No Brasil temos a maior diversidade cultural da América Latina, com mais de 300 povos indígenas que falam 274 línguas e têm cosmovisões e modos de vida próprios (IBGE, 2012IBGE - INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Estudos especiais: o Brasil indígena: língua falada. Rio de Janeiro, 2012. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/35Awn1R >. Acesso em: 23 abr. 2017.
https://bit.ly/35Awn1R... ). Nos 520 anos que se passaram desde a chegada dos portugueses neste território, os povos indígenas lutam por reconhecimento e pelo direito a suas identidades. Assim, resistiram a séculos de políticas integracionistas que os entendiam como primitivos e visavam assimilá-los à sociedade e ao mundo do trabalho e produtividade.
As primeiras referências aos indígenas nas legislações relacionam-se ao uso de suas terras e ao direito de serem integrados à sociedade nacional. A criação do Serviço de Proteção aos Índios, no início do século XX, e da Fundação Nacional do Índio, na década de 1960, resulta da tentativa de moralizar o país dada a repercussão negativa sobre o massacre de indígenas pelo governo brasileiro (Gomes, 2012GOMES, M. P. Os índios e o Brasil: passado, presente e futuro. São Paulo: Contexto, 2012.; Raminelli, 1996RAMINELLI, R. Imagens da colonização: a representação do índio de Caminha a Vieira. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996.). Apenas na Constituição Federal de 1988 os indígenas são reconhecidos como cidadãos brasileiros com direito à preservação da sua cultura e de seus costumes (Brasil, 1988BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 nov. 1988. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/3iHvibW >. Acesso em: 14 set. 2020.
https://bit.ly/3iHvibW... ). Assim, os direitos indígenas passam a considerar a “ancestralidade de sua presença no território” (Garnelo, 2014GARNELO, L. O SUS e a saúde indígena: matrizes políticas e institucionais do subsistema de saúde indígena. In: TEIXEIRA, C. C.; GARNELO, L. (Org.). Saúde indígena em perspectiva: explorando suas matrizes históricas e ideológicas. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2014. p. 107-144., p. 112).
Embora a discussão sobre direitos indígenas tenha avançado, as mudanças não são definitivamente significativas na relação do Estado brasileiro com os povos originários. Projetos que alteram e retrocedem os direitos indígenas são frequentes no Congresso Nacional, como o Projeto de Lei nº 692/1991, que trata da mineração em terras indígenas, e a Proposta de Emenda à Constituição nº 215/2000, que tenta estabelecer que somente o Congresso Nacional possa demarcar e ratificar terras indígenas já demarcadas (Brasil, 1991BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 692/1991. Dispõe sobre a mineração em terras indígenas e dá outras providências. Brasília, DF, 1991. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/35yBy23 >. Acesso em: 8 mar. 2018.
https://bit.ly/35yBy23... , 2000BRASIL. Câmara dos Deputados. Proposta de Emenda à Constituição nº 215/2000. Acrescenta o inciso XVIII ao art. 49, modifica o §4º e acrescenta o §8º, ambos no art. 231, da Constituição Federal. Brasília, DF, 2000. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2ZEGIWK >. Acesso em: 8 mar. 2018.
https://bit.ly/2ZEGIWK... ). Estes projetos são exemplos da fragilidade das conquistas constitucionais destes povos, fortemente ameaçadas pelo crescente conservadorismo no governo brasileiro e pela expansão das fronteiras do agronegócio.
A Constituição Federal e o reconhecimento do direito dos indígenas à sua identidade não foram suficientes para pôr fim ao genocídio dessa população. A relatora especial sobre os direitos dos povos indígenas da Organização das Nações Unidas, quando de sua missão ao Brasil em 2016, aponta como “uma questão de preocupação premente é a grande quantidade de ataques documentados e relatados contra povos indígenas” (Tauli Corpuz, 2016TAULI CORPUZ, V. Declaração de fim de missão. Genebra: Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, 2016. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/35GIrhR >. Acesso em: 15 fev. 2017.
https://bit.ly/35GIrhR... , p. 4), com destaque para as represálias em reocupação de terras e violência quando os indígenas estão em ambiente urbano. Nos últimos anos, o número de ataques e assassinatos de indígenas cresceu no país, principalmente no estado do Mato Grosso do Sul, segundo o Conselho Indigenista Missionário (Cimi, 2018CIMI - CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO. Relatório violência contra os povos indígenas no Brasil: dados de 2017. Brasília, DF, 2018. Disponível em <Disponível em https://bit.ly/3mmunQI >. Acesso em: 23 out. 2018.
https://bit.ly/3mmunQI... ).
Compreendendo que a terra não é bem material, algo que se possui, os indígenas permanecem lutando pela demarcação de seu território como a principal pauta de reivindicação junto ao Estado brasileiro. “A luta pela mãe terra é a mãe de todas as lutas”, afirmou Guajajara (2017GUAJAJARA, S. 518 anos depois: “A luta pela mãe-terra é a mãe de todas as lutas”: carta por uma candidatura indígena, anticapitalista e ecossocialista à presidência do Brasil. Gama Livre, [s. l.], 1º dez. 2017. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/3iubclH >. Acesso em: 13 abr. 2018.
https://bit.ly/3iubclH... ). Fundamental para garantir seu modo de vida e, consequentemente, manter e reestabelecer a saúde, é impossível dissociar as pautas saúde e demarcação de terras.
Os povos indígenas, após muitas lutas por reconhecimento, constituem-se como importante força social na disputa para influenciar as políticas públicas. Após a conquista pelos Índios em Movimento (Krenak, 2015KRENAK, A. Encontros. Rio de Janeiro: Azougue, 2015.; Munduruku, 2012MUNDURUKU, D. O caráter educativo do movimento indígena brasileiro (1970-1990). São Paulo: Paulinas, 2012.) do Capítulo VIII da Constituição Federal, “Dos índios”, que legalmente rompe com a política pautada na ciência da evolução humana e de integração à comunidade nacional sob tutela do governo (Souza Lima, 2015SOUZA LIMA, A. C. Sobre tutela e participação: povos indígenas e formas de governo no Brasil, séculos XX/XXI. Mana, Rio de Janeiro, v. 21, n. 2, p. 425-457, 2015.), estes povos passam a compor de forma ainda mais presente o campo da construção de políticas públicas.
Neste processo, como se pode destacar, influenciaram a organização da política de demarcação de terras, garantida na Constituição Federal e organizada no Decreto nº 1.775/1996, a política de saúde, com a reivindicação de um subsistema de atenção diferenciada, aprovado pela Lei nº 9.836/1999BRASIL. Lei nº 9.836, de 23 de setembro de 1999. Acrescenta dispositivos à Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990, que “dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências”, instituindo o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 24 set. 1999. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/3hsVciw >. Acesso em: 14 set. 2020.
https://bit.ly/3hsVciw... , e a política de educação, ao garantir a educação escolar indígena intercultural, bilíngue e diferenciada na Lei nº 9.394/1996 (Paula; Vianna, 2011PAULA, L. R.; VIANNA, F. L. B. Mapeando políticas públicas para povos indígenas. Rio de Janeiro: Laced/UFRJ, 2011.).
Contudo, é importante destacar que a produção de políticas públicas não é finalizada na publicação do texto normativo. A luta pela sua permanência, efetivação e implementação adequada é incessante para os povos indígenas do país. É neste contexto de intensa disputa e protagonismo dessa população que se insere a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas (Funasa, 2002FUNASA - FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE. Política nacional de atenção à saúde dos povos indígenas. 2. ed. Brasília, DF, 2002. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/3iqvzA2 >. Acesso em: 14 set. 2020.
https://bit.ly/3iqvzA2... ).
As Conferências de Saúde foram fundamentais para a discussão e elaboração de uma política sanitária para povos originários. A 8ª Conferência Nacional de Saúde em 1986 pode ser considerada ponto de partida desta construção. Ao defender a universalidade do Sistema Único de Saúde (SUS), modificava a relação dos indígenas com o sistema sanitário, pois passavam todos a ter direito à saúde, deixando-se de tratá-la apenas como benefício trabalhista. Desta forma, apresentou-se como campo de luta com intensa capacidade de articulação política, e os povos originários deveriam ser incluídos neste novo sistema de saúde por meio de um subsistema específico, com integração diferenciada (Confalonieri, 1989CONFALONIERI, U. E. C. O Sistema Único de Saúde e as populações indígenas: por uma integração diferenciada. Caderno de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 5, n. 4, p. 441-450, 1989.).
Mesmo compreendendo a distância entre o sistema de atuação do Estado e seus modos de organização, os povos originários reconheceram a importância de se aproximar do debate de criação do SUS, como o relato de Krenak, retratado por Vieira (2019VIEIRA, N. B. S. “Tem que ser do nosso jeito”: participação e protagonismo do movimento indígena na construção da política de saúde no Brasil. 2019. Tese (Doutorado em Ciências) - Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2019., p. 84):
Quando eu participei do debate da Constituinte, e admiti, sugeri um subsistema da saúde para os índios, eu estava só fazendo uma aproximação, porque eu também não acredito na saúde dos brancos. Mas eu estava fazendo uma aproximação. Da mesma maneira que a gente tem que viver dentro de um sistema do Estado, das leis, das regras e tudo, e a gente admitiu fazer um capítulo dos índios na Constituinte do Brasil, mas a gente não tem ilusão sobre isso, a gente sabe que nem a Constituinte e nem o sistema da saúde são nossos.
Assim, como forma de cuidado complementar às medicinas indígenas, o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (Sasi) foi criado pela Lei nº 9.836/1999BRASIL. Lei nº 9.836, de 23 de setembro de 1999. Acrescenta dispositivos à Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990, que “dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências”, instituindo o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 24 set. 1999. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/3hsVciw >. Acesso em: 14 set. 2020.
https://bit.ly/3hsVciw... após intensa mobilização dos povos originários na 8ª e 9ª Conferências Nacionais de Saúde e a realização da 1ª e 2ª Conferências Nacionais de Saúde Indígena.
Nestes mais de 30 anos de SUS e 21 anos de Sasi, muitos foram os avanços do cuidado em saúde no Brasil. Porém, as discussões que trataram dos 30 anos do SUS ainda foram silenciosas quanto à assistência à saúde dos povos indígenas (Bahia, 2018BAHIA, L. Trinta anos de Sistema Único de Saúde (SUS): uma transição necessária, mas insuficiente. Caderno de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 34, n. 7, e00067218, 2018.; Paim, 2018PAIM, J. P. Sistema Único de Saúde (SUS) aos 30 anos. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 23, n. 6, p. 1723-1728, 2018.), mesmo com o espaço que o tema ganhou nas duas últimas décadas. Faz-se necessário retomar a essência de construção do campo da saúde coletiva da década de 1970, que, mesmo marcado por tensões, “não somente estabelece uma crítica ao universalismo naturalista do saber médico, mas rompe com a concepção de saúde pública, negando o monopólio do discurso biológico” (Nunes, 2013NUNES, E. D. Saúde coletiva: uma história recente de um passado remoto . In: CAMPOS, G. W. S. et al . (Org.). Tratado de saúde coletiva. 2. ed. São Paulo: Hucitec, 2013. p. 19-40., p. 26). Neste momento, quando o principal desafio para a consolidação do SUS é político, a determinação econômica é sua maior ameaça (Paim, 2018PAIM, J. P. Sistema Único de Saúde (SUS) aos 30 anos. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 23, n. 6, p. 1723-1728, 2018.), assim como para a consolidação e permanência do Sasi.
Soma-se a este contexto de resistência política pela permanência e qualificação do Sasi a necessidade de organizar, prevenir e combater a pandemia de covid-19. Os mais de 300 povos indígenas que habitam este território têm realidades distintas, como povos em isolamento e outros que residem em contexto urbano. Porém, uma situação é comum a todos eles: a vulnerabilização social diante da ameaça da pandemia. Historicamente, as doenças infectocontagiosas são responsáveis por milhares de mortes nas comunidades indígenas. Estas doenças, que chegam às comunidades com os não indígenas, eram misteriosas para estes povos, que não possuíam formas de combate aos vírus e de cuidado com os doentes em suas medicinas tradicionais.
A omissão do governo brasileiro na organização e viabilização de estruturas de assistência aos povos originários diante da covid-19 reforça a desresponsabilização e o desrespeito do Estado aos direitos indígenas. É neste momento que, mais uma vez, os índios em movimento mostram sua potência e resistência, e de forma alternativa ao Executivo articulam com organizações indígenas, indigenistas, de saúde coletiva e até mesmo com o Congresso Federal e o Supremo Tribunal Federal (STF) planos paralelos de enfrentamento à pandemia. Neste sentido, destacamos aqui o plano Emergência Indígena, liderado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB, 2020APIB - ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL. Emergência indígena: plano de enfrentamento da covid-19 no Brasil. [S. l.], 2020. Disponível em: <Disponível em: https://tinyurl.com/y49cpzqa >. Acesso em: 7 ago. 2020.
https://tinyurl.com/y49cpzqa... ), que além de prever ações de assistência às comunidades atua na visibilização dos números da pandemia entre povos indígenas, independentemente do seu contexto de moradia.
Além disso, por meio da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 709 (STF, 2020STF - SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Arguição de descumprimento de preceito fundamental nº 709. Brasília, DF, 2020. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/32rv1UZ >. Acesso em: 22 ago. 2020.
https://bit.ly/32rv1UZ... ), a APIB garantiu, entre outros, o direito à construção coletiva com a Secretaria Especial de Saúde Indígena, com apoio do Grupo Técnico em Saúde Indígena da Associação Brasileira de Saúde Coletiva, de um plano de enfrentamento à pandemia a ser executado pelo governo federal. Também foram elaborados o Plano Emergencial de Apoio aos Territórios Indígenas, proposto pela Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas, liderada pela deputada federal Joenia Wapichana, aprovado pela Lei nº 14.021/2020 (Brasil, 2020BRASIL. Lei nº 14.021, de 7 de julho de 2020. Dispõe sobre medidas de proteção social para prevenção do contágio e da disseminação da covid-19 nos territórios indígenas; cria o plano emergencial para enfrentamento à covid-19 nos territórios indígenas; estipula medidas de apoio às comunidades quilombolas, aos pescadores artesanais e aos povos e comunidades tradicionais para o enfrentamento à covid-19; e altera a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, a fim de assegurar aporte de recursos adicionais nas situações emergenciais e de calamidade pública. Diário Oficial da União, Brasília, DF, n. 129, p. 1-3, 8 jul. 2020. Seção 1.), e o Plano Frente pela Vida, de organizações da área da saúde coletiva (Frente pela Vida, 2020FRENTE PELA VIDA. Frente pela vida: plano nacional de enfrentamento à pandemia da covid-19. [S. l.], 2020. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2Zz904Y >. Acesso em: 8 ago. 2020.
https://bit.ly/2Zz904Y... ).
É na complexidade deste momento histórico que este dossiê se apresenta como a finalização de um ciclo, fundamentado em um projeto de doutorado desenvolvido na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, que teve como objetivo analisar a participação dos povos originários no processo de construção e implementação da Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas após a Constituição de 1988. Os debates frutíferos durante a defesa da tese “Tem que ser do nosso jeito”: participação e protagonismo do movimento indígena na construção da política de saúde no Brasil, de Nayara Begalli Scalco Vieira (2019VIEIRA, N. B. S. “Tem que ser do nosso jeito”: participação e protagonismo do movimento indígena na construção da política de saúde no Brasil. 2019. Tese (Doutorado em Ciências) - Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2019.), e o seminário (2019aA SAÚDE INDÍGENA E A ECOLOGIA DE SABERES NO ENFRENTAMENTO DOS DESAFIOS ATUAIS: “TEM QUE SER DO NOSSO JEITO”, 2019, São Paulo. Galeria… São Paulo: IPTVUSP, 2019a. Parte 1. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2FEhuAN >. Acesso em: 16 set. 2020.
https://bit.ly/2FEhuAN... , 2019bA SAÚDE INDÍGENA E A ECOLOGIA DE SABERES NO ENFRENTAMENTO DOS DESAFIOS ATUAIS: “TEM QUE SER DO NOSSO JEITO”, 2019, São Paulo. Galeria… São Paulo: IPTVUSP, 2019b. Parte 2. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/3kmMPqv >. Acesso em: 16 set. 2020.
https://bit.ly/3kmMPqv... ), com a participação de Ailton Krenak, Ana Lúcia Pontes, Douglas Rodrigues, João Arriscado Nunes, Marília Cristina Prado Louvison e Marina Cardoso, mereceram a publicação a fim de ampliar as reflexões para campo da saúde indígena. Assim, composto por quatro ensaios - três deles com enfoque especial na experiência profissional dos autores - e dois artigos, este dossiê visa valorizar a participação dos povos originários na construção e manutenção do Sasi para garantir uma atenção em saúde diferenciada.
O texto “Epistemologias do Sul e descolonização da saúde: por uma ecologia de cuidados na saúde coletiva” traz uma reflexão teórica sobre a necessidade de um novo “fazer ciência”, de um novo pensar em saúde coletiva que alcance a multiplicidade de formas de cuidado existentes no mundo. Identificar, reconhecer e significar as formas de cuidado das medicinas e comunidades indígenas é fundamental na construção da atenção diferenciada. E, em saúde coletiva, ultrapassar a barreira da ciência que inviabiliza para uma ciência que visibiliza e constrói possibilidades é fundamental para uma produção de conhecimento não extrativista.
Na sequência, os artigos “Da participação ao controle social: reflexões a partir das conferências de saúde indígena” e “Controle social no Subsistema de Atenção à Saúde Indígena: uma estrutura silenciada” discutem os espaços de controle social do Sasi e a participação dos indígenas. O primeiro texto foca os diferentes sentidos dos termos “participação” e “controle social” postos nos relatórios das cinco Conferências Nacionais de Saúde Indígena, abordando a importância deste espaço e suas transformações. O segundo reflete sobre a estruturação pelo Estado dos Conselhos Distritais de Saúde Indígena (Condisi) e do Fórum de Presidentes de Condisi, englobando também o domínio da burocracia sobre os processos de discussão que a cada ano se distancia dos modos indígenas de debate e, portanto, da pauta indígena na construção da atenção diferenciada.
O ensaio “Antes sós do que mal acompanhados: contato e contágio com povos indígenas isolados e de recente contato no Brasil e desafios para sua proteção e assistência à saúde” traz para cena o debate das cicatrizes do contato entre a sociedade não indígena e os povos originários isolados - cicatrizes que marcam a memória, a cultura, o corpo e o sistema imunológico - com base na experiência dos autores no acompanhamento destas expedições de contato. Trata-se de um debate que permanece atual e pungente no governo brasileiro, que se mostra interessado em rever a política de contato retornando à lógica colonial de imposição do contato, dos costumes e da cultura.
O ensaio “O som dos maracás (homenagem a Ailton Krenak): medicinas indígenas e saúde pública” nos mostra, ao longo da vivência e reflexão da autora, o retrocesso das políticas públicas de saúde indígena que acompanham todo o processo de implantação, mas que se agravam em alguns momentos, colocando em risco pilares da atenção diferenciada e participação social. Com isso articula com a reflexão teórica aqui proposta do quanto os saberes e poderes hegemônicos colocam em risco as sociedades indígenas em nosso país.
Por fim, trazemos uma publicação especial de Ailton Krenak, “Reflexão sobre a saúde indígena e os desafios atuais em diálogo com a tese ‘Tem que ser do nosso jeito’: participação e protagonismo do movimento indígena na construção da política de saúde no Brasil”. A transcrição de suas falas, respeitando sua oralidade, nos eventos que subsidiaram estas publicações é nossa proposta para abrir novos caminhos de reflexão no campo da saúde indígena e da saúde coletiva, para o qual é imprescindível refletir sobre o nosso estado “carvão” e nossas possibilidades de cuidado e construções de um cuidado coletivo e diferenciado. Estas palavras de Krenak - que jogam luz às formas como a sociedade capitalista e centrada no médico não produz cuidado, mas doenças - fecham esta proposta de debate, convidando a todos a compartilhar e trilhar este caminho de reflexão, ressignificação e reconstrução coletiva.
Boa leitura!
Referências
- APIB - ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL. Emergência indígena: plano de enfrentamento da covid-19 no Brasil. [S. l.], 2020. Disponível em: <Disponível em: https://tinyurl.com/y49cpzqa >. Acesso em: 7 ago. 2020.
» https://tinyurl.com/y49cpzqa - BAHIA, L. Trinta anos de Sistema Único de Saúde (SUS): uma transição necessária, mas insuficiente. Caderno de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 34, n. 7, e00067218, 2018.
- BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 nov. 1988. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/3iHvibW >. Acesso em: 14 set. 2020.
» https://bit.ly/3iHvibW - BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 692/1991 Dispõe sobre a mineração em terras indígenas e dá outras providências. Brasília, DF, 1991. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/35yBy23 >. Acesso em: 8 mar. 2018.
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
07 Dez 2020 - Data do Fascículo
2020
Histórico
- Recebido
08 Set 2020 - Aceito
14 Set 2020