Resumo
Este artigo analisou a realidade de mulheres-mães que se encontram em situação de vulnerabilidade e/ou violência doméstica e familiar no contexto do acolhimento institucional de seus(as) filhos(as) por medida de proteção, bem como os principais desafios para a rede de apoio e atendimento. A metodologia foi qualitativa por meio de aproximação etnográfica realizada no Centro de Referência Especializado de Assistência Social e na instituição de acolhimento para crianças e adolescentes de um município do litoral do Paraná, no período de 2012 a 2015. Os resultados empíricos foram cotejados sob uma perspectiva interseccional com aportes teóricos dos estudos de gênero, violência e políticas públicas. Confirmou-se a influência do contexto histórico/social no desafio para reaver a guarda dos(as) filhos(as), intensificada pela perspectiva dos marcadores sociais da diferença e dos diversos processos de (re)produção de desigualdade. Observou-se que a intersetorialidade e a abordagem territorial representam ainda grandes desafios para a concretude de um trabalho em rede de forma integrada, sobretudo no que tange a proteção da mulher-mãe vítima de violência.
Palavras-chave:
Gênero; Violência; Interseccionalidade; Acolhimento Institucional
Abstract
This article analyzed the situation of vulnerable mothers who are vulnerable and victims of domestic/family violence, in the context of the foster care of their children by protection measures, as well as the main challenges of the support network. The methodology was qualitative through an ethnographic approach conducted between 2012 and 2015 at the Specialized Reference Center for Social Assistance and the foster care institution for children and adolescents in a town at Parana’s coast, Southern Brazil. The empirical results were discussed on an intersectional perspective with theoretical studies of gender, violence and public policies. We have confirmed the influence of the historical/social context on the challenge to recover the children´s custody, intensified by the perspective of social markers of difference and the different processes of inequality’s (re)production. We have observed that the intersectoral and territorial approaches still represent major challenges for the concreteness of a networked strategy in an integrated way, especially regarding the protection of mothers victims of violence.
Keywords:
Gender; Violence; Intersectionality; Foster Care
Introdução
Esta pesquisa qualitativa de cunho etnográfico se propôs a analisar a realidade vivida por mulheres-mães que se encontram em situação de vulnerabilidade e/ou violência doméstica e familiar no contexto da determinação do acolhimento institucional de seus(suas) filhos(as) por medida de proteção, conforme estabelece a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (Brasil, 2015BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.).
A pesquisa partiu da observação de uma série de desafios enfrentados pela rede de atendimento às mulheres vítimas de violência, especialmente no que se refere à falta de estrutura física e de recursos humanos para o acolhimento de mães com seus filhos e à falta de disponibilidade de vagas em centros de recuperação para o tratamento da dependência de mulheres usuárias de álcool - fator determinante para a restituição do poder familiar. Portanto, este estudo focaliza mulheres-mães que, além de vivenciar situações de violência cotidiana perpetradas por seus parceiros íntimos e/ou familiares, sofrem, ainda, com o afastamento dos filhos do convívio familiar, o que é determinado por medida legal do Estado visando a proteção das crianças e adolescentes.
Apresentou-se o paradoxo que se estabelece nessa conjuntura, a partir da análise da escuta sensível de duas mulheres-mães que vivenciaram essa experiência. O uso do termo “mulheres-mães” intencionou destacar os desafios inerentes à condição da mulher que também é mãe, problematizando a questão da permanência em situação de risco ou ameaça em razão da violência doméstica e familiar.
Um dos pilares desse paradoxo consiste na denominada “doutrina jurídica da proteção integral” - adotada pelo ECA -, que se apoia em três princípios fundamentais: (1) reconhecer a criança e o adolescente como sujeitos de direitos elementares da pessoa humana; (2) reconhecê-los como destinatários de absoluta prioridade; e (3) respeitar sua condição de pessoas em peculiar fase de desenvolvimento. Inserido no ordenamento jurídico brasileiro por meio do artigo 227 da Constituição Federal (Brasil, 1988BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Conselho Nacional de Assistência Social. Tipificação nacional de serviços socioassistenciais: Resolução nº 109, de 11 de novembro de 2009. Brasília, DF, 2009.), o referido Estatuto declara ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito a vida, saúde, alimentação, educação, lazer, profissionalização, cultura, dignidade, respeito, liberdade e convivência familiar e comunitária, salvos de qualquer forma de violência, negligência, exploração, discriminação, opressão ou crueldade.
A pesquisa Violência doméstica e familiar contra a mulher, realizada pelo Instituto DataSenado (Senado Federal, 2017SENADO FEDERAL. Violência doméstica e familiar contra a mulher: pesquisa DataSenado. Brasília, DF, 2017. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2CQU8VJ >. Acesso em: 7 jun. 2017.
https://bit.ly/2CQU8VJ... ), constatou aumento significativo do percentual de mulheres que afirmaram ter sido vítimas de algum tipo de violência, subindo de 18% em 2015 para 29% em 2017. De acordo com a mesma pesquisa, mulheres-mães são mais suscetíveis a sofrer violência doméstica e são também as maiores vítimas de violência física. Entre as mulheres-mães que declararam ter sofrido violência, 70% foram vítimas de violência física. Já entre as mulheres que não possuíam filhos, o percentual foi de 38%. Em nosso estudo, ressalta-se que a determinação do acolhimento institucional de crianças e adolescentes se deu em razão da negligência de cuidados e da rotina de violência doméstica e familiar a qual eram expostos. Segundo o artigo 98 do ECA, a adoção de tais medidas protetivas advém da verificação de ameaça ou violação dos direitos, resultante de negligência, omissão ou abuso dos pais e/ou responsáveis, da omissão e/ou ação da sociedade ou do Estado, ou da conduta da própria criança ou adolescente (Brasil, 2015BRASIL. Ministério dos Direitos Humanos. Balanço das denúncias de violações de direitos humanos 2016. Brasília, DF: Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, 2016. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2SRFwL7 >. Acesso em: 26 jul. 2017.
https://bit.ly/2SRFwL7... ). Nesse sentido, a violência física presenciada era perpetrada contra a mãe, pelo parceiro íntimo dela e/ou outros familiares.
O estudo debruçou-se sobre um tema pouco abordado na literatura e que demandou métodos qualitativos para compreendê-lo em profundidade. As primeiras aproximações com as histórias das famílias selecionadas como “casos exemplares” iniciaram-se no período de realização do estágio em Serviço Social da primeira autora, no Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) e na Casa da Criança e do Adolescente (CCA), em 2012. Posteriormente, a pesquisa de campo do mestrado da primeira autora possibilitou uma reaproximação com todo o processo de acolhimento e seus desdobramentos por meio de observações dos atendimentos realizados por assistentes sociais e psicólogas.
A análise de dois casos típicos, objeto deste estudo e aqui denominados “casos exemplares”, ampara-se na similaridade entre atributos e situações vividas - um fenômeno circunscrito, mas que perpassa a sociedade, podendo estender-se a outras pessoas e/ou outros locais. Em vista disso, envolvendo os casos das duas mulheres negras em situação de vulnerabilidade e violência, revelou-se necessária uma reflexão acerca de categorias analíticas que contemplassem uma abordagem interseccional sobre a condição dessas mulheres-mães (gênero) associada a outros campos, como cor e classe (McCall, 2005MCCALL, L. The complexity of intersectionality. Signs: Journal of Women in Culture and Society, Chicago, v. 30, n. 3, p. 1771-1800, 2005. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2LHAekr >. Acesso em: 26 jul. 2019.
https://bit.ly/2LHAekr... ).
Crenshaw (2002CRENSHAW, K. Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 10, n. 1, p. 171-188, 2002.) discorre sobre o surgimento da categoria interseccionalidade, adotando o uso do termo para lidar com o fato de que muitos dos problemas de justiça social, como racismo e sexismo, frequentemente se sobrepõem, criando múltiplos níveis de injustiça social. Diante desses pressupostos, o estudo buscou conhecer a realidade vivida por essas mulheres-mães negras em situação de vulnerabilidade e/ou violência doméstica que tiveram os filhos acolhidos institucionalmente por medida de proteção, refletindo acerca dos desafios para garantir seus direitos e enfrentar essas desigualdades, social e historicamente construídas.
Procedimentos metodológicos
O campo etnográfico consistiu nas instituições responsáveis pelos Serviços Socioassistenciais de Média e Alta Complexidade, incluindo o Creas e a Casa Lar CCA, respectivamente. Para atingir o objetivo proposto e compreender melhor o processo que culmina na perda do poder familiar como medida de proteção, realizaram-se observação participante e entrevistas semiestruturadas com as profissionais responsáveis pelo atendimento às famílias, além de entrevistas em profundidade com duas mulheres-mães que vivenciaram a perda da guarda dos(as) filhos(as).
Utilizou-se o método de pesquisa etnográfica conforme Geertz (2008GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 2008.), conduzido a partir de uma sensibilidade reflexiva e da aproximação empática com essas duas mulheres-mães negras, não alfabetizadas e em situação de extrema vulnerabilidade e violência, por meio da escuta sensível de suas histórias, possibilitando conhecer, ao longo de quatro anos, a complexidade vivenciada. O contato com o campo iniciou em 2012 e perdurou até 2016.
Diante disso, considerou-se importante visibilizar os casos e dar voz a essas mulheres-mães, analisando suas vivências a partir do que foi observado e ouvido, considerando estudos de gênero, violência, interseccionalidade e políticas públicas, no contexto da proteção social especial (PSE). Assim, elegeu-se a voz dessas mulheres como objeto sensível, buscando compreendê-las como corpo vivido (Beauvoir, 2009BEAUVOIR, S. O segundo sexo. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009.; Sáenz, 2012SÁENZ, M. C. L. Merleau-Ponty (1908-1961) y Simone de Beauvoir (1908-1986): el cuerpo fenoménico desde el feminismo. Sapere Aude, Belo Horizonte, v. 3, n. 6, p. 57-72, 2012.) que guarda histórias em sua subjetividade e nela carrega suas marcas (in)visíveis.
Para Strathern (2014STRATHERN, M. O efeito etnográfico e outros ensaios. São Paulo: Cosac Naify, 2014., p. 8), “o efeito etnográfico se dá no momento da escrita, em que a observação e análise estão em relação e num mesmo plano”. A escrita, como recriação imaginativa da experiência no campo, guarda em si uma “relação complexa entre dois campos, o etnográfico e o teórico, que se tocam, mas não se sobrepõem” (Strathern, 2014, p. 8). A partir dessa compreensão, a abordagem etnometodológica mostrou-se pertinente para uma análise compreensiva, fundamental para o estudo, a fim de alcançar percepções pessoais dessas mulheres-mães sobre suas vivências, violências sofridas ao longo da vida e sobre os próprios direitos.
Foram também entrevistadas profissionais das equipes técnicas que trabalhavam nas instituições de referência citadas, responsáveis pelo atendimento às mães e suas famílias. As questões semiestruturadas permitiram, conforme Minayo, Assis e Souza (2005MINAYO, M. C. S.; ASSIS, S.; SOUZA, E. R. Avaliação por triangulação de métodos: abordagem de programas sociais. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2005.), maior flexibilidade nos diálogos e absorção de novos temas e questões trazidos pelas interlocutoras. Foram ouvidas três assistentes sociais, duas psicólogas e a coordenadora da Casa Lar, identificadas sob o pseudônimo “Técnica” acrescido de um número sequencial.
Minayo, Assis e Souza (2005MINAYO, M. C. S.; ASSIS, S.; SOUZA, E. R. Avaliação por triangulação de métodos: abordagem de programas sociais. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2005.) referem que as entrevistas podem assumir diferentes abordagens e classificações. Assim, cada tipo de entrevista exigiu determinado formato de roteiro e lógica de aplicação. Com as duas mães, identificadas sob os pseudônimos “Mãe 1” e “Mãe 2”, optou-se por entrevistas em profundidade, deixando-as falar livremente sobre sua história de vida, trazendo à tona vivências desde a infância. As falas foram carregadas de muita emoção, momentos de choro e desalento, sendo necessárias pausas, respeitando o tempo e os limites de cada mãe.
Foram garantidos anonimato e confidencialidade das informações das participantes da pesquisa, mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, seguindo todos os procedimentos éticos exigidos pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Paraná, constantes no parecer de aprovação CEP/SD-PB nº 1818173. Para preservar a confidencialidade, optamos por não divulgar o nome do município em que a pesquisa foi conduzida, uma vez que se trata de município de pequeno porte onde muitas pessoas se conhecem.
Para realizar a pesquisa foram compilados dados primários e secundários. A coleta de dados secundários se deu por meio de análise documental, com leitura sistemática de documentos oficiais, legislação e diretrizes que balizam os atendimentos às mulheres-mães e seus filhos no contexto do acolhimento institucional. Foram consultados, ainda, prontuários, fichas de atendimento, estudos e relatórios psicossociais. O conjunto do material empírico permitiu análise temática de categorias emergentes do campo. Posteriormente, o conjunto foi analisado com base no referencial teórico.
Para tanto, a abordagem etnográfica seguiu os passos metodológicos representados pela Figura 1.
Resultados e discussão
Conforme Moreira (2014MOREIRA, M. I. C. Os impasses entre acolhimento institucional e o direito à convivência familiar. Psicologia & Sociedade, Belo Horizonte, v. 26, p. 28-37, 2014. Número especial 2. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/30QrI6e >. Acesso em: 13 dez. 2016.
https://bit.ly/30QrI6e... ), a determinação do acolhimento institucional de crianças/adolescentes, como medida protetiva, reporta à construção dos processos de significação vivenciados pelas famílias, equipes técnicas e demais envolvidos(as) na Rede de Proteção. A mudança no paradigma acerca da visão hegemônica sobre a criança e o adolescente no Brasil acontece somente com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e com a instituição do ECA em 1990, ao adotar a Doutrina da Proteção Integral, buscando superar o antigo Código do Menor.
Em contrapartida, mesmo após a promulgação do referido Estatuto, o processo de assimilação dos novos paradigmas acerca da proteção da infância e da juventude não foi objetiva e imediata. O funcionamento dos abrigos (de acolhimento institucional) como instrumento de política social (Cavalcante; Magalhães; Pontes, 2009CAVALCANTE, L. C.; MAGALHÃES, C. C.; PONTES, F. Processos de saúde e doença entre crianças institucionalizadas: uma visão ecológica. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 14, n. 2, p. 615-625, 2009. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2IXVqRJ >. Acesso em: 6 ago. 2017.
https://bit.ly/2IXVqRJ... ) infere responsabilidade de assistir às crianças e adolescentes que se encontram sem os meios necessários para viver com dignidade (segurança, alimentação, moradia, saúde e educação), ou, ainda, quando submetidas a incapacidade dos pais e/ou responsáveis de cumprir obrigações de guarda e sustento por um tempo determinado ou de maneira definitiva.
É importante distinguir a noção de “acolhimento em saúde” - comum no campo da saúde coletiva - do “acolhimento institucional” - comum no âmbito do Sistema Único de Assistência Social (Suas). Enquanto “acolhimento”, para o campo da saúde coletiva, se configura em diretriz operacional no processo relacional entre usuário e trabalhador (princípio de humanização em saúde), no Suas, “acolhimento institucional”, anteriormente denominado “abrigamento em entidade”, consiste em uma das medidas de proteção previstas pelo ECA - aplicáveis às crianças e adolescentes quando os direitos previstos no referido documento forem ameaçados ou violados. O serviço de acolhimento institucional também é previsto para mulheres em situação de violência, acompanhadas ou não de seus(suas) filhos(as). No entanto, esse direito, no contexto deste estudo, não foi garantido a nenhuma das mulheres-mães.
Para compreender melhor a rede de atendimento social e a organização dos níveis de complexidade do Suas, e como parte da descrição do campo etnográfico, os dados foram sintetizados no Quadro 1.
Interseccionalidade e a invisibilidade da condição da mulher-mãe em situação de vulnerabilidade e/ou violência doméstica e familiar
Embasando-se nos estudos de gênero e violência, a investigação problematizou a realidade de mulheres-mães que permaneceram submetidas a situação de violência após o acolhimento de seus(suas) filhos(as) por medida de proteção, tendo seu direito à convivência familiar cerceado, apesar da existência de fortes vínculos afetivos entre eles(as). A experiência foi vivenciada por duas mães que, embora tenham histórias parecidas, diferem quanto às motivações da determinação do acolhimento, ao perfil dos agressores, e aos desdobramentos do processo.
O acolhimento como medida de proteção foi determinado em função de abusos praticados contra crianças/adolescentes, caracterizados como agressão psicológica, negligência e omissão de cuidados. A agressão psicológica refere-se à exposição de crianças a rotina de violência no âmbito familiar. Já a negligência e omissão de cuidados, segundo consta nos relatórios das profissionais, estavam relacionadas especialmente à falta de higiene (das crianças e do ambiente doméstico) e à má alimentação, fatos diretamente relacionados ao uso nocivo de álcool por parte das genitoras, somado ao contexto geral de violência e falta de recursos.
Segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas, 2015OPAS - ORGANIZACIÓN PANAMERICANA DE LA SALUD. Informe sobre la situación regional sobre el alcohol y la salud en las Américas. Washington, DC, 2015.), o consumo médio de álcool nas Américas é maior que no resto do mundo. O Brasil ocupa a terceira posição entre os países deste continente, com significativa elevação das taxas de episódios de consumo excessivo de álcool nos últimos cinco anos (de 4,6% para 13,0%, entre as mulheres, e de 17,9% para 29,4% entre os homens). Mulheres apresentam maior prevalência de transtornos relacionados ao consumo de álcool, incluindo negligência do cuidado (de si e do outro), e são as mais afetadas pelo uso nocivo de álcool por terceiros (violência doméstica) (Kunitz et al., 1998KUNITZ, S. J. et al. Alcohol dependence and domestic violence as sequelae of abuse and conduct disorder in childhood. Child Abuse & Neglect, Oxford, v. 22, n. 11, p. 1079-1091, 1998.). Os grupos socioeconômicos menos favorecidos também sofrem mais com as repercussões do consumo de álcool, seja pela falta de acesso à saúde ou pela exclusão social (Opas, 2015).
Nessa esteira, em que tradicionalmente o cuidado é determinado socialmente como papel feminino, coloca-se a mãe como responsável pelo cuidado do lar e dos(as) filhos(as). Do mesmo modo, destaca-se a invisibilidade da situação de violência à qual essas mulheres-mães eram submetidas. Minayo (2006MINAYO, M. C. S. Violência e saúde. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2006., p. 27) acrescenta a violência estrutural e “estruturante” como uma das formas mais contundentes de violência no Brasil, dado seu grau de enraizamento, em decorrência dos “níveis elevadíssimos de desigualdade, que persistem historicamente e que são o chão sobre o qual se assentam muitas outras expressões de violências”. Dessa forma, soma-se a perspectiva interseccional e de gênero à discussão quando se refere à manifestação estrutural da violência contra crianças e adolescentes a partir de decisões histórico-econômicas e sociais - as quais tornam vulneráveis suas possibilidades de desenvolvimento e autonomia.
Em vista disso, compreende-se a importância de conhecer a história vivida por essas mulheres-mães que representaram os “casos exemplares”, valorizando suas vivências, trajetória familiar e as condições de trabalho e de subsistência. Assim, foi estabelecido diálogo, ressaltando a relevância dos aspectos sociais, culturais e históricos para a construção dos relatos significativos. Durante observação de um dos atendimentos no Creas, quando indagada sobre a possível omissão de cuidados com a filha mais nova, a Mãe 1 afirmou considerar que as filhas tiveram uma vida muito melhor do que a sua. As referências de cuidado utilizadas como parâmetro de comparação estavam, obviamente, ligadas aos castigos e ao modo como foi criada, citando diversas violências cotidianas sofridas durante a infância.
Nesse sentido, segundo Calheiros e Monteiro (2007CALHEIROS, M. M.; MONTEIRO, M. B. Relações familiares e práticas maternas de mau trato e de negligência. Avaliação Psicológica, Lisboa, v. 2, n. 25, p. 195-210, 2007., p. 206), a “violência doméstica e o abuso crônico” afetam os comportamentos educativos das mães e a capacidade de dar suporte emocional aos outros, incluindo os próprios filhos. Isso se confirma no relato das mães sobre as diversas formas de violência sofridas ao longo da vida e a (in)capacidade de dedicar afeto e tempo aos filhos.
A Mãe 1, que teve duas filhas acolhidas, viveu em contexto familiar de interações violentas desde a infância, perpetradas por sua genitora, padrastos e, posteriormente, pelo companheiro. A análise do histórico familiar revelou a influência da intersecção de marcadores sociais de diferença; a situação de vulnerabilidade e violências a qual essa mulher-mãe, negra, sempre esteve submetida; e os desafios enfrentados para reaver a guarda das filhas. Dessa forma, segundo Carvalho e Guará (1994CARVALHO, M. C.; GUARÁ, I. M. F. R. A família: um sujeito pouco refletido no movimento de luta pelos direitos da criança e do adolescente. Revista Brasileira de Crescimento e Desenvolvimento Humano, São Paulo, v. 4, n. 1, p. 45-48, 1994., p. 46), “atrás de crianças e adolescentes em abandono existem famílias abandonadas, esquecidas pelos programas das diferentes políticas sociais e negligenciadas até mesmo pela política de assistência social”.
No caso da Mãe 2, com o mesmo histórico familiar de interações violentas desde a infância, a invisibilidade da sua condição de vulnerabilidade e da situação de violência doméstica e familiar ficou ainda mais evidente. Tendo seis filhos(as) acolhidos(as), a história da Mãe 2 chegou ao Creas, supreendentemente, por meio de denúncias à Ouvidoria dos Direitos Humanos, pelo Disque 100, realizadas pelo próprio pai das crianças, motivado pelo ciúme que sentia da companheira. Segundo o relatório da Secretaria de Direitos Humanos, 57% das denúncias realizadas pelo Disque 100 em 2016 estavam relacionadas a violações de direitos de crianças e adolescentes (Brasil, 2016).
Desde o início dos atendimentos à família, as marcas no rosto e no corpo da Mãe 2 denunciavam a violência sofrida em casa, em decorrência do ciúme desmedido e da personalidade violenta do marido, acentuada pelo uso de substâncias psicoativas, como o crack. Os sinais de violência física eram evidentes e recorrentes, sendo percebidos e registrados nos relatórios psicossociais elaborados pela equipe técnica do Creas, que seguiam posteriormente para o Judiciário.
A inserção da família no Serviço de Proteção e Atendimento Especial a Família e Indivíduos aconteceu em setembro de 2012, com encaminhamentos relacionados às medidas protetivas, como a requisição de matrícula das crianças na creche/escola, cadastramento no Cadastro Único e atendimento no Centro de Atenção Psicossocial (Caps). A respeito da dependência de álcool, a Mãe 2, diferentemente da Mãe 1, acredita ter sido influenciada pelo convívio durante a infância com a genitora, que fazia uso abusivo de álcool frequentemente:
Eu não tive uma infância boa. A mãe toda vida bebeu. Eu toda vida fui a mais afastada. Mas nunca tive uma infância boa de estudar, de ter estudo, tudo longe, na época o lugar onde a gente morava era tipo um sítio, né? Nem eu nem a minha irmã, ninguém na nossa família, entende? Toda vida trabalhar…
E influencia de ver a mãe bebendo, né? A gente começou beber também. É porque a gente é o espelho dos pais, não é verdade? (Mãe 2)
A respeito da infância, os relatos de Mãe 1 e Mãe 2 revelaram vivências marcadas pela violência doméstica e familiar. No entanto, ambas compartilham o mesmo carinho e respeito, reconhecendo o passado difícil que a genitora também viveu:
Eu gosto dela, felizmente eu gosto dela e não imagino se um dia eu perder ela, porque apesar de que ela foi tão sofrida, mas bem ou mal ela criou nós sozinha, sem ajuda de homem; ela nunca teve sorte com homem, toda vida os homens judiaram dela. Sofria violência quando morou com o meu padrasto, ela apanhava sempre e tinha que se esconder com nós na casa de uma tia. (Mãe 2)
As duas entrevistadas afirmaram que o uso de crack pelos companheiros resultava em efeitos como paranoia e medo de perseguição, acentuando, assim, a agressividade. Como consequência, Mãe 2 alegou sofrer as mais diversas formas de violência: cárcere privado; agressões físicas e verbais; violência psicológica, moral, patrimonial e sexual. Embora não tivesse histórico de agressora, Mãe 2 apresentava claro prejuízo cognitivo-comportamental sempre que ingeria álcool de forma abusiva, refletindo, obviamente, na negligência no cuidado dos(as) filhos(as). Durante a entrevista, Mãe 2 declarou ter tentado parar de beber, mas que se sentia impotente perante a dependência, sempre ressaltando o amor que sentia pelos(as) filhos(as) e a vontade de tê-los(as) de volta.
Quando eles foram pra casa de passagem, eles estavam com piolho mesmo, isso eu não minto, mas eu sinto que eles não foram marcados pra casa […] eu queria que a Juíza visse o lado bom também, que eu também fiz coisas boas, não colocaram nada disso no processo. (Mãe 2)
A fala da Mãe 2 é endossada na narrativa da Técnica 6, ao mencionar o forte vínculo de afeto percebido entre a mãe e os(as) filhos(as):
Trabalhamos muito sua história de maternidade, tudo de positivo que ela fez em relação a eles, pois geralmente só é enfatizado os erros, e a possibilidade real da perda do pátrio poder, mas nunca da maternidade. Seus filhos sabem de sua existência e têm carinho por ela e mesmo que neste momento a justiça decida por eles irem para outro lar, eles têm uma longa história pela frente. E quando atingirem a maioridade podem a procurar e ficarão felizes em reencontrá-la bem. Percebo que essa possibilidade dá forças para que ela não desista dela mesma e de ser uma pessoa sempre melhor, pois nunca deixará de ser mãe, e a convivência com filhos não se limita a sua infância e adolescência. Neste ponto, o fato de o filho mais velho estar em sua casa reforça muito a possibilidade da recompensa pelas boas escolhas que ela faz. (Técnica 6)
Em vários momentos durante a entrevista Mãe 2 revelou a vontade de criar os filhos sozinha, com dignidade, longe da violência do companheiro; porém, as ameaças e a insegurança de perder a casa e não ter para onde ir a impediram de seguir em frente e encarar o desafio:
Se ele saísse da casa eu ficava sozinha, porque, quando ele me pegou, eu morava sozinha com meu filho. Morava num barraquinho na época, era muito difícil lá no sítio onde minha mãe morava. Eu trabalhava num lixão, lixo sanitário, eu trabalhava lá para dar de comer ao meu filho, pra comprar minhas roupas, comprar minhas coisas. Mas eu vivia muito bem sozinha, só que o problema é que eu bebia né, mas eu vivia sozinha. Só que se o [marido] sair de casa eu fico sozinha, e se me ajudarem a pegar um serviço pra mim, né. Como eles propuseram pra eu começar estudar também. (Mãe 2)
Nesse cenário, Anjos (2006ANJOS, M. A vulnerabilidade como parceira da autonomia. Revista Brasileira de Bioética, v. 2, n. 2, p. 173-186, 2006. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2PJwBtq >. Acesso em: 23 abr. 2016.
https://bit.ly/2PJwBtq... ) estabelece um paralelo entre as noções de vulnerabilidade e autonomia, inserindo a discussão da vulnerabilidade no contexto sociocultural contemporâneo, correlacionando essa temática às relações de poder. O autor versa sobre a possível ocultação da vulnerabilidade a que estas mulheres estão expostas, por meio de uma ficção de autonomia, ou seja, afirma-se a capacidade de livre escolha, quando na verdade esta não existe ou é bastante limitada. Segundo o autor,
a tentativa de ocultar as causas da vulnerabilidade leva a fazer da autonomia um discurso de responsabilização das vítimas por suas próprias feridas. Em escala política, vemos este discurso da autonomia entregar grupos sociais e nações inteiras às suas próprias condições de pobreza e sendo responsabilizados por ela. (Anjos, 2006ANJOS, M. A vulnerabilidade como parceira da autonomia. Revista Brasileira de Bioética, v. 2, n. 2, p. 173-186, 2006. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2PJwBtq >. Acesso em: 23 abr. 2016.
https://bit.ly/2PJwBtq... , p. 182)
Similarmente, as implicações da centralidade da família e da titularidade feminina nas políticas públicas e nos programas de transferência de renda - como o Bolsa Família - suscitam discussões acerca do dualismo entre a possibilidade de ampliação da autonomia feminina e a intenção de reforçar papéis sociais, historicamente designados para homens e mulheres (Mariano; Carloto, 2009MARIANO, S. A.; CARLOTO, C. M. Gênero e combate à pobreza: programa Bolsa Família. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 17, n. 3, p. 312, 2009.; Teixeira, 2009TEIXEIRA, S. M. Família na política de assistência social: avanços e retrocessos com a matricialidade sociofamiliar. Revista de Políticas Públicas, São Luís, v. 13, n. 2, p. 255-264, 2009.). Segundo Campos e Teixeira (2010CAMPOS, M.; TEIXEIRA, S. Gênero, família e proteção social: as desigualdades fomentadas pela política social. Revista Katálysis, Florianópolis, v. 13, n. 1, p. 20-28, 2010.), a falta de um aprofundamento do debate teórico sobre a participação da família e da mulher nos sistemas de proteção social é reconhecidamente histórica, tendo análises promovidas pela economia política centradas, tradicionalmente, na relação entre Estado e mercado.
A manifestação da violência no contexto familiar (comunicação violenta, maus-tratos, negligência) repercute, impreterivelmente, em maior ou menor escala, nos demais integrantes da família - tendo, como principais vítimas, crianças e adolescentes. Os dois casos apresentados exemplificam a gravidade e a complexidade dessas manifestações, bem como as consequências para a vida de crianças, jovens e mães que vivenciavam essas violências direta ou indiretamente.
A aproximação e a convivência com a história dessas mulheres e seus(suas) filhos(as) evidenciou o forte vínculo afetivo existente entre eles(as), que, ao invés de ser fortalecido durante o período de acolhimento (conforme preconiza o ECA), acabou sendo fragilizado por uma série de fatores, entre os quais destacamos: o número restrito de visitas, que acontecem em um espaço físico não propício para um encontro de qualidade; a manutenção das mães em situação de violência doméstica e familiar, impedindo que essas mulheres mudem o rumo de suas vidas e, assim, possam recuperar a guarda dos(as) filhos(as); e a fragilidade da rede de atenção, que muitas vezes não consegue realizar o trabalho de forma integrada.
A falta de estrutura física e densidade institucional para a concretização de uma rede de enfrentamento à violência contra mulheres é, de fato, uma realidade em nível municipal e regional. O litoral do Paraná, região onde foi conduzida a pesquisa de campo, carece de equipamentos específicos e especializados voltados para atender mulheres em situação de violência (com ou sem filhos), fato já observado em outras pesquisas (Signorelli; Auad; Pereira, 2013SIGNORELLI, M. C.; AUAD, D.; PEREIRA, P. P. G. Violência doméstica contra mulheres e a atuação profissional na atenção primária à saúde: um estudo etnográfico em Matinhos, Paraná, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 29, n. 6, p. 1230-1240, 2013.).
Da mesma forma, Rizzini et al. (2007RIZZINI, I. et al. Acolhendo crianças e adolescentes: experiências de promoção do direito à convivência familiar e comunitária no Brasil. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2007.), apontam alguns impasses na efetivação do direito da criança e do adolescente na convivência familiar e comunitária, os quais podem e devem ser superados por meio da elaboração conjunta de planos de trabalho, planejados e realizados com outras organizações de defesa e operação dos direitos. Não há como garantir a proteção integral exclusivamente por meio de uma política pública, sendo necessário envolver políticas de proteção e promoção de saúde, educação, cultura, trabalho e renda, saneamento básico, esporte e habitação.
Nesse contexto, o sistema de proteção social deve integrar um conjunto de ações e intervenções ofertado a partir de uma análise/abordagem interseccional, a fim de proporcionar aos indivíduos e suas famílias condições de superar vulnerabilidades e desigualdades. Trata-se de um grande desafio, visto que, historicamente, os organismos políticos de administração foram dispostos sob uma noção cartesiana que fragmenta as dificuldades em pequenos pedaços, a fim de compreender detalhadamente seu funcionamento e sua composição (Guará, 2010GUARÁ, I. M. F. R. Redes de proteção social. São Paulo: Neca, 2010. ). A fragilidade da dinâmica intersetorial - e a consequente quebra do apoio de outras instituições - resulta na fragmentação das políticas de proteção e dos serviços por elas ofertados.
Proteção social especial no contexto do acolhimento institucional de crianças e adolescentes
A aproximação etnográfica com o cotidiano dessas instituições revelou desafios para o trabalho em rede, que, embora tenha emergido como critério importante para a formulação de políticas sociais, está atrelado a serviços públicos com estrutura geralmente hierarquizada e compartimentalizada.
De caráter provisório e excepcional, o acolhimento institucional de crianças e adolescentes preceitua a manutenção e o fortalecimento dos vínculos afetivos durante o período de afastamento do convívio familiar. O objetivo maior dessa determinação situa-se na preservação - e não na ruptura - desses vínculos e na diminuição, sempre que possível, do tempo de institucionalização. Para tanto, são permitidas visitas dos familiares na Casa Lar CCA, e em fases mais avançadas do processo de reinserção as visitas ocorrem na casa da família aos finais de semana, quando se iniciam ações para um possível desacolhimento.
De acordo com Bowlby (1998BOWLBY, J. Apego e perda 3: perda, tristeza e depressão. São Paulo: Martins Fontes, 1998. v. 3.), estabelecer fortes vínculos afetivos é próprio do ser humano, mas necessita de estímulo. A manutenção ou o fortalecimento de vínculos familiares pode contribuir para um novo projeto de vida para as famílias em situação de vulnerabilidade, mas deveria ser trabalhado antes de chegar à Média ou Alta Complexidade, segundo relato da Técnica 1:
Creio que são coisas que dependem muito de uma base, né? Que é o que seria a proteção social básica, e que essas famílias muitas vezes não têm um acompanhamento adequado. Você tenta abraçar o mundo ali e acaba não fazendo um trabalho direcionado com as famílias que realmente necessitam desse atendimento. Fica uma coisa muito generalizada, aí quando chega pra nós, na Média ou na Alta Complexidade, algumas vezes passam direto para a Alta Complexidade, nem passam na Média, porque é tão de repente que você não tem mais o que fazer. E quando chega pra nós na Média já está uma situação bem difícil de você atuar, e a gente acaba tendo que praticar ingerências no meio daquela família. A gente acaba tendo que trabalhar de uma forma quase que impositiva. (Técnica 1)
No contexto, as famílias em situação de vulnerabilidade enfrentam as mais diversas dificuldades para cumprir as atribuições de socialização, apoio e cuidado a elas designadas. Segundo relatos das técnicas, são essas as famílias que correm risco de rompimento de vínculos e demandam intervenção de uma equipe multidisciplinar:
São situações de rompimento mesmo, de ter que ser tirado daquela família de alguma forma. E é curto o espaço de tempo, você não tem muito tempo pra atuar, pensar: agora vou fazer um trabalho de restabelecimento desse vínculo, de fortalecimento desse vínculo. O espaço é curto, quando chegou aqui a criança já está numa situação… não gosto de usar o termo “risco”, mas uma situação de perigo bem grande […] a mulher também, quando chega vítima de violência, a situação já está há anos naquela situação. Ou você age de um jeito ou você realmente acaba tendo que impor ou a coisa degringola. (Técnica 4)
As profissionais foram questionadas sobre quais seriam, segundo suas concepções, os principais desafios para a reintegração familiar. Segundo a coordenadora da instituição de acolhimento, poucos casos que chegaram à instituição de acolhimento voltaram paras as famílias de origem. Para a profissional,
a recuperação da família, por ela mesma, constitui o maior desafio para a reintegração familiar. Como vários casos que nós temos aqui é o vício. A droga, a dependência química num todo. O vício é constatado cientificamente que é uma doença e, portanto, ele necessita de um tratamento. Então é muito difícil a família, pai, mãe, se darem conta de que precisam disso pra ter seus filhos de volta. E aí o tempo vai passando e o processo correndo. (Técnica 5)
Sob outra perspectiva, as técnicas da equipe multiprofissional do Creas - que trabalham no atendimento às famílias - compartilham a ideia de que o uso de substâncias psicoativas em si não justifica o afastamento do convívio familiar:
Não é porque usa droga que nós vamos achar que tem que tirar da família. Não é um consenso, nós já sofremos pressão aqui, “tem que abrigar”. Não, gente! Tem pessoas que usam droga e têm uma vida normal, que não interfere. Só quando o uso de álcool e drogas está causando algum prejuízo no desenvolvimento daquela criança, está negligenciando… Então não é o fato só de usar. (Técnica 1)
A questão do tempo é pungente para aqueles afastados de quem amam. De acordo com Moreira (2014MOREIRA, M. I. C. Os impasses entre acolhimento institucional e o direito à convivência familiar. Psicologia & Sociedade, Belo Horizonte, v. 26, p. 28-37, 2014. Número especial 2. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/30QrI6e >. Acesso em: 13 dez. 2016.
https://bit.ly/30QrI6e... ), quanto maior o tempo de afastamento da criança e do adolescente do convívio familiar, maior o risco de ruptura dos vínculos afetivos e familiares. Para a Técnica 4, essa questão implica fragilidade dos vínculos entre as famílias e a equipe técnica, dificultando a obtenção de resultados mais consistentes durante o contato:
Você não consegue mudar a cabeça de uma pessoa de uma hora pra outra. Quando chegam ao Creas, já sabem que tem alguma coisa errada, então a adesão deles ao tratamento e ao acompanhamento com a psicóloga é praticamente zero. Eles não querem se aprofundar naquele assunto. Eles não querem dizer que não está tudo bem, não querem expor a situação que realmente está acontecendo, pra que não sejam retiradas as crianças. Então eles não se abrem pra que a gente possa ajudar a família. E depois, quando chega na alta complexidade, eles também não se abrem porque querem a criança de volta. Então eles acham novamente que tem que falar que está tudo bem. Forjam situações, então a gente não consegue fazer um acompanhamento adequado psicológico. Porque precisaria de um tempo grande para fazer uma terapia, alguma coisa que eles tivessem abertos a contar esse histórico familiar. (Técnica 4)
Para as profissionais do Creas, as famílias atendidas têm, muitas vezes, um entendimento equivocado sobre os acompanhamentos, não aproveitando a oportunidade dos encontros para compartilhar suas inquietações e problemas e, assim, buscar soluções com ajuda da equipe. Sob a perspectiva das técnicas, as famílias se preocupam apenas em assinar a frequência e comprovar o comparecimento no atendimento agendado, desperdiçando a possibilidade de usufruir do serviço em benefício próprio ou da família.
Segundo levantamento nacional de abrigos realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea, 2004IPEA - INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. O direito à convivência familiar e comunitária: os abrigos para crianças e adolescentes no Brasil. Brasília, DF, 2004. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2JWUGfb >. Acesso em: 26 jul. 2019.
https://bit.ly/2JWUGfb... ), a maior causa de ingresso de crianças e adolescentes em abrigos é a carência de recursos materiais da família e/ou responsável (24,2%). O percentual de crianças e adolescentes afrodescendentes aparece de forma expressiva - cerca de 68% dos 20 mil abrigados nas instituições participantes da pesquisa. Nesse cenário, mais de um terço dos dirigentes das instituições entrevistados (35,5%) se referiram às condições socioeconômicas, especialmente a pobreza, como principal dificuldade para que crianças e adolescentes abrigados retornem para suas famílias.
Nesse sentido, o ECA determina que famílias em situação de vulnerabilidade e/ou carência de recursos materiais sejam incluídas em programas de auxílio (Brasil, 2015). Não obstante, ainda que não exista uma causalidade linear entre os fenômenos da pobreza e da violência, segundo Silva, Mello e Aquino (2004SILVA, E. R. A.; MELLO, S. G.; AQUINO L. M. C. Os abrigos para crianças e adolescentes e a promoção do direito à convivência familiar e comunitária. In: SILVA, E. R. A. (Coord.). O direito à convivência familiar e comunitária: os abrigos para crianças e adolescentes no Brasil. Brasília, DF: Ipea, 2004. p. 209-242.), as condições da primeira tendem a potencializar fatores geradores da segunda e, por conseguinte, de violações de direitos. Portanto, tratar da prevenção da institucionalização é falar sobre políticas de atenção às famílias, majoritariamente pobres (Ipea, 2004IPEA - INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. O direito à convivência familiar e comunitária: os abrigos para crianças e adolescentes no Brasil. Brasília, DF, 2004. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2JWUGfb >. Acesso em: 26 jul. 2019.
https://bit.ly/2JWUGfb... ).
Nesse contexto, Bronfenbrenner (2011BRONFENBRENNER, U. Biotecnologia do desenvolvimento humano: tornando os seres humanos mais humanos. Porto Alegre: Artmed, 2011.), a partir de sua abordagem ecológica para o estudo do desenvolvimento humano, defende que a família representa o coração do sistema social. Afirma que o desenvolvimento social não se aplica apenas ao individuo, mas também à organização social da qual faz parte. Para ele, pesquisadores(as) que desejam compreender o desenvolvimento humano devem envolver-se diretamente com programas e políticas públicas, especialmente aquelas que objetivam o desenvolvimento.
A metáfora das bonecas russas utilizada por Bronfenbrenner (2011BRONFENBRENNER, U. Biotecnologia do desenvolvimento humano: tornando os seres humanos mais humanos. Porto Alegre: Artmed, 2011.) para caracterizar o ambiente ecológico do desenvolvimento traduz, de forma especial, a intenção da proposta do estudo de compreender a complexidade das vivências dessas mulheres-mães e dos desafios a elas apresentados nos mais diversos contextos:
Como um conjunto de bonecas russas, os contextos do desenvolvimento humano funcionam um encaixado no outro, cada um expandindo em direção ao maior, mas também contendo o menor. Os contextos também influenciam e são influenciados simultaneamente uns pelos outros. Assim, o contexto familiar se encaixa dentro do bairro; o contexto do bairro no contexto maior da cidade, do trabalho e do governo; e todos os contextos dentro do amplo contexto da cultura. Qualquer fator que influenciar algum contexto maior influenciará também a unidade mais íntima, a família. (Bronfenbrenner, 2011BRONFENBRENNER, U. Biotecnologia do desenvolvimento humano: tornando os seres humanos mais humanos. Porto Alegre: Artmed, 2011., p. 278)
A família é fundamental para a proteção de crianças e adolescentes. Sendo impossível evitar o afastamento do convívio familiar, os esforços devem estar voltados para a reintegração, buscando-se preservar e fortalecer os vínculos afetivos por meio de ações de incentivo à convivência familiar. No contexto da pesquisa, o direito à convivência familiar estava diretamente relacionado à garantia do acesso às políticas e aos serviços especializados no atendimento de mulheres vítimas de violência.
A precariedade e/ou falta de serviços esbarra na necessidade de capacitação dos profissionais da rede e na ausência de estruturação física (delegacias especializadas, casas de apoio/acolhimento e centros de referência), além do problema da omissão do próprio Estado e da Justiça. A invisibilidade da condição de vulnerabilidade e violência à qual essas mulheres estavam submetidas, sob a ótica de práticas de enfrentamento e acolhimento, é o cerne da discussão proposta por este estudo.
Considerações finais
O objetivo deste estudo foi desvelar o contexto vivenciado por duas mulheres-mães, negras, em situação de vulnerabilidade e violência doméstica e familiar, que tentavam reaver a guarda de seus(suas) filhos(as), assim como analisar os desafios da rede de atendimento social para essas famílias. Investigou-se, a partir de uma perspectiva interseccional e de gênero, como as violências e as desigualdades estruturais interferem no acesso e na garantia dos direitos de mulheres-mães, crianças e adolescentes, no contexto da PSE. Buscou-se ainda ouvir profissionais responsáveis pelos serviços socioassistenciais de Média e Alta Complexidade do Suas, bem como técnicas que passaram a integrar, posteriormente, a equipe do Núcleo de Enfrentamento à Violência, vinculado à Secretaria de Saúde do município em questão.
A pesquisa apresentou o paradoxo entre a proteção de crianças e adolescentes afastadas do convívio familiar por situações de violência doméstica/familiar e suas mães, que sofrem duplamente. Sofrem o efeito da violência praticada por seus parceiros/familiares somada à perda da guarda dos filhos para o Estado. Foi observado que, em alguns casos, a perda da guarda é definitiva e, como resultado de todos os hiatos elencados, define-se a impossibilidade da reinserção familiar, seguida do encaminhamento da criança ou do adolescente para adoção. A partir do estudo desses casos típicos que permeiam o sistema, foi possível observar a interseccionalidade de fatores como gênero, cor, classe social, escolaridade e renda que, somados ao uso e abuso de drogas lícitas e ilícitas, criam uma teia de desafios para a rede de atendimento, nem sempre estruturada para dar conta de toda essa complexidade.
Em síntese, no contexto da pesquisa, uma alternativa ao acolhimento institucional certamente seria a criação de uma rede de apoio operativa, com políticas e programas que promovessem maior autonomia e condições para que estas mulheres pudessem criar seus(suas) filhos(as) com segurança e dignidade. Dessa forma, a assistência qualificada às mulheres em situação de violência demanda uma rede de atendimento operativa e integrada nas áreas de assistência social, justiça, segurança pública e saúde.
O estudo também apresentou limitações, como a abordagem de apenas um município, que possui uma rede deficiente de apoio às mulheres em situação de violência doméstica. Circunscritos a apenas esse município, os resultados da pesquisa também estavam sujeitos à visão de um grupo reduzido de participantes; portanto, os resultados aqui obtidos não poderiam ser extrapolados para outras realidades. Por outro lado, a metodologia baseada na pesquisa etnográfica possibilitou o estudo dessa realidade em profundidade.
Portanto, a partir do estudo, sinalizamos a necessidade de reflexão acerca das políticas públicas. Crianças e jovens são prioridade, mas a rede intersetorial de apoio também deve desenvolver um olhar sensível para as mulheres-mães, que são duplamente vítimas no contexto apresentado. A fragilidade da autonomia de mulheres-mães e de seus(suas) filhos(as) resulta no enfraquecimento da cidadania e traz consequências para o desenvolvimento humano e social - o qual não se concretiza com violência e abandono.
Agradecimentos
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) pela bolsa de mestrado concedida à primeira autora do artigo.
Referências
- ANJOS, M. A vulnerabilidade como parceira da autonomia. Revista Brasileira de Bioética, v. 2, n. 2, p. 173-186, 2006. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2PJwBtq >. Acesso em: 23 abr. 2016.
» https://bit.ly/2PJwBtq - BEAUVOIR, S. O segundo sexo. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009.
- BOWLBY, J. Apego e perda 3: perda, tristeza e depressão. São Paulo: Martins Fontes, 1998. v. 3.
- BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.
- BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Conselho Nacional de Assistência Social. Tipificação nacional de serviços socioassistenciais: Resolução nº 109, de 11 de novembro de 2009. Brasília, DF, 2009.
- BRASIL. ECA: 25 anos: Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990 e legislação correlata. Brasília, DF: Edições Câmara, 2015.
- BRASIL. Ministério dos Direitos Humanos. Balanço das denúncias de violações de direitos humanos 2016. Brasília, DF: Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, 2016. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2SRFwL7 >. Acesso em: 26 jul. 2017.
» https://bit.ly/2SRFwL7 - BRONFENBRENNER, U. Biotecnologia do desenvolvimento humano: tornando os seres humanos mais humanos. Porto Alegre: Artmed, 2011.
- CALHEIROS, M. M.; MONTEIRO, M. B. Relações familiares e práticas maternas de mau trato e de negligência. Avaliação Psicológica, Lisboa, v. 2, n. 25, p. 195-210, 2007.
- CAMPOS, M.; TEIXEIRA, S. Gênero, família e proteção social: as desigualdades fomentadas pela política social. Revista Katálysis, Florianópolis, v. 13, n. 1, p. 20-28, 2010.
- CARVALHO, M. C.; GUARÁ, I. M. F. R. A família: um sujeito pouco refletido no movimento de luta pelos direitos da criança e do adolescente. Revista Brasileira de Crescimento e Desenvolvimento Humano, São Paulo, v. 4, n. 1, p. 45-48, 1994.
- CAVALCANTE, L. C.; MAGALHÃES, C. C.; PONTES, F. Processos de saúde e doença entre crianças institucionalizadas: uma visão ecológica. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 14, n. 2, p. 615-625, 2009. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2IXVqRJ >. Acesso em: 6 ago. 2017.
» https://bit.ly/2IXVqRJ - CRENSHAW, K. Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 10, n. 1, p. 171-188, 2002.
- GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 2008.
- GONTIJO, D. T.; MEDEIROS, M. Gravidez/maternidade e adolescentes em situação de risco social e pessoal: algumas considerações. Revista Eletrônica de Enfermagem, Goiânia, v. 6, n. 3, p. 394-399, 2004. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2YjtVJV >. Acesso em: 26 jul. 2019.
» https://bit.ly/2YjtVJV - GUARÁ, I. M. F. R. Redes de proteção social. São Paulo: Neca, 2010.
- IPEA - INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. O direito à convivência familiar e comunitária: os abrigos para crianças e adolescentes no Brasil. Brasília, DF, 2004. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2JWUGfb >. Acesso em: 26 jul. 2019.
» https://bit.ly/2JWUGfb - KUNITZ, S. J. et al. Alcohol dependence and domestic violence as sequelae of abuse and conduct disorder in childhood. Child Abuse & Neglect, Oxford, v. 22, n. 11, p. 1079-1091, 1998.
- MARIANO, S. A.; CARLOTO, C. M. Gênero e combate à pobreza: programa Bolsa Família. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 17, n. 3, p. 312, 2009.
- MCCALL, L. The complexity of intersectionality. Signs: Journal of Women in Culture and Society, Chicago, v. 30, n. 3, p. 1771-1800, 2005. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2LHAekr >. Acesso em: 26 jul. 2019.
» https://bit.ly/2LHAekr - MINAYO, M. C. S. Violência e saúde. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2006.
- MINAYO, M. C. S.; ASSIS, S.; SOUZA, E. R. Avaliação por triangulação de métodos: abordagem de programas sociais. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2005.
- MOREIRA, M. I. C. Os impasses entre acolhimento institucional e o direito à convivência familiar. Psicologia & Sociedade, Belo Horizonte, v. 26, p. 28-37, 2014. Número especial 2. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/30QrI6e >. Acesso em: 13 dez. 2016.
» https://bit.ly/30QrI6e - OPAS - ORGANIZACIÓN PANAMERICANA DE LA SALUD. Informe sobre la situación regional sobre el alcohol y la salud en las Américas. Washington, DC, 2015.
- RIZZINI, I. et al. Acolhendo crianças e adolescentes: experiências de promoção do direito à convivência familiar e comunitária no Brasil. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2007.
- SÁENZ, M. C. L. Merleau-Ponty (1908-1961) y Simone de Beauvoir (1908-1986): el cuerpo fenoménico desde el feminismo. Sapere Aude, Belo Horizonte, v. 3, n. 6, p. 57-72, 2012.
- SENADO FEDERAL. Violência doméstica e familiar contra a mulher: pesquisa DataSenado. Brasília, DF, 2017. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2CQU8VJ >. Acesso em: 7 jun. 2017.
» https://bit.ly/2CQU8VJ - SIGNORELLI, M. C.; AUAD, D.; PEREIRA, P. P. G. Violência doméstica contra mulheres e a atuação profissional na atenção primária à saúde: um estudo etnográfico em Matinhos, Paraná, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 29, n. 6, p. 1230-1240, 2013.
- SILVA, E. R. A.; MELLO, S. G.; AQUINO L. M. C. Os abrigos para crianças e adolescentes e a promoção do direito à convivência familiar e comunitária. In: SILVA, E. R. A. (Coord.). O direito à convivência familiar e comunitária: os abrigos para crianças e adolescentes no Brasil. Brasília, DF: Ipea, 2004. p. 209-242.
- STRATHERN, M. O efeito etnográfico e outros ensaios. São Paulo: Cosac Naify, 2014.
- TEIXEIRA, S. M. Família na política de assistência social: avanços e retrocessos com a matricialidade sociofamiliar. Revista de Políticas Públicas, São Luís, v. 13, n. 2, p. 255-264, 2009.
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
07 Out 2019 - Data do Fascículo
Jul-Sep 2019
Histórico
- Recebido
20 Jan 2019 - Aceito
15 Mar 2019