“Essa doença para mim é a mesma coisa que nada”: reflexões socioantropológicas sobre o descobrir-se soropositivo

“To me, this illness is the same as nothing”: socio-anthropological notes on finding out oneself HIV-positive

Resumo

Nas quase quatro décadas da epidemia de HIV/aids, sua administração clínica sofreu mudanças consideráveis. O atual alargamento temporal impõe aos sujeitos HIV+ (re)posicionamentos no agenciamento da vida e da enfermidade a partir da perspectiva de uma doença de longa duração que sugere adequação dos hábitos e comportamentos, frequente interação com serviços e profissionais da saúde e uso contínuo de medicamentos - além da convivência com os impactos sociais, subjetivos e físicos da enfermidade. A pesquisa discute, a partir de dados de uma pesquisa com jovens soropositivos, os processos de revelação do diagnóstico. Foram seis entrevistas abertas, a partir de uma questão norteadora, com jovens entre 18 e 22 anos, de camadas populares, de ambos os sexos e transmissão materno-infantil. A perspectiva teórica que ancorou nossas digressões foi a socioantropológica. Entre esses jovens a normalidade figura como eixo estruturante do diagnóstico, o que contrastou, entre outras coisas, com o fato de que a maioria dos entrevistados preferia manter segredo sobre sua sorologia. Família e serviço alternaram-se como responsáveis pela revelação. Além disso, o ativismo aparece como forma de encontrar lugar para a sorologia no curso da vida e como estratégia acionada para lidar com o cotidiano após o diagnóstico.

Palavras-chave:
Antropologia; HIV/aids; Juventude; Diagnóstico

Abstract

During the almost four decades of the HIV/AIDS epidemic, its clinical administration has undergone considerable changes. The current temporal extension imposes on HIV+ subjects (re)positions in the agency of life and illness from the perspective of a long-term illness that suggests the adaptation of habits and behaviors, frequent interaction with health services and professionals and the continuous use of medicines - in addition to coexistence with the social, subjective and even physical impacts of the disease. The objective of this work is to discuss, based on data from a research carried out with young seropositive patients, the processes of disclosure of the diagnosis. Six interviews were opened in depth, from a triggering question, with youngsters between 18 and 22 years of age, from the popular strata and of both sexes and of mother-to-child transmission. The theoretical perspective that anchored our digressions was socio-anthropological. The results indicate that among these young people, normality appears as the structural axis of the diagnosis, which contrasts, among other things, with the fact that most interviewees prefer to keep their serology a secret. Family and service alternated as responsible for the revelation. In addition, activism appears as a way to find a place for serology in the course of life and as a strategy to deal with the routine after the diagnosis.

Keywords:
Anthropology; HIV/AIDS; Youth; Diagnosis

Apresentação e problema de pesquisa

Este artigo resulta de uma dissertação na área de Saúde Coletiva que objetivou compreender sentidos e significados atribuídos por jovens com sorologia positiva para o vírus da imunodeficiência humana (HIV)11Para além deste objetivo geral, a pesquisa visou também compreender o processo de construção social da síndrome na perspectiva dos jovens, circunscrever a influência do conhecimento da sorologia no agenciamento da vida e da enfermidade e compreender se/como a conceituação biomédica da doença crônica está presente nos discursos dos jovens.. Neste texto, enfocaremos a revelação do diagnóstico, categoria de análise que será abordada a partir de duas perspectivas: os processos que circunscreveram a descoberta da soropositividade pelos jovens e as estratégias utilizadas por eles para agenciar a (não) revelação de sua condição sorológica para outrem.

Desde o início da epidemia nos anos 1980 mais de 790 mil pessoas foram infectadas pelo HIV em todo Brasil e, ao longo desse tempo, o número de jovens vivendo com o vírus aumentou consideravelmente. Entre 2007 e 2015, mais de 40% das 93.260 infecções diagnosticadas foram entre jovens de 13 e 29 anos. No estado do Rio de Janeiro, de 1982 a 2012 foram notificados 76.045 casos dessa doença. Em relação ao sexo, 67,1% são homens e 32,9% mulheres. Na faixa etária de 13 a 19 anos, contudo, não foi encontrada diferença significativa entre os sexos. No ano 2012, entre os jovens do sexo masculino, a taxa de incidência foi de 55,3 casos por 100 mil habitantes; já entre as jovens do sexo feminino foi de 29,4 casos por 100 mil habitantes (Boletim…, 2014BOLETIM EPIDEMIOLÓGICO HIV/AIDS E HEPATITES VIRAIS. Brasília: Ministério da Saúde, v. 3, n. 1, 2014.).

No início da epidemia não havia exames laboratoriais para o diagnóstico ou drogas para o tratamento, de modo que a descoberta da sorologia era feita tardiamente, com poucas possibilidades terapêuticas e expectativas de vida, em geral, menores que um ano (Castilho; Chequer, 1997CASTILHO, E. A.; CHEQUER, P. Epidemiologia de HIV/aids no Brasil. In: PARKER, R. (Org.). Políticas, instituições e aids: enfrentando a epidemia no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar: Abia, 1997. p. 17-42.). O manejo clínico da síndrome da imunodeficiência adquirida (aids) sofreu mudanças consideráveis: meios de diagnósticos foram aperfeiçoados e já são mais de duas dezenas de drogas, de diferentes classes, para arrefecer a replicação viral.

A mudança de conjuntura clínica - que apenas nos sete primeiros anos da terapia antirretroviral de alta potência, entre 1997 e 2004, reduziram as taxas de mortalidade em decorrência dessa enfermidade em 40% (Chaves; Reis; Vieira, 2011CHAVES, G. C.; REIS, R.; VIEIRA, M. F. Acesso a medicamentos e propriedade intelectual no Brasil: reflexões e estratégias da sociedade civil. In: PIMENTA, M. C.; REIS, R.; TERTO JÚNIOR, V. (Org.). Direitos de propriedade intelectual e acesso aos antirretrovirais: resistência da sociedade civil no sul global. Rio de Janeiro: Abia, 2011. p. 12-58.) - mudou o cenário de morte iminente e aumentou sobremaneira a expectativa de vida. A partir de então a aids vem sendo incluída por diversos atores sociais, sobretudo profissionais da saúde e tomadores de decisão, na lista das condições crônicas já que, se devidamente diagnosticada e tratada, apesar de incurável, é “clinicamente manejável” e “requer uma administração e acompanhamento permanente durante longo período de tempo” (Alencar; Nemes; Velloso, 2008ALENCAR, T. M. D.; NEMES, M. I. B.; VELLOSO, M. A. A transformação da “aids aguda” para a “aids crônica”: percepção corporal e intervenções cirúrgicas em pessoas vivendo com HIV e aids. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 13, n. 6, p. 1841-1849, 2008., p. 1842). Ao longo desse tempo foi alterada também a dispersão do vírus na sociedade com o aumento de mulheres e crianças infectadas (Cohn, 1997COHN, A. Considerações acerca da dimensão social da epidemia de HIV/aids no Brasil. In: Simpósio satélite: a epidemia da aids no Brasil: situação e tendências. Brasília, DF: Coordenação Nacional de DST/aids, 1997. p. 45-53.; Cruz, 2007CRUZ, E. F. Infâncias, adolescências e aids. Educação em revista, Belo Horizonte, n. 46, p. 363-384, dez. 2007.). O primeiro indício de que a transmissão mãe-bebê poderia ser evitada é de 1994 com a publicação dos resultados de estudo sobre a eficácia da administração de AZT para gestantes infectadas (Lemos; Gurgel; Dal Fabbro, 2005LEMOS, L. M. D.; GURGEL, R. Q.; DAL FABBRO, A. L. Prevalência da infecção por HIV em parturientes de maternidades vinculadas ao SUS. Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia, Rio de Janeiro, v. 27, n. 1, p. 32-36, 2005.).

A partir de 1996 com a consolidação da terapia com antirretrovirais para o controle da replicação viral por longos períodos, as crianças infectadas por transmissão mãe-bebe, que tinham a morte como cenário provável em mais de 90% dos casos (Silveira, 2008SILVEIRA, M. C. S. Falando com meu filho: o processo de revelação do diagnóstico HIV/aids. 2008. Dissertação (Mestrado em Saúde e Gestão do Trabalho) - Universidade do Vale do Itajaí, Itajaí, 2008.), passaram a sobreviver, chegar à adolescência e demandar não apenas cuidados em saúde, mas conhecimentos sobre esses cuidados e as razões que os ensejaram. Estabelecia-se uma nova teia de relações e processos sociais - como tantas outras emersas a partir da aids.

Em que pese ser hoje uma doença de longa duração, não é simples receber um teste reagente para o HIV. O diagnóstico é uma ruptura biográfica que acaba por virar um marco na trajetória e reorientar as biografias. Após um momento inicial de equilíbrio, a normalidade aparece como eixo estruturante dos discursos sobre a vida com o vírus mesmo que eventuais pontos de inflexão, como a interdição de projetos de vida e revisão da própria biografia, já foram descritos (Amorim, 2007AMORIM, C. Jovens soropositivos por transmissão vertical: entremeando saúde e doença. 2007. Dissertação (Mestrado em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.; Bury, 2011BURY, M. Doença crônica como ruptura biográfica. Tempus: Actas de Saúde Coletiva, Brasília, DF, v. 5, n. 2, p. 41-55, 2011.; Galano et al., 2015GALANO, E. et al. Vivências dos adolescentes soropositivos para HIV/aids: estudo qualitativo. Revista Paulista de Pediatria, São Paulo, v. 34, n. 2, p. 171-177, 2015.; Marques et al., 2006MARQUES, H. H. S. et al. A revelação do diagnóstico na perspectiva dos adolescentes vivendo com HIV/aids e seus pais e cuidadores. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 22, n. 3, p. 619-629, 2006.; Rodrigues et al., 2011RODRIGUES, A. S. et al. Representações sociais de adolescentes e jovens vivendo com HIV acerca da adolescência, sexualidade e aids. Revista Eletrônica de Enfermagem, Goiânia, v. 13, n. 4, p. 680-687, 2011. Disponível em: <Disponível em: http://bit.ly/2sy36S8 >. Acesso em: 24 fev. 2017.
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). A família pode, por sua vez, ser um lugar importante para tomar conhecimento sobre a própria condição. Em alguns casos, todavia, os cuidadores preferem apelar aos serviços de saúde por diversos motivos: receio que os jovens não guardem segredo (Guerra; Seidl, 2010GUERRA, C. P.; SEIDL, E. M. F. Adesão em HIV/aids: estudo com adolescentes e seus cuidadores primários. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 15, n. 4, p. 781-789, 2010.; Marques et al., 2006MARQUES, H. H. S. et al. A revelação do diagnóstico na perspectiva dos adolescentes vivendo com HIV/aids e seus pais e cuidadores. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 22, n. 3, p. 619-629, 2006.;) ou medo de expor a própria intimidade e serem culpabilizados, quando pais biológicos (Galano et al., 2014GALANO, E. et al. Revelação diagnóstica do HIV/aids para crianças: um relato de experiência. Psicologia: Ciência e Profissão, Brasília, DF, v. 34, n. 2, p. 500-511, 2014.; Silveira, 2008SILVEIRA, M. C. S. Falando com meu filho: o processo de revelação do diagnóstico HIV/aids. 2008. Dissertação (Mestrado em Saúde e Gestão do Trabalho) - Universidade do Vale do Itajaí, Itajaí, 2008.).

Quando os jovens sabem de sua condição, precisam escolher a quem contar. A maioria prefere, à exceção dos parceiros afetivo-sexuais, não revelar a ninguém (Amorim, 2007AMORIM, C. Jovens soropositivos por transmissão vertical: entremeando saúde e doença. 2007. Dissertação (Mestrado em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.; Marques et al., 2006MARQUES, H. H. S. et al. A revelação do diagnóstico na perspectiva dos adolescentes vivendo com HIV/aids e seus pais e cuidadores. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 22, n. 3, p. 619-629, 2006.; Rodrigues et al., 2011RODRIGUES, A. S. et al. Representações sociais de adolescentes e jovens vivendo com HIV acerca da adolescência, sexualidade e aids. Revista Eletrônica de Enfermagem, Goiânia, v. 13, n. 4, p. 680-687, 2011. Disponível em: <Disponível em: http://bit.ly/2sy36S8 >. Acesso em: 24 fev. 2017.
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), sobretudo para não perder o controle sobre quem compartilha o segredo (Galano et al., 2015GALANO, E. et al. Vivências dos adolescentes soropositivos para HIV/aids: estudo qualitativo. Revista Paulista de Pediatria, São Paulo, v. 34, n. 2, p. 171-177, 2015.; Maksud, 2012MAKSUD, I. Silêncios e segredos: aspectos (não falados) da conjugalidade face à sorodiscordância para o HIV/aids. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 28, n. 6, p. 1196-1204, 2012.) e pelo medo da discriminação (Paiva et al., 2011PAIVA, V. et al. A sexualidade de adolescentes vivendo com HIV: direitos e desafios para o cuidado. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 16, n. 10, p. 4199-4210, 2011.; Rabuske, 2009RABUSKE, M. M. Comunicação de diagnóstico de soropositividade para o HIV e aids para adolescentes e adultos: implicações psicológicas e repercussões nas relações familiares e sociais. 2009. Tese (Doutorado em Psicologia) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2009.). No entanto, a escolha por revelar o diagnóstico ao invés de escondê-lo já é fato retratado nas pesquisas (Oliveira et al., 2012OLIVEIRA, L. L. et al. Projetos de vida de adultos jovens portadores de HIV por transmissão vertical: estudo exploratório com usuários de um ambulatório de infectologia. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 21, n. 4, p. 928-939, 2012.).

Assim, nos últimos anos a ideia de lidar com uma doença crônica vem orientando as práticas biomédicas e sendo apregoada pela mídia. Em oposição às manifestações nas quais era descrita como condição mortífera, parece haver um ganho significativo nas formas sociais de lidar com a doença. Apesar do processo de controle clínico e prolongamento temporal da vida levar a uma reconstrução do discurso biomédico, mudando a forma de conotar, denotar e explicar, há outras questões a serem exploradas (López; Trad, 2015LÓPEZ, Y. A. A.; TRAD, L. A. B. Vivendo e aprendendo: os significados da cronicidade da leucemia mieloide crônica na experiência de pacientes. Revista de Ciências Sociais Política & Trabalho, João Pessoa, n. 42, p. 175-195, jan./jun. 2015.): necessidade de (re)adequação de hábitos e comportamentos, vivência do estigma, imprevisibilidade dos acontecimentos futuros, escape ao protagonismo médico no autocuidado, interação frequente e periódica com profissionais da saúde, sobreposição de doenças e utilização contínua de medicamentos são alguns dos pontos trazidos pelo prolongamento temporal que precisam ser mais bem analisados pela literatura científica (Barsaglini, 2013BARSAGLINI, R. A. Adoecimentos crônicos, condições crônicas, sofrimentos e fragilidades sociais: algumas reflexões. In: CANESQUI, A. M. (Org.). Adoecimentos e sofrimentos de longa duração. São Paulo: Hucitec, 2013. p. 78-101.; Fleischer; Franch, 2015FLEISCHER, S.; FRANCH, M. Uma dor que não passa: aportes teórico-metodológico de uma antropologia das doenças compridas. Revista de Ciências Sociais Política & Trabalho, João Pessoa, v. 32, n. 42, p. 13-28, 2015.). Essas são apenas algumas das questões que podem ser problematizadas e que redefinem os contornos da experiência, mediam a vida e as relações sociais e se inserem nos processos multilaterais de produção de sentido. Elas redimensionam os cotidianos e são intrínsecas à interpretação da enfermidade, parecendo centrais tanto para compreender a experiência com a doença como para qualificar o processo terapêutico.

Quando traz o debate sobre a reclassificação da aids para a interpretação das pessoas vivendo com HIV a distinção do “agudo” para o “crônico” é mais tênue - por vezes borrada - que dois lados de uma linha e não há um corte entre elas. O passado não perece para o futuro existir, mas passado e futuro se (re)elaboram mutuamente, sendo a cronicidade “uma construção subjetiva em constante movimento” (Alencar, 2006ALENCAR, T. M. D. A vida crônica é novidade na aids: as transformações da aids aguda para a aids crônica sob o ponto de vista dos pacientes. 2006. Dissertação (Mestrado em Medicina Preventiva) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006., p. 167), de forma que os sujeitos não passam da “aids aguda” - aquela em que tem como elementos estruturantes a ideia do medo, morte, sofrimento e solidão - para a “aids crônica”, “manejável” e que pouco compromete a vida dos sujeitos, de modo estanque, mas os dois modelos coexistem em conflito e negociação (Alencar, 2006ALENCAR, T. M. D. A vida crônica é novidade na aids: as transformações da aids aguda para a aids crônica sob o ponto de vista dos pacientes. 2006. Dissertação (Mestrado em Medicina Preventiva) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006., p. 192).

O binômio saúde-doença também é perturbado considerando a possibilidade de apreender essas condições, ao mesmo tempo como doença e saúde (Fleischer; Franch, 2015FLEISCHER, S.; FRANCH, M. Uma dor que não passa: aportes teórico-metodológico de uma antropologia das doenças compridas. Revista de Ciências Sociais Política & Trabalho, João Pessoa, v. 32, n. 42, p. 13-28, 2015.) em uma configuração diferenciada da dimensão temporal, nem sempre retilínea que mescla “agudização” e “(re)equilíbrio” a partir “da construção de uma nova norma de vida, muitas vezes tecnicamente traduzida como caso controlado, compensado” (Barsaglini, 2013BARSAGLINI, R. A. Adoecimentos crônicos, condições crônicas, sofrimentos e fragilidades sociais: algumas reflexões. In: CANESQUI, A. M. (Org.). Adoecimentos e sofrimentos de longa duração. São Paulo: Hucitec, 2013. p. 78-101., p. 95). Além disso, o olhar dos sujeitos se torna multitemporal “retrospectivo, ao avaliar os passos dados; presente, ao controlar os efeitos da doença e se manter vivo e saudável; e também perspectivo, ao planejar e vislumbrar seu futuro” (Fleischer; Franch, 2015FLEISCHER, S.; FRANCH, M. Uma dor que não passa: aportes teórico-metodológico de uma antropologia das doenças compridas. Revista de Ciências Sociais Política & Trabalho, João Pessoa, v. 32, n. 42, p. 13-28, 2015., p. 21).

Operar com o conceito de doença crônica vinculado à biomedicina não dá conta da polissemia vivida pelos sujeitos a partir da experiência com “doenças compridas” (Fleischer; Franch, 2015FLEISCHER, S.; FRANCH, M. Uma dor que não passa: aportes teórico-metodológico de uma antropologia das doenças compridas. Revista de Ciências Sociais Política & Trabalho, João Pessoa, v. 32, n. 42, p. 13-28, 2015.) de modo que preferimos circunscrever analiticamente as reflexões a partir do referencial teórico oriundo dos estudos socioantropológicos das doenças e sofrimentos de longa duração (Canesqui, 2013CANESQUI, A. M. Adoecimentos e sofrimentos de longa duração. São Paulo: Hucitec, 2013.; Fleischer; Franch, 2015FLEISCHER, S.; FRANCH, M. Uma dor que não passa: aportes teórico-metodológico de uma antropologia das doenças compridas. Revista de Ciências Sociais Política & Trabalho, João Pessoa, v. 32, n. 42, p. 13-28, 2015.). Essas são:

Diversas, incuráveis, mas controladas pela biomedicina. Elas são de longa permanência e duração. Acompanham as vidas dos adoecidos, obrigados a conviver com elas. Algumas provocam crises recorrentes; outras resultam em mortes, incapacidades reversíveis ou irreversíveis e em sofrimento físicos e morais intensos. Muitas delas, apesar de presentes, permitem conviver e conduzir normalmente as vidas. Todas geram incertezas das possíveis consequências, recorrências, crises ou agravamentos. Despertam esperanças de cura ou a minimização dos tratamentos médicos ou dos advindos das demais práticas de cura, incluindo as religiosas. Todas igualmente comprometem as biografias, as circunstâncias de vida e as condições de saúde individuais e coletivas e a relação indivíduo e sociedade (Canesqui, 2013CANESQUI, A. M. Adoecimentos e sofrimentos de longa duração. São Paulo: Hucitec, 2013., p. 28).

Outro referencial que subsidia nossa análise é o de experiência da doença, conceito usado pelo antropólogo Paulo César Alves (1993ALVES, P. C. A experiência da enfermidade: considerações teóricas. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 9, n. 3, p. 263-271, 1993., p. 268) para definir os meios “pelos quais os indivíduos e grupos respondem a um dado episódio de doença”. Essa concepção permite estabelecer reflexões sobre os modos pelos quais os sujeitos vivenciam a enfermidade, formulam sentidos e desenvolvem práticas para agenciá-las. A primeira delas, ponto de partida para sua compreensão, é a experiência de sentir-se mal. Não se trata de vaticinar a existência de um sintoma clínico ou perturbação fisiológica, domínio próprio da investigação biomédica, mas reivindicar a primazia da interpretação do sujeito sobre suas vivências. Em outras palavras: não é apenas a partir dos sintomas - miríades de sensações coligadas - que podemos compreender a enfermidade, mas quando estes são transformados em impressões sensíveis é que a “doença torna-se uma enfermidade” (Alves, 1993ALVES, P. C. A experiência da enfermidade: considerações teóricas. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 9, n. 3, p. 263-271, 1993., p. 268).

Uma dimensão que precisa ser considerada ainda é a proposta desse referencial acerca do corpo e de como ele configura, mais que simples instrumento, fundamento da experiência e “condição e possibilidade para que as coisas se convertam em meios ou objetos” (Alves; Rabelo, 1998ALVES, P. C.; RABELO, M. C. Repensando os estudos sobre representações e práticas em saúde/doença. In: ALVES, P. C.; RABELO, M. C. (Org.). Antropologia da saúde: traçando identidade e explorando fronteiras. Rio de Janeiro: Fiocruz: Relume Dumará, 1998. p. 108-119., p. 109). Assim, sendo o corpo dimensão intrínseca e própria do ser, sua mediação se configura como “relação originária entre consciência e mundo - anterior à constituição mesma dos objetos” (Alves; Rabelo, 1998ALVES, P. C.; RABELO, M. C. Repensando os estudos sobre representações e práticas em saúde/doença. In: ALVES, P. C.; RABELO, M. C. (Org.). Antropologia da saúde: traçando identidade e explorando fronteiras. Rio de Janeiro: Fiocruz: Relume Dumará, 1998. p. 108-119., p. 109). Nesse sentido, todas as experiências acabam por ser, além de necessariamente culturais, radicadas no corpo, sendo nele e a partir dele inscritas, possibilitando sínteses dialéticas entre cultura e agência.

As reflexões ofertadas sobre experiência da enfermidade contribuem para a percepção de uma dimensão iminentemente temporal, de caráter processual - mesmo que não retilíneo - dos processos de adoecimento. Não apenas “porque a doença, em si mesma, muda no decorrer do tempo, mas também porque a sua compreensão é continuamente confrontada por diferentes diagnósticos construídos por familiares, amigos, vizinhos e terapeutas” (Alves, 1993ALVES, P. C. A experiência da enfermidade: considerações teóricas. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 9, n. 3, p. 263-271, 1993., p. 267) e porque essa compreensão é permanentemente atravessada e (re)lida a partir das vivências e experiências outras do sujeito, que se atualizam permanentemente e não são produtos de um instante pontual.

Ainda fugindo da oposição entre indivíduo e sociedade e compreendendo que os sujeitos são, ao mesmo tempo, construto e construtores da realidade, buscamos um arcabouço teórico que permitisse dialogar com o estruturalismo sem cair na filosofia do sujeito ou da consciência que, segundo Bourdieu, se apresenta sob o signo do individualismo metodológico (Bourdieu, 2001BOURDIEU, P. A gênese dos conceitos de habitus e campo. In: BOURDIEU, P. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001. p. 59-74.). Escolhemos a teoria da prática a partir da recuperação do conceito de habitus, um princípio gerador das práticas dos agentes que coloca sob a perspectiva dialética a relação entre objetividade e subjetividade por meio das estruturas estruturadas - externas ao agente, atuando na construção da sua subjetividade e transmutando as ações individuais de maneira implícita e condicionante - e das estruturas estruturantes - confeccionadas a partir das vivências e experiências significadas pelos agentes (Bourdieu, 1982BOURDIEU, P. A economia das trocas simbólicas. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1982.).

O habitus se configura, portanto, como um sistema de esquemas individuais “socialmente constituídos que, enquanto estruturas estruturadas e estruturantes, constituem o princípio gerador e unificador do conjunto das práticas e das ideologias características de um grupo de agentes” (Bourdieu, 1982BOURDIEU, P. A economia das trocas simbólicas. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1982., p. 191). Essa “subjetividade socializada” não se configura como um sistema fechado, tem sua trajetória ajustada pelas experiências dos sujeitos em processos dialógicos de “interiorização da exterioridade e exteriorização da interioridade” (Bourdieu, 1982BOURDIEU, P. A economia das trocas simbólicas. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1982., p. 46-47). Esse complexo movimento possibilita que os agentes não sejam meros reprodutores da estrutura, mas sejam compelidos a dialogar com as situações objetivas que lhes são impostas respondendo a elas de maneira crítica e criativa.

Como o habitus, a experiência da enfermidade se configura como “campo em que se entrecruzam essas dimensões [pensamento e ação], oferecendo assim caminho interessante para uma possível superação das dicotomias clássicas.” (Alves; Rabelo, 1998ALVES, P. C.; RABELO, M. C. Repensando os estudos sobre representações e práticas em saúde/doença. In: ALVES, P. C.; RABELO, M. C. (Org.). Antropologia da saúde: traçando identidade e explorando fronteiras. Rio de Janeiro: Fiocruz: Relume Dumará, 1998. p. 108-119., p. 108). Ademais, apesar de não estarmos plenamente convencidos da total “prioridade da prática, da esfera do fazer e agir sobre o pensamento e a reflexão” (Alves; Rabelo, 1998, p. 109), os próprios autores contemporizam a suposta supremacia quando assumem que “a experiência do adoecer tanto atesta para o poder de hábitos arraigados, que resistem à incorporação efetiva de novas representações no delineamento do comportamento, quanto aponta para o processo de formação de novos hábitos” (Alves; Rabelo, 1998ALVES, P. C.; RABELO, M. C. Repensando os estudos sobre representações e práticas em saúde/doença. In: ALVES, P. C.; RABELO, M. C. (Org.). Antropologia da saúde: traçando identidade e explorando fronteiras. Rio de Janeiro: Fiocruz: Relume Dumará, 1998. p. 108-119., p. 110).

Neste estudo, a experiência da doença como habitus se sustenta já que, em ambos os conceitos, o trabalho do tempo - lento, porém gradual e constante - tem lugar central. A doença, no caso dos sujeitos desta pesquisa, se confunde com sua própria infância. Nesse sentido, suas experiências com o agenciamento do HIV e da vida que o circunscreve se confundem com o processo mesmo de inculcação de seu habitus.

Percurso metodológico

A pesquisa buscou alcançar seus objetivos com a construção de narrativas a partir de entrevistas abertas considerando a fala como prima facie entre as estratégias de acesso às experiências. Por um lado, como diz Minayo (2008MINAYO, M. C. S. O desafio do conhecimento. São Paulo: Hucitec, 2008., p. 63), a fala tem a potencialidade de “ser reveladora de condições de vida, da expressão dos sistemas de valores e crenças e, ao mesmo tempo, têm a magia de transmitir, por meio de um porta-voz, o que pensa o grupo dentro das mesmas condições históricas, socioeconômicas e culturais do interlocutor”. Por outro lado, a construção de narrativas se configura como “meio primário para dar forma a essa experiência e torná-la disponível para o próprio sujeito que fala” (Aureliano, 2012AURELIANO, W. As pessoas que as doenças têm: entre o biológico e o biográfico. In: CARDOSO, V. Z.; GONÇALVES, M. A.; MARQUES, R. (Org.). Etnobiografia: subjetivação e etnografia. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2012. p. 239-261., p. 240), fazendo emergir sentidos para além da dimensão estritamente biológica e não sendo mera reprodução das representações, mas processos também sociais e práticos, já que, através delas, de forma mais ou menos deliberada, se constrói continuamente o processo de significação. Assim, o sujeito que fala não está apenas se colocando diante do outro, mas diante de si mesmo de forma a produzir lugares possíveis para a experiência da doença.

Aprovada pelo Comitê de Ética do Hospital Antônio Pedro no Parecer 1.076.809, esta pesquisa acessou seus interlocutores mediante uma Organização não governamental (ONG) da região metropolitana do Rio de Janeiro. A partir de um encontro fortuito com o informante-chave Gabriel nas dependências da ONG, conhecemos os demais interlocutores, por meio de sua rede de relações. O jovem nos sugeriu uma lista de meninas e meninos que já haviam sidos assíduos na ONG e que eram atendidos no mesmo ambulatório do serviço de saúde que ele frequentava; sugeriu ainda a criação de um grupo no WhatsApp e por meio dele as entrevistas foram marcadas. Foram realizadas seis entrevistas abertas em profundidade com jovens de ambos os sexos de transmissão materno-infantil entre 18 e 22 anos. As entrevistas foram realizadas, por sugestão dos próprios jovens, nas dependências da ONG. Duraram em média noventa minutos, foram gravadas e precedidas pela explicação e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em conformidade com a Resolução 510/2016 do Conselho Nacional de Ética em Pesquisa. Antes de cada entrevista foi realizada uma breve apresentação do pesquisador e da pesquisa.

Inicialmente era apresentada a questão disparadora - Qual sua história com a aids?22Ainda que tenhamos usado aids em todo o corpo analítico do trabalho, julgamos que esse termo não faria sentido para nossos interlocutores de modo que, nas entrevistas, optamos por utilizar o termo que eles reconheciam. - e a partir das respostas, novas questões iam sendo formuladas. Inspirados no trabalho de Alencar (2006ALENCAR, T. M. D. A vida crônica é novidade na aids: as transformações da aids aguda para a aids crônica sob o ponto de vista dos pacientes. 2006. Dissertação (Mestrado em Medicina Preventiva) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006.) sobre a cronicidade do viver com HIV, elegemos inicialmente diferentes searas da vida sobre as quais gostaríamos de ouvir as eventuais repercussões a partir do diagnóstico: relações interpessoais e afetivas; relações ocupacionais; relação com a biomedicina; percepção corporal; representações do vírus, do tratamento e da doença.

A interpretação dos dados começou no instante de sua produção (Becker, 1994BECKER, H. S. Métodos de pesquisa em ciências sociais. 2. ed. São Paulo: Hucitec, 1994.; Pope; Mays, 2009POPE, C.; MAYS, N. Pesquisa qualitativa na atenção à saúde. Porto Alegre: Artmed, 2009.). Ao final de cada entrevista foi elaborado um texto que chamamos de “memória afetiva”, onde constavam as informações que mais nos chamaram atenção. Em seguida, as entrevistas foram transcritas e, a partir de então, elencamos as categorias mais recorrentes. Ao longo do processo, foram incorporadas não apenas falas, mas também o contexto de sua produção, já que não podem ser compreendidas fora dele (Becker, 1994BECKER, H. S. Métodos de pesquisa em ciências sociais. 2. ed. São Paulo: Hucitec, 1994.; Caprara; Landim, 2008CAPRARA, A.; LANDIM, L. P. Etnografia: uso, potencialidades e limites na pesquisa em saúde. Interface: Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 12, n. 25, p. 363-376, 2008.). Na elaboração do material escrito houve preocupação em transparecer que “se esteve lá”, já que é a possibilidade de mostrar ao leitor esse movimento de interpenetração mútua de culturas que permite que o antropólogo seja levado a sério (Geertz, 2005GEERTZ, C. Obras e vidas: o antropólogo como autor. Rio de Janeiro: UFRJ, 2005.). Tentamos lançar mão também do diálogo com diversos autores que, em maior ou menor grau, estabelecem ligações com o nosso tema ou com temas correlatos.

Nossos interlocutores

Todos os interlocutores eram cisgêneros e heterossexuais, cursando ou tendo finalizado o ensino médio, com apenas uma exceção. Todos eram deístas e metade era pentecostal. Nenhum tinha filhos, mas a maioria pretendia. Todos eram órfãos33Sobre a relação entre orfandade e HIV em jovens, ver o trabalho de Ferrara (2009). e a maioria percorreu itinerários em casas de familiares após a morte de seus pais.

Gabriel tinha 21 anos. Nascido e criado em uma favela, cursava a oitava série, mas pretendia interromper os estudos. Com o sonho de ser jogador de futebol interrompido pela “questão diagnóstica”, resolveu ficar rico jogando na Mega-Sena. Ele, que ainda se considerava uma criança, maneja com certa destreza os termos biomédicos e nunca quis esconder seu diagnóstico. Atribui à “militância” o fato de perceber que não precisa se esconder.

Quésia tinha 20 anos, é pentecostal e acredita que pode ser curada por Deus. Apesar de nunca ter sofrido preconceito, guardava a sorologia em segredo. Percorrendo casas de vários familiares após a morte da mãe, se orgulhava da “boa adesão”, garantiu que viver com HIV não era um problema, só lamentava não poder doar sangue. Ela, que pretendia trabalhar antes de estudar enfermagem, garantia ter sido a “militância” que a ajudou a entender melhor a doença.

Bruno tinha 22 anos. Ostentava cabelo raspado, chinelo Kenner no pé e um modo de falar repleto de gírias. Quando da entrevista era empacotador e já teve muitos problemas porque era “viciado em brigar”, mas buscava Deus. Para ele, “viver com HIV é ruim” e o principal problema era os entraves conjugais.

Miriam tinha 19 anos e teve infância e adolescência marcadas por episódios discriminatórios. Era casada e cursava técnico de enfermagem. Rejeitava a medicação como forma de se esquecer da doença e guardava sua sorologia em segredo, ainda que dissesse que o HIV não interferia em sua vida.

Mário Igor tinha 18 anos, era virgem, acreditava que seria curado por Deus e sonhava em ser pediatra para ajudar “crianças carentes”. Depois da morte da mãe, aos 9 anos, iniciou uma “fase rebelde” e apenas no final da adolescência voltou a “tomar o remédio direitinho”. Sofreu agressões e explorações domésticas até chegar à casa da prima, onde morava na época da entrevista.

Melani tinha 22 anos. Com a morte da mãe foi morar com a avó e só após a morte desta descobriu sua sorologia aos 15 anos; revelou então sua condição para toda a escola e na ocasião da entrevista afirmou que não faria isso de novo. Considerava-se uma “militante”. Achava que viver com HIV não era um “bicho de sete cabeças” e só se lembrava da infecção quando precisava tomar os remédios. Seus sonhos eram voltar a cursar o bacharelado em Direito e ser mãe.

Resultados e discussões

A revelação torna-se um marco na trajetória e na biografia dos sujeitos e aponta para um (re)posicionamento na vida e, consequentemente, em seu agenciamento. Os dados da pesquisa mostram duas formas de revelação do diagnóstico: na primeira delas, a família capitaneia a revelação de forma difusa, ao longo dos anos, evitando assim um momento drástico. Esse desenrolar que, longe de se concentrar em um evento específico, se fragmenta no tempo, pode ser percebido na fala de Bruno: Eu descobri com minha mãe contando devagar. […] Quando fui crescendo […] Ela sabia que eu… Para não deixar… Certa idade para me contar, foi contando devagar. Foi contando devagar para me acostumar.

Nesses casos, como o processo é iniciado em tenra idade, há que se fazer uma transliteração para o universo infantil lançando mão de estratégias baseadas no uso de analogias e metáforas que parecem ser bastante recorrentes, já que explicar a infecção de um retrovírus que pode levar à imunossupressão severa para uma criança não é tarefa das mais simples. Como exemplo do uso dessa estratégia o caso de Miriam é bastante ilustrativo:

Na verdade nem lembro direito, assim. [pausa] Ela falou que eu tinha… Ela falava bichinho, né? Ah, você tem uns bichinhos na veia […] aí pra isso você tem que tomar remédio. Mas aí depois que fui sabendo, quando fui crescendo mesmo, o que era realmente, entendeu? […] foi aos poucos mesmo (Miriam).

A outra forma de recebimento do diagnóstico pontuada foi pelo serviço de saúde. Nesses casos uma equipe multiprofissional costuma conduzir o processo. Segundo a literatura, alguns cuidadores (familiares, em sua maioria) se sentem despreparados para fazer a revelação e acabam apelando para o auxílio do serviço (Marques et al., 2006MARQUES, H. H. S. et al. A revelação do diagnóstico na perspectiva dos adolescentes vivendo com HIV/aids e seus pais e cuidadores. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 22, n. 3, p. 619-629, 2006.). Outra justificativa é o receio de que os jovens não guardem segredos (Guerra; Seidl, 2010GUERRA, C. P.; SEIDL, E. M. F. Adesão em HIV/aids: estudo com adolescentes e seus cuidadores primários. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 15, n. 4, p. 781-789, 2010.). Quando a decisão de recorrer aos serviços é dos pais biológicos, aparece ainda o medo de serem responsabilizados, hostilizados ou o desejo de ocultar a própria intimidade (Galano et al., 2014GALANO, E. et al. Revelação diagnóstica do HIV/aids para crianças: um relato de experiência. Psicologia: Ciência e Profissão, Brasília, DF, v. 34, n. 2, p. 500-511, 2014.; Silveira, 2008SILVEIRA, M. C. S. Falando com meu filho: o processo de revelação do diagnóstico HIV/aids. 2008. Dissertação (Mestrado em Saúde e Gestão do Trabalho) - Universidade do Vale do Itajaí, Itajaí, 2008.).

Eu me descobri soropositivo já tinha quatorze, ia fazer quinze anos, saí de uma internação de um mês no Hospital João Goulart e [depois] fui direto pro XXX44XXX é o acrônimo escolhido para fazer referência à sigla da instituição, de modo que o nome verdadeiro não seja revelado.. Foi então que me deram o diagnóstico de soropositivo, e comecei o tratamento (Gabriel).

Metade dos jovens infectou-se por meio da amamentação, o que indica que as mães contraíram o vírus após o parto ou não tiveram acompanhamento pré-natal adequado (Couto de Oliveira et al., 2010COUTO DE OLIVEIRA, M. I. et al. Resultado do teste rápido anti-HIV após o parto: uma ameaça à amamentação ao nascimento. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 44, n. 1, p. 60-9, 2010.). Apesar disso, os jovens não responsabilizam as mães porque entendem que elas “não fizeram de propósito” ou “não sabiam mesmo”. A relação de afeto também aparece na fala de Gabriel: Eu acho que, eu… Agradeço… Agradeço não, mas assim… sei que veio… Quando eu me tornei soropositivo veio de uma pessoa […] que não me queria o mal, que não queria me fazer o mal.

Em algumas histórias, foram os próprios jovens que inqueriram os profissionais de saúde. Acostumados à realização periódica de exames e uso contínuo de medicação, não entendiam “o porquê daquilo tudo”. É o caso de Melani, que, até a morte de sua avó, aos 15 anos, acreditava que a medicação era uma espécie de tratamento para uma catapora forte que havia tido na infância. Sua avó, muito “zelosa”, não permitia que ninguém lhe contasse sobre o HIV por considerar que lhe faria mais mal do que bem. Em suas palavras:

Quando minha avó faleceu simplesmente cheguei pro meu médico e perguntei, […] quero saber por que tomo esses remédios, minha avó falava pra mim que […] [é] por causa da minha catapora. […] daí ela pegou e chamou a equipe, meu padrinho que me levava nas consultas e me contou (Melani).

Muitos trabalhos sobre revelação do diagnóstico na perspectiva de adolescentes com sorologia positiva para o HIV demonstraram que a ideia de normalidade aparece como eixo estruturante dos discursos sobre o diagnóstico (Amorim, 2007AMORIM, C. Jovens soropositivos por transmissão vertical: entremeando saúde e doença. 2007. Dissertação (Mestrado em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.; Galano et al., 2015GALANO, E. et al. Vivências dos adolescentes soropositivos para HIV/aids: estudo qualitativo. Revista Paulista de Pediatria, São Paulo, v. 34, n. 2, p. 171-177, 2015.; Marques et al., 2006MARQUES, H. H. S. et al. A revelação do diagnóstico na perspectiva dos adolescentes vivendo com HIV/aids e seus pais e cuidadores. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 22, n. 3, p. 619-629, 2006.; Rodrigues et al., 2011RODRIGUES, A. S. et al. Representações sociais de adolescentes e jovens vivendo com HIV acerca da adolescência, sexualidade e aids. Revista Eletrônica de Enfermagem, Goiânia, v. 13, n. 4, p. 680-687, 2011. Disponível em: <Disponível em: http://bit.ly/2sy36S8 >. Acesso em: 24 fev. 2017.
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). Os dados desta pesquisa corroboram essa afirmação: receber o diagnóstico “não foi um bicho de sete cabeças”, foi “normal” “tranquilo” e não “abalou” ou “nunca trouxe qualquer problema” para os jovens, evidenciando um habitus que lhes fora inculcado ao longo da vida. Metade dos jovens, inclusive, garantiu que a doença “nem existe”. Quésia, uma das mais enfáticas defensoras desta tese, afirma:

Assim eu vivo com ela, com a aids, já tem uns, bastante tempo já […] ela pra mim tipo nem existe; só existe quando vou tomar remédio. Fora isso nunca me atrapalhou em nada, em relacionamento, namoro, com minha família, nada disso nunca me atrapalhou (Quésia).

No entanto, ao longo da entrevista, podemos observar no discurso de Quésia contradições a essa tese, quando a jovem menciona o desejo de engravidar de forma natural como um revés no contexto do HIV, considerando que nem todo namorado “toparia embarcar nesta jornada”. Para ela, o fato de “nunca ter precisado fazer tratamento com psicólogo” ratifica a percepção de que encara o diagnóstico com normalidade, a ponto de falar sobre isso com sorriso envaidecido estampado no rosto. Doar sangue foi outro exemplo para descrever situações em que há prejuízos e rupturas da normalidade por ocasião do HIV.

Mário Igor, irmão mais novo de Quésia, também soropositivo, acredita que a única coisa que o faz diferente das outras pessoas, negativas sorologicamente para o HIV, é o fato de precisar tomar medicação não apenas durante um período específico de convalescença. Nas palavras dele:

Pra mim foi… Normal. Não reagi muito diferente não. Porque pra mim… Essa doença pra mim é a mesma coisa de nada, porque eu vivo normal. Só os remédios que eu tenho que tomar, como qualquer pessoa toma, mas não todo dia. E pra mim é normal. Pra mim foi normal (Mário Igor).

Apesar do suposto invólucro de normalidade, a tomada de conhecimento da soropositividade parece fechar portas de antemão e interditar projetos de vida (Marques et al., 2006MARQUES, H. H. S. et al. A revelação do diagnóstico na perspectiva dos adolescentes vivendo com HIV/aids e seus pais e cuidadores. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 22, n. 3, p. 619-629, 2006.). Gabriel tinha o sonho de se tornar um jogador de futebol profissional e falou claramente da sua compreensão da tomada de consciência da doença como evento disruptivo que o levou a reexaminar suas expectativas e planos em relação ao futuro (Bury, 2011BURY, M. Doença crônica como ruptura biográfica. Tempus: Actas de Saúde Coletiva, Brasília, DF, v. 5, n. 2, p. 41-55, 2011.). Tinha plano de ser jogador de futebol, mas isso foi impedido de acordo com a minha questão diagnóstica (Gabriel).

E não foram apenas os planos para o futuro que precisaram ser (re)interpretados à luz da sorologia positiva para o HIV. Recuperando Bury (2011BURY, M. Doença crônica como ruptura biográfica. Tempus: Actas de Saúde Coletiva, Brasília, DF, v. 5, n. 2, p. 41-55, 2011., p. 43), “há rupturas mais profundas nos sistemas explanatórios que são normalmente usados pelas pessoas, de tal maneira que uma revisão fundamental da biografia e do autoconceito da pessoa está envolvida”. As falas de Gabriel nos auxiliam também na percepção desse fenômeno:

Não, na verdade não é que eu me sentia cansado, é que depois que… Assim que fui internado comecei a ter baixa imunidade, fui emagrecendo, aí tudo aquilo, depressão, morte da minha tia, e aí depois de um mês que me deram o diagnóstico e comecei o tratamento, mas aquela coisa, eu acho que eu já não tinha mais a mesma vontade de fazer o que eu já fazia, entendeu? (Gabriel)

Mas lidar com diagnóstico não se limita às expectativas que o sujeito tem para si. Tomar conhecimento da sorologia instaura uma questão fundante: a quem contar sobre a condição sorológica? À exceção dos parceiros afetivo-sexuais, a maioria dos jovens prefere não revelar a sua condição soropositiva nem para as pessoas mais próximas. Sobre o assunto nos diz Quésia:

Nunca fui de contar não. Quando era pequena, nunca contei. Para ninguém. Meus primos sabiam, porque os parentes falaram, porque […], nunca contei [para ninguém]. Nunca, nunca. A única vez que contei mesmo foi quando comecei a namorar, com quatorze anos (Quésia).

A escolha em guardar segredo, mesmo dos amigos mais próximos, é elencada como uma forma de evitar que os sujeitos percam o controle sobre quem são os que compartilham consigo sua condição (Galano et al., 2015GALANO, E. et al. Vivências dos adolescentes soropositivos para HIV/aids: estudo qualitativo. Revista Paulista de Pediatria, São Paulo, v. 34, n. 2, p. 171-177, 2015.; Maksud, 2012MAKSUD, I. Silêncios e segredos: aspectos (não falados) da conjugalidade face à sorodiscordância para o HIV/aids. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 28, n. 6, p. 1196-1204, 2012.). Como expressa Mário Igor: Eu faço isso para todo mundo, porque ninguém pode saber, porque se um souber, eu já sei que vai explanar, então eu prefiro não contar pra nenhum, para não ficar explanando.

O desejo de controlar os detentores do segredo se alicerça em grande parte no receio de ser julgado ou de experimentar o estigma55Para Goffman, o estigma é um atributo de caráter depreciativo que gera exclusão e envolve “não tanto um conjunto de indivíduos concretos que podem ser divididos em duas pilhas, a de estigmatizados e a de normais, quanto um processo social de dois papéis no qual cada indivíduo participa de ambos, pelo menos em algumas conexões e em algumas fases da vida. O normal e o estigmatizado não são pessoas, e sim perspectivas que são geradas em situações sociais durante os contatos mistos, em virtude de normas não cumpridas que provavelmente atuam sobre o encontro” (Goffman, 1988, p. 148-149). e a discriminação (Amorim, 2007AMORIM, C. Jovens soropositivos por transmissão vertical: entremeando saúde e doença. 2007. Dissertação (Mestrado em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.; Paiva et al., 2011PAIVA, V. et al. A sexualidade de adolescentes vivendo com HIV: direitos e desafios para o cuidado. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 16, n. 10, p. 4199-4210, 2011.; Rabuske, 2009RABUSKE, M. M. Comunicação de diagnóstico de soropositividade para o HIV e aids para adolescentes e adultos: implicações psicológicas e repercussões nas relações familiares e sociais. 2009. Tese (Doutorado em Psicologia) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2009.; Rodrigues et al., 2011RODRIGUES, A. S. et al. Representações sociais de adolescentes e jovens vivendo com HIV acerca da adolescência, sexualidade e aids. Revista Eletrônica de Enfermagem, Goiânia, v. 13, n. 4, p. 680-687, 2011. Disponível em: <Disponível em: http://bit.ly/2sy36S8 >. Acesso em: 24 fev. 2017.
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). José Ricardo Ayres, Ivan França Junior e Vera Paiva (2006AYRES, J. R.; FRANÇA JUNIOR, I.; PAIVA, V. Crianças e jovens vivendo com HIV/aids: estigma e discriminação. Com Ciência, Campinas, n. 76, 2006. Disponível em: <Disponível em: http://bit.ly/2rO5Jzq >. Acesso em: 23 mai. 2017.
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, p. 1) caracterizam esses processos como possibilidades de “desvalorização dos sujeitos, que produzem iniquidades sociais e reforçam aquelas já existentes”. Segundo os autores, é necessário entender esses processos a partir de duas categorias inter-relacionadas, ambas sendo causadoras de impactos na vida de jovens soropositivos para o HIV: o estigma sentido e o estigma sofrido. Enquanto no primeiro o que está em voga é a percepção de depreciação ou exclusão pelo sujeito portador de uma condição socialmente desvalorizada, o segundo se refere às ações, tomadas ou omitidas, que provocam danos ou limitam benefícios.

Inicialmente a postulação proposta pelos autores no artigo de que a esmagadora maioria dos sujeitos com sorologia positiva para o HIV já experimentaram algum tipo de discriminação parece não encontrar eco na fala dos nossos interlocutores, já que apenas Melani relatou já ter sofrido a “porra do preconceito”:

Quinze pra dezesseis. […]. Já estava já no finzinho da escola. Aí joga pra lá, joga pra cá. Caraca, o cotovelo dela, foi no meu nariz! Blegh! Sangrou. A blusa era branca… Ai, tá sangrando… Caraca, não me esqueço… Se não fosse o sangue ia dar na cara dela. Mas aquilo me doeu, […] que aí fui ter noção do olhar não só dela, mas da escola toda, pra mim. Porque eu na minha cabeça eu achava supernatural (Melani).

A maioria, ao contrário, afirmou nunca ter sofrido preconceito. Contudo, a escolha pela proteção do segredo parece indicar uma contradição. Como já abordamos, Quésia foi uma das mais enfáticas defensoras de que viver com HIV era normal e que não havia sentido qualquer diferença ou experimentado qualquer preconceito. Apesar disso, em determinado momento da entrevista, ao relatar como era escutar os colegas de turma usando a aids como forma de escárnio, sugere receio de ser vítima da discriminação. Esse medo não é absolutamente incongruente, considerando que - a despeito da aids - a prática de violência no espaço escolar não é rara. Em artigo publicado sobre o bullying na escola, Malta et al. (2010MALTA, D. C. et al. Bullying nas escolas brasileiras: resultados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PENSE), 2009. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 15, p. 3065-3076, 2010. Suplemento 2., p. 3066) percebem que mais de 30% dos jovens relatam já terem sido alvo dessa prática que se apresenta sobre variadas formas, sobretudo, no ato de “zoar, intimidar, humilhar, ameaçar, excluir, difamar”.

Não… Porque sempre tem aqueles garotos bobões na sala de aula que fica um jogando pro outro ah você tá com aids. Aí sempre que escutava essas piadinhas, me sentia mal, por ter aquela doença ali. Não por eles saber, porque eles não sabiam. Mas eu me sentia mal, porque eles viam aquilo dali como uma doença ruim e se eu contasse eu sabia que eu iria… sofrer preconceito. Eu nunca sofri nenhum preconceito, graças a Deus. Nunca. […] então… Só me sentia mal na hora […], não falavam pra mim, mas era como se estivesse falando (Quésia).

A contradição entre os discursos que, por um lado, apontam para a normalidade e suposta ausência de experiências de preconceitos e por outro se esforçam para manter em segredo a condição sorológica é evidenciada de forma inconteste pela própria Quésia: Ah, porque a gente fala que aceita… Eu me aceito sim, mas aí chega no momento de contar, eu não consigo contar, eu travo, não consigo, sempre que eu tentava falar, não conseguia. Sempre, sempre.

Apenas dois jovens falam irrestritamente sobre sua condição sorológica, Gabriel e Melani. No caso de Gabriel, ainda que houvesse um discurso afirmativo sobre a própria condição, a escolha por falar abertamente do diagnóstico está associada à dificuldade que, segundo ele, seria esconder a sorologia “morando em comunidade”, o que acabava fazendo que o espaço reservado à vida privada fosse diminuto e que as informações, mesmo que pessoais, circulassem mais livremente entre seus contíguos:

Não, acho que eu nunca passei por isso não [de não querer contar]. Acho que eu nunca precisei, acho que também porque, a maioria como se vive em comunidade todo mundo sabe de tudo, né? Na minha área familiar acho todo mundo sabe (Gabriel).

Já Melani foi a única jovem categórica em descrever experiências de preconceito. Ao descobrir, aos 15 anos, que os remédios que tomava não era para a catapora que a havia acometido na primeira infância, não fez questão de guardar segredo mesmo diante das ressalvas de suas amigas e revelou sua sorologia para maioria dos colegas de escola, o que a colocou em diversas situações embaraçosas, mas, ao mesmo tempo, trouxe um grande alívio.

Cheguei à escola, […] Angélica, amiga, agora sei… Se lembra que te falei que eu tomo remédio, que minha avó sempre falava que era por causa da minha catapora, […] eu tenho aids. han? … [risos]… É amiga, eu tenho aids. […]. Eu acho que minha cabeça fica muito confusa na hora, eu fiquei muito perturbada (Melani).

No mesmo dia, você contou pra todo mundo? (Pesquisador)

Ih, festa. Falei assim, ai amiga compra lá um lanche pra gente, que agora eu te contei aquele negócio que eu tomo remédio, foi um alivio pra mim, que eu não estava aguentando mais tomar remédio. […] eu não sabia a dimensão do que eu estava fazendo (Melani).

Apesar de hoje, aos 22 anos, ponderar que foi uma “loucura” abrir sua sorologia indiscriminadamente, ela garante que não se arrependeu. Considera-se feliz por ter agido dessa forma e afirma que encarar a realidade é a melhor atitude que pode ser tomada. O trabalho de Oliveira et al. (2012OLIVEIRA, L. L. et al. Projetos de vida de adultos jovens portadores de HIV por transmissão vertical: estudo exploratório com usuários de um ambulatório de infectologia. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 21, n. 4, p. 928-939, 2012.) mostra que, para alguns soropositivos, essa é vista como a saída mais eficaz para enfrentar o preconceito. Melani, que garante viver e lidar muito bem com isso, diz:

Eu não sabia, antes, até hoje, vou te falar, até hoje eu não sei por que, as pessoas acham, olham o HIV com tanto preconceito. Eu acho que não chega a ser, assim um bicho de sete cabeças, sabe? […]. Eu acho que a melhor forma é encarar a realidade, é, sou soropositivo sim, e daí, entendeu? Não tive problema nenhum com isso. E até hoje eu vivo muito bem. Eu até agradeço, por eu ter feito essa loucura (Melani).

Administrar a condição sorológica no contexto dos relacionamentos afetivo-sexuais também aparece como uma atividade que demanda, por parte dos jovens, muito esforço. É preciso considerar, evidentemente, que antes da condição da soropositividade, nossos interlocutores são não apenas sujeitos - essencialmente cindidos -, mas um tipo bastante específico: jovens. Isso faz que enfrentem, além do HIV, questões comuns da juventude em seu processo de descoberta do mundo. Podemos perceber, por exemplo, um desejo dos jovens de estabelecer vínculos de confiança com suas parceiras e parceiros antes que o HIV entre em pauta (Amorim, 2007AMORIM, C. Jovens soropositivos por transmissão vertical: entremeando saúde e doença. 2007. Dissertação (Mestrado em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.; Oliveira et al., 2012OLIVEIRA, L. L. et al. Projetos de vida de adultos jovens portadores de HIV por transmissão vertical: estudo exploratório com usuários de um ambulatório de infectologia. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 21, n. 4, p. 928-939, 2012.).

A escolha dos jovens por não comunicar o diagnóstico imediatamente e o desejo de estabelecer vínculos de confiança, como sugerido na pesquisa de Paiva et al. (2011PAIVA, V. et al. A sexualidade de adolescentes vivendo com HIV: direitos e desafios para o cuidado. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 16, n. 10, p. 4199-4210, 2011.), também aparecem, de alguma forma, em nosso trabalho. O momento da revelação, inclusive, é um ponto de tensão (Amorim, 2007AMORIM, C. Jovens soropositivos por transmissão vertical: entremeando saúde e doença. 2007. Dissertação (Mestrado em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.; Galano et al., 2015GALANO, E. et al. Vivências dos adolescentes soropositivos para HIV/aids: estudo qualitativo. Revista Paulista de Pediatria, São Paulo, v. 34, n. 2, p. 171-177, 2015.; Maksud, 2009MAKSUD, I. O discurso da prevenção da aids frente às lógicas sexuais de casais sorodiscordantes: sobre normas e práticas. Physis: Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 19, n. 2, p. 349-369, 2009.; Oliveira et al., 2012OLIVEIRA, L. L. et al. Projetos de vida de adultos jovens portadores de HIV por transmissão vertical: estudo exploratório com usuários de um ambulatório de infectologia. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 21, n. 4, p. 928-939, 2012.; Paiva et al., 2002PAIVA, V. et al. Sem direito de amar? A vontade de ter filhos entre homens (e mulheres) vivendo com o HIV. Psicologia USP, São Paulo, v. 13, n. 2, p. 105-133, 2002.; Paiva et al., 2011PAIVA, V. et al. A sexualidade de adolescentes vivendo com HIV: direitos e desafios para o cuidado. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 16, n. 10, p. 4199-4210, 2011.) e foi percebido por Quésia, Bruno e Miriam como difíceis. Choro, coração disparado e ansiedade foram relatados por alguns dos jovens. O trecho do relato a seguir ilustra a dificuldade sentida por uma das jovens ao contar sobre a doença para o namorado.

É por que… Tipo, eu vivia assim… Estava com ele às vezes eu parava e ficava olhando pro nada, pensando na vida. Porque eu ficava pensando em como eu ia falar pra ele, chegar e contar aquilo dali. Estava pensando, mas é muito difícil você chegar pra pessoa e falar. Essa foi a primeira vez que eu cheguei e falei. […] [Mas] só contei porque ele me perguntou mesmo. Do nada, comecei a chorar, aí ele falou “o que aconteceu garota?” […] Aí eu falei “tenho que te contar uma coisa”, aí falei “é um negócio que eu tenho”, aí foi me perguntou. Aí eu contei. Aí foi isso… (Quésia)

Outro elemento que parece ser central no momento da revelação para o parceiro é o medo de ser rejeitado. Quando conta ao parceiro sobre sua sorologia, Melani lhe dá um ultimato; para não correr o risco de ser dispensada sob falsos pretextos, quer saber logo se ele aceitará sua condição. Caso contrário, prefere que eles terminem sendo sinceros um com o outro. Esses pensamentos não configuram grande novidade e outros trabalhos já apontavam experiências semelhantes em pessoas vivendo com HIV (Amorim, 2007AMORIM, C. Jovens soropositivos por transmissão vertical: entremeando saúde e doença. 2007. Dissertação (Mestrado em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.; Galano et al., 2015GALANO, E. et al. Vivências dos adolescentes soropositivos para HIV/aids: estudo qualitativo. Revista Paulista de Pediatria, São Paulo, v. 34, n. 2, p. 171-177, 2015.; Paiva et al., 2011PAIVA, V. et al. A sexualidade de adolescentes vivendo com HIV: direitos e desafios para o cuidado. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 16, n. 10, p. 4199-4210, 2011.; Rodrigues et al., 2011RODRIGUES, A. S. et al. Representações sociais de adolescentes e jovens vivendo com HIV acerca da adolescência, sexualidade e aids. Revista Eletrônica de Enfermagem, Goiânia, v. 13, n. 4, p. 680-687, 2011. Disponível em: <Disponível em: http://bit.ly/2sy36S8 >. Acesso em: 24 fev. 2017.
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). Vale voltar ao momento em que Melani, com seu jeito descontraído, recupera a situação:

Mas agora eu quero que você seja sincero comigo, porque…. Eu ficava com medo da gente conversar… [ele] Dar as costas, ah não quero mais. Eu queria que você me desse uma certeza, se você não quer mais, eu vou entender. Se você quiser que eu converse com a sua mãe, eu converso (Melani).

Outra questão relevante é que apesar da evidente sorte de dificuldades que a experiência com o adoecimento possa trazer, por infortúnios clínicos materiais ou por vestígios de um habitus em que viver com HIV apareça como algo ruim, ela também se apresenta com potencial positivo (Paiva et al., 2011PAIVA, V. et al. A sexualidade de adolescentes vivendo com HIV: direitos e desafios para o cuidado. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 16, n. 10, p. 4199-4210, 2011.). A possibilidade, por exemplo, de encontrar parceiros que, diante da revelação, escolheram oferecer apoio e parceria ao invés de preconceito esteve presente nas histórias de Gabriel, Quésia, Melani e Miriam.

Embora a descoberta do vírus seja algo perturbador, cumpre destacar que o ativismo aparece como estratégia de superação para alguns jovens, corroborando dados encontrados na literatura. Santos (2007SANTOS, T. M. Ativistas e ativados: subjetividade e política no movimento de soropositivos no Paraná. Ilha: Revista de Antropologia, Florianópolis, v. 9, n. 1, p. 143-168, 2007.), por exemplo, investe na compreensão do ativismo, em especial dos treinamentos de alguns ativistas, a partir da lógica da antropologia do ritual. Para o autor, os treinamentos oferecidos pelas ONGs “oferecerem a pessoa a linguagem na qual pode se expressar, dotando-a de um repertorio por meio do qual reinterpreta sua história de vida” (Santos, 2007SANTOS, T. M. Ativistas e ativados: subjetividade e política no movimento de soropositivos no Paraná. Ilha: Revista de Antropologia, Florianópolis, v. 9, n. 1, p. 143-168, 2007., p. 157). Nas palavras dele, “antes de tudo, para os portadores [do HIV], o ‘ativismo’ aparece associado a uma mudança pessoal necessária para a continuidade da vida” (Santos, 2007SANTOS, T. M. Ativistas e ativados: subjetividade e política no movimento de soropositivos no Paraná. Ilha: Revista de Antropologia, Florianópolis, v. 9, n. 1, p. 143-168, 2007., p. 157). Carvalhaes e Teixeira Filho (2012CARVALHAES, F. F.; TEIXEIRA FILHO, F. S. Histórias de vida de mulheres HIV+ ativistas: mudanças e permanências. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 20, n. 2, p. 377-398, 2012.) apresentam resultados similares em uma pesquisa com mulheres soropositivas. Salvaguardando diferenças, esse movimento nos pareceu bastante evidente entre nossos interlocutores. É o caso de Gabriel, por exemplo, que remete à ONG o caminho através do qual percebeu que não precisaria prescindir da sua sociabilidade:

Na verdade foi uma questão de descobrir que jovens soropositivos não necessitam viver escondidos, né? Eles têm casas que apoiam eles, podem viver em meio aos outros jovens que não são soropositivos e crer que você pode viver tranquilo, sem ter que se esconder, sem ter que ficar dentro de casa, se escondendo de todo mundo. Acho que esse papel fundamental que eu aprendi no XXX (Gabriel).

Quésia, por exemplo, ainda que não seja mais tão assídua à instituição, percebe a ONG como sua “segunda casa” e afirma que sua interlocução com o movimento social foi fundamental no processo de lidar com a doença já que foi através dele que conheceu não apenas a doença, mas outras histórias de vida. Em suas palavras:

O grupo sempre me ajudou muito […], as reuniões… […] Eu não faço mais aula aqui, […], mas não tenho nada a reclamar. Porque isso daqui sempre nos ajudou muito. Se você estivesse precisando de alguma coisa eles sempre estavam ali, sempre te apoiando. E graças a eles também que eu sou o que sou (Quésia).

Considerações finais

Nosso objetivo neste texto foi discutir a experiência da revelação do diagnóstico a partir da interlocução com jovens vivendo com HIV. Para isso buscamos compreender como esses jovens falam sobre a descoberta da sua sorologia e como agenciam a (não) revelação dessa descoberta para outras pessoas. Para tanto, lançamos mão da ideia de experiência da doença como habitus, estratégia para superação da dicotomia clássica entre indivíduo e sociedade, indicando que ela não apenas é radicada, mas produzida no corpo, iminentemente sujeita ao trabalho do tempo, de caráter processual e permanentemente atualizada a partir das vivências e experiências do sujeito.

Buscamos ainda, ao longo deste trabalho, demonstrar que os jovens souberam de seu diagnóstico pela família ou pelos serviços de saúde, por escolha dos familiares ou por pressão dos próprios jovens. Apontamos ainda que todos eles classificaram seu estado de saúde, na ocasião das entrevistas, como bom ou razoável e nenhum deles tinha filhos, apesar de vislumbrarem isso no futuro. Outro tema que emergiu das narrativas, e que encontrou consonância com a literatura, foi a forte presença da normalidade como eixo estruturante do discurso sobre tomada de conhecimento do diagnóstico. Apesar disso, a maioria dos jovens prefere não revelar sua sorologia a não ser para as pessoas mais próximas e parceiros afetivo-sexuais - neste caso, apenas mediante a conformação de vínculos mais sólidos, o que parece apontar questões não pacificadas relativas ao fato de viver com HIV. Alguns até apresentaram a tomada de consciência do diagnóstico como interdito ou reorientador dos projetos de vida. Além disso, mesmo que a maioria dos entrevistados afirme que não sofreu preconceito, os relatos não necessariamente corroboram essa percepção, apresentando tanto cenas de discriminação reais e experienciadas como medo de que elas potencialmente apareçam ou reapareçam no curso da vida. Nesse sentido, a frase nativa que dá nome a esse artigo parece apontar mais para a realização de um desejo em ato, no tempo futuro do que, efetivamente, uma realidade do tempo presente.

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  • 1
    Para além deste objetivo geral, a pesquisa visou também compreender o processo de construção social da síndrome na perspectiva dos jovens, circunscrever a influência do conhecimento da sorologia no agenciamento da vida e da enfermidade e compreender se/como a conceituação biomédica da doença crônica está presente nos discursos dos jovens.

  • 2
    Ainda que tenhamos usado aids em todo o corpo analítico do trabalho, julgamos que esse termo não faria sentido para nossos interlocutores de modo que, nas entrevistas, optamos por utilizar o termo que eles reconheciam.

  • 3
    Sobre a relação entre orfandade e HIV em jovens, ver o trabalho de Ferrara (2009FERRARA, A. P. Orfandade e estigma: vivências de jovens órfãos em decorrência da aids. 2009. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009.).

  • 4
    XXX é o acrônimo escolhido para fazer referência à sigla da instituição, de modo que o nome verdadeiro não seja revelado.

  • 5
    Para Goffman, o estigma é um atributo de caráter depreciativo que gera exclusão e envolve “não tanto um conjunto de indivíduos concretos que podem ser divididos em duas pilhas, a de estigmatizados e a de normais, quanto um processo social de dois papéis no qual cada indivíduo participa de ambos, pelo menos em algumas conexões e em algumas fases da vida. O normal e o estigmatizado não são pessoas, e sim perspectivas que são geradas em situações sociais durante os contatos mistos, em virtude de normas não cumpridas que provavelmente atuam sobre o encontro” (Goffman, 1988GOFFMAN, E. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. 4. ed. Rio de Janeiro: LCT, 1988., p. 148-149).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2017

Histórico

  • Recebido
    31 Jan 2017
  • Revisado
    03 Maio 2017
  • Aceito
    07 Maio 2017
Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo. Associação Paulista de Saúde Pública. SP - Brazil
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