado sobre mulheres negras. A declarada intenção de corresponderem a esse simbolismo e honrarem a força de outras negras subverte a falta de condições pessoais. Portar-se de acordo com esse estereótipo, atribuído socialmente e encarnado/encenado, pode ser compreendido como uma escolha, como necessidade ou ainda como exigência contingente ao panorama de múltiplas adversidades.

Na pesquisa, essas mulheres negras declararam que constantemente exercitavam a força ao se engajarem na luta do dia-a-dia ou em lutas políticas perante contextos de vulnerabilidades. Observa-se uma nítida relação com as afirmações de Hooks (2006HOOKS, B. Vivendo de amor. In: WERNECK, J.; MENDONÇA, M.; WHITE, E. C. (Org.). O livro da saúde das mulheres negras: nossos passos vêm de longe. 2. ed. Rio de Janeiro: Pallas; Criola; San Fracisco: Global Exchange, 2006. p. 188-198.) sobre negras muitas vezes assumirem o papel de fortes e guerreiras, sob forte exigência moral de foco na superação de adversidades a qualquer custo, a despeito de satisfações pessoais, o que as sobrecarrega de modo desigual. Ocupadas com a sobrevivência em aspectos básicos da vida e o cuidado de seus dependentes, esse contexto sociocultural pode levá-las a não deixar espaço suficiente, a não se permitir ou a não encontrar oportunidades para o amor, ou seja, para a vivência satisfatória de vínculos conjugais, maternais, entre outros. "O amor fica para os fracos (ou privilegiados), para os(as) brancos(as), para os homens." (Prestes, 2013PRESTES, C. R. S. Feridas até o coração, erguem-se negras guerreiras: resiliência em mulheres negras: transmissão psíquica e pertencimentos. 2013. Dissertação (Mestrado em Psicologia Social) - Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013., p. 156).

O perfil de guerreira, portanto, mais que traço natural ou essência da personalidade de mulheres negras, constituiu-se social e historicamente como uma necessidade prática e integra um aspecto do estereótipo a elas atribuído, frequentemente interiorizado como objeto de identificação. Esse perfil e o histórico de superações constantes são configurados por forçosos enfrentamentos de repetidos cenários de grandes vulnerabilidades ao sofrimento psíquico e ao adoecimento, como também discutiram vários(as) autores(as) aqui citados(as).

Esse processo histórico de superações, entretanto, não deve ser concebido como um "treinamento" de proteção definitiva (Prestes, 2013PRESTES, C. R. S. Feridas até o coração, erguem-se negras guerreiras: resiliência em mulheres negras: transmissão psíquica e pertencimentos. 2013. Dissertação (Mestrado em Psicologia Social) - Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013.), proteção que a literatura tradicional de resiliência nomeia de invulnerabilidade. Essa formulação, questionável, aparece associada à concepção adjetivante de resiliência nos textos que a definem a partir de uma estrutura de personalidade ou um nível de desenvolvimento que representaria uma capacidade de a pessoa sair ilesa de futuras adversidades. No entanto, passar por processos de resiliência em determinada fase da vida não significa alcançar um "estágio". Por isso, resiliência não cabe como adjetivo para pessoas ou grupos; melhor concebê-lo como "processo em contexto".

A concepção processual proposta e que resulta tanto da reflexão crítica sobre a literatura como dos resultados da pesquisa apresentados acima, integrados por uma perspectiva psicossocial, permite afirmar que a resiliência vivenciada por mulheres negras pode perfeitamente vir, inclusive, acompanhada de comprometimentos psicológicos e psicossomáticos, como adoecimentos e sofrimento psíquico, sem que isso invalide se tratarem de processos de resiliência.

A concepção processual de resiliência não a restringe ao saldo positivo resultante da maior incidência de fatores de proteção que de fatores de risco. Efeitos danosos podem ocorrer, mas se o processo inclui também experiências significativas de transcendência, sentido de vida, ressignificação, melhores condições de autocuidado e/ou busca por direitos, pode ainda se configurar como um processo de resiliência. É coerente afirmar que aspectos como autoconfiança, pertencimentos e bom relacionamento familiar/social são recursos valiosos para favorecer processos de resiliência. A reflexão sobre as fontes de cada um desses aspectos permite ponderar que a autoconfiança poderá resultar de enfrentamentos e superações anteriores desempenhadas pelas próprias mulheres negras, suas ascendentes, mulheres negras de modo geral ou por comunidades às quais pertencem. Dessa forma, faz sentido que recursos como esses sejam considerados em diagnósticos e planejamentos conjuntos do cuidado e autocuidado da saúde.

Além desses, outros recursos descritos na definição como facilitadores de processos de resiliência são o suporte social e programático e a experiência de autonomia. Será essencial considerar, portanto, na compreensão do contexto de cuidado de mulheres negras, o acesso a programas, bens e serviços, a qualidade dos mesmos, primando por um atendimento que garanta equidade às especificidades de raça e gênero, vivências de cidadania, de proteção e garantia de direitos.

Outros(as) autores(as) têm chamado atenção para a relevância de aspectos pessoais e coletivos para potencializar processos resilientes. Luthar e Cicchetti (2000LUTHAR, S. S.; CICCHETTI, D. The construct of resilience: implications for interventions and social policies. Development and Psychopathology, Cambridge, v. 12, n. 4, p. 857-885, 2000.) ressaltam as especificidades das experiências étnico-raciais na vida cotidiana em sociedades multiculturais, enquanto Utsey (apud Omar et al., 2010OMAR, A. et al. Resiliência e enfrentamento do estresse em adolescentes: efeitos mediadores dos valores culturais. Psicologia em Revista, Belo Horizonte, v. 16, n. 3, p. 448-468, 2010.) salienta aspectos como a autoconfiança pautada em experiências pessoais e grupais anteriores, além dos aspectos de coletividade, autoestima positiva e valores culturais. Ungar (2006UNGAR, M. Nurturing hidden resilience in at-risk youth in different cultures. Journal of the Canadian Academy of Child and Adolescent Psychiatry. Ottawa, v. 15, n. 2, p. 53-58, 2006., 2008UNGAR, M. Resilience across cultures. British Journal of Social Work. Oxford, v. 38, p. 218-235, 2008.) alerta para a mediação da cultura.

Outros trabalhos, específicos sobre resiliência em negros, complementam essa reflexão. Baldwin et al. (2011BALDWIN, D. R. et al. Resiliency and optimism: an African-American senior citizen's perspective. Journal of Black Psychology, Washington, DC, v. 37, n. 1, p. 24-41, 2011.), Brown (2011BROWN, D. L.; TYLKA, T. L. Racial Discrimination and resilience in African-American young adults: examining racial socialization as a moderator. Journal of Black Psychology, Washington, DC, v. 37, n. 3, p. 259-285, 2011.) e Teti et al. (2012TETI, M. et al. "I'm a keep rising. I'm a keep going forward, regardless": exploring black men's resilience amid sociostructural challenges and stressors. Qualitative Health Research, v. 22, n. 4, p. 524-533, 2012.) constatam a incidência de processos de resiliência em presença de aspectos como otimismo, socialização racial (identificação racial), autoconfiança e enraizamento (pertença e identificação com grupos). Efraime Júnior (2013EFRAIME JÚNIOR, B. Trauma e migração: os traumas psíquicos das crianças soldado. Diversitas, São Paulo, n. 1, p. 111-130, mar/set. 2013.), por sua vez, defende: para a superação de grandes traumas e elaboração psíquica, a adoção de trabalhos psicoterapêuticos e psicossociais acompanhados de restabelecimento de vínculo com a família e a comunidade; o acesso a terapias tradicionais, práticas rituais e outras estratégias para reorganização psíquica e da potencialidade para amar e estabelecer vínculos.

No setor de educação, articulado à psicologia, Martins (2013MARTINS, L. L. P. Afrorresilientes: a resiliência de mulheres afrodescendentes de sucesso educacional. 2013. Dissertação (Mestrado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Piauí, Teresina, 2013.) pesquisou resiliência de mulheres afrodescendentes (termo da autora) de sucesso educacional. Com perspectiva que oscila entre a concepção constitucional e a processual, lista a autoconfiança, a empatia, o otimismo e o sentido de vida, entre outros, como elementos pessoais que explicariam o sucesso educacional e outras conquistas das mulheres negras analisadas. Carvalho (2008CARVALHO, L. L. Mais do que 'levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima': um estudo sobre autonomia superativa e emancipatória de mulheres negras cariocas. 2008. Dissertação (Mestrado em Política Social) - Programa de Estudos Pós-Graduados em Política Social da Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2008.) focalizou a resiliência e o empoderamento de mulheres negras para superar experiências de discriminação. Ao analisar em sua pesquisa a trajetória de mulheres negras expostas a panoramas de vulnerabilidades, a autora propôs um termo que agregaria resiliência e empoderamento, e sugere a "autonomia superativa e emancipatória" para explicar o modo como desenvolveram táticas de superação de discriminações, enquanto se beneficiaram da interação com familiares e outras pessoas significativas. Diferente de Martins, amplia a perspectiva mais comum e transcende da dimensão pessoal para a rede mais próxima de relações.

Nadal (2007NADAL, C. M. S. A resiliência ao longo da vida de afrodescendentes. 2007. Dissertação (Mestrado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007.) discute a resiliência na trajetória e afrodescendentes (termo da autora) tidos como bem-sucedidos pelos resultados resilientes ao longo da vida, analisa o aporte do Estado, família e escola e identifica os elementos, experiências, atitudes e procedimentos e sua qualidade de prejudiciais ou benéficos sobre processos de resiliência de afrodescendentes.

Interessante a perspectiva sistêmica de consideração da resiliência, ao abordar aspectos pessoais, família, comunidade, cultura e sistema político, além de incluir propostas de intervenção no âmbito programático, com ações em políticas públicas. Adota uma concepção processual de resiliência e ilustra uma forma de reflexão na mesma direção proposta pelas abordagens no quadro de vulnerabilidades. Segundo a autora, os elementos mais influentes sobre a potencialização de resiliência seriam valores morais, vínculos de afeto familiares e de outros tipos, aprendizagem inspirada em modelos, os quais, por sua vez, contribuem para positiva autoestima, autoconfiança e motivação, do ponto de vista pessoal, e, do ponto de vista profissional, persistência, competitividade, bom humor, respeito, solidariedade, ética, entre outras características.

Nessa mesma direção, Guimarães e Podkameni (2007PODKAMENI, A. B.; GUIMARÃES, M. A. C. Afro-descendência, família e prevenção. In: MELLO FILHO, J.; BURD, M. (Org.). Doença e família. 2. ed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2007. p. 123-140., 2008) discutem as consequências psíquicas/psicossociais do racismo e a resiliência em negros. Usam o referencial psicanalítico para analisar os efeitos psicológicos do racismo em crianças negras em suas interações com a família, a escola e a sociedade. Em todos esses âmbitos, a criança negra pode receber olhares de acolhimento, apoio e troca, ou de desqualificação, censura, humilhação.

A família, com potencial inicial para ser suficientemente boa, muitas vezes não consegue ter esse tipo de receptividade para as crianças que retornam da escola atingidas pelo olhar negativo, e o suporte falha justamente porque a própria família reedita traumas não elaborados. As situações potencialmente desintegradoras do self trazem comprometimentos psíquicos, psicossomáticos e psicossociais, enquanto minam potenciais. As opressões praticadas por brancos(as) e negros em prejuízo de mulheres negras prejudicam nestas a possibilidade de escoamento e elaboração suficientes, resultando em conflitos traumatizantes. Feridas pelo racismo e sexismo, seu psiquismo, sobrecarregado, precisa primeiro ocupar recursos na defesa e manutenção de sua integridade, para depois, com os recursos disponíveis, empenhar-se em escoar e elaborar a tensão psíquica, superar agravos, podendo então ativar capacidades como as de transformação, criatividade e esperança, entre outras.

Ainda segundo Guimarães e Podkameni (2007PODKAMENI, A. B.; GUIMARÃES, M. A. C. Afro-descendência, família e prevenção. In: MELLO FILHO, J.; BURD, M. (Org.). Doença e família. 2. ed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2007. p. 123-140., 2008), o processo de resiliência tem início, antes de qualquer ação técnica e influências do ambiente social ampliado, no percurso psicoafetivo, vivenciado no núcleo familiar e decorrente dos primeiros vínculos; ressaltam o valor da qualidade o olhar da mãe, pai e família em geral. A partir daí, estarão disponíveis ou não recursos internos que facilitam resiliência: autoconfiança, positiva autoestima, relação interpessoal saudável, empatia, entre outros. Assinalam, ainda, o valor de simbolismos e significados perpetuados por transmissão psíquica ou compartilhados em manifestações negras.

Esses olhares especulares primários, acrescidos aos componentes da família, transformam-se num complexo espelhar, e constituem-se memória de vividos, formando o campo imaginário que será o espaço potencial desse ser em construção.

Entendemos que, em relação à população negra, essa primeira etapa da trajetória vital torna-se o grande legado herdado e transmitido transgeracionalmente pelas mães, pais e famílias negras a seus filhos. Acreditamos que foram esses ingredientes básicos, essenciais e indeléveis, que formaram as comunidades quilombolas, que fomentaram as rebeliões negras, que criaram as confrarias religiosas negras e as caixas de poupança para alforrias, que elaboraram a rearticulação e a reposição do panteão de deusas e deuses africanos nas comunidades de terreiro (Podkameni; Guimarães, 2008GUIMARÃES, M. A. C.; PODKAMENI, A. B. A rede de sustentação coletiva, espaço potencial e resgate identitário: projeto mãe-criadeira. Saúde e sociedade, São Paulo, v. 17, n. 1, p. 117-130, 2008., p. 127).

Além de analisarem os efeitos do ambiente social não acolhedor incitador de adoecimentos, com produção de maior vulnerabilidade social e individual, apontam vias de enfrentamento pelas quais negros(as) podem ressignificar a negritude e reparar danos psíquicos, com diminuição de vulnerabilidades inclusive pela via programática.

Um bom exemplo é a experiência de um projeto desenvolvido por Podkmeni e Guimarães (2008GUIMARÃES, M. A. C.; PODKAMENI, A. B. A rede de sustentação coletiva, espaço potencial e resgate identitário: projeto mãe-criadeira. Saúde e sociedade, São Paulo, v. 17, n. 1, p. 117-130, 2008.) com gestantes negras e não negras em um posto de saúde. Depois de pesquisa-ação e observação participante, utilizaram encontros grupais semanais, com objetivos terapêuticos, reparadores e profiláticos, com o pressuposto analítico de associação da vulnerabilidade advinda da condição de gestante à vulnerabilidade de vida a contexto de racismo. Como prática de intervenção para reversão e prevenção de comprometimentos, desenvolveram a rede de sustentação coletiva. Esta proporciona acolhimento, suporte, apoio, troca, e visa à manutenção e à realimentação do espaço potencial, o qual possibilita escoamento de tensão psíquica e elaboração. Ao apresentarem essa proposta técnica, incluíram recursos sociais e programáticos em diversos setores (no campo da educação, da saúde e da cultura) para facilitar dinâmicas de continuidade, confiança, resgate identitário e resiliência.

Que escolas de medicina, serviço social ou psicologia ensinam que a cor/raça/etnia de usuários e pacientes é relevante, ou consideram as concepções do quadro de vulnerabilidade ou do quadro de direitos humanos, ou ainda, quais abordam técnicas e práticas psicossociais na formação disciplinar de seus alunos?

Como exceção à maioria das formações e práticas profissionais, os moldes da concepção aqui defendida aparecem, por exemplo, em algumas respostas no campo da saúde, como nas políticas de enfrentamento da aids entre os segmentos mais atingidos. Ações de prevenção e cuidado em saúde sexual e reprodutiva têm abordado os planos individual, social e programático da vulnerabilidade à infecção pelo HIV e ao adoecimento por aids e, a partir dessa perspectiva, considerado o impacto do sexismo e do racismo sobre a vulnerabilidade de mulheres negras à infecção por doenças sexualmente transmissíveis, ao abuso e violência sexual e à gravidez não planejada.

Além das boas práticas nos âmbitos profissional e acadêmico, de ações de instituições públicas e privadas, as inúmeras ações do movimento social (negro e de mulheres negras) são também responsáveis por significativas contribuições na garantia de direitos e bem estar de negros e negras. Essas ações estimularam um novo projeto em curso, o qual tem descrito e analisado intervenções voltadas a negros e negras que potencializem resiliência e processos correlatos, como superação, transcendência, agência, empoderamento, autonomia ou emancipação, entre outros; ao final, sistematizará metodologias coerentes com uma abordagem psicossocial de potencialização de resiliência em mulheres negras.

Considerações finais: rever perspectivas é ampliar horizontes

Diferentes segmentos da população brasileira enfrentam contextos de alta vulnerabilidade e de prejuízo de direitos. Inovar práticas e concepções nos processos de cuidado em saúde deve interessar especialmente às(aos) dedicadas(os) a mitigar vulnerabilidades individuais, sociais e programáticas associadas a sofrimento psíquico e adoecimentos de mulheres negras. É restrita a análise que se concentra apenas nos efeitos danosos e nos elementos pessoais das experiências de discriminação racista/sexista e privação de direitos. É limitante a prescrição vertical de tratamentos, reeducações, treinamento de comportamentos preventivos definidos a priori sem a contribuição dos segmentos, comunidades ou grupos de indivíduos abordados.

É necessário, portanto, expandir a visão do processo saúde-doença para que se incorpore a contribuição de estudos e ações que pensam o impacto das relações raciais, de gênero, entre outros recortes.

A inovação necessária deve incluir a promoção de práticas que envolvam, ao mesmo tempo, as próprias mulheres negras e sua sabedoria, os recursos de suas comunidades, de seus grupos de pertencimento, e as entidades do movimento social, além de equipamentos públicos e privados de cuidado e assistência, profissionais de saúde, educadores(as), entre outros(as) agentes. Uma rede de cuidados que estimule mulheres negras a superarem os contextos nocivos a que estão expostas pode potencializar processos de resiliência.

Considerada a definição de resiliência como processo, configurada por aspectos como autonomia, sentido de vida, ressignificação, superação e transcendência, entre outros, conclui-se que as técnicas e práticas demandam reorientações que considerem a importância do contexto e do exercício da ação coletiva pela cidadania, garantia de direitos, agência e comprometimento social, como discutido ao longo do texto.

A própria noção sobre o que seriam resultados satisfatórios de ações técnicas se amplia, assim como a concepção de saúde, contextualizada e politizada. Nessa perspectiva será necessário considerar não apenas as pessoas atendidas, mas suas redes, territórios, trajetórias e instâncias de pertencimento.

Baseado na constatação de que a população negra, em especial o segmento de mulheres negras, está bastante exposta à privação de direitos humanos, ineficiência dos programas de governo na garantia de educação e saúde, além da incidência regular do racismo e sexismo, que se traduzem em prejuízos à saúde, parece promissora a adoção da perspectiva psicossocial em compreensões e ações técnicas que resultem na inovação de técnicas e práticas de potencialização de resiliência e promoção da saúde em geral.

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  • WERNECK, J. (Org.) Políticas públicas para negras e negros. Rio de Janeiro: Criola; Fundação Heinrich Boll, 2010.

  • 1
    Artigo inspirado e sustentado por pesquisa de mestrado, apoiada pela Capes, com dissertação intitulada "Feridas até o coração, erguem-se negras guerreiras. Resiliência em mulheres negras: transmissão psíquica e pertencimentos", realizada por Clélia Prestes, e na qual constam os casos aqui ilustrados.
  • 2
    Esse processo está descrito na introdução e em vários capítulos da coletânea Vulnerabilidade e Direitos Humanos: prevenção e promoção da saúde. Curitiba: Juruá, 2012.
  • 3
    O Programa de Combate ao Racismo Institucional (PCRI) durou sete anos e teve as seguintes etapas: (1) Construção do Programa, (2) Formação do Grupo Intersetorial (instituições públicas nacionais e internacionais) e da Equipe Base (organizações da sociedade civil), (3) Sensibilização do Grupo Intersetorial e (4) Diagnóstico do Racismo Institucional. Nessa última etapa, as atividades incluíram oficinas de identificação e abordagem do racismo institucional, as quais consideraram como dimensões de análise a das relações interpessoais e a político-programática.
  • 4
    Comunicação oral proferida durante a oficina "Os efeitos psicossociais do racismo na educação", realizada no I Fórum Internacional de Educação, Diversidade e Identidades (I FIEDI), em 2010.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2016

Histórico

  • Recebido
    08 Ago 2014
  • Aceito
    12 Nov 2014
Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo. Associação Paulista de Saúde Pública. SP - Brazil
E-mail: saudesoc@usp.br