À margem do rio e da sociedade: a qualidade da água em uma comunidade quilombola no estado de Mato Grosso

At the edge of the river and society: water quality in a quilombola community in the state of Mato Grosso

Resumo

O objetivo deste trabalho foi avaliar a qualidade da água consumida pelas famílias das comunidades Baixio e Morro Redondo, situadas no Assentamento Vão Grande, inserido no município de Barra do Bugres, a 150 quilômetros da capital do estado, por meio de parâmetros microbiológicos. Inicialmente, foi realizado contato prévio com a comunidade para a realização da apresentação do projeto e seus objetivos. Para a determinação dos pontos de coleta da água, levantou-se os tipos de fontes de recursos hídricos utilizadas pelos moradores para o consumo. Após a coleta da água, as amostras foram destinadas ao Laboratório de Microbiologia da Universidade do Estado de Mato Grosso, Campus Barra do Bugres, onde se realizou a determinação pelo método rápido-Colilert. A contaminação detectada nas amostras analisadas, em todo o período, foi consideravelmente preocupante. O índice de contaminação predominou em quase 100% das amostras. Fatores como a falta de saneamento básico, que pode ser evidenciada pelo destino inapropriado dos resíduos sólidos e ausência de tratamento da água para o consumo, influenciaram diretamente nos resultados obtidos. Ao final do projeto, a equipe responsável elaborou um relatório dos resultados obtidos com a pesquisa, o qual foi apresentado aos moradores das comunidades Baixio e Morro Redondo, acompanhado de orientações sobre práticas acessíveis para a redução da contaminação microbiológica da água. Observou-se que a contaminação dos recursos hídricos, por falta de saneamento básico e ausência do tratamento da água utilizada pelos moradores para consumo, evidencia riscos à saúde coletiva dessas comunidades. Portanto, a implementação de políticas públicas pelas autoridades locais competentes torna-se primordial para reverter esse quadro. Ações interdisciplinares conjuntas, nos setores de gestão de recursos hídricos, saneamento básico, habitação e saúde são ações necessárias para melhoria da qualidade de vida dessa comunidade quilombola.

Palavras-chave:
Poluição da Água; Grupo com Ancestrais do Continente Africano; Análises Microbiológicas; Microbiologia da Água; Qualidade da Água

Abstract

This study aimed to evaluate the quality of water consumed by families of Baixio and Morro Redondo communities, located in Vão Grande settlement, in Barra do Bugres, 150 km from the state of Mato Grossos’ capital (Brazil) through microbiological parameters. Initially, previous contact was made with the community to present the project and its objectives. For determining what water points we should collect from, a survey was made about the types of water sources used by residents for consumption. After the collection, samples were sent to the laboratory of Microbiology of the State University of Mato Grosso, Barra do Bugres campus, where they were determined by the fast-Colilert method. Contamination detected in analyzed samples, throughout the period, caused considerable concern, filth index predominated in almost 100% of the samples. Factors such as lack of basic sanitation, which can be evidenced by the inappropriate destination of solid waste and the absence of water treatment for consumption, directly influenced the results obtained. In the end of the project, the responsible team prepared a report of the results obtained by the research, which was presented to Baixio and Morro Redondo communities’ residents, along with information on accessible practices for reduction of microbiological contamination of water. We observed that contamination of hydric resources, due to lack of basic sanitation and lack of water treatment for consumption, evidences risks to collective health of these communities. Therefore, the implementation of public policies by the competent local authorities becomes a matter of paramount importance to reverse this framework. Joint interdisciplinary actions in areas of water resources management, basic sanitation, housing, and health are necessary actions to improve the quality of life of this ‘quilombola’ community.

Keywords:
Water Pollution; African Continental Ancestry Group; Microbiological Analysis; Microbiology of Water; Water Quality

Introdução

A água é o solvente universal da biosfera, sendo considerado um dos elementos fundamentais para a existência humana, pois permite que incontáveis reações ocorram na natureza. Suas funções no abastecimento público, industrial e agropecuário, na preservação da vida aquática, na recreação, na geração de energia, no transporte e na diluição de despejos demonstram sua relevância vital (Guilherme; Silva; Otto, 2000GUILHERME, E. F. M.; SILVA, J. A. M.; OTTO, S. S. Pseudomonas aeruginosa como indicador de contaminação hídrica. Revista Higiene Alimentar, Mirandópolis, v. 14, n. 76, p. 43-46, 2000.).

Essa substância compõe importante meio de transmissão de doenças. Fatos históricos demonstram que algumas das epidemias mais generalizadas que já flagelaram as populações humanas tiveram sua origem em sistemas de distribuição de água (Branco, 1991BRANCO, S. M. A água e o homem. In: PORTO, R. L. L. et al. Hidrologia ambiental. São Paulo: Edusp, ABRH, 1991.).

Aliadas à falta de água potável estão à má distribuição, a contaminação do recurso hídrico e a construção de fossas assépticas próximas aos poços rasos. Atualmente, cerca de 1,4 bilhão de pessoas não têm acesso à água limpa, e, a cada oito segundos, morre uma criança por doença relacionada com a contaminação da água, como disenteria e cólera. Cerca de 80% das enfermidades no mundo são contraídas por causa da poluição da água (Leite et al., 2003LEITE, M. O. et al. Controle de qualidade da água em indústrias de alimentos. Revista Leite & Derivados, Londrina, v. 69, p. 38-45, mar./abr. 2003.).

Barcellos et al. (2006BARCELLOS, C. M. et al. Avaliação da qualidade da água e percepção higiênica sanitária na área rural de Lavras, Minas Gerais, Brasil, 1999-2000. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 22, n. 9, p. 1967-1978, 2006.) estudaram a qualidade da água na zona rural de Lavras-Minas Gerais e observaram a contaminação fecal nos mananciais, inclusive nos subterrâneos e subsuperficiais. Eles enfatizaram a necessidade da busca de conhecimentos da realidade sanitária no meio rural, caracterizada por populações com menor acesso às medidas de saneamento. A água para consumo humano deve obedecer a padrões mínimos, referentes à composição química aceitável, bem como a limites máximos de contaminação microbiana.

O abastecimento de água é realizado de forma desigual entre a zona urbana e rural. As principais fontes de abastecimento de água no meio rural são os poços rasos, nascentes, córregos e rios, constituindo-se em fontes susceptíveis à contaminação.

A Política Federal de Saneamento Básico (Brasil, 2007BRASIL. Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007. Estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 8 jan. 2007. Seção 1. p. 3.) apresenta diversos objetivos, dentre os quais proporcionar condições adequadas de salubridade ambiental às populações rurais e às populações tradicionais. Entretanto, não é o que se observa na prática.

Na zona rural do município de Barra do Bugres, Estado de Mato Grosso, está localizado o Assentamento Quilombola “Vão Grande”, formado por cinco comunidades quilombolas (São José de Baixio, Morro Redondo, Gruta Camarinha, Retiro e Vaca Morta). Estas são compostas por filhos(as), netos(as) e bisnetos(as) dos primeiros habitantes que chegaram em meados do século XIX à região (Silva, 2014SILVA, M. M. Educação escolar quilombola: Comunidades quilombolas do Território Quilombola de Vão Grande, Barra do Bugres - MT: percepções e significados sobre a E. E. José Mariano Bento. 2014. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação e Linguagem da Universidade Estadual de Mato Grosso, Cáceres, 2014.).

As condições de saneamento são precárias no Assentamento Vão Grande. Não há infraestrutura de coleta de esgoto e fornecimento de água tratada. As famílias utilizam a água proveniente de minas e dos mananciais superficiais, sendo o rio Jauquara a principal fonte.

Neste sentido, o objetivo deste trabalho foi avaliar a qualidade da água consumida pelas famílias das comunidades Baixio e Morro Redondo, situadas no Assentamento Vão Grande, por meio de parâmetros microbiológicos.

Procedimentos metodológicos

O trabalho fez parte do projeto de extensão “BB água limpa”, desenvolvida por uma equipe multidisciplinar que envolvia profissionais das áreas de ciências agrárias, ciências exatas e da terra, engenharias e ciências da saúde de diferentes instituições. O projeto foi desenvolvido em uma comunidade quilombola denominada Assentamento “Vão Grande”, inserido no município de Barra do Bugres, a 150 quilômetros da capital do Estado. O assentamento foi fundado no período da escravidão, quando o local era utilizado pelos fugitivos provenientes dos estados de Goiás e Minas Gerais. As terras foram regularizadas pelo Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra) somente no ano de 1998, quando as famílias receberam incentivos, tais como crédito habitação, infraestrutura básica, fomento, entre outros. Estas comunidades estão a 75 quilômetros de distância da cidade de Barra do Bugres e foram reconhecidas como Comunidades Quilombolas entre os anos de 2005 e 2010, pela Fundação Palmares. Atualmente, o assentamento possui 28 lotes, com 24 hectares cada unidade. No entanto, as famílias ramificaram, aumentando o número de moradias.

De acordo com informações obtidas junto ao Núcleo de Estudo, Pesquisa e Extensão em Desenvolvimento Econômico Social (Nepedes), 60% das famílias desenvolvem alguma atividade agrícola nos lotes destinados ao consumo interno. São famílias que vivem próximo à linha da pobreza extrema, praticando agropecuária de subsistência, de forma precária. Residem, em sua maioria, em casas de pau-a-pique, taipa, adobe e com telhados de folhagem de palmeira babaçu. A infraestrutura de saneamento básico é mínima ou inexistente, não possuem acesso a água, banheiro ou sequer foça negra. A água consumida pelos moradores dessas comunidades é ofertada de forma bruta, oriunda de minas, poços e córregos, sem qualquer tratamento. A equipe do Projeto “BB Água Limpa’” atua nesta comunidade desde 2013.

Para o desenvolvimento do projeto, foram escolhidas duas comunidades quilombolas pertencentes ao Assentamento “Vão Grande”, dentre elas a do Baixio e Morro Redondo. A comunidade do Baixio, segundo Silva (2014SILVA, M. M. Educação escolar quilombola: Comunidades quilombolas do Território Quilombola de Vão Grande, Barra do Bugres - MT: percepções e significados sobre a E. E. José Mariano Bento. 2014. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação e Linguagem da Universidade Estadual de Mato Grosso, Cáceres, 2014.), é composta por dezenove famílias e cerca de 90% possui como característica relação de parentesco. Nesta comunidade, encontra-se a Escola Estadual José Mariano Bento, que atende alunos das cinco comunidades, onde acontecem também reuniões dos líderes locais.

A outra comunidade é denominada Morro Redondo, que contém 29 famílias. Nesta, o êxodo rural é comum, principalmente dos jovens, devido à falta de trabalho. Alguns vivem de agricultura de subsistência ou trabalham nas fazendas vizinhas, e a comercialização da produção não é realizada em razão do difícil acesso ao local e ao pouco incentivo à produção e escoamento, já que não há qualquer programa do governo na comunidade para impulsionar esse setor (Silva, 2014SILVA, M. M. Educação escolar quilombola: Comunidades quilombolas do Território Quilombola de Vão Grande, Barra do Bugres - MT: percepções e significados sobre a E. E. José Mariano Bento. 2014. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação e Linguagem da Universidade Estadual de Mato Grosso, Cáceres, 2014.).

Inicialmente, fez-se contato prévio com a comunidade para a realização de apresentação do projeto e seus objetivos. Todas as ações na comunidade foram desenvolvidas com o consentimento das lideranças locais, respeitando seus hábitos, crenças e costumes. Para a coleta de água, foi realizado levantamento dos tipos de fontes de água utilizadas para o consumo pelos moradores, bem como escolhidos os pontos para coleta.

O rio que abastece a comunidade do Vão Grande é o Jauquara, que nasce na Província Serrana e se espraia pelas planícies da depressão do rio Paraguai, com terras ocupadas por lavouras, pastagens e exploração de calcário. A Bacia Hidrográfica do Rio Jauquara (BHRJ) possui 1.408,00 quilômetros quadrados de área territorial e a altitude varia entre 150 e 920 metros. É fonte de abastecimento de assentamentos e comunidades tradicionais (Casarin; Neves; Neves, 2008CASARIN, R.; NEVES, S. M. A. S.; NEVES, R. J. Uso da terra e qualidade da água da Bacia Hidrográfica Paraguai/Jauquara-MT. Revista Geografia Acadêmica, Goiânia, v. 2 n. 1, p. 33-42, 2008.). Além da água originária do rio Jauquara, muitos moradores utilizam água de mina, que é encanada e chega até as residências.

Na comunidade Morro Redondo, foram escolhidos quatro pontos, sendo dois deles de água proveniente de mina e os outros dois coletados no rio. Procedeu-se da mesma forma na comunidade Baixio, com o acréscimo de mais um ponto de água de mina, totalizando cinco, para a realização das análises microbiológicas. As coletas foram realizadas mensalmente, em triplicata, em cada ponto escolhido para investigação e acompanhamento, utilizando recipientes esterilizados e acondicionados em caixas térmicas, de acordo com os padrões de higiene e controle de amostragem descrita por Macêdo (2003MACÊDO, J. A. B. Métodos laboratoriais de análises físico-químicas e microbiológicas. 2. ed. Belo Horizonte: CRQ/MG, 2003.). A análise foi feita no período de até 24 horas após a coleta, para preservação das amostras, uma vez que os coliformes nessa condição se multiplicam rapidamente, interferindo, assim, no resultado da análise.

Após a coleta, as amostras foram destinadas ao laboratório de Microbiologia da Universidade do Estado de Mato Grosso, Campus Barra do Bugres, para realização das análises, determinadas pelo método rápido-Colilert (tecnologia de substrato definido-Idexx). O Colilert utiliza tecnologia de substrato definido [Defined Substrate Technology (DST)] para detecção de coliformes totais e Escherichia coli em água. A técnica consistiu em homogeneizar 100 mL da amostra em um frasco com quantidade de substrato especificada pelo fornecedor. A mistura final foi incubada a 35-40° C, durante 24 horas. O teste empregado foi o qualitativo em triplicata, com resultados positivos para presença de coliformes totais e Escherichia coli. À medida que os coliformes se reproduzem no Colilert, utilizam ß-galactosidase para metabolizar o indicado de nutriente e alterá-lo de incolor para amarelo. A Escherichia coli utiliza ß-glucuronidase para metabolizar e criar fluorescência. Esta abordagem diminui a incidência de falso-positivos e falso-negativos (Idexx, 2008IDEXX LABORATORIES. Validação do método Colilert®-18/Quanti-Tray® para contagem de E. coli e bactérias coliformes em água. Westbrook: Idexx Laboratories, 2008.).

Após o período de incubação dos frascos contendo as amostras foram retiradas da estufa. Para a identificação da presença de coliforme total, foi observada a mudança de coloração das amostras. As que indicaram presença do coliforme apresentaram coloração em tom alaranjado escuro e aquelas que indicaram ausência de contaminação total apresentaram coloração em tom amarelo claro.

Na identificação da presença ou ausência de coliforme fecal nas amostras, foi necessária uma cabine de luz ultravioleta (UV). Os frascos contendo as amostras foram colocados sob influência da luz, e as amostras que apresentaram fluorescência durante o procedimento continham coliformes fecais; as que permaneceram neutras durante o procedimento, ou seja, continuaram com a coloração no estado normal, estavam isentas de contaminação fecal. Este procedimento foi realizado para cada amostra em triplicata, objetivando o alcance de resultados precisos. Finalizada a análise, os frascos foram esvaziados e devidamente esterilizados, as amostras foram neutralizadas, ou seja, livres de contaminação para que pudessem ser descartadas sem que provocasse interferência ou contaminassem o local de descarte.

Resultados e discussão

A contaminação detectada nas amostras analisadas, em todo o período de estudo, foi considerada preocupante, já que o índice de contaminação predominou em quase 100% das amostras. Infere-se que tal índice deve-se à falta de saneamento básico da região e também ao período de realização das coletas.

Nos meses de novembro a janeiro, em que foram verificados 100% de coliformes totais e fecais nas amostras (Figura 1), pode-se atribuir este fator à sazonalidade das chuvas na região estudada, pois, de acordo com Fenner et al. (2014FENNER, W. et al. Análise do balanço hídrico mensal para regiões de transição de Cerrado Floresta e Pantanal, Estado de Mato Grosso. Revista Acta Iguazu, Cascavel, v. 3, n. 1, p. 72-85, 2014.), os meses de maiores incidências de precipitação na região são de novembro a fevereiro. Como a água destinada ao consumo dos moradores é proveniente de rios e minas, a chuva intensifica a contaminação pelo fato de arrastar para o corpo d’água toda a matéria orgânica em decomposição depositada nas encostas dos rios e também as fezes de animais que transitam pelo local. Cunha et al. (2010CUNHA, A. H. et al. Análise microbiológica da água do rio Itanhém em Teixeira de Freitas-BA. Revista Biociência, Taubaté, v. 16, n. 2, 2010.) associam o aumento da contaminação com o índice de chuvas, corroborando os dados encontrados.

Figura 1
Análise microbiológica de coliformes fecais e totais na água consumida pelas comunidades no assentamento “Vão Grande”

No mês de agosto, a porcentagem para coliforme fecal foi igual ao do mês de julho, ou seja, 77,78% acusaram presença e 22,22%, ausência (Tabela 1). Dos resultados de coliforme total, 88,89% das amostras acusaram presença e apenas 11,11%, ausência do coliforme.

Tabela 1
Porcentagem dos meses analisados para a análise microbiológica

No mês de setembro, as porcentagens obtidas por meio dos resultados das análises não foram diferentes. Logo, a totalidade das amostras analisadas acusaram presença de coliforme total na água; 77,78%, presença para coliforme fecal; e 22,22%, ausência, assim como nos meses de julho e agosto.

Como pode ser observado na Figura 1, não houve coleta no mês de outubro de 2013 devido a problemas relacionados ao transporte. Portanto, não houve análise nem resultados.

No mês de novembro, ocorreram alterações evidentes em razão dos fatores climáticos. Foi detectada a presença tanto de coliformes fecais quanto totais em 100% das amostras, o que se repetiu nos meses de dezembro de 2013 e janeiro de 2014. Analisando os nove pontos, em um total de seis coletas e análises, conclui-se que 88,89% das amostras nesse total de seis meses de análise acusaram a presença de coliforme fecal e 98,15% das amostras indicaram a presença de coliformes totais.

A contaminação da água analisada é evidente, o que a torna indevida para consumo. No entanto, considerando-se os fatos de a água utilizada pela comunidade ser basicamente proveniente de rios e minas, de ser em uma localidade tipicamente rural, e da presença de animais próximos aos rios ser claramente observada, a manutenção da potabilidade da água é dificultada. É preciso considerar, também, o fato de que nos últimos períodos de coleta a chuva foi constante, possibilitando, assim, que a contaminação das encostas e da mata ao redor dos rios fosse transportada até o corpo d’água.

Em relação à forma de tratamento da água destinada ao consumo, a comunidade em geral utiliza o filtro de barro para a filtragem da água, sendo que alguns não utilizam nenhum tipo de tratamento, fator que pode contribuir para o elevado índice de coliformes presentes na água. Quanto ao destino de dejetos domiciliares, a maior parte dos moradores não possui banheiro no interior das casas ou nas proximidades da residência. Segundo Silva (2007SILVA, J. A. N. Condições sanitárias e de saúde em Caiana dos Crioulos, uma comunidade quilombola do estado da Paraíba. Revista Saúde Sociedade, São Paulo, v. 16, n. 2, p.111-124, 2007.) e Amaral et al. (2003AMARAL, L. A. et al. Água de consumo humano como fator de risco à saúde em propriedades rurais. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 37, n. 4, p. 510-514, 2003.), isto contribui de forma direta para a proliferação de vetores e microrganismos que ocasionam doenças endêmicas e parasitoses.

Outro fator relacionado ao alto índice de contaminação por coliformes totais e fecais está relacionado com o fato da comunidade não ter coleta de resíduos sólidos domiciliares. O lixo é descartado em lugares inapropriados, contribuindo para a proliferação de microrganismos e vetores de doenças.

Trabalho semelhante foi realizado por Cunha et al. (2010CUNHA, A. H. et al. Análise microbiológica da água do rio Itanhém em Teixeira de Freitas-BA. Revista Biociência, Taubaté, v. 16, n. 2, 2010.), que avaliaram a contaminação do rio Itanhém em Teixeira de Freitas-BA, por meio da análise microbiológica, utilizando como um dos indicadores a Escherichia coli para coliforme fecal. Foram coletadas seis amostras de cada ponto. Do total de dezoito amostras, oito (44,44%) apresentaram contaminação por coliformes termotolerantes, e dessas oito, em 72,41% foi possível a identificação da espécie Escherichia coli.

Vasconcellos (2006VASCONCELLOS, F. C. S. Qualidade microbiológica da água do rio São Lourenço, São Lourenço do Sul, Rio Grande do Sul. Revista Arquivo Instituto Biológico, São Paulo, v. 73, n. 2, p.177-181, 2006.), ao analisar a água do Rio São Lourenço, que nasce na área urbana da cidade, utilizou a análise de Número Mais Provável (NMP), confirmando que todos os pontos coletados das águas do Rio São Lourenço, segundo a resolução de nº 357 do CONAMA do ano de 2005 (estabelece um limite de 1.000 coliformes termotolerantes/100 ml em 80% das amostras analisadas), são impróprios para consumo humano ou animal, pois apresentaram concentração de coliformes acima do permitido pela legislação.

Ao término da pesquisa, foi confeccionado um relatório em que constavam os resultados, e este foi entregue à comunidade. Realizou-se reunião com os moradores das comunidades Baixio e Morro Redondo, a fim de discutir práticas acessíveis para redução da contaminação microbiológica das águas destinadas ao consumo.

Considerações finais

Com o projeto implantado na comunidade do Vão Grande, constatou-se que as condições das duas comunidades, Baixio e Morro Redondo, são precários. Os moradores não possuem acesso a serviços de saúde de qualidade, nem condições de saneamento básico adequado e nenhuma forma de assistência por parte das autoridades competentes. A água consumida pelos moradores, na maioria das vezes, não passa nem pelo processo de filtragem, e grande parte das casas não possui água encanada, banheiros ou fossas, fazendo que a água, que chega às casas diretamente dos rios, poços e minas, seja consumida sem qualquer forma de tratamento. Estes fatores podem contribuir diretamente para a dispersão e contaminação de agentes patológicos presentes na água, causando doenças. Os resultados obtidos poderão contribuir para o direcionamento de ações visando à melhoria de sua qualidade.

Referências

  • AMARAL, L. A. et al. Água de consumo humano como fator de risco à saúde em propriedades rurais. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 37, n. 4, p. 510-514, 2003.
  • BARCELLOS, C. M. et al. Avaliação da qualidade da água e percepção higiênica sanitária na área rural de Lavras, Minas Gerais, Brasil, 1999-2000. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 22, n. 9, p. 1967-1978, 2006.
  • BRANCO, S. M. A água e o homem. In: PORTO, R. L. L. et al. Hidrologia ambiental. São Paulo: Edusp, ABRH, 1991.
  • BRASIL. Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007. Estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 8 jan. 2007. Seção 1. p. 3.
  • CASARIN, R.; NEVES, S. M. A. S.; NEVES, R. J. Uso da terra e qualidade da água da Bacia Hidrográfica Paraguai/Jauquara-MT. Revista Geografia Acadêmica, Goiânia, v. 2 n. 1, p. 33-42, 2008.
  • CUNHA, A. H. et al. Análise microbiológica da água do rio Itanhém em Teixeira de Freitas-BA. Revista Biociência, Taubaté, v. 16, n. 2, 2010.
  • FENNER, W. et al. Análise do balanço hídrico mensal para regiões de transição de Cerrado Floresta e Pantanal, Estado de Mato Grosso. Revista Acta Iguazu, Cascavel, v. 3, n. 1, p. 72-85, 2014.
  • GUILHERME, E. F. M.; SILVA, J. A. M.; OTTO, S. S. Pseudomonas aeruginosa como indicador de contaminação hídrica. Revista Higiene Alimentar, Mirandópolis, v. 14, n. 76, p. 43-46, 2000.
  • IDEXX LABORATORIES. Validação do método Colilert®-18/Quanti-Tray® para contagem de E. coli e bactérias coliformes em água. Westbrook: Idexx Laboratories, 2008.
  • LEITE, M. O. et al. Controle de qualidade da água em indústrias de alimentos. Revista Leite & Derivados, Londrina, v. 69, p. 38-45, mar./abr. 2003.
  • MACÊDO, J. A. B. Métodos laboratoriais de análises físico-químicas e microbiológicas. 2. ed. Belo Horizonte: CRQ/MG, 2003.
  • SILVA, J. A. N. Condições sanitárias e de saúde em Caiana dos Crioulos, uma comunidade quilombola do estado da Paraíba. Revista Saúde Sociedade, São Paulo, v. 16, n. 2, p.111-124, 2007.
  • SILVA, M. M. Educação escolar quilombola: Comunidades quilombolas do Território Quilombola de Vão Grande, Barra do Bugres - MT: percepções e significados sobre a E. E. José Mariano Bento. 2014. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação e Linguagem da Universidade Estadual de Mato Grosso, Cáceres, 2014.
  • VASCONCELLOS, F. C. S. Qualidade microbiológica da água do rio São Lourenço, São Lourenço do Sul, Rio Grande do Sul. Revista Arquivo Instituto Biológico, São Paulo, v. 73, n. 2, p.177-181, 2006.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2017

Histórico

  • Recebido
    12 Jul 2016
  • Revisado
    27 Abr 2017
  • Aceito
    14 Ago 2017
Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo. Associação Paulista de Saúde Pública. SP - Brazil
E-mail: saudesoc@usp.br