Vigilância em saúde ambiental no Brasil: heranças e desafios

Environmental health surveillance in Brazil: inheritance and challenges

Resumo

Este artigo apresenta alguns pontos do debate sobre o campo da saúde ambiental, em especial sobre o surgimento da vigilância em saúde ambiental no âmbito das políticas públicas do Sistema Único de Saúde (SUS). Para sua construção, realizou-se uma revisão teórica e uma análise de alguns instrumentos normativos que regulam essa área de vigilância. O texto está estruturado em quatro partes: num primeiro momento, destacaremos a importância da compreensão da saúde ambiental como um campo interdisciplinar; o segundo tópico corresponde a um breve histórico das relações entre saúde e ambiente; na terceira seção destacamos a discussão sobre as categorias de promoção e vigilância à saúde, quando discutiremos suas heranças e desafios; por fim, debatemos a questão da vigilância em saúde ambiental, apresentando sua organização enquanto parte integrante do SUS, seus marcos teóricos e institucionais. Concluímos que a área da vigilância em saúde ambiental no Brasil apresenta alguns importantes avanços e está em processo de amadurecimento, haja vista as constantes modificações na sua estrutura regulatória, mas também consideramos lenta a incorporação das questões ambientais no campo das políticas públicas de saúde.

Palavras-chave:
Saúde Ambiental; Vigilância em Saúde Ambiental; Políticas Públicas de Saúde; Promoção da Saúde

Abstract

This article presents some points of the debate on the field of environmental health, especially on the rising of environmental health surveillance within the public health policies of the Brazilian National Health System (SUS). For its construction, a theoretical review and an analysis of some normative instruments which regulate this area of surveillance were performed. The text is structured in four parts: first we will highlight the importance of understanding environmental health as an interdisciplinary field; the second topic refers to a brief history of the relationship between health and environment; in the third section we highlight a debate on the categories of promotion and surveillance of health, when we discuss their inheritances and challenges; finally, we discuss the issue of environmental health surveillance, presenting its organization as an integrating part of SUS, its theoretical and institutional frameworks. We concluded that the area of environmental health surveillance in Brazil presents some important advances and is in the process of maturation, given the constant changes in its regulatory structure, but we also think the incorporation of environmental issues in the field of public health policies is slow.

Keywords:
Environmental Health; Environmental Health Surveillance; Public Health Policies; Health Promotion

Introdução

A relação entre o ambiente e o padrão de saúde de uma população define um campo de conhecimento referido como “saúde ambiental” ou “saúde e ambiente” (Tambelline; Câmara, 1998TAMBELLINI, A. T.; CÂMARA, V. M. A temática saúde e ambiente no processo de desenvolvimento do campo da saúde coletiva: aspectos históricos, conceituais e metodológicos. Ciência & Saúde Coletiva , Rio de Janeiro, v. 3, n. 2, p. 47-59, 1998., p. 48). Esse campo de estudo vem apresentando nos últimos anos um grande potencial para a realização de pesquisas trans e interdisciplinares, visto que o debate em torno da problemática ambiental e seu impacto na saúde acentuou-se nas últimas décadas. Atualmente, um dos maiores desafios postos aos pesquisadores é investigar quais as relações entre o movimento de transformações ambientais globais e seus vários desdobramentos, entre os quais se destacam os impactos à saúde da população.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS, 1989 apud U.S. Department of Health and Human Services, 1998U.S. DEPARTMENT OF HEALTH AND HUMAN SERVICES. An ensemble of definitions of environmental health. 20 nov. 1998. Disponível em: <Disponível em: https://goo.gl/vWoY83 >. Acesso em: 23 ago. 2013.
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), a saúde ambiental é formada por todos aqueles aspectos da saúde humana, incluindo a qualidade de vida, que estão determinados por fatores físicos, químicos, biológicos, sociais e psicológicos no meio ambiente. A saúde ambiental também se refere à teoria e à prática de valorar, corrigir, controlar e evitar fatores do meio ambiente que possam prejudicar a saúde de gerações atuais e futuras.

Cunha et al. (2010CUNHA, I. C. P. et al. Saúde e meio ambiente: o desafio da saúde ambiental. In: SINUS 2010: REPENSANDO UMA CULTURA DE PAZ E LIBERDADE, 9., 2010, Brasília, DF. Guia de Estudos… Brasília, DF: OMS, 2010. p. 30) destacam, na história recente da saúde ambiental global, períodos caracterizados por grande visibilidade em alternância com outros de obscuridade e descaso. Se, por um lado, houve avanços em áreas conceituais e metodológicas, por outro, os ganhos na área de intervenções e aplicações específicas ainda são bastante limitados, o que expõe grandes grupos populacionais a uma série de riscos ambientais inaceitáveis e injustos, com consequências indesejáveis à saúde. Esse processo negativo de exposição das populações mais vulneráveis é denominado injustiça ambiental (Acselrad; Mello; Bezerra, 2009ACSELRAD, H.; MELLO, C.; BEZERRA, G. O que é justiça ambiental. Rio de Janeiro: Garamond, 2009.), um dos conceitos bastante discutidos no campo da saúde ambiental.

Dessa forma, observamos que, para estabelecer relações entre o ambiente, a saúde e o território, devemos romper com visões fragmentadas de problemáticas relacionadas a distintos campos do saber, pois as conexões entre as transformações atuais de uma economia globalizada, as radicais mudanças no ambiente natural e a complexidade dos problemas de saúde das populações merecem um esforço de investigação que avance sobre o paradigma cartesiano positivista mediante investigações cada vez mais interdisciplinares.

Para Ribeiro (2004RIBEIRO, H. Saúde pública e meio ambiente: evolução do conhecimento e da prática, alguns aspectos éticos. Saúde e Sociedade , São Paulo, v. 13, n. 1, p. 70-80, 2004.), apesar das dificuldades - pois iniciativas como essas exigem transformações nos próprios homens -, as pesquisas em saúde ambiental buscam subsidiar políticas, programas e ações que garantam maior justiça ambiental. Corroborando esse argumento, Augusto et al. (2003AUGUSTO, L. G. S. et al. Saúde e ambiente: uma reflexão da Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva - Abrasco. Revista Brasileira de Epidemiologia , São Paulo, v. 6, n. 2, p. 87-94, 2003., p. 90) afirmam que:

Na produção do conhecimento das relações entre saúde e ambiente é fundamental levar-se em conta a contra-hegemonia do saber dominante; a importância das contribuições disciplinares em uma perspectiva interdisciplinar; a não contraposição, mas sim a incorporação da perspectiva subjetiva; a não contraposição do ser humano à natureza, e sim o contrário, o ambiente deve ser internalizado no sistema de desenvolvimento humano para que sejam passivos de controle os riscos dele oriundos pela intervenção do homem.

Contudo, essa perspectiva que se abre de estudos integrados em saúde e ambiente ainda é bastante recente. Freitas e Porto (2006FREITAS, C. M.; PORTO, M. F. Saúde, ambiente e sustentabilidade. Rio de Janeiro: Fiocruz , 2006.) destacam a necessidade de estudos interdisciplinares e abordagens integradas na análise e solução de problemas de saúde e ambiente, ampliando o olhar sobre os efeitos, incorporando as causas e os determinantes e apontando para soluções preventivas mais efetivas, que levem em consideração as necessidades das populações e dos ecossistemas.

Barreto (1998BARRETO, M. L. Emergência e permanência das doenças infecciosas: implicações para a saúde pública e para a pesquisa. Médicos, São Paulo, v. 1, n. 3, p. 18-25, 1998. ) discute três aspectos que acredita serem essenciais para a compreensão do elo entre a saúde e o ambiente. Em primeiro lugar, o autor afirma que a própria história da saúde pública se desenvolve na relação com as questões do ambiente, que influenciam diretamente as condições de saúde. Por conseguinte, destaca que essa ligação rompe com o paradigma puramente biológico do processo saúde-doença por entender o ambiente como um complexo onde a vida se desenvolve como um todo. Por fim, ressalta o papel dos movimentos sociais no que tange à busca de soluções e mitigações dos problemas ambientais que ameaçam a própria existência da humanidade.

Dos três aspectos elencados, observamos, em relação ao primeiro, um crescente debate no âmbito acadêmico profissional que estreita cada vez mais os laços entre pesquisas nas áreas de saúde e ambiente, através de investigações de caráter conceitual e metodológico e da criação de normas e políticas que ratificam essa aproximação, como o próprio surgimento do campo da vigilância em saúde ambiental. Contudo, esse movimento de aproximação não se deu de forma rápida. Apenas a partir de meados do século XX, com o advento do movimento ambientalista, é que houve um diálogo mais efetivo e contextualizado entre os campos da saúde e do meio ambiente, embora as relações entre essas áreas remontem a períodos históricos anteriores ao século passado.

Um pouco do histórico sobre a saúde ambiental

Não há consenso sobre o início da discussão das questões de saúde ambiental, embora alguns autores atribuam o marco dessas relações a períodos pré-históricos, quando a presença humana era muito rarefeita na ocupação do espaço. Para Freitas e Porto (2006FREITAS, C. M.; PORTO, M. F. Saúde, ambiente e sustentabilidade. Rio de Janeiro: Fiocruz , 2006.), o surgimento da agricultura e domesticação de animais foi um dos vetores das primeiras transformações mais radicais causadas pelo homem no ambiente, numa época entre 10 mil e 5 mil anos atrás, quando o desenvolvimento de técnicas de cultivo e domesticação colocava a figura humana com certa supremacia sobre os recursos naturais. A partir do domínio e invento de novas técnicas, crescimento das populações e necessidade de fixação das coletividades em determinados territórios, era natural que as modificações sobre o espaço começassem a surgir.

Ribeiro (2004RIBEIRO, H. Saúde pública e meio ambiente: evolução do conhecimento e da prática, alguns aspectos éticos. Saúde e Sociedade , São Paulo, v. 13, n. 1, p. 70-80, 2004.) e Gouveia (1999GOUVEIA, N. Saúde e meio ambiente nas cidades: os desafios da saúde ambiental. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 8, n. 1. p. 49-61, 1999.) ressaltam a obra “Dos ares, águas e lugares” (final do século V e início do século IV a.C.), de Hipócrates, como pioneira, ao relacionar aspectos ambientais e produção de doenças. Esse tratado é apontado como crucial para o entendimento das relações entre o homem e o ambiente, sendo citado pelos autores como obra influenciadora da saúde pública através do ambientalismo hipocrático.

O próprio crescimento da população ao longo do tempo gerou uma pressão sobre os recursos naturais e consequentemente ocasionou um desequilíbrio nas condições sanitárias, praticamente inexistentes. Segundo Freitas e Porto (2006FREITAS, C. M.; PORTO, M. F. Saúde, ambiente e sustentabilidade. Rio de Janeiro: Fiocruz , 2006.), as sociedades mais complexas e as grandes civilizações, como a da Mesopotâmia, desenvolveram-se com precária infraestrutura de abastecimento de água e destinação de esgoto. O crescimento e a interligação de sociedades como Grécia, Roma e Pérsia resultaram na disseminação de doenças locais e geraram sucessivas epidemias.

Sob outra perspectiva, Rigotto e Augusto (2007RIGOTTO, R. M.; AUGUSTO, L. G. S. Saúde e ambiente no Brasil: desenvolvimento, território e iniquidade social. Cadernos de Saúde Pública , Rio de Janeiro, v. 23, n. 4, p. 475-501, 2007.) trazem à tona a reflexão de que o próprio crescimento dessas sociedades também gerou aspectos positivos para as questões de ordem técnica e científica nas relações entre saúde e ambiente. “Desde a Grécia Clássica ou a Idade Média, as atividades humanas sobre o meio - as obras hidráulicas no Egito, o crescimento da urbis romana, a expansão cristã na Europa - despertaram, em alguma medida, indagações sobre os efeitos destas atividades sobre o entorno” (Rigotto; Augusto, 2007RIGOTTO, R. M.; AUGUSTO, L. G. S. Saúde e ambiente no Brasil: desenvolvimento, território e iniquidade social. Cadernos de Saúde Pública , Rio de Janeiro, v. 23, n. 4, p. 475-501, 2007., p. 476).

Um dos fatores mais influentes na reprodução de doenças através da exposição a condicionantes ambientais é apontado por Sabroza (2001SABROZA, P. C. Concepções sobre saúde e doença: curso de aperfeiçoamento de gestão em saúde. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz, 2001., p. 8):

A associação entre doenças pestilenciais e matéria orgânica em decomposição era antiga, e havia orientado a organização do espaço urbano nas cidades do Império Romano. No Renascimento, esta antiga concepção foi restaurada, sendo então as doenças entendidas como diferentes tipos de putrefação, e portanto, processos químicos naturais, resultante da acumulação de gases patogênicos no ambiente. Conhecida como teoria dos miasmas, esta relação de associação passou a ser um componente relevante do pensamento ocidental sobre saúde e doença, mantendo-se desde então como uma explicação coerente.

Para Sabroza (2001SABROZA, P. C. Concepções sobre saúde e doença: curso de aperfeiçoamento de gestão em saúde. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz, 2001.), a aceleração no crescimento de doenças relacionadas ao ambiente esteve diretamente associada à expansão do colonialismo europeu, que durou aproximadamente 300 anos, entre os séculos XV e XIX. Sobre esse assunto, Barcellos (2008BARCELLOS, C. Problemas emergentes da saúde coletiva e a revolução do espaço geográfico. In: MIRANDA, A. C. et al. (Org.). Território, ambiente e saúde. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2008. p. 43-56.) ratifica o surgimento da teoria dos miasmas, que associava as doenças às características do lugar e reforçava teses racistas e imperialistas do período colonial.

A teoria dos miasmas também se manteve presente no período da Revolução Industrial. Segundo Freitas e Porto (2006FREITAS, C. M.; PORTO, M. F. Saúde, ambiente e sustentabilidade. Rio de Janeiro: Fiocruz , 2006.), nesse período, houve um aumento significativo do fluxo migratório do campo para as cidades que provocou um grande crescimento urbano e industrial. Além disso, as condições de vida e de trabalho eram precárias, o que resultava em taxas crescentes de óbitos e adoecimentos, principalmente da população mais pobre. O historiador Mumford (2001MUMFORD, L. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectivas. São Paulo: Martins Fontes, 2001.) descreve que em partes da cidade de Manchester, na Inglaterra, entre 1843 e 1844, as necessidades de mais de 7 mil habitantes eram atendidas por 33 vasos sanitários, ou seja, um vaso sanitário para cada 212 pessoas. Observa-se que, assim como o período do desenvolvimento industrial trouxe uma mudança de paradigma na estrutura produtiva e de acumulação do capital, também gerou um movimento relacionado à saúde pública como contra-ataque aos próprios malefícios do crescimento econômico vivenciados na época.

Segundo Freitas (2003FREITAS, C. M. Problemas ambientais, saúde coletiva e ciências sociais. Ciência & Saúde Coletiva , Rio de Janeiro, v. 8, n. 1, p. 137-150, 2003.), é nesse período que a higiene é colocada como estratégia para garantir as condições de saúde da população. A vigilância e o controle sobre espaços sujos das cidades são fundamentais para não gerar um adoecimento em massa da população. Para Paim e Almeida Filho (1998PAIM, J. S.; ALMEIDA FILHO, N. Saúde coletiva: uma “nova saúde pública” ou campo aberto a novos paradigmas. Revista de Saúde Pública , São Paulo, v. 32, n. 4. p. 299-316, 1998., p. 302), se, por um lado, o movimento do higienismo centrava seus preceitos e ações no âmbito individual e propunha um discurso relacionado à esfera moral e à prática dos bons costumes, que deveriam prevalecer na sociedade em busca de ambientes saudáveis, por outro, as propostas de uma polícia médica “estabelecem a responsabilidade do Estado como definidor de políticas, leis e regulamentos referentes à saúde no coletivo e como agente fiscalizador da sua aplicação social, desta forma remetendo os discursos e as práticas de saúde à instância jurídico-política”. A polícia médica ficou conhecida pelo controle sobre a organização do território no que tange à vigilância da saúde da população. O esquadrinhamento do território era utilizado como estratégia de vigilância, de modo que todas as partes da cidade fossem patrulhadas e tivessem na figura do médico o “grande tutor” da saúde local.

O higienismo começou a ser contestado a partir da maior participação da classe trabalhadora organizada nas discussões sobre saúde pública, cujo viés era mais político do que técnico. Segundo Paim e Almeida Filho (1998PAIM, J. S.; ALMEIDA FILHO, N. Saúde coletiva: uma “nova saúde pública” ou campo aberto a novos paradigmas. Revista de Saúde Pública , São Paulo, v. 32, n. 4. p. 299-316, 1998.), o surgimento da medicina social foi um marco importante para superar o paradigma estabelecido pelo higienismo, cuja estratégia principal centrava-se no indivíduo e na medicalização de grupos classificados como vulneráveis.

Segundo Rosen (1994ROSEN, G. Uma história da saúde pública. São Paulo: Hucitec , 1994.), a medicina social teve forte repercussão no auge da Revolução Industrial inglesa. Os movimentos sociais que se formavam na época reivindicavam melhores salários e condições de trabalho e também a participação dos trabalhadores nas discussões políticas e estratégicas do Estado, dentre elas as de saúde pública. O movimento dos trabalhadores representou um grande avanço nesse campo, pois partiu das bases operárias e influenciou os militantes da saúde pública de uma forma geral.

As práticas de controle e vigilância do ambiente serão resgatadas posteriormente com o movimento sanitarista, como afirmam Paim e Almeida Filho (1998PAIM, J. S.; ALMEIDA FILHO, N. Saúde coletiva: uma “nova saúde pública” ou campo aberto a novos paradigmas. Revista de Saúde Pública , São Paulo, v. 32, n. 4. p. 299-316, 1998., p. 303):

O discurso e a prática dos sanitaristas sobre os problemas de saúde eram fundamentalmente baseados na aplicação de tecnologia e em princípios de organização racional para a expansão das atividades profiláticas, destinadas principalmente aos pobres e setores excluídos da população.

A ideologia era semelhante à das práticas do higienismo, todavia, com a presença do Estado interventor, o movimento sanitarista não se limita apenas a controlar possíveis focos de proliferação de doenças, mas especialmente em prover infraestrutura básica, como obras de saneamento, a fim de reduzir a imundície e, consequentemente, melhorar as condições ambientais, visando beneficiar as populações.

No processo de evolução histórica da relação entre saúde e ambiente, Gouveia (1999GOUVEIA, N. Saúde e meio ambiente nas cidades: os desafios da saúde ambiental. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 8, n. 1. p. 49-61, 1999.) destaca o advento da era microbiana ou bacteriológica, na metade do século XIX, introduzida pelos trabalhos de Snow, Pasteur e Koch, entre outros. Para o autor, essa fase relegaria definitivamente a teoria miasmática da doença a um segundo plano e, junto com ela, a importância do meio ambiente físico e social. Na concepção microbiana, o importante era investigar a tríade hospedeiro-parasita-ambiente. Para Barcellos (2008BARCELLOS, C. Problemas emergentes da saúde coletiva e a revolução do espaço geográfico. In: MIRANDA, A. C. et al. (Org.). Território, ambiente e saúde. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2008. p. 43-56., p. 44), essa abordagem teve como base “a unicausalidade das doenças, que seriam produzidas por um micróbio, em um determinado ambiente, e causariam um quadro clínico característico”. Esse paradigma tornou-se hegemônico nas ciências de saúde e foi denominado de “saúde pública”, cujo objetivo era reorientar as diretrizes dos discursos e práticas ocidentais no campo da saúde social (Paim; Almeida Filho, 1998PAIM, J. S.; ALMEIDA FILHO, N. Saúde coletiva: uma “nova saúde pública” ou campo aberto a novos paradigmas. Revista de Saúde Pública , São Paulo, v. 32, n. 4. p. 299-316, 1998.).

Destaca-se também, no campo da teoria microbiológica, as adaptações realizadas por pesquisadores que dialogaram com outras áreas científicas, como a ecologia. Para Czeresnia e Ribeiro (2000CZERESNIA, D.; RIBEIRO, A. M. O conceito de espaço em epidemiologia: uma interpretação histórica e epistemológica. Cadernos de Saúde Pública , Rio de Janeiro, v. 16, n. 3, p. 595-617, 2000.), uma das teorias mais conhecidas foi desenvolvida por Pavlovsky - a teoria dos focos naturais -, cujo grande mérito foi, por meio de uma abordagem ecológico-geográfica, desenvolver duas categorias de análise. A primeira, denominada “patobiocenose”, remete ao espaço natural sem intervenção humana, condicionando-o, contudo, por suas características ecológicas, à circulação dos agentes infecciosos. A segunda era considerada “antropopúrgica”, numa alusão ao espaço que já fora alterado pelo homem e, a partir dessa modificação, condicionava a circulação do agente infeccioso.

Outra forma de conceber a relação ambiente-saúde foi apresentada por Max Sorre (Czeresnia; Ribeiro, 2000CZERESNIA, D.; RIBEIRO, A. M. O conceito de espaço em epidemiologia: uma interpretação histórica e epistemológica. Cadernos de Saúde Pública , Rio de Janeiro, v. 16, n. 3, p. 595-617, 2000.), que foi além da abordagem da teoria do foco natural ao inserir a variável da ação humana na formação e dinâmica daquilo que chamou de complexo patogênico. Essa inserção foi realizada mediante estudos sobre gênero de vida, que compreende a adaptação do homem ao meio geográfico e os condicionantes que o faz modificar esse meio.

Contudo, as limitações dos modelos de análise da teoria dos miasmas e da microbiologia fizeram surgir um novo caminho de investigação para a relação entre ambiente e saúde na produção de doenças e agravos. O método multicausal passou a ser adotado pela epidemiologia e a saúde coletiva como modelo explicativo do surgimento de riscos, vulnerabilidades e doenças. A relação indivíduo-ambiente passa a não ter mais a centralidade das causas de adoecimento das populações, sendo atribuídas aos múltiplos fatores de ocorrência nas escalas locais até global.

Em face desse cenário de evolução dos estudos em saúde coletiva, os vários determinantes ambientais influenciadores dos contextos adversos à população passaram a ter um peso cada vez maior nas investigações epidemiológicas. O crescimento de pesquisas na área ambiental relacionadas diretamente à saúde propiciou um terreno favorável para a difusão de práticas interdisciplinares, que visavam tanto à produção de novas investigações como à formulação de políticas públicas de interface entre os dois campos. Por isso, as próximas discussões elencam as categorias de promoção e vigilância em saúde com foco na saúde ambiental.

Promoção e vigilância à saúde

Na segunda metade do século XX, no seio do debate sobre as relações entre saúde e meio ambiente, surge a discussão da promoção à saúde, compreendida como um campo do conhecimento que “parte de uma concepção ampla do processo saúde-doença e de seus determinantes, propondo a articulação de saberes técnicos e populares, e a mobilização de recursos institucionais e comunitários, públicos e privados, para seu enfrentamento e resolução” (Buss, 2000BUSS, P. M. Promoção da saúde e qualidade de vida. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 5, n. 1, p. 163-177, 2000., p. 165). Para Buss (2000BUSS, P. M. Promoção da saúde e qualidade de vida. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 5, n. 1, p. 163-177, 2000.), a promoção à saúde antigamente era tida como um movimento integrante da medicina preventiva, porém, Monken (2003MONKEN, M. Desenvolvimento de tecnologia educacional a partir de uma abordagem geográfica para a aprendizagem da territorialização em vigilância em saúde. 2003. Tese (Doutorado em Saúde Pública) - Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2003.) destaca que entre os conceitos de promoção e prevenção existe uma diferença. Enquanto a prevenção está baseada no risco de grupos específicos adoecerem, a promoção constitui um conceito mais globalizante que não se restringe aos aspectos médicos e epidemiológicos. Czeresnia (2003CZERESNIA, D. O conceito de saúde e a diferença entre prevenção e promoção. In: CZERESNIA, D.; FREITAS, C. M. (Org.). Promoção da saúde: conceitos, reflexões, tendências. Rio de Janeiro: Fiocruz , 2003. p. 39-53.) concorda com esse pressuposto e mostra que o foco da prevenção é a doença; já a promoção lida também com a doença, mas tem um objetivo maior, que é a qualidade de vida como um todo.

No debate conceitual, Buss (2000BUSS, P. M. Promoção da saúde e qualidade de vida. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 5, n. 1, p. 163-177, 2000.) apresenta duas perspectivas para interpretar a promoção à saúde: uma tem como foco o indivíduo e utiliza estratégias educativas influenciadoras de mudanças nos estilos de vida; a outra se baseia em um caráter mais coletivo, com o foco de atuação sobre os determinantes, por meio de ações públicas que modificam o ambiente e melhoram a qualidade de vida da população. Czeresnia (2003CZERESNIA, D. O conceito de saúde e a diferença entre prevenção e promoção. In: CZERESNIA, D.; FREITAS, C. M. (Org.). Promoção da saúde: conceitos, reflexões, tendências. Rio de Janeiro: Fiocruz , 2003. p. 39-53.) também vê a promoção à saúde sob duas perspectivas: na primeira, faz referência à responsabilidade da sociedade, reduzindo um pouco o papel do Estado no processo; já na segunda, caracteriza a promoção como estratégia mais ampla, que visa ao bem-estar geral da população, não se caracterizando apenas como a ausência de doença.

Para Carvalho (2004CARVALHO, S. R. Os múltiplos sentidos da categoria “empowerment” no projeto da Promoção à Saúde. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 20, n. 4, p. 1088-1095, 2004.), foi a partir da publicação do Relatório Lalonde, elaborado no Canadá, em 1974, que a discussão sobre promoção à saúde surgiu, alicerçada em quatro dimensões: viés ambiental, estilos de vida, biologia humana e organização dos serviços de saúde, todas imbricadas operacional e politicamente.

Segundo o Ministério da Saúde (Brasil, 2009aBRASIL. Ministério da Saúde. Subsídios para a construção da política nacional de saúde ambiental. Brasília, DF: Ministério da Saúde , 2009a.), o Relatório Lalonde aponta a importância do viés ecossistêmico para a avaliação e a criação de ambientes saudáveis. A partir dessa publicação, busca-se discutir um novo paradigma na formação dos profissionais de saúde, assim como integrar uma abordagem mais holística e uma consciência ecológica no trato das questões afeitas à promoção, à proteção e à recuperação da saúde da população.

Após a publicação do Relatório Lalonde, aconteceram vários eventos importantes para a discussão da temática da promoção. Para Minayo e Miranda (2002MINAYO, M. C.; MIRANDA, A. C. (Org.). Saúde e ambiente sustentável: estreitando nós. Rio de Janeiro: Fiocruz , 2002.), a primeira Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde foi um passo importante para as discussões em torno da saúde ambiental, já que o principal resultado dessa conferência foi a Carta de Ottawa, que indicava que a promoção da saúde implica conseguir “o estabelecimento de políticas públicas saudáveis, a criação de ambientes favoráveis, o fortalecimento de ações comunitárias, o desenvolvimento de habilidades pessoais e a reorientação dos serviços de saúde” (Minayo; Miranda, 2002MINAYO, M. C.; MIRANDA, A. C. (Org.). Saúde e ambiente sustentável: estreitando nós. Rio de Janeiro: Fiocruz , 2002., p. 157).

Esses eventos foram importantes influenciadores do Brasil na elaboração de sua política de saúde, desde a inserção da temática da promoção na Constituição de 1988, que criou o SUS, até a criação de políticas de base territorial, como a estratégia de saúde da família e a própria vigilância em saúde. Observamos que o movimento pela promoção da saúde esteve muito atrelado à ideia de criação de ambientes saudáveis com o objetivo de melhorar a qualidade de vida por meio de mudanças no estilo de vida.

Essa premissa de ambientes saudáveis ficou explícita nas discussões ocorridas ao longo da Conferência do Rio, em 1992 (Freitas; Porto, 2006FREITAS, C. M.; PORTO, M. F. Saúde, ambiente e sustentabilidade. Rio de Janeiro: Fiocruz , 2006.). A ONU passou a preocupar-se em estabelecer políticas de promoção à saúde, fornecendo novos modelos à saúde ambiental com base nessa abordagem. Ratificando essa discussão, a Agenda 21, principal documento resultante da Conferência do Rio, traz, em seu capítulo seis, uma discussão específica sobre a saúde ambiental, reconhecendo-a como prioridade social para a promoção da saúde. Dentre os temas destacados, estão a atenção primária em zonas rurais, o controle de doenças transmissíveis, a proteção dos grupos mais vulneráveis, a saúde nos centros urbanos, os riscos ambientais e a poluição.

Segundo Porto (1998PORTO, M. F. Saúde, ambiente e desenvolvimento: reflexões sobre a experiência da Copasad - Conferencia Pan-Americana de Saúde e Ambiente no Contexto do Desenvolvimento Sustentável. Ciência & Saúde Coletiva , Rio de Janeiro, v. 3, n. 2, p. 33-46, 1998.), após a Rio-92, a Organização Pan-Americana de Saúde realizou uma Conferência sobre Saúde, Ambiente e Desenvolvimento, em 1995, com o objetivo de definir e adotar um conjunto de políticas e estratégias relacionadas à saúde e ao meio ambiente, bem como de elaborar um Plano Regional de Ação no contexto do desenvolvimento sustentável.

É neste contexto de discussão do desenvolvimento sustentável que emerge o movimento da Nova Saúde Pública, cuja estratégia é mudar o foco das práticas centradas nos aspectos biomédicos para uma compreensão preventiva do estado de saúde, dando destaque às dimensões ambientais para a promoção da saúde (Freitas, 2003FREITAS, C. M. Problemas ambientais, saúde coletiva e ciências sociais. Ciência & Saúde Coletiva , Rio de Janeiro, v. 8, n. 1, p. 137-150, 2003.; Freitas; Porto, 2006FREITAS, C. M.; PORTO, M. F. Saúde, ambiente e sustentabilidade. Rio de Janeiro: Fiocruz , 2006.).

Com todo esse arcabouço teórico e institucional, as políticas de promoção de base local se multiplicaram pelo Brasil. O conceito de promoção entrou definitivamente na pauta das agendas políticas, e muitos programas de atenção básica e vigilância à saúde foram criados, expandidos e melhorados. A população, a partir da década de 1990, e mais recentemente com o processo de descentralização do SUS (Mendes et al., 1993MENDES, E. V. et al. Distritos sanitários: conceitos-chaves. In: MENDES, E. V. (Org.). Distritos Sanitários: processo social de mudanças nas práticas sanitárias para o Sistema Único de Saúde. São Paulo: Hucitec, 1993. p. 159-185.), passou a perceber mais de perto os profissionais de saúde que, atuando sobre uma base territorial, como os agentes comunitários de saúde e agentes de controle de endemias, possuem bons instrumentos para garantir a prática da promoção. Muitas vezes essas práticas emergem sob a forma de vigilância do ambiente, um dos pilares básicos da promoção.

A vigilância em saúde, embora criada recentemente do ponto de vista institucional, faz parte de uma construção histórica. O modelo da polícia médica atuante na Europa utilizava-se de métodos de vigilância para monitorar a saúde da população e a qualidade dos ambientes. É necessário afirmar que a concepção atual de vigilância, embora herde algumas características desses movimentos dos séculos XVIII e XIX, não se restringe ao monitoramento de grupos vulneráveis nem à promoção do isolamento de indivíduos. Segundo Gondim (2011GONDIM, G. M. M. Territórios da Atenção Básica: múltiplos, singulares ou inexistentes? 2011. Tese (Doutorado em Saúde Pública) - Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2011., p. 111), o modelo atual de vigilância em saúde pode ser analisado por duas dimensões: “uma técnica - novo modelo de atenção, voltado para a produção social da saúde, e uma gerencial - nova organização do processo de trabalho, das práticas sanitárias no nível local”.

Do lado da técnica, estabelece-se o diálogo com a promoção à saúde, com o objetivo maior de proporcionar o bem-estar das populações. Por sua vez, na esfera gerencial, criam-se programas de saúde baseados em métodos de vigilância, com ênfase nos sistemas locais de saúde. Com a descentralização do SUS ocorrida no final do século XX, os gestores locais ficaram incumbidos de dar prosseguimento aos programas antes executados pela esfera federal e, para isso, criaram instrumentos operacionais que permitissem executar a política de vigilância numa escala territorial menor (o município), porém não menos complexa.

No que tange à organização dos processos de trabalho em saúde, Monken (2003MONKEN, M. Desenvolvimento de tecnologia educacional a partir de uma abordagem geográfica para a aprendizagem da territorialização em vigilância em saúde. 2003. Tese (Doutorado em Saúde Pública) - Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2003.) destaca o caráter abrangente das operações de vigilância (promoção, prevenção e cura), baseadas em três pilares estratégicos: os problemas, o território e a prática intersetorial. De fato, concorda-se com o autor, na medida em que os problemas socioambientais estão sempre contidos no território, e não são práticas setoriais isoladas que conseguirão resolvê-los, mas sim ações intersetoriais que ao mesmo tempo consideramos ser o “charme” e o “entrave” da vigilância em saúde.

Defendemos esse argumento baseando-nos na própria estrutura fragmentada da vigilância. Utilizando como exemplo a abordagem do território, Bezerra (2012BEZERRA, A. C. V. A consolidação das ações de campo da vigilância ambiental em saúde: heranças e desafios à territorialização. 2012. Tese (Doutorado em Geografia) - Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2012.) identificou que cada subdivisão da vigilância em saúde tem sua concepção de território. Tudo isso porque existem heranças na formação dessas estruturas que atualmente formam os pilares da vigilância em saúde. A comunicação entre as vigilâncias pode viabilizar o sucesso da promoção, mas a ausência do diálogo gera desencontros na operacionalização e avaliação das políticas e programas.

No caso brasileiro, a vigilância em saúde começa a ser pensada de forma institucional a partir da década de 1990, muito embora já existissem estruturas de vigilância epidemiológica e sanitária desde meados dos anos de 1970. Em 2003, é criada a Secretaria de Vigilância em Saúde, no âmbito do Ministério da Saúde, uma estrutura que reagrupou todos os programas que atuavam com doenças e agravos.

A vigilância em saúde, quando compreendida como rearticulação de saberes e de práticas sanitárias, indica um caminho fértil para a consolidação do ideário e princípios do SUS. Apoiada no conceito positivo do processo saúde-enfermidade, ela desloca radicalmente o olhar sobre o objeto da saúde pública - da doença para o modo de vida (as condições e estilos de vida) das pessoas. (Monken; Barcellos, 2007MONKEN, M.; BARCELLOS, C. O. Território na promoção e vigilância em saúde. In: FONSECA, A. F.; CORBO, A. D. (Org.). O território e o processo saúde-doença. Rio de Janeiro: EPSJV: Fiocruz, 2007. p. 177-224., p. 207)

Nesse contexto, destaca-se a ideia de multi e interdisciplinaridade, uma vez que o setor da saúde carece de bases epistemológicas e metodológicas oriundas de vários campos da ciência. É no âmbito da vigilância em saúde que esses conceitos podem e devem ser desenvolvidos, com o intuito de aproximar a concepção política da vigilância do cotidiano dos usuários do sistema. Dessa forma, no interior das práticas da vigilância em saúde, destacamos a vigilância em saúde ambiental pelo forte viés territorial que caracteriza sua atuação pautada por heranças, movimentos inovadores e desafios contínuos na operacionalização de sua lógica territorial.

Para Guimarães (2008GUIMARÃES, R. B. Política nacional de saúde, concepções de território e o lugar da vigilância em saúde ambiental. Hygeia, Uberlândia, v. 4, n. 7, p. 90-99, 2008.), o fortalecimento da vigilância em saúde será um passo importante na consolidação multidimensional do planejamento territorial da saúde no Brasil, mas essa não é uma tarefa fácil. Afinal, a cultura institucional dos serviços públicos brasileiros ainda carrega a concepção normativa de planejamento, na qual as etapas são definidas previamente, com a contribuição específica de funções e atribuições hierarquizadas.

Vigilância em saúde ambiental no Brasil

Devido às dimensões continentais e diversidade paisagística, o Brasil abriga uma variedade de cenários que condicionam em maior ou menor grau a existência de ambientes suscetíveis a riscos, agravos e doenças. Os diversos tipos de uso do solo, associados às distintas condições ambientais (clima, relevo, vegetação, disponibilidade hídrica), são responsáveis por configurações territoriais que influenciam diretamente a saúde das populações humanas. Do sul ao norte do país, presencia-se o surgimento, reaparecimento e permanência de alguns agravos à saúde, que estão diretamente correlacionados ao ambiente, entendido aqui como o meio natural e produzido no qual a sociedade vive em constante processo de modificação.

Para o conhecimento das situações de risco à saúde decorrentes de agentes nocivos presentes no ambiente, faz-se necessário o desenvolvimento de abordagens adequadas à compreensão dos processos que são inerentes à complexidade desses sistemas. Nelas, é fundamental integrar a percepção das pessoas sobre os riscos e sobre o processo saúde-doença (Augusto, 2004AUGUSTO, L. G. S. Saúde e ambiente. In: BRASIL. Ministério da Saúde. Saúde no Brasil: contribuições para a agenda de prioridades de pesquisa. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2004. p. 197-224.).

O setor da saúde tem participado mais ativamente desse debate focalizando não apenas o cuidado das pessoas atingidas por patologias, mas também considerando os riscos ambientais a que essas populações estão expostas (Barcellos; Quitério, 2006BARCELLOS, C.; QUITÉRIO, L. Vigilância ambiental em saúde e sua implantação no Sistema Único de Saúde. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 40, n. 1, p. 170-177, 2006.). Exemplificamos essa participação pela criação da Vigilância em Saúde Ambiental pelo Ministério da Saúde, no ano 2000.

Antes da criação da Vigilância em Saúde Ambiental, o Brasil já vinha discutindo políticas públicas, visando integrar as áreas da saúde e do meio ambiente. Um exemplo disso foi a construção do Plano Nacional de Saúde e Ambiente para o Desenvolvimento Sustentável, elaborado em 1997, após um processo regionalizado de consulta à comunidade técnico-científica e à sociedade civil organizada. A partir desse plano, foi elaborada uma proposta para a Política Nacional de Saúde Ambiental. O documento, elaborado em oficinas de trabalho pelo Ministério da Saúde, foi concluído em 1999, porém não foi efetivado (Augusto, 2004AUGUSTO, L. G. S. Saúde e ambiente. In: BRASIL. Ministério da Saúde. Saúde no Brasil: contribuições para a agenda de prioridades de pesquisa. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2004. p. 197-224.).

Para o Ministério da Saúde:

A vigilância em saúde ambiental é um conjunto de ações que proporciona o conhecimento e a detecção de qualquer mudança nos fatores determinantes e condicionantes do meio ambiente que interferem na saúde humana, com a finalidade de identificar as medidas de prevenção e controle dos fatores de risco ambientais relacionados às doenças ou outros agravos à saúde. (Brasil, 2009bBRASIL. Ministério da Saúde. Saúde Brasil 2008: 20 anos de Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil. Brasília, DF: Ministério da Saúde , 2009b., p. 224)

Dessa forma, a vigilância ambiental atua identificando os agravos presentes no ambiente e a relação destes com a comunidade atingida por seus efeitos, de maneira a criar metodologias para extinguir as fontes causadoras de perturbação ou, pelo menos, elaborar ações para minimizar seus impactos adversos.

Segundo a Fundação Nacional de Saúde (Brasil, 2002BRASIL. Fundação Nacional de Saúde. Vigilância ambiental em saúde. Brasília, DF: Funasa, 2002.), entre os objetivos da vigilância em saúde ambiental estão: (1) produzir, integrar, processar e interpretar informações a serem disponibilizadas ao SUS, que sirvam como instrumentos para o planejamento e execução de ações relativas às atividades de promoção da saúde e prevenção e controle de doenças relacionadas ao meio ambiente; (2) estabelecer parâmetros, atribuições, procedimentos e ações relacionadas à vigilância ambiental nos diversos níveis de competência; (3) identificar os riscos e divulgar as informações referentes aos fatores ambientais condicionantes e determinantes das doenças e de outros agravos à saúde; (4) promover ações de proteção à saúde relacionadas ao controle e recuperação do meio ambiente; (5) conhecer e estimular a interação entre ambiente, saúde e desenvolvimento a fim de fortalecer a participação popular na promoção de saúde e qualidade de vida.

Para que os objetivos da vigilância ambiental sejam alcançados, é necessária a utilização de alguns instrumentos e métodos, como epidemiologia ambiental, avaliação e gerenciamento de riscos, indicadores de saúde e ambiente, sistema de informações em vigilância ambiental e desenvolvimento de pesquisas na área de saúde e ambiente (Brasil, 2002BRASIL. Fundação Nacional de Saúde. Vigilância ambiental em saúde. Brasília, DF: Funasa, 2002.).

Dentre os instrumentos citados, a avaliação e o gerenciamento de riscos são fundamentais no contexto da saúde ambiental e em especial no planejamento e gestão das ações de vigilância. Para facilitar esse planejamento, é necessário compreendê-lo de forma processual, de maneira que os dados gerados no território e consolidados nos sistemas de informação auxiliem na manutenção ou redefinição de novas estratégias a serem definidas pelos gestores.

Conforme Maciel Filho et al. (1999MACIEL FILHO, A. A. et al. Indicadores da vigilância ambiental em saúde. Informe epidemiológico do SUS, Brasília, DF, v. 8, n. 3, p. 59-66, 1999.), a vigilância em saúde ambiental deve ser vista como um processo contínuo de coleta de dados e análise de informação sobre saúde e ambiente, com o intuito de orientar ações de controle dos fatores ambientais que interferem na saúde e contribuem para a ocorrência de doenças e agravos. Segundo Barcellos e Quitério (2006BARCELLOS, C.; QUITÉRIO, L. Vigilância ambiental em saúde e sua implantação no Sistema Único de Saúde. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 40, n. 1, p. 170-177, 2006.), compete à vigilância ambiental investigar o conjunto de fatores ambientais que atuam sobre a população e as relações sociais que estruturam estes fatores. Essas relações são complexas, historicamente construídas e mediadas por fatores sociais, econômicos e culturais.

Desse modo, a promoção e a prevenção à saúde devem prevalecer no enfoque da vigilância em saúde ambiental, contrapondo-se, assim, ao modelo “hospitalocêntrico”, comum no sistema de saúde que atua direcionando as atenções para as patologias já estabelecidas, negligenciando o combate aos riscos. Para a vigilância em saúde ambiental, fatores de risco referem-se aos elementos, situações e condições, bem como aos agentes patogênicos presentes no meio, que representam, sob condições especiais de exposição humana, uma maior probabilidade de gerar ou desenvolver efeitos adversos para a saúde (Brasil, 2002BRASIL. Fundação Nacional de Saúde. Vigilância ambiental em saúde. Brasília, DF: Funasa, 2002.).

Quanto aos fatores de risco ambiental trabalhados pela vigilância, destacam-se os presentes no meio físico-biológico (água, ar, solo, flora e fauna) e no meio socioeconômico (população, moradia, situação econômica, infraestrutura urbana, serviços de saúde, saúde do trabalhador, proteção dos alimentos e licenças de funcionamento e avaliação de impactos ambientais em saúde), além dos dados referentes ao perfil de saúde da população (dados de morbidade, mortalidade e vigilância epidemiológica) (Brasil, 2002BRASIL. Fundação Nacional de Saúde. Vigilância ambiental em saúde. Brasília, DF: Funasa, 2002.).

O gerenciamento de riscos, por sua vez, consiste na seleção e implementação de estratégias para o controle e prevenção. Entre as estratégias utilizadas, destacam-se: regulamentação, utilização de tecnologias de controle e remediação ambiental, análise de custo-benefício, aceitabilidade de riscos e análise de seus impactos nas políticas públicas (Brasil, 2002BRASIL. Fundação Nacional de Saúde. Vigilância ambiental em saúde. Brasília, DF: Funasa, 2002., 2003BRASIL. Ministério da Saúde. Sistema Nacional de Vigilância Ambiental em Saúde. Brasília, DF: Ministério da Saúde , 2003.).

A regulamentação se dá com a criação de instrumentos normativos que facilitem a operacionalização de políticas públicas que visam eliminar ou reduzir riscos. A utilização de tecnologias de controle e remediação ambiental envolve uma logística de materiais e métodos utilizados no território nacional para combater os riscos e reduzir a possibilidade de exposição da população a esses riscos. Já a aceitação de custo-benefício se dá pelo impacto econômico e viabilidade operacional que determinada estratégia deve ter sobre o ambiente. Por fim, a aceitabilidade de riscos e a análise de seus impactos dizem respeito à clareza que gestores e operadores das políticas devem ter ao combater os riscos, pois, se minimizá-los já traz benefícios a população, eliminá-los, muitas vezes, torna-se tarefa quase impossível.

Um dos instrumentos mais eficazes no diagnóstico e análise situacional dos riscos é a criação de indicadores em saúde e ambiente. Segundo Câmara e Tambellini (2003CÂMARA, V. M.; TAMBELLINI, A. T. Considerações sobre o uso da epidemiologia nos estudos em saúde ambiental. Revista Brasileira de Epidemiologia , São Paulo, v. 6, n. 2, p. 95-104, 2003.), os indicadores têm capacidade de resumir em poucos números uma série de dados, mas, para isso, a OMS recomenda que os indicadores sejam: de aplicabilidade geral, ou seja, direcionados a questões específicas, baseadas na associação entre saúde e ambiente; cientificamente sólidos, precisando ser validados e comparados, além de serem baseados em dados confiáveis, imparciais e representativos das condições de interesse; e aplicáveis pelo usuário, garantindo fácil compreensão e aceitabilidade dos dados fornecidos.

Nesse contexto, temos dois panoramas: de um lado, a criação de metodologias próprias de análise e divulgação dos indicadores, como é o caso da matriz da OMS (Força Motriz-Pressão-Situação-Exposição-Efeito-Ação), em cada passo da cadeia de causalidade; de outro, a fragilidade de nossos sistemas de notificações e informações, que não são tão confiáveis, devido, principalmente, às diversas escalas hierárquicas por onde os dados transitam antes de serem consolidados. Destaque-se que a criação de metodologias próprias de análise “amplia o âmbito da saúde ambiental e conduz à intersetorialidade” (Corvalan, 2011CORVALAN, C. Prefácio. In: BRASIL. Ministério da Saúde. Saúde ambiental: guia básico para construção de indicadores. Brasília, DF: Ministério da Saúde , 2011. p. 11-12., p. 11). Entretanto, no caso brasileiro, a pouca articulação entre as distintas esferas de atuação do Estado tem gerado uma política de informação pouco integradora, que não vincula temas transversais como saúde, educação e meio ambiente (Augusto; Branco, 2003AUGUSTO, L. G. S.; BRANCO, A. Política de informação em saúde ambiental. Revista Brasileira de Epidemiologia, São Paulo, v. 6, n. 2, p. 150-157, 2003.).

Os indicadores para a vigilância ambiental analisam diversas situações, como a qualidade da água dos rios e córregos, os níveis de poluição do ar, a destinação final dos resíduos, as condições de moradia e outras características do local, de forma a transformar os dados estatísticos coletados em informações referentes às relações entre saúde e ambiente. O Ministério da Saúde publica anualmente o folder Vigilância em Saúde Ambiental: dados e indicadores selecionados (BRASIL, 2010BRASIL. Ministério da Saúde. Vigilância em Saúde Ambiental: dados e indicadores selecionados. Brasília, DF, 2010.) para servir de base à gestão da promoção da vigilância em saúde ambiental e tornar pública a informação à população de um modo geral.

Nesse sentido, o georreferenciamento surge como uma ferramenta fundamental para a vigilância em saúde ambiental, em especial para a construção dos sistemas de informações, visto que essa ferramenta é usada para referenciar registros tabulares de um lugar da superfície da terra ou unidade territorial (bairro, município, localidade etc.), possibilitando, assim, a elaboração de mapas de risco capazes de auxiliar a tomada de decisão nas diversas instâncias do SUS (Brasil, 2002BRASIL. Fundação Nacional de Saúde. Vigilância ambiental em saúde. Brasília, DF: Funasa, 2002., 2003BRASIL. Ministério da Saúde. Sistema Nacional de Vigilância Ambiental em Saúde. Brasília, DF: Ministério da Saúde , 2003.).

Os mapas de riscos ambientais desenvolvidos com o uso de sistemas de informações geográficas deverão auxiliar a realização de estudos e análises sobre os riscos ambientais que podem afetar direta ou indiretamente a saúde da população (Brasil, 2003BRASIL. Ministério da Saúde. Sistema Nacional de Vigilância Ambiental em Saúde. Brasília, DF: Ministério da Saúde , 2003.). É interessante que esses estudos tenham um caráter multidisciplinar, considerando as diversas variáveis de saúde e ambiente, além das características sociais e econômicas que diferenciam os contextos territoriais.

Além do caráter multidisciplinar, é muito importante a articulação com diversas instâncias governamentais e organizações da sociedade civil, bem como a circulação de informações da vigilância epidemiológica. Concordamos com Barcellos e Quitério (2006BARCELLOS, C.; QUITÉRIO, L. Vigilância ambiental em saúde e sua implantação no Sistema Único de Saúde. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 40, n. 1, p. 170-177, 2006.) quando afirmam que uma das maiores dificuldades encontradas para efetivação da vigilância em saúde ambiental é a “formação de equipes multidisciplinares com capacidade de diálogo com outros setores, já que se trata de uma área de interface entre diferentes disciplinas e setores, bem como a necessidade de reestruturação das ações de vigilância nas secretarias estaduais e municipais de saúde” (Barcellos; Quitério, 2006BARCELLOS, C.; QUITÉRIO, L. Vigilância ambiental em saúde e sua implantação no Sistema Único de Saúde. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 40, n. 1, p. 170-177, 2006., p. 174).

Quanto ao seu planejamento e atuação, a vigilância em saúde ambiental tem sido organizada nas secretarias estaduais e municipais de saúde, ora dentro dos departamentos de vigilância epidemiológica e sanitária, ora em departamentos autônomos (Barcellos; Quitério, 2006BARCELLOS, C.; QUITÉRIO, L. Vigilância ambiental em saúde e sua implantação no Sistema Único de Saúde. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 40, n. 1, p. 170-177, 2006.). Isso denota não só a falta de padronização do setor, mas também a falta de conhecimento bem delimitado de suas ações, visto que cada esfera o interpreta como pertencente a uma categoria diferente.

Conforme a Instrução Normativa nº 01/2005 do Ministério da Saúde, quanto a sua organização operativa, a Vigilância em Saúde Ambiental está subdividida em oito áreas representadas por programas específicos: (1) Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (Vigiagua); (2) Vigilância da Qualidade do Ar (Vigiar); (3) Vigilância da Qualidade do Solo (Vigisolo); (4) Vigilância em Saúde de Pessoas Expostas a Contaminantes Químicos (Vigipeq); (5) Vigilância em Saúde Ambiental Relacionada aos Desastres Naturais (Vigidesastres); (6) Vigilância em Saúde Ambiental Relacionada aos Acidentes com Produtos Perigosos (Vigiquim); (7) Vigilância em Saúde Ambiental Relacionada aos Fatores Físicos (Vigifis); (8) Vigilância em Saúde do Trabalhador (Visat).

Todas essas subáreas da Vigilância em Saúde Ambiental estão no escopo do Projeto de Estruturação do Sistema Nacional de Vigilância em Saúde (Vigisus), cujo objetivo maior é implementar o conceito de vigilância em saúde e possibilitar a incorporação de uma visão mais ampla do conjunto de fatores ambientais decorrentes da atividade humana ou da natureza, que deverão ser sistematicamente monitorados, levando-se em consideração o território onde essas interações entre o homem e o meio ambiente ocorrem e elegendo o município como espaço privilegiado das práticas de saúde pública para o acompanhamento e o controle dos efeitos ambientais na saúde humana (Brasil, 2006BRASIL. Ministério da Saúde. Vigilância em saúde no SUS: fortalecendo a capacidade de resposta aos velhos e novos desafios. Brasília, DF: Ministério da Saúde , 2006.).

Após mais de uma década de sua implementação, a vigilância em saúde ambiental ainda necessita de muitos avanços, especialmente quando se vivencia cenários de incertezas decorrentes das mudanças ambientais em escala local e global. Além de precisar superar a dificuldade de fazer prognósticos acerca dessas mudanças, a Vigilância em Saúde Ambiental necessita implementar com mais eficácia seus subprogramas nas diversas áreas apresentadas. Quanto à implementação e gestão dos subprogramas, apenas o Vigiagua encontra-se consolidado em grande parte do território nacional (especialmente nas capitais e nas cidades com mais de 200 mil habitantes); os outros programas ainda refletem experiências pontuais de alguns poucos municípios (Brasil, 2006BRASIL. Ministério da Saúde. Vigilância em saúde no SUS: fortalecendo a capacidade de resposta aos velhos e novos desafios. Brasília, DF: Ministério da Saúde , 2006.).

Para Franco Netto e Miranda (2011FRANCO NETTO, G.; MIRANDA, A. C. Saúde Ambiental: guia básico para construção de indicadores. In: BRASIL. Ministério da Saúde. Saúde Ambiental: guia básico para construção de indicadores. Brasília, DF: Ministério da Saúde , 2011. p. 13-17.), outro problema está relacionado à necessidade de inserção da vigilância em saúde ambiental no aprimoramento do modelo de atenção à saúde do SUS, no contexto do pacto da saúde e de iniciativas que identificam e elegem o território enquanto categoria central para o planejamento, implementação e avaliação de ações de saúde do sistema.

Na rede básica de saúde, a parceria entre agentes dos programas de saúde da família e de agentes de vigilância em saúde ambiental representa uma estratégia fundamental para o sucesso das ações (Barcellos; Quitério, 2006BARCELLOS, C.; QUITÉRIO, L. Vigilância ambiental em saúde e sua implantação no Sistema Único de Saúde. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 40, n. 1, p. 170-177, 2006.). Porém, essa relação não ocorre como deveria, pois os dois programas se apresentam como distintos, geralmente não formando uma parceria em benefício das comunidades, apesar de terem muitas semelhanças.

Mesmo destacando tantos entraves ao processo de consolidação da vigilância em saúde ambiental no Brasil, Guimarães (2008GUIMARÃES, R. B. Política nacional de saúde, concepções de território e o lugar da vigilância em saúde ambiental. Hygeia, Uberlândia, v. 4, n. 7, p. 90-99, 2008.) afirma que a riqueza de possibilidades de atuação no campo da saúde ambiental no país faz surgir novos paradigmas, para além do debate sobre o saneamento básico e as doenças infectocontagiosas, enfocando problemas como os agrotóxicos, metais pesados, contaminação das águas para consumo humano e ambiente urbano, entre outros, como os primeiros passos para o desenho de uma política de saúde ambiental pautada na promoção e vigilância, que venha responder à complexa estrutura de nossa sociedade.

Todos esses problemas, com os quais o setor da saúde não estava acostumado a lidar, passaram a ser incorporados progressivamente em suas práticas, num primeiro momento como vetores da concepção de políticas públicas e, posteriormente, como categorias de análise através da própria implementação das políticas de saúde no Brasil.

Considerações finais

Se analisarmos sob um ponto de vista histórico, observaremos alguns avanços e retrocessos na forma de se pensar e operacionalizar a vigilância em saúde ambiental. A maior influência para o surgimento dessa área advém das campanhas de saúde pública que existiram ao longo de todo o século XX. O objetivo dessas campanhas sempre foi combater vetores de doenças presentes no ambiente, daí a ideia de que o espaço geográfico é o inimigo e precisa ser vigiado continuamente para evitar a proliferação dos agravos. Entretanto, com o surgimento dos debates em torno da temática ambiental e da promoção à saúde, essa ideia de ambiente hostil passou a ser questionada. E os movimentos em torno da construção de políticas mais holísticas e menos deterministas passaram a fazer parte da agenda formal do setor da saúde, inclusive considerando o espaço geográfico como conjunto de sistemas de objetos e sistemas de ações (Santos, 1999SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Hucitec , 1999.).

Desse processo resultou a criação da vigilância em saúde ambiental no final do século XX, que herdou do controle das doenças suas características mais representativas e, influenciada pelos movimentos ambientalistas que ganharam espaço junto aos sanitaristas, trouxe à tona a discussão dos riscos não biológicos para o campo da saúde. O fato é que essa junção nunca se consolidou em plenitude. A separação de áreas no âmbito institucional em distintas escalas operativas vai de encontro aos conteúdos debatidos e amadurecidos ao longo do século XX, pois (re)fragmenta a atuação do controle das doenças, ficando, assim, descolada da abordagem integrada de compreensão do território enquanto um complexo de riscos biológicos e não biológicos.

Dessa forma, um dos grandes desafios está no processo de criação de uma identidade própria da vigilância em saúde ambiental, que ainda está em construção, pois, na esfera federal, a lógica de planejamento e gestão segue uma abordagem diferente das esferas municipais, o que dificulta a consolidação desse campo da vigilância em saúde.

Aproximar as abordagens dos diferentes tipos de riscos é um objetivo a ser alcançado pela vigilância em saúde ambiental, bem como avançar nas práticas de cooperação entre as demais estruturas de vigilância em saúde, que deveriam incorporar o território em sua dimensão biológica, cultural e social, como um campo fértil para análises e ações.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    06 Fev 2017
  • Revisado
    22 Ago 2017
  • Aceito
    23 Out 2017
Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo. Associação Paulista de Saúde Pública. SP - Brazil
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