Saúde Mental Positiva Ocupacional: proposta de modelo teórico para abordagem positiva da saúde mental no trabalho

Occupational Positive Mental Health: proposal of a theoretical model for the positive approach of mental health at work

Resumo

Propõe-se um modelo teórico para a abordagem da saúde mental positiva ocupacional baseado na psicologia positiva, a psicologia ecológica, a salutogênese e o humanismo. O modelo compreende uma estrutura de seis fatores: bem-estar pessoal no trabalho, relações interpessoais positivas no trabalho, filosofia da vida laboral, empoderamento no trabalho, fortalezas pessoais no trabalho, e imersão no serviço; que é traduzido em quatro dimensões: cognitiva, socioafetiva, de comportamento e espiritual. Para fundamentar essa proposta, foi realizada uma análise dos dois principais posicionamentos referentes a saúde mental: o tradicional, predominantemente negativo, centrado na supressão ou ausência de doença, e o positivo, focado na promoção da saúde e desenvolvimento de círculos virtuosos. Derivado da análise, encontramos uma postura mista e vazios teóricos que justificam a proposta de um modelo autenticamente positivo. Finalizamos com algumas conclusões e implicações práticas de relevância para esse tema.

Palavras chave:
Saúde Mental; Saúde Ocupacional; Promoção da Saúde; Trabalho

Abstract

We propose a theoretical model for the approach of Occupational Positive Mental Health based on positive psychology, ecologic psychology, salutogenesis and humanism. The model has a six-factor structure: personal wellbeing at work, positive interpersonal relationships at work, work-life philosophy, empowerment at work, personal strengths at work, and task immersion. These six aspects are translated into four dimensions: cognitive, socio-affective, behavioral, and spiritual. In order to support this proposal, an analysis of the two main approaches to mental health was developed, the traditional, focused on the negative, the suppression or absence of sickness, and the positive, focused on health promotion and the development of virtuous circles. Derived from the analysis, we found a mixed approach and a theoretical shortage that justify the need of an authentic positive model proposition. We finalize with some conclusions and practice implications of social relevance for the topic.

Keywords:
Mental Health; Occupational Health; Health Promotion; Work

Introdução

A conceptualização da saúde mental (SM) é um tema que chama a atenção dos profissionais da saúde há anos. Na abordagem tradicional que prevaleceu por décadas, a SM era definida a partir da negação de indicadores de doença, com um enfoque reativo centrado em intervenções medicamentosas e algumas preventivas. Desde essa postura, surgiram numerosos esforços para obter uma nova conceptualização da SM que emergiu das suas próprias características, contando com indicadores positivos e um enfoque proativo centrado na promoção de fatores salutógenos.

Dessa maneira, através da trajetória histórica do conceito, podemos dizer que a SM se encontra numa etapa de transição para um novo posicionamento, que não foi concretado, aparecendo no inter, algumas propostas que se assumem como positivas mesmo considerando a ausência de psicopatologia ou transtorno mental como principal indicador da presença da SM. Outras posturas mostram de forma tácita um enfoque reativo que busca intervir na presença de fatores patógenos ou de risco, deixando de lado a autêntica promoção da saúde ao direcionar o foco de atenção à supressão da doença ou, no melhor dos casos, à prevenção da mesma. Essas perspectivas foram denominadas mistas, porém consideramos que mais do que uma nova aproximação da SM, denotam um estado incipiente de transição para um enfoque autenticamente positivo que surja de uma postura salutógena, focada primordialmente na geração de círculos virtuosos e não na supressão de círculos viciosos, centrada na promoção como objetivo de uma autêntica saúde mental positiva.

Esse enfoque positivo da SM deveria prevalecer em todos os espaços nos quais o homem se desenvolve, particularmente no entorno laboral, ao constituir-se como o lugar onde o ser humano dedica maior parte da sua vida. No entanto, é comum que nas perspectivas teóricas existentes na área ocupacional se apresente uma confusão entre a abordagem tradicional, de predominância negativa e, em todo caso, reativa, e o posicionamento positivo. Nesse sentido, o objetivo deste trabalho é realizar uma proposta para a abordagem da saúde mental positiva ocupacional (SMPO), definida claramente e sustentada em fundamentos teóricos que permitam dar uma adequada consistência.

Antecedentes da abordagem da saúde mental: a postura positiva versus negativa

A abordagem hegemônica da SM tem sido negativa desde as primeiras referências que existem desse construto. Pode ser assumida como negativa qualquer conceptualização que pretenda definir a saúde a partir da inexistência de outra condição - seja doença, anormalidade, ou disfunção, e avaliar a sua presença por meio da ausência de indicadores negativos; da mesma forma, pode considerar-se negativa qualquer abordagem da saúde que atue de forma reativa frente à presença da doença, anormalidade, disfunção, ou de fatores de risco, buscando intervir para reabilitar a saúde, ou dito de outra forma, focar na doença, anormalidade, disfunção ou fatores de risco para suprimir a sua presença - ou seja, reabilitar a ausência de qualquer uma dessas condições - mas não com a finalidade de gerar saúde.

Consideramos que doença e saúde são condições distintas, que implicam processos diferentes e, portanto, indicadores distintos e não precisamente antagônicos. Nesse sentido, (Pando, 2012PANDO, M. Salud mental positiva. In: PANDO, M. et al. Eugenesia laboral: salud mental positiva en el trabajo. Cali: Universidad Libre Seccional Cali, 2012. p. 15-30.) refere que doença e saúde mental são dois processos diferentes e não opostos entre si, por conseguinte, os indicadores de presença ou ausência de doença são diferentes dos de saúde.

Assim mesmo, diminuir a doença ou superá-la não leva automaticamente a conseguir a saúde; inibir a primeira e promover a segunda são metas distintas, que não necessariamente convergem. Sendo a saúde e a doença entidades distintas, com processos e indicadores diferentes e não antagônicos, as intervenções para desenvolver saúde são diferentes às necessárias para combater a doença.

Dessa forma, abordar uma postura, na qual se deva preservar a saúde mental, é assumir que a doença mental tem um curso natural. A saúde é a condição natural do ser humano; o equilíbrio, o bom funcionamento do organismo e o bem-estar são a base da vida do homem. Pelo contrário, a doença, o desequilíbrio, o mau funcionamento do organismo e o mal-estar têm um curso natural na vida e representam uma alteração da condição humana.

Ao respeito, (Reynoso e Seligson, 2002REYNOSO, L.; SELIGSON, I. Psicología y salud en México. In: ERAZO, L. R.; SELIGSON, I. (Coord.). Psicología y salud. México, DF: Universidad Nacional Autónoma de México, 2002. p. 13-32.) mencionam que tradicionalmente os problemas de saúde- doença têm sido manejados partindo da premissa que ao sarar a doença, a saúde retorna. Podemos compreender que a abordagem negativa da saúde mental foca suas tarefas na psicopatologia e os transtornos mentais no sofrimento, nas emoções negativas, assim como nas debilidades do ser humano, e é feito de maneira reativa com intervenções para restituir a condição de não doença ou, no melhor dos casos, busca antecipar a doença frente à presença de patógenos.

Dessa maneira, podem considerar-se negativas as abordagens que definem a saúde mental como a ausência de doença mental, de transtorno ou psicopatologia, mas também, os enfoques que igualam a saúde com a normalidade, entanto que é a ausência de anormalidade o que indica a presença de saúde; por último, podemos também considerar negativas as abordagens que procuram a reabilitação para suprimir o déficit, mas não o fazem com a finalidade de gerar saúde e sim de maneira compensatória das carências. (Juárez, 2010JUÁREZ, F. Salud y calidad de vida: marcos teóricos y modelos. Madrid: Dykinson, 2010.) relata que a reabilitação entendida dessa forma implica assumir uma postura na qual existe uma condição irreversível que determina a saúde da pessoa, e que pretende aproveitar as suas capacidades residuais não para combater a doença ou melhorar a saúde, senão para compensar funcionalmente o déficit existente.

A transição para uma postura mista da saúde mental

Há várias décadas existe interesse de algumas organizações e autores em desenvolver um posicionamento positivo da saúde no geral, assim como da saúde mental. (Cannon, 1932CANNON, W. B. The wisdom of the body. New York: W. W. Norton & Company, 1932.) enfatizava que a saúde não deve ser mensurada com base na ausência da doença, portanto, que era necessário trabalhar no desenvolvimento de indicadores positivos. (Sigerist, 1941SIGERIST, H. Medicine and human welfare. New Haven: Yale University Press, 1941.) mencionava que as características da saúde e doença são diferentes e não necessariamente opostas, além de indicar que o campo da saúde deveria abordar quatro grandes tarefas; sendo a principal a promoção da saúde, seguida em ordem de importância pela prevenção de doenças, a restauração da saúde e por último a reabilitação, considerando que estas só devem ser procuradas quando falha a geração da saúde.

Por outro lado, (Maslow, 1954MASLOW, A. H. Motivation and personality. New York: Harper & Row, 1954., 1962MASLOW, A. H. Toward a psychology of being. New York: Harper & Row, 1962.) fez referência a uma psicologia positiva e ressaltava a necessidade de uma abordagem que incluísse aspectos como as capacidades e potenciais humanos e a forma de desenvolvê-los. Possivelmente a contribuição mais importante continua sendo a feita por (Jahoda, 1958JAHODA, M. Current concepts of positive mental health. New York: Joint Commission on Mental Illness and Health, 1958.) que propõe um construto de saúde mental positiva a partir de indicadores como são as atitudes positivas, o crescimento, desenvolvimento e atualização, a integração de si mesmo ou da personalidade, autonomia ou autodeterminação, a percepção correta da realidade assim como o domínio e controle do entorno, no qual a ausência da doença não representa um indicador primário determinante da saúde.

Posteriormente, (Csikszentmihalyi, 1975CSIKSZENTMIHALYI, M. Beyond boredom and anxiety. San Francisco: Jossey-Bass, 1975., 1990CSIKSZENTMIHALYI, M. Flow: the psychology of optimal experience. New York: Harper and Row, 1990.) faz referência ao estado mental de fluxo, no qual o ser humano é capaz de obter uma completa imersão nas atividades que realiza, focando a energia, de tal forma que implica um sentimento de estar absorto na tarefa e de sucesso na realização da mesma, um estado que pode apresentar-se durante a realização de qualquer atividade - como por exemplo o trabalho - e que se correlaciona muito com o bem-estar subjetivo e a satisfação com a vida, pois ao experimentar esse estado em atividades habituais, como o trabalho, a felicidade não depende somente de momentos isolados nos quais são apresentados grandes logros ou experiências extraordinárias, senão que se apresenta uma sensação contínua de sucesso e satisfação. Da mesma forma, (Antonovsky, 1979ANTONOVSKY, A. Health, stress and coping. San Francisco: Jossey-Bass, 1979.) menciona a necessidade de pesquisar sobre fatores salutogênicos que intervêm na geração da saúde e faz referência à existência de uma saúde positiva, focando-se de maneira expressa na promoção da saúde.

Adicionalmente, o aporte da Organização Internacional do Trabalho (OIT, 1984OIT - ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL TRABAJO. Factores psicosociales en el trabajo: naturaleza, incidencia y prevención. Ginebra, 1984.) parece ser um dos primeiros antecedentes da abordagem positiva da saúde mental no âmbito ocupacional, ao relatar que os indicadores de bem-estar e estado de saúde mental “positiva” são um âmbito pouco explorado e ao destacar a necessidade de desenvolver indicadores positivos como engenhosidade e criatividade, habilidade para resolver os problemas, força do ego, adaptabilidade, sociabilidade, amor próprio, introversão/extroversão, atitude positiva/negativa respeito ao futuro, resistência psicológica e controle interno/externo, bem como desenvolver os métodos para a sua determinação. Por outro lado, em 1989, Pando (Apud Pando et al., 2006PANDO, M. et al. La salud mental positiva. In: PANDO, M. et al. (Ed.). Factores psicosociales y salud mental en el trabajo. Guadalajara: Universidad de Guadalajara, 2006. p. 84-100.) propõe os indicadores da qualidade da saúde mental, contextualizando-os no ambiente ocupacional, mencionando alguns como a consciência social, a capacidade de transformar a realidade, a autoestima, o projeto de vida, a criatividade, a formação de grupos e as redes sociais, bem como a capacidade para dar e receber afeto, entre outros.

Mais recentemente, (Ashmos e Duchon, 2000ASHMOS, D. P.; DUCHON, D. Spirituality at work: a conceptualization and measure. Journal of Management Inquiry, Thousand Oaks, v. 9, n. 2, p. 134-145, 2000.) referem que o ambiente laboral representa uma fonte principal de sentido de comunidade, um vínculo consistente com outras pessoas, com a necessidade humana de conexão e contribuição, e propõem a existência de uma espiritualidade no trabalho composta por aspectos como as condições de comunidade, a comunidade da unidade de trabalho, os valores positivos da organização e da unidade de trabalho, o significado do trabalho, a vida interna do indivíduo, a contemplação, as conexões com outros e a responsabilidade pessoal. Também as virtudes e fortalezas humanas propostas por (Peterson e Seligman, 2003PETERSON. C.; SELIGMAN, M. E. P. Positive clinical psychology. In: ASPIN-WALL, L. G.; STAUDINGER, U. M. (Ed.). A psychology of human strengths: perspectives on an emerging field. Washington, DC: American Psychological Association, 2003. p. 305-317.) como a curiosidade, o amor pelo aprendizado, o pensamento crítico, a criatividade, a perspectiva, a valentia, a perseverança, a integridade, a vitalidade, a capacidade de amar e ser amado, a generosidade, a inteligência emocional, o civismo, o senso de justiça, a liderança, a capacidade de perdoar, a humildade, a prudência, o autocontrole, a apreciação da beleza, a gratidão, a esperança, o senso de humor e a espiritualidade, cuja prática cotidiana representa uma via para a felicidade (Seligman, 2002SELIGMAN, M. E. P. Authentic happiness: using the new positive psychology to realize your potential for lasting fulfillment. New York: Free Press, 2002.).

Da mesma forma, (Pando et al, 2006PANDO, M. et al. La salud mental positiva. In: PANDO, M. et al. (Ed.). Factores psicosociales y salud mental en el trabajo. Guadalajara: Universidad de Guadalajara, 2006. p. 84-100.) propõem o método eugênico da saúde mental no trabalho, mencionando como componentes a autoestima, as redes sociais de apoio, o work engagement, lócus de controle, projeto de vida, criatividade, otimismo, perseverança, consciência social, prazer, capacidade para transformar a realidade, capacidade para dar e receber afeto, entre outros. Por sua vez, (Seligman, 2011SELIGMAN, M. E. P. Flourish: a visionary new understanding of happiness and well-being. New York: Free Press, 2011.), com seu modelo PERMA propõe cinco elementos fundamentais para lograr o bem-estar: emoções positivas, vida com compromisso, relações positivas, vida com significado e senso de conquista. Baseado nesse contexto, (Buttler e Kern, 2016BUTLER, J.; KERN, M. L. The PERMA-Profiler: a brief multidimensional measure of flourishing. International Journal of Wellbeing, Adelaide, v. 6, n. 3, p. 1-48, 2016.) levaram o modelo PERMA do âmbito geral ao âmbito do trabalho e acrescentaram o cultivo da saúde como sexto elemento.

Se bem a maioria desses aportes abordam o tema no âmbito geral e não ocupacional, ou representam somente aspectos parciais do que acreditamos que deve ser entendido por uma SMPO, devemos reconhecer que abriram o caminho para uma nova abordagem desde um posicionamento mais positivo, não obstante, esse processo não foi concretizado ainda, favorecendo a geração de propostas intermediárias ou mistas entre ambos os enfoques (Figura 1).

Figura 1
Transição da abordagem negativa para a abordagem positiva da saúde mental ocupacional

Embora tenha ficado mais ou menos claro que as intervenções curativas correspondem ao enfoque da SM, continuam existindo controvérsias a respeito da promoção e prevenção, e na prática é assumido que as intervenções preventivas correspondem a uma abordagem positiva; consideramos que as perspectivas negativas são centradas na doença e portanto, - de maneira reativa - na prevenção ou cura, em fatores protetores ou fatores patógenos, enquanto uma perspectiva autenticamente positiva deve centrar-se na saúde, na sua geração, em fatores promotores, salutógenos ou eugênicos.

Aporte da psicologia positiva para um enfoque eugênico da saúde mental

Os esforços realizados durante as últimas décadas para lograr desenvolver uma conceptualização positiva da saúde mental incluem a elaboração de distintas teorias e modelos psicológicos. Um deles é a psicologia positiva, postura que surge como um intento para consolidar uma abordagem positiva da psicologia no geral. Porém se requere estender seus alcances aos diversos âmbitos de desenvolvimento humano, dentre eles o ambiente laboral. Estamos numa etapa de transição que ainda não foi concretizada e podemos observar como muitas dessas propostas consideram a ausência de psicopatologia ou transtorno mental como principal indicador da presença de saúde mental. Outras propostas mostram de maneira tácita um enfoque reativo no qual, frente a presença de patologia ou de fatores de risco, busca-se intervir deixando de lado a verdadeira promoção da saúde ao voltar o foco de atenção para a preservação e a restauração da não doença.

Por questão de ordem e, dada a natureza do tema da saúde mental, é necessário também analisar a abordagem da saúde no geral, de forma cronológica. Por uma parte, considerando que se trata de uma unidade conceptual do construto de SMPO, por outro lado, a causa dos debates teóricos e do progresso na consolidação da sua conceptualização encontram-se subordinados à abordagem da saúde no geral.

A seguir se mostram algumas das aproximações do construto positivo da saúde mental - incluem-se também aquelas da área da saúde no geral - as quais temos reclassificado de acordo com os critérios expostos sobre o que consideramos deve constituir uma abordagem autenticamente positiva da saúde mental (Quadro 1).

Quadro 1
Reclassificação das aproximações da conceptualização positiva da saúde mental

Necessidade de um modelo teórico para a abordagem positiva da saúde mental no trabalho

Atualmente não existe um construto de SM com um enfoque positivo no âmbito ocupacional. Após cem anos de estudos sobre a SM, os avanços para chegar a um consenso a respeito de sua conceptualização parecem ser insuficientes, a dissidência quanto a sua abordagem e seus componentes não tem permitido unificar critérios em um construto que seja claro em termos científicos e operacionalmente útil, dificultando o progresso no estabelecimento de padrões para sua medição, considerando que estão determinados pela própria conceptualização da saúde mental.

Existe uma diversidade de aproximações do assunto reconhecendo-se a importância da SM nos distintos âmbitos nos quais se desenvolve o ser humano, destacando-se a área laboral. Porém, a principal abordagem dessa questão tem sido desde uma perspectiva negativa e tem ocorrido pouco desenvolvimento desde um enfoque positivo, e muito menos no âmbito ocupacional (Pando, 2012PANDO, M. Salud mental positiva. In: PANDO, M. et al. Eugenesia laboral: salud mental positiva en el trabajo. Cali: Universidad Libre Seccional Cali, 2012. p. 15-30.; Pando et al., 2006PANDO, M. et al. La salud mental positiva. In: PANDO, M. et al. (Ed.). Factores psicosociales y salud mental en el trabajo. Guadalajara: Universidad de Guadalajara, 2006. p. 84-100.).

Dessa forma, a maioria das aproximações da conceptualização da saúde mental assumem de forma reativa uma abordagem negativa, focada na psicopatologia, nos transtornos mentais, nos agentes patógenos e - recentemente - nos imunógenos, enquanto que ainda são poucas as aproximações que abordam o tema desde uma perspectiva verdadeiramente positiva, e as desenvolvidas especificamente no âmbito ocupacional são escassas. Assim, nessa área é praticamente nulo o desenvolvimento de instrumentos válidos e fiáveis para sua avaliação, já que ficam restritos à conceptualização da saúde mental.

Consideramos que é necessária uma abordagem autenticamente positiva da saúde mental, focada na saúde e sua promoção, em fatores salutógenos ou eugênicos, que seja aplicável no âmbito laboral, já que o trabalho representa uma das atividades mais importantes para o homem não só por se tratar de um meio de subsistência, mas porque é dedicada boa parte do tempo durante a vida produtiva (Pando, 2012PANDO, M. Salud mental positiva. In: PANDO, M. et al. Eugenesia laboral: salud mental positiva en el trabajo. Cali: Universidad Libre Seccional Cali, 2012. p. 15-30.; Portero, 2012PORTERO, G. ¿Qué es la salud mental? In: VELÁZQUEZ, M. La salud mental de las y los trabajadores. Madrid: Wolters Kluwer, 2012. p. 101-128.), motivo pelo qual trata-se de uma das circunstâncias que mais influi na saúde mental das pessoas.

Não é a nossa intenção obviar a importância das intervenções preventivas e curativas, porém devemos deixar claro que um verdadeiro enfoque positivo da saúde mental se centra na promoção, já que se ocupa dos determinantes da saúde, enquanto que a prevenção ou remédio se concentra nas causas da doença, em outras palavras, a promoção é o autêntico objeto da saúde mental positiva.

É necessário, portanto, ter um construto teórico claro e operativamente útil de saúde mental como força positiva. Por tais motivos, propõe-se este modelo para abordar a saúde mental ocupacional desde um enfoque autenticamente positivo com uma perspectiva salutogênica; não desde a reabilitação que considera a recuperação do estado de normalidade, nem desde a prevenção que considera o curso natural da doença, mas desde uma postura eugénica que implica a promoção da saúde mental.

Modelo para a abordagem da saúde mental positiva ocupacional

O nosso modelo teórico para a abordagem da SMPO parte da psicologia positiva, porque aborda aspectos como o bem-estar psicológico, a felicidade, bem como as fortalezas e virtudes humanas. Também leva em conta aportes do humanismo como o desenvolvimento de capacidades e potencialidades humanas, e ao mesmo tempo, baseia-se nas contribuições da salutogênese para a geração de círculos virtuosos de criação e incremento da saúde. Por último, considera-se o enfoque ambiental como base para promover a saúde mental em distintos contextos como o âmbito ocupacional (Figura 2).

Figura 2
Marco teórico para o modelo de saúde mental positiva ocupacional

A negação de uma condição (nesse caso a doença mental, transtorno mental, psicopatologia ou disfunção) é deixada de lado como um eixo central para definir a saúde mental neste modelo teórico. O modelo não se baseia na normalidade estatística, social ou regulamentária para conceber a SMPO, a saúde mental positiva ocupacional é definida a partir de suas próprias características e não a partir da ausência de outras qualidades alheias a ela.

Devemos mencionar também que desde nossa perspectiva, a saúde mental não é estática e sim dinâmica, sendo algo que cada indivíduo possui em maior ou menor grau, e nesse sentido podemos falar de saúde mental em maior ou menor quantidade e qualidade. A saúde mental conceptualizada a partir de um enfoque autenticamente positivo não se orienta para a doença, centrando-se em indicadores positivos da saúde (Figura 3).

Figura 3
Saúde mental conceptualizada a partir de um enfoque autenticamente positivo

A saúde e a doença não são situações opostas de um mesmo contínuo, são entidades diferentes, com processos distintos e, portanto, indicadores distintos e não precisamente antagônicos. Dessa maneira, suprimir a doença não garante a geração de saúde, de tal forma que as intervenções orientadas a promover a saúde mental devem ser distintas às intervenções para suprimir ou prevenir a doença; superar o mal-estar não leva automaticamente a obter o bem-estar; reduzir o mal-estar e incrementar o bem-estar são duas metas não necessariamente convergentes e, nesse sentido, se busca a geração de círculos virtuosos e não a supressão de círculos viciosos.

Assim, uma verdadeira aproximação positiva deve ser proativa e partir desde uma postura salutogênica ou eugénica, focada principalmente na geração de círculos virtuosos e não na supressão de círculos viciosos; centrada na promoção da saúde mental, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida e propiciar um maior bem-estar.

Da mesma forma, consideramos que o trabalho influencia nas mudanças de saúde mental das pessoas por dedicarem muito tempo ao mesmo durante a vida laboral. Nesse sentido, o ambiente ocupacional é propício para promover a saúde mental dos trabalhadores ao abordar o trabalho como fonte de bem-estar e satisfação.

Proposta de construto de saúde mental positiva ocupacional

Após revisar e analisar os componentes teóricos e indicadores mais representativos da saúde mental desde uma abordagem positiva, que pudessem ser aplicáveis no âmbito ocupacional e, uma vez decantados, reconceptualizados e transpolados os que fossem necessários, se infere a existência de seis aspectos positivos principais da saúde mental e ocupacional, pelo qual propomos o seguinte construto teórico da saúde mental positiva ocupacional (Figura 4).

Figura 4
Aspectos positivos da saúde mental ocupacional

No Quadro 2, mostram-se as definições conceituais e operativas de cada um dos seis aspectos da saúde mental positiva ocupacional.

Quadro 2
Definição conceitual e operativa dos aspectos que integram a saúde mental positiva ocupacional

Esses seis aspectos se dividem em quatro dimensões: a cognitiva, a socioafetiva, a comportamental e a espiritual.

Cada dimensão possui uma função distinta. A dimensão cognitiva refere-se à forma como são percebidos os estímulos no âmbito ocupacional, ou seja, ao conjunto de informação, crenças e opiniões que o sujeito possui sobre o trabalho e suas condições sob as quais é realizado o mesmo; a dimensão comportamental faz referência às tendências, disposições ou intenções de conduta frente os estímulos percebidos no ambiente ocupacional; a dimensão socioafetiva se define como o conjunto de emoções, sentimentos e atitudes frente os estímulos percebidos no ambiente de trabalho, que permitem o sujeito se relacionar intra e interpessoalmente; por último o componente espiritual se refere à capacidade do sujeito em compreender o sentido e significado do trabalho, bem como os aspectos do mesmo que permitam ter um senso de transcendência através da sua labor.

Vale ressaltar que devido às características próprias de cada um dos seis aspectos, esses podem ter maior carga de alguma dessas dimensões.

No Quadro 3, se mostram as definições operativas de cada uma das quatro dimensões da saúde mental positiva ocupacional.

Quadro 3
Definição operativa das dimensões que integram a saúde mental positiva ocupacional

Conclusões e implicações práticas

A partir da revisão teórica, podemos concluir que o conceito de SM se encontra numa transição que polarizou o conceito na definição, seja desde um posicionamento negativo ou positivo, surgindo um terceiro enfoque que denominamos misto. Isso pode ser útil para quem tem interesse no estudo da saúde mental, porque oferece uma classificação da conceptualização realizada por vários autores.

A análise também aporta elementos para a reflexão do conceito, mencionando as debilidades que na atualidade o vazio teórico e a escassa definição conceitual e operativa oferecem à abordagem da saúde mental desde o âmbito ocupacional.

A proposta do modelo oferece a oportunidade de redimensionar a SMPO e gerar instrumentos para sua medição, como o feito por (Vázquez-Colunga, Pando-Moreno e Colunga-Rodríguez, 2017) que denominaram SMPO-40 (OPMH-40 pelas siglas em inglês). Da mesma forma, essa proposta de modelo teórico apresenta a opção de gerar programas de intervenção sob uma perspectiva autenticamente positiva.

Por outro lado, a aplicação prática do modelo, desde a parte teórica-conceitual, metodológica e instrumental, proporciona critérios para o desenvolvimento de indicadores positivos para melhorar a qualidade de vida laboral em distintos coletivos de trabalhadores.

Referências

  • ALLPORT, G. W. Pattern and growth in personality. New York: Holt, Rinehart and Winston, 1961.
  • ANTONOVSKY, A. Health, stress and coping. San Francisco: Jossey-Bass, 1979.
  • ANTONOVSKY, A. Unraveling the mystery of health: how people manage stress and stay well. San Francisco: Jossey-Bass, 1987.
  • ASHMOS, D. P.; DUCHON, D. Spirituality at work: a conceptualization and measure. Journal of Management Inquiry, Thousand Oaks, v. 9, n. 2, p. 134-145, 2000.
  • BOEHM, W. W. The role of psychiatric social work in mental health. In: ROSE, A. M. (Ed.), Mental health and mental disorder: a sociological approach. New York: W. W. Norton & Company, 1955. p. 536-555.
  • BUTLER, J.; KERN, M. L. The PERMA-Profiler: a brief multidimensional measure of flourishing. International Journal of Wellbeing, Adelaide, v. 6, n. 3, p. 1-48, 2016.
  • CANNON, W. B. The wisdom of the body. New York: W. W. Norton & Company, 1932.
  • CSIKSZENTMIHALYI, M. Beyond boredom and anxiety. San Francisco: Jossey-Bass, 1975.
  • CSIKSZENTMIHALYI, M. Flow: the psychology of optimal experience. New York: Harper and Row, 1990.
  • DECI, E. L.; RYAN, R. M. Intrinsic motivation and self-determination in human behavior. New York: Springer Science, 1985.
  • DUBOS, R. J. Mirage of health: utopias, progress and biological change. New York: Harper & Brothers, 1959.
  • FREDRICKSON, B. L. What good are positive emotions? Review of General Psychology, Washington, DC, v. 2, n. 3, p. 300-319, 1998.
  • HETTLER, B. Wellness promotion on a university campus. Family & Community Health, Philadelphia, v. 3, n. 1, p. 77-95, 1980.
  • JAHODA, M. Current concepts of positive mental health. New York: Joint Commission on Mental Illness and Health, 1958.
  • JUÁREZ, F. Salud y calidad de vida: marcos teóricos y modelos. Madrid: Dykinson, 2010.
  • KEYES, C. L. M. The mental health continuum: from languishing to flourishing in life. Journal of Health and Social Behavior, Thousand Oaks, v. 43, n. 2, p. 207-222, 2002.
  • LLUCH, M. T. Construcción de una escala para evaluar la salud mental positiva. 1999. Tesis (Doctorado en Evaluación en Ciencias del Comportamiento) - Facultad de Psicología de la Universidad de Barcelona, España, 1999.
  • MASLACH, C.; LEITER, M. The truth about burnout: how organizations cause personal stress and what to do about it. San Francisco: Jossey-Bass, 1997.
  • MASLOW, A. H. Motivation and personality. New York: Harper & Row, 1954.
  • MASLOW, A. H. Toward a psychology of being. New York: Harper & Row, 1962.
  • MENNINGER, K. A. The human mind. 3. ed. New York: Knopf, 1946
  • OIT - ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL TRABAJO. Factores psicosociales en el trabajo: naturaleza, incidencia y prevención. Ginebra, 1984.
  • OMS - ORGANIZACIÓN MUNDIAL DE LA SALUD. Constitución de la Organización Mundial de la Salud. Ginebra, 1946. Disponível em: <Disponível em: http://www.who.int/governance/eb/who_constitution_sp.pdf >. Acesso em: 16 fev. 2014.
    » http://www.who.int/governance/eb/who_constitution_sp.pdf
  • OMS - ORGANIZACIÓN MUNDIAL DE LA SALUD. Informe del Comité de Expertos en Higiene Mental: informe de la segunda reunión. Ginebra, 1950. Disponível em: <Disponível em: http://bit.ly/2qKQk2M >. Acesso em: 20 fev. 2014.
    » http://bit.ly/2qKQk2M
  • OMS - ORGANIZACIÓN MUNDIAL DE LA SALUD. Actas Oficiales n. 119 de la XV Asamblea Mundial de la Salud: parte II, sesiones plenarias. Ginebra, 1962. Disponível em: <Disponível em: http://bit.ly/2rtMXdu >. Acesso em: 20 fev. 2014
    » http://bit.ly/2rtMXdu
  • OMS - ORGANIZACIÓN MUNDIAL DE LA SALUD. Primera Conferencia Internacional sobre Fomento de la Salud: Carta de Ottawa para el fomento de la salud. Ottawa, 1986. Disponível em: <Disponível em: http://www.who.int/healthpromotion/conferences/previous/ottawa/en/ >. Acesso em: 26 maio 2017.
    » http://www.who.int/healthpromotion/conferences/previous/ottawa/en/
  • OMS - ORGANIZACIÓN MUNDIAL DE LA SALUD. CIE 10: trastornos mentales y del comportamiento: descripciones clínicas y pautas para el diagnóstico. Madrid: Meditor, 1992.
  • OMS - ORGANIZACIÓN MUNDIAL DE LA SALUD. Informe sobre la salud en el mundo 2001: salud mental: nuevos conocimientos, nuevas esperanzas. Ginebra, 2001.
  • PANDO, M. Salud mental positiva. In: PANDO, M. et al. Eugenesia laboral: salud mental positiva en el trabajo. Cali: Universidad Libre Seccional Cali, 2012. p. 15-30.
  • PANDO, M. et al. La salud mental positiva. In: PANDO, M. et al. (Ed.). Factores psicosociales y salud mental en el trabajo. Guadalajara: Universidad de Guadalajara, 2006. p. 84-100.
  • PÉREZ, R. La psiquis en la determinación de la salud. La Habana: Neyda, 1989.
  • PETERSON. C.; SELIGMAN, M. E. P. Positive clinical psychology. In: ASPIN-WALL, L. G.; STAUDINGER, U. M. (Ed.). A psychology of human strengths: perspectives on an emerging field. Washington, DC: American Psychological Association, 2003. p. 305-317.
  • PORTERO, G. ¿Qué es la salud mental? In: VELÁZQUEZ, M. La salud mental de las y los trabajadores. Madrid: Wolters Kluwer, 2012. p. 101-128.
  • RAPPAPORT, J. In praise of paradox: a social policy of empowerment over prevention. American Journal of Community Psychology, Washington, DC, v. 9, n. 1, p. 1-24, 1981.
  • REYNOSO, L.; SELIGSON, I. Psicología y salud en México. In: ERAZO, L. R.; SELIGSON, I. (Coord.). Psicología y salud. México, DF: Universidad Nacional Autónoma de México, 2002. p. 13-32.
  • ROGERS, C. R. The actualizing tendency in relation to ‘motives’ and to consciousness. In: JONES, M. (Ed.). Nebraska symposium on motivation. Lincoln: University of Nebraska Press, 1963. p. 1-24.
  • RUTTER, M. Resilience in the face of adversity: protective factors and resistance to psychiatric disorder. British Journal of Psychiatry, London, v. 147, n. 6, p. 598-611, 1985.
  • RYFF, C. Happiness is everything, or is it? Explorations on the meaning of psychological well-being. Journal of Personality and Social Psychology, Washington, DC, v. 57, n. 6, p. 1069-1081, 1989. Disponível em: <Disponível em: http://bit.ly/2rO1IuN >. Acesso em: 26 maio 2017.
    » http://bit.ly/2rO1IuN
  • SEIPP, C. Andrija Stampar and the concept of positive health. Family Medicine, Kansas City, v. 19, n. 4, p. 291-295, 1987.
  • SELIGMAN, M. E. P. Authentic happiness: using the new positive psychology to realize your potential for lasting fulfillment. New York: Free Press, 2002.
  • SELIGMAN, M. E. P. Flourish: a visionary new understanding of happiness and well-being. New York: Free Press, 2011.
  • SIGERIST, H. Medicine and human welfare. New Haven: Yale University Press, 1941.
  • STRUPP, H. H.; HADLEY, S. W. A tripartite model of mental health and therapeutic outcomes. American Psychologist, Washington, DC, v. 32, n. 3, p. 187-196, 1977. Disponível em: <Disponível em: http://bit.ly/2qJapT0 >. Acesso em: 7 maio 2014.
    » http://bit.ly/2qJapT0
  • TERRIS, M. Approaches to an epidemiology of health. The American Journal of Public Health, Washington, DC, v. 65, n. 10, p. 1037-1045, 1975. Disponível em: <Disponível em: http://bit.ly/2snjT7w >. Acesso em: 14 out. 2015.
    » http://bit.ly/2snjT7w
  • VÁZQUEZ-COLUNGA, J. C. Diseño, validez y fiabilidad de un instrumento multidimensional para medir la salud mental positiva ocupacional. 2017. Tesis (Doctorado Interinstitucional en Psicología) - Centro Universitario de Ciencias de la Salud, Universidad de Guadalajara, México, DF, 2017.
  • VÁZQUEZ-COLUNGA, J. C.; PANDO-MORENO, M.; COLUNGA-RODRÍGUEZ, C. Psychometric properties of OPMH-40, a survey for the evaluation of the Occupational Positive Mental Health. Psychology, Irvine, v. 8, n. 3, p. 424-435, 2017.
  • VÁZQUEZ-COLUNGA, J. C. et al. Nivel de salud mental positiva ocupacional en profesores universitarios. Revista Educ@rnos, México, DF, v. 6, n. 22-23, p. 135-148, 2016. Disponível em: <Disponível em: http://bit.ly/2syDq4h >. Acesso em: 10 nov. 2016.
    » http://bit.ly/2syDq4h

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2017

Histórico

  • Recebido
    09 Set 2016
  • Aceito
    10 Abr 2017
Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo. Associação Paulista de Saúde Pública. SP - Brazil
E-mail: saudesoc@usp.br