Avaliação de desempenho dos conselhos de saúde em municípios de pequeno e médio porte

Performance evaluation of health councils in small and medium-sized municipalities

Elane Patrícia Fernandes Costa dos Santos Diane Costa Moreira José Patrício Bispo JúniorSobre os autores

Resumo

Este artigo objetiva avaliar o desempenho dos conselhos de saúde (CS) em municípios de pequeno e médio porte. Trata-se de pesquisa avaliativa com a utilização do método spidergram adaptado à realidade dos CS. A matriz avaliativa foi composta por cinco dimensões: autonomia, organização, representatividade, envolvimento comunitário e influência política. O estudo foi desenvolvido nos municípios de Nova Canaã e Itapetinga, ambos no estado da Bahia, por meio de análise documental, observação das reuniões e 31 entrevistas com conselheiros de saúde. Utilizou-se a análise de conteúdo temática para a categorização dos dados. Os CS apresentaram baixo nível de desempenho, com resultados mais desfavoráveis ao menor município. Verificaram-se limitações na autonomia, como fragilidades no apoio técnico, estrutura física e dotação orçamentária. A dimensão organização revelou irregularidades na realização das reuniões e a inexistência de comissões temáticas. Foram evidenciadas fragilidades da relação entre representantes e representados. Sobre o envolvimento comunitário, observou-se o esvaziamento dos CS e baixos índices de comparecimento dos representantes. A influência política revelou diminuta capacidade dos CS em influenciar na definição das políticas de saúde locais. A adaptação da matriz avaliativa se mostrou oportuna e adequada. Os dois casos avaliados demostraram insuficiências no processo participativo e na capacidade de influência política.

Palavras-chave:
Participação Social; Conselhos de Saúde; Avaliação em Saúde; Avaliação de Programas e Projetos de Saúde; Política Pública

Abstract

Our paper aimed at evaluating the performance of health councils (HC) in small and medium-sized municipalities in Brazil. This is an evaluative research. We used the spidergram method adapted to the HC reality. The evaluation matrix was composed of five dimensions: autonomy, organization, representativeness, community engagement and political influence. The study was developed in Nova Canaã and Itapetinga, state of Bahia, based on document analysis, observation of meetings, and interviews with 31 councils members. We used thematic content analysis to categorize the data. The HC showed a low level of performance, with more unfavorable results to the smaller town. We identified limited autonomy, with weaknesses in technical support, physical structure and financial independence. The organization dimension identified non-compliance with meeting scheduling and absence of thematic commissions. A weak relationship between the representatives and the organizations were observed. The dimension related to community engagement indicated empty HC and low representatives’ participation. The political influence dimensions showed limited capacity of HC to interfere in local health policies. The adaptation of the evaluative matrix has proved to be timely and appropriate to the reality of the Brazilian HC. Two cases evaluated showed weaknesses in the participatory process and in the political influence capacity.

Keywords:
Social Participation; Health Councils; Health Evaluation; Program Evaluation; Public Policy

Introdução

A participação dos cidadãos ocupa grande espaço na agenda política de diversos países e é apresentada como elemento necessário para as boas práticas de governança e para a ampliação os resultados em saúde (Serapioni; Matos, 2014SERAPIONI, M.; MATOS, A. R. Citizen participation and discontent in three Southern European health systems. Social Science & Medicine , Oxford, v. 123, p. 226-233, 2014. DOI: 10.1016/j.socscimed.2014.06.006
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). O discurso da participação tornou-se uma prioridade nas reformas dos sistemas de saúde e a sua aplicabilidade é amplamente proclamada por agências internacionais e órgãos governamentais (George et al., 2015GEORGE, A. et al. Anchoring contextual analysis in health policy and systems research: A narrative review of contextual factors influencing health committees in low and middle income countries. Social Science & Medicine, Oxford, v. 133, p. 159-167, 2015. DOI: 10.1016/j.socscimed.2015.03.049
https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2015...
).

No Brasil, a experimentação democrática, a partir da Constituição Federal, possibilitou a criação de mecanismos institucionais de envolvimento da sociedade civil na formulação e fiscalização de políticas públicas (Almeida, 2017ALMEIDA, D. C. Os desafios da efetividade e o estatuto jurídico da participação: a Política Nacional de Participação Social. Sociedade e Estado, Brasília, v. 32, n. 3, p. 649-680, 2017. DOI: 10.1590/s0102-69922017.3203005
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). No Sistema Único de Saúde (SUS), a universalização dos Conselhos de Saúde (CS) para todos os entes federados representou um processo de democratização do poder setorial e inclusão de novos atores na cena decisória em saúde. Nesse contexto, duas características se destacam na arquitetura dos conselhos: a composição paritária e a função deliberativa (Paiva; Stralen; Costa, 2014PAIVA, F. S. D.; STRALEN, C. J. V.; COSTA, P. H. A. D. Participação social e saúde no Brasil: revisão sistemática sobre o tema. Ciência e Saúde Coletiva , Rio de Janeiro, v. 19, n. 2, p. 487-498, 2014. DOI: 10.1590/1413-81232014192.10542012
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).

Os conselhos operam como canais de representação de interesses de grupos sociais, e deles se espera dois principais conjuntos de efeitos: a racionalização das políticas e a inclusão dos grupos afetados (Gurza Lavalle; Barone, 2015GURZA LAVALLE, A; BARONE, L. S. Conselhos, associações e desigualdade. In: ARRETCHE, M. (Org.). Trajetórias das desigualdades: como o Brasil mudou nos últimos cinquenta anos? São Paulo: Editora Unesp, 2015. p. 51-76.). Sobre o caráter decisório e o efeito racionalizador, Côrtes (2009CÔRTES, S. V. Apresentação. In: CÔRTES, S. V. (Org.). Participação e saúde no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2009. p. 13-18.) esclarece que, mesmo que se compreenda que os CS são os locais nos quais as políticas de saúde são decididas, na prática isso não acontece. A decisão e implementação de políticas depende de diferentes esferas governamentais e de outros contextos, não apenas da ação deliberativa dos conselhos (Kleba; Zampirom; Comerlatto, 2015KLEBA, M. E.; ZAMPIROM, K.; COMERLATTO, D. Processo decisório e impacto na gestão de políticas públicas: desafios de um Conselho Municipal de Saúde. Saúde e Sociedade , São Paulo, v. 24, n. 2, p. 556-567, 2015. DOI: 10.1590/S0104-12902015000200013
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). A respeito da vertente inclusiva, os conselhos podem favorecer a vocalização e a representação de grupos sociais até então excluídos, além de promover o exercício da cidadania. Conforme salienta Pateman (1992PATEMAN, C. Participação e teoria democrática. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.), um dos principais propósitos da participação é a educação cidadã. A autora destaca que a participação leva ao aprendizado democrático e, por consequência, ao aprofundamento da democracia. Nesse sentido, as instituições participativas, além do propósito de gerar efeitos sobre as políticas públicas, também se caracterizam como espaços de ampliação da cidadania.

A expansão dos CS desencadeou padrões distintos de participação (Coelho, 2010COELHO, V. et al. Mobilização e participação: um jogo de soma zero? Um estudo sobre as dinâmicas de conselhos de saúde da cidade de São Paulo. Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, n. 86, p. 121-139, 2010. DOI: 10.1590/S0101-33002010000100007
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) e colocou em evidência o debate sobre a efetividade deliberativa. Segundo Avritzer (2011AVRITZER, L. Introdução. In: PIRES, R. R. (Org.). Efetividade das instituições participativas no Brasil: estratégias de avaliação. Brasília: Ipea , 2011. p. 13-25.), a capacidade das deliberações se tornarem efetivas ampliou o interesse em encontrar formas de medir os efeitos deliberativos. Para o autor, a efetividade envolve tanto o momento deliberativo no interior das instituições e como os resultados desencadeados pelas políticas participativas. A avaliação do processo e dos resultados da participação possibilita conhecer quem participa, a forma como se delibera, os temas deliberados, quem tem poder de pauta e quais os efeitos da participação sobre a sociedade e as políticas (Almeida; Cunha, 2011ALMEIDA, D. C.; CUNHA, E. S. A análise da deliberação democrática: princípios, conceitos e variáveis relevantes. In: PIRES, R. R. (Org.). Efetividade das instituições participativas no Brasil: estratégias de avaliação. Brasília: Ipea, 2011. p. 109-124.; Gurza Lavalle; Voigt; Serafim, 2016GURZA LAVALLE, A.; VOIGT, J.; SERAFIM, L. O que fazem os conselhos e quando o fazem? Padrões decisórios e o debate dos efeitos das instituições participativas. Dados, Rio de Janeiro, v. 59, n. 3, p. 609-650, 2016. DOI: 10.1590/00115258201687
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).

Algumas matrizes teóricas têm sido propostas no cenário nacional e internacional para a avaliação das experiências participativas nos sistemas de saúde. Estes modelos centram-se na identificação de dimensões e indicadores capazes de mensurar os elementos de maior relevância da participação no setor (Almeida; Cunha, 2011ALMEIDA, D. C.; CUNHA, E. S. A análise da deliberação democrática: princípios, conceitos e variáveis relevantes. In: PIRES, R. R. (Org.). Efetividade das instituições participativas no Brasil: estratégias de avaliação. Brasília: Ipea, 2011. p. 109-124.). Estudos de revisão (Dukhanin; Topazian; Decamp, 2018DUKHANIN, V.; TOPAZIAN, R.; DECAMP, M. Metrics and evaluation tools for patient engagement in healthcare organization- and system-level decision-making: a systematic review. International Journal of Health Policy and Management, Kerman, v. 7, n. 10, p. 889-903, 2018. DOI: 10.15171/ijhpm.2018.43
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; George et al., 2015GEORGE, A. et al. Anchoring contextual analysis in health policy and systems research: A narrative review of contextual factors influencing health committees in low and middle income countries. Social Science & Medicine, Oxford, v. 133, p. 159-167, 2015. DOI: 10.1016/j.socscimed.2015.03.049
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) sistematizam como principais dimensões utilizadas: representatividade, independência, envolvimento da comunidade, influência política, transparência, recursos e estrutura para participação, treinamento dos participantes e respeito às decisões proferidas.

Embora os estudos tenham avançado na identificação de fragilidades e limitações na atuação dos conselhos, ainda existem lacunas na avaliação das instituições participativas em saúde (Dukhanin; Topazian; Decamp, 2018DUKHANIN, V.; TOPAZIAN, R.; DECAMP, M. Metrics and evaluation tools for patient engagement in healthcare organization- and system-level decision-making: a systematic review. International Journal of Health Policy and Management, Kerman, v. 7, n. 10, p. 889-903, 2018. DOI: 10.15171/ijhpm.2018.43
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), especialmente em cidades de menor população. Aspectos sociodemográficos e culturais se mostram associados à criação e ao funcionamento das instâncias participativas (Gurza Lavalle; Voigt; Serafim, 2016GURZA LAVALLE, A.; VOIGT, J.; SERAFIM, L. O que fazem os conselhos e quando o fazem? Padrões decisórios e o debate dos efeitos das instituições participativas. Dados, Rio de Janeiro, v. 59, n. 3, p. 609-650, 2016. DOI: 10.1590/00115258201687
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; Almeida, 2017ALMEIDA, D. C. Os desafios da efetividade e o estatuto jurídico da participação: a Política Nacional de Participação Social. Sociedade e Estado, Brasília, v. 32, n. 3, p. 649-680, 2017. DOI: 10.1590/s0102-69922017.3203005
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; Durán; Gerschman, 2014DURÁN, P. R. F.; GERSCHMAN, S. Desafios da participação social nos conselhos de saúde. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 23, n. 3, p. 884-896, 2014. DOI: 10.1590/S0104-12902014000300012
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). Gurza Lavalle e Barone (2015GURZA LAVALLE, A; BARONE, L. S. Conselhos, associações e desigualdade. In: ARRETCHE, M. (Org.). Trajetórias das desigualdades: como o Brasil mudou nos últimos cinquenta anos? São Paulo: Editora Unesp, 2015. p. 51-76.) identificaram a existência de relação entre o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e a expansão dos conselhos: municípios de maior IDH apresentam maior quantitativo de instâncias participativas.

Importantes pesquisas sobre as instâncias participativas foram realizados em grandes centros urbanos (Gurza Lavalle; Voigt; Serafim, 2016GURZA LAVALLE, A.; VOIGT, J.; SERAFIM, L. O que fazem os conselhos e quando o fazem? Padrões decisórios e o debate dos efeitos das instituições participativas. Dados, Rio de Janeiro, v. 59, n. 3, p. 609-650, 2016. DOI: 10.1590/00115258201687
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; Almeida, 2017ALMEIDA, D. C. Os desafios da efetividade e o estatuto jurídico da participação: a Política Nacional de Participação Social. Sociedade e Estado, Brasília, v. 32, n. 3, p. 649-680, 2017. DOI: 10.1590/s0102-69922017.3203005
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; Durán; Gerschman, 2014DURÁN, P. R. F.; GERSCHMAN, S. Desafios da participação social nos conselhos de saúde. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 23, n. 3, p. 884-896, 2014. DOI: 10.1590/S0104-12902014000300012
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). A avaliação da efetividade participativa mostra-se como elemento pouco conhecido em localidades com menores populações. Frente a esse contexto, o presente estudo teve como objetivo avaliar o desempenho dos conselhos de saúde em municípios de pequeno e médio porte a partir de dimensões selecionadas.

Métodos

Pesquisa avaliativa centrada no nível de desempenho do processo participativo e no poder de interferência do CS sobre as políticas e ações de saúde. No estudo, adota-se o entendimento amplo de efetividade deliberativa relacionado à qualidade dos processos internos de deliberação e aos resultados esperados do poder de interferência dos CS (Almeida, 2017ALMEIDA, D. C. Os desafios da efetividade e o estatuto jurídico da participação: a Política Nacional de Participação Social. Sociedade e Estado, Brasília, v. 32, n. 3, p. 649-680, 2017. DOI: 10.1590/s0102-69922017.3203005
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). Com “poder de interferência”, entende-se a capacidade dos conselhos de produzir decisões públicas que possibilitem influir na produção de políticas públicas (Cunha, 2007CUNHA, E. S. A efetividade deliberativa dos conselhos municipais de saúde e de criança e adolescente no Nordeste. In: AVRITZER, L. (Org.). A participação social no Nordeste. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2007. p. 135-162.).

Foi utilizada matriz avaliativa dos conselhos de saúde fundamentada do método spidergram de Rifkin, Muller e Bichmann (1988RIFKIN, S.; MULLER, F.; BICHMANN, W. Primary health care: on measuring participation. Social Science & Medicine , Oxford, v. 26, n. 9, p. 931-940, 1988. DOI: 10.1016/0277-9536(88)90413-3
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) e adaptada à realidade dos CS do Brasil (Rocha; Moreira; Bispo Júnior, 2020ROCHA, M. B.; MOREIRA, D. C.; BISPO JÚNIOR, J. P. Conselho de saúde e efetividade participativa: estudo sobre avaliação de desempenho. Cadernos de Saúde Pública , Rio de Janeiro, v. 36, n. 1, p. e00241718, 2020. DOI: 10.1590/0102-311x00241718
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). Esse método tem o propósito de mensurar, visualizar e localizar os níveis de participação em um gráfico do tipo teia de aranha. Trata-se de um pentagrama no qual cada eixo corresponde a uma das dimensões de maior influência sobre a participação. No método original, os autores utilizaram as seguintes dimensões: needs assessment (avaliação de necessidades), leadership (liderança), organization (organização), resource mobilization (mobilização de recursos) e management (gestão). A ligação dos pontos de cada eixo possibilita a representação visual do nível de desempenho da experiência participativa avaliada. Esse método tem sido utilizado para avaliação da participação em diversos países (Baatiema et al., 2013BAATIEMA, L. et al. Assessing participation in a community-based health planning and services programme in Ghana. BMC Health Services Research, London, v. 13, n. 1, p. 233, 2013. DOI: 10.1186/1472-6963-13-233
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; Carlisle et al., 2018CARLISLE, K. et al. Evaluating community participation: a comparison of participatory approaches in the planning and implementation of new primary health-care services in northern Australia. International Journal of Health Planning and Management, Chichester, v. 33, n. 3, p. 704-722, 2018. DOI: 10.1002/hpm.2523
https://doi.org/10.1002/hpm.2523...
).

No Brasil, o método foi aplicado na avaliação do CS de um município de grande porte (Rocha; Moreira; Bispo Júnior, 2020ROCHA, M. B.; MOREIRA, D. C.; BISPO JÚNIOR, J. P. Conselho de saúde e efetividade participativa: estudo sobre avaliação de desempenho. Cadernos de Saúde Pública , Rio de Janeiro, v. 36, n. 1, p. e00241718, 2020. DOI: 10.1590/0102-311x00241718
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). O presente estudo utilizou o referido método para avalição do CS em localidades de pequeno e médio contingente populacional. Utilizou-se a classificação populacional que considera: pequeno porte, até 25 mil habitantes; médio porte, entre 25 mil e 100 mil; e grande porte, acima de 100 mil (Calvo et al., 2016CALVO, M. C. et al. Estratificação de municípios brasileiros para avaliação de desempenho em saúde. Epidemiologia e Serviços da Saúde, Brasília, v. 4, n. 25, p. 767-776, 2016. DOI: 10.5123/s1679-49742016000400010
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).

As dimensões e indicadores utilizados foram definidos a partir de características e peculiaridades dos CS com foco na avaliação do desempenho. A definição das dimensões considerou como base teórica as referências internacionais sobre o spidergram (Rifkin; Muller; Bichmann., 1988RIFKIN, S.; MULLER, F.; BICHMANN, W. Primary health care: on measuring participation. Social Science & Medicine , Oxford, v. 26, n. 9, p. 931-940, 1988. DOI: 10.1016/0277-9536(88)90413-3
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; Carlisle et al., 2018CARLISLE, K. et al. Evaluating community participation: a comparison of participatory approaches in the planning and implementation of new primary health-care services in northern Australia. International Journal of Health Planning and Management, Chichester, v. 33, n. 3, p. 704-722, 2018. DOI: 10.1002/hpm.2523
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) e a literatura nacional sobre a atuação e desempenho das instituições participativas com destaque para as dinâmicas internas e condições de participação (Almeida, 2017ALMEIDA, D. C. Os desafios da efetividade e o estatuto jurídico da participação: a Política Nacional de Participação Social. Sociedade e Estado, Brasília, v. 32, n. 3, p. 649-680, 2017. DOI: 10.1590/s0102-69922017.3203005
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), o desenho institucional (Almeida; Cunha, 2011ALMEIDA, D. C.; CUNHA, E. S. A análise da deliberação democrática: princípios, conceitos e variáveis relevantes. In: PIRES, R. R. (Org.). Efetividade das instituições participativas no Brasil: estratégias de avaliação. Brasília: Ipea, 2011. p. 109-124.), a representatividade (Lüchmann, 2007LÜCHMANN, L. H. H. A representação no interior das experiências de participação. Lua Nova, São Paulo, n. 70, p. 139-170, 2007. DOI: 10.1590/S0102-64452007000100007
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), a mobilização comunitária (Coelho, 2010COELHO, V. et al. Mobilização e participação: um jogo de soma zero? Um estudo sobre as dinâmicas de conselhos de saúde da cidade de São Paulo. Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, n. 86, p. 121-139, 2010. DOI: 10.1590/S0101-33002010000100007
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) e os resultados esperados (Wampler, 2011WAMPLER, B. Que tipos de resultados devemos esperar das instituições participativas? In: PIRES, R. R. (Org.). Efetividade das instituições participativas no Brasil: estratégias de avaliação. Brasília: Ipea , 2011. p. 43-52.). Buscou-se contemplar variáveis que consideram a produção decisória dos conselhos (outputs) e os efeitos sobre as políticas (outcomes) (Gurza Lavalle; Voigt; Serafim, 2016GURZA LAVALLE, A.; VOIGT, J.; SERAFIM, L. O que fazem os conselhos e quando o fazem? Padrões decisórios e o debate dos efeitos das instituições participativas. Dados, Rio de Janeiro, v. 59, n. 3, p. 609-650, 2016. DOI: 10.1590/00115258201687
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). Assim, a matriz é composta pelas seguintes dimensões: autonomia, organização, representatividade, envolvimento comunitário e influência política.

A dimensão “autonomia” avalia a capacidade do CS atuar de maneira independente da gestão municipal e se relaciona às condições de funcionamento do conselho. A dimensão “organização” diz respeito à dinâmica cotidiana do conselho a partir da análise da periodicidade e organização do plenário e a existência e funcionamento de comissões temáticas. A “representatividade” dá enfoque à relação estabelecida entre os representantes e os representados, com destaque para interação e acompanhamento dos representantes por parte dos representados e os tipos de interesses representados. A dimensão “envolvimento” comunitário considera o nível de engajamento e de participação dos conselheiros e do público em geral. Por sua vez, a “influência política” tem o propósito de avaliar a capacidade dos CS influenciarem no processo decisório e no acompanhamento das políticas locais de saúde. Os indicadores que compõem as dimensões e as respectivas classificações utilizadas estão dispostos no Quadro 1.

Quadro 1
Dimensões e indicadores de caracterização do desempenho dos conselhos de saúde

Cada dimensão, após analisada, foi representada em um eixo com escala de um a cinco, disposta em nível crescente de desenvolvimento. No Quadro 2 são apresentados os critérios utilizados para definição de cada nível. O valor correspondente ao desempenho de cada dimensão foi marcado no respectivo eixo e todos os pontos foram interligados. Na expressão gráfica, os formatos mais alargados representam níveis mais amplos de desenvolvimento (Gráfico 1).

Quadro 2
Níveis e características das dimensões avaliativas dos conselhos de saúde

Gráfico 1
Spidergram para avaliação da participação em saúde

A aplicação foi realizada nos CS de dois municípios do estado da Bahia: Nova Canaã e Itapetinga. Estes são, respectivamente, municípios de pequeno e médio porte e foram selecionados pelas facilidades de acesso e por serem equidistantes da instituição executora da pesquisa. Nova Canaã apresenta população de 16.451 habitantes e IDH 0,545 (IBGE, 2017IBGE - INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. IBGE Cidades. Brasília, DF, 2017. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/3gmqdrq >. Acesso em: 1 mar. 2020.
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). O conselho municipal de saúde é composto por 24 conselheiros (12 membros titulares e 12 suplentes). Por sua vez, a população de Itapetinga é de 75.470 habitantes, com IDH 0,667 (IBGE, 2017IBGE - INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. IBGE Cidades. Brasília, DF, 2017. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/3gmqdrq >. Acesso em: 1 mar. 2020.
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). O conselho de saúde possui 32 conselheiros (16 titulares e 16 suplentes).

A coleta de dados foi realiza por meio de análise documental, observação participante das reuniões plenárias e entrevistas semiestruturada com conselheiros e ex-conselheiros de saúde.

Os documentos analisados foram as atas das reuniões plenárias ocorridas em 2017 e 2018 e os regimentos internos de ambos os conselhos. A observação das reuniões dos dois conselhos aconteceu entre agosto de 2018 e maio de 2019. Foram entrevistados 13 conselheiros de Nova Canaã (seis usuários, quatro profissionais da saúde, dois representantes da gestão e um prestador de serviço) e 18 de Itapetinga (nove usuários, quatro representantes da gestão, quatro profissionais da saúde e um prestador) no período de outubro de 2018 a abril de 2019. A seleção dos entrevistados considerou a participação e o protagonismo do representante nas reuniões. O roteiro contemplou aspectos gerais sobre a atuação dos CS e questões relacionadas especificamente a cada uma das cinco dimensões.

Para a categorização das informações, foi utilizada a técnica de análise de conteúdo temática (Gibbs, 2009GIBBS, G. Análise de dados qualitativos. Porto Alegre: Artmed, 2009.). Os procedimentos de análise dos dados das entrevistas, anotações do diário de campo e conteúdo dos documentos foram realizados por meio da leitura em profundidade das transcrições e da codificação dos conteúdos que se relacionavam às variáveis e dimensões do estudo. A definição dos níveis e valores das dimensões considerou os critérios estabelecidos no Quadro 2.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto Multidisciplinar em Saúde da UFBA. Foi obtida autorização prévia dos dois conselhos de saúde avaliados. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Resultados

Em ambos os casos, os conselhos de saúde apresentaram baixos níveis de desempenho, com pequenas variações em algumas dimensões e indicadores. O resultado identificou, nos dois conselhos de saúde, consideráveis obstáculos para o desenvolvimento do processo participativo e diminuta capacidade de interferir sobre as políticas de saúde locais. O município de Nova Canaã obteve escores ainda mais baixos quando comparados à Itapetinga.

O escore de cada dimensão está ilustrado no spidergram (Gráfico 2). No Quadro 3 estão dispostos os resultados dos indicadores analisados.

Gráfico 2
Nível de participação social segundo dimensões avaliadas dos conselhos de saúde em Nova Canaã e Itapetinga, 2020

Quadro 3
Desempenho das variáveis e indicadores segundo dimensões avaliadas dos conselhos de saúde em Nova Canaã e Itapetinga, 2020

Na dimensão autonomia, os dois CS obtiveram pontuação 3 (Gráfico 2). Foram identificadas fragilidades na estrutura física, apoio técnico e dotação orçamentária (Quadro 3). Os conselhos não possuem sede própria para as reuniões ou atividades administrativas, da mesma forma, não dispõem de secretaria executiva ou funcionários de apoio, com consequente sobrecarga aos conselheiros. É um pouco precário, porque funciona mais comigo, né? Às vezes eu faço o papel de secretário, de presidente e de conselheiro (E01, Nova Canaã).

A inexistência de orçamento próprio foi associada ao comprometimento da autonomia. A disponibilidade de recursos financeiros para as atividades fiscalizatórias é dependente da autorização dos gestores municipais, que teriam as ações fiscalizadas. Por sua vez, os conselhos mantiveram independência para a escolha dos respectivos presidentes, indicador favorável à autonomia.

Sobre a organização, o município de Nova Canaã obteve classificação insuficiente, escore 1, enquanto Itapetinga obteve classificação restrita, escore 2 (Gráfico 2). Nessa dimensão, destaca-se a diminuta quantidade de reuniões no município de Nova Canãa, apenas 42% (10 das 24) das plenárias programadas. Em Itapetinga, realizou-se 67% (16 das 24) das reuniões no mesmo período. A pequena quantidade de reuniões decorreu, principalmente, pela ausência dos conselheiros e consequente dificuldade de quórum.

Ainda sobre a organização do plenário, foi identificado nos dois municípios o envio prévio das pautas. Todavia, apenas em Itapetinga foi disponibilizado previamente os balancetes e materiais informativos aos participantes. Nos dois cenários, inexistem comissões para análise prévia dos assuntos a serem tratados nas reuniões (Quadro 3). A ausência das comissões foi associada ao porte populacional das localidades. Por ser um município pequeno, a gente acaba de uma certa forma generalizando no conselho, onde todos acabam participando. Então, a gente não vê a necessidade hoje da criação dessas comissões, a gente acaba atuando todos da mesma forma (E13, Nova Canaã).

A dimensão representatividade apresentou nível 2 do spidergram nos dois casos (Gráfico 2). Na composição do plenário, foi identificado o atendimento ao critério da paridade (Quadro 3), com 50% dos conselheiros pertencentes ao segmento dos usuários. Todavia, nos processos de escolha desses representantes pelas entidades, predominaram mecanismos não eleitorais, ou seja, os representantes eram indicados pelas cúpulas das entidades sem consulta às demais pessoas representadas.

Este fator mostrou-se associado à fragilidade da relação entre representantes e representados. Os resultados demonstraram desinteresse dos filiados em acompanhar o trabalho dos representantes, o que influenciou no distanciamento do conselheiro da sua respectiva entidade.

Até então, eu levava as informações, eu levava pra associação, né? Mas, quando eu comecei a perceber que tava entrando num ouvido e saindo no outro, que eu tava gastando minha saliva à toa, eu parei de passar as informações. Porque não faz sentindo, né? (E01, Itapetinga)

O desinteresse das entidades e dos representados sobre as questões dos CS contribuiu para a permanência de alguns representantes por longos períodos, situação característica da profissionalização da função de conselheiro. Em que pese o distanciamento dos segmentos, constatou-se a predominância de representação ampla de interesses entre os conselheiros. Observou-se atuação voltada para o fortalecimento do SUS em detrimento de interesses pessoais ou corporativos.

A quarta dimensão avaliada foi o envolvimento comunitário. Nessa dimensão, Nova Canaã apresentou escore mínimo no spidergram e Itapetinga alcançou pontuação 2 (Gráfico 2). O indicador “frequência dos conselheiros às reuniões” demonstrou índices insuficientes de comparecimento dos representantes sociais, Nova Canaã com 56% e Itapetinga com 57%. Sobre o perfil de atuação, predominou a prática participativa pouco propositiva, com atuação apenas como votante ou com perfil reivindicativo (Quadro 3) sobre as dificuldades de atendimento nos serviços locais de saúde.

Foi observado o esvaziamento dos conselhos de saúde quando se considera a participação da comunidade em geral. Nos dois municípios, as reuniões ocorrem com pouca ou nenhuma presença de pessoas que não sejam os próprios conselheiros. O esvaziamento do conselho foi atribuído à sua baixa visibilidade e ao desinteresse da sociedade pelas causas coletivas. Também não existe uma divulgação, não existe uma preocupação pra que essas pessoas também participem. Porque se você noticia, se você busca estimular, eu acho que seria importante (E06, Itapetinga).

Na dimensão influência política, Nova Canaã repetiu o escore 1, ao passo que Itapetinga obteve pontuação 2 (Gráfico 2). O poder de agenda dos representantes sociais foi classificado como “insuficiente” e “moderado” respectivamente (Quadro 3). As dificuldades de os usuários inserirem temas para o debate se relacionaram à frágil formação dos conselheiros. O conselheiro acha que ele só tem que sentar lá e dizer o que ele acha da reunião, daquela pauta ou daquele tema. E que ele não tem essa capacidade ou não deve por lá um tema pra ser discutido (E07, Nova Canaã).

Nesse sentido, a pauta das reuniões esteve centrada nos interesses da gestão ou discussões relativas às próprias instâncias participativas. As proporções de temas mais discutidos nas reuniões em Nova Canaã e Itapetinga foram, respectivamente: prestações de contas e aprovação de balancetes (43,2%; 27%); organização dos próprios CS (31,8%, 31,1%) e funcionamento dos serviços de saúde (16%, 28,3%). As discussões referentes ao estado de saúde da população ocuparam diminuto espaço nos dois conselhos, com 4,5% e 9,5% das pautas de cada conselho.

Não se observou, em ambos os conselhos, rotina de homologação das deliberações e mecanismos regulares de acompanhamento de seu cumprimento. Nesse sentido, os CS apresentaram baixa capacidade de influência sobre as políticas e ações de saúde dos municípios.

Discussão

Embora o tema da participação seja amplamente documentado na literatura nacional e internacional, o presente estudo se diferencia pela abordagem original e multidimensional. De acordo com os resultados do spidergram, a avaliação possibilitou a identificação de múltiplos fatores que interferem na efetividade dos CS. Os resultados da pesquisa, ao mesmo tempo que evidenciam o nível de desempenho dos CS, também revelam os entraves e fatores críticos a serem superados. Desse modo, o spidergram constitui-se em ferramenta avaliativa original e de grande potência para a análise da efetividade participativa.

A aplicação revelou exíguos níveis de desempenho dos dois conselhos analisados. Das cinco dimensões que compõem o spidergram, nenhum dos conselhos atingiu nível avançado, correspondente a 4. Constatou-se que o município de Nova Canaã obteve desempenho inferior quando comparado à Itapetinga. É sugestivo que tal diferença guarde relação com o porte populacional das cidades e o contexto socioeconômico mais desfavorável à menor localidade.

Tal contexto ressalta a importância dos achados da presente pesquisa. Embora não possam ser generalizados, tais achados oferecem elementos para reflexões sobre as dificuldades socioeconômicas que influenciam na atuação dos conselhos na maior parte dos municípios do país. A maioria dos municípios do Brasil (76,9%) é de pequeno porte (Calvo et al., 2016CALVO, M. C. et al. Estratificação de municípios brasileiros para avaliação de desempenho em saúde. Epidemiologia e Serviços da Saúde, Brasília, v. 4, n. 25, p. 767-776, 2016. DOI: 10.5123/s1679-49742016000400010
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) e estes apresentam os piores indicadores sociais e de saúde (Castro et al., 2019CASTRO, M. C. et al. Brazil’s unified health system: the first 30 years and prospects for the future. The Lancet, London, v. 394, n. 10195, p. 345-356, 2019. DOI: 10.1016/S0140-6736(19)31243-7
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). Nessas localidades, as carências estruturais favorecem a exclusão sociocultural, com interferência nos processos de mobilização social e atuação cidadã.

A dimensão autonomia apresentou resultado moderado nos dois casos analisados. As deficiências estruturais e de apoio técnico e a ausência de orçamento próprio tornam os conselhos dependentes dos gestores locais até mesmo para as questões mais básicas, como local para se reunir. A literatura demonstra que a autonomia financeira dos conselhos também está associada ao porte populacional, visto que orçamento próprio é uma realidade apenas em grandes cidades (Vieira; Calvo, 2011VIEIRA, M.; CALVO, M. C. Avaliação das condições de atuação de Conselhos Municipais de Saúde no Estado de Santa Catarina, Brasil. Cadernos de Saúde Pública , Rio de Janeiro, v. 27, n. 12, p. 2315-2326, 2011. DOI: 10.1590/S0102-311X2011001200004
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). A realização de eleição para a presidência do conselho se mostrou favorável à autonomia. Embora a democratização interna possa ser considerada aspecto importante para a autonomia, este indicador isoladamente mostra-se limitado para a atuação independente dos conselhos.

Sobre a dimensão “organização”, um achado expressivo foi a reduzida frequência das reuniões. Destaca-se ainda o absenteísmo dos representantes como fator predominante para o cancelamento das plenárias, e essa não é uma característica isolada dos cenários estudados. A frágil mobilização social e a apatia política constituem grandes entraves para o funcionamento dos conselhos de saúde (Bispo Júnior; Gerschman, 2015BISPO JÚNIOR, J. P.; GERSCHMAN, S. Legitimidade da representação em instâncias de participação social: o caso do Conselho Estadual de Saúde da Bahia, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 31, n. 1 p. 183-193, 2015. DOI: 10.1590/0102-311X00086214
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; Silva et al., 2012SILVA, L. M. S. et al. Análise da organização e funcionamento dos conselhos de saúde e a gestão participativa em Fortaleza, CE. Saúde e Sociedade , São Paulo, v. 21, supl. 1, p. 117-125, 2012. DOI: 10.1590/S0104-12902012000500010
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). Desse modo, a dimensão organização é fortemente influenciada pelo nível de envolvimento comunitário. Dois fatores ajudam a explicar a reduzida quantidade de reuniões e as dificuldades para o desenvolvimento das atividades dos conselhos: o primeiro diz respeito à frágil cultura participativa e à incipiente organização comunitária local; o segundo é a descrença na capacidade dos CS interferirem nos rumos das políticas. Neste sentido, localidades com frágil cultura associativa demandam apoio político de longo prazo para o desenvolvimento de valores participativos.

Na dimensão “representatividade”, embora alguns indicadores tenham apresentado resultados positivos, predominou o distanciamento entre os representantes e os representados. Os resultados da aplicação identificaram isolamento do representante e desinteresse por parte dos representados, o que se assemelha aos achados de outros estudos (Bispo Júnior; Gerschman, 2015BISPO JÚNIOR, J. P.; GERSCHMAN, S. Legitimidade da representação em instâncias de participação social: o caso do Conselho Estadual de Saúde da Bahia, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 31, n. 1 p. 183-193, 2015. DOI: 10.1590/0102-311X00086214
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; Farias Filho; Silva; Mathis, 2014FARIAS FILHO, M. C.; SILVA, A. N. D.; MATHIS, A. Os limites da ação coletiva nos Conselhos Municipais de Saúde. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 19, n. 6, p. 1911-1919, 2014. DOI: 10.1590/1413-81232014196.08062013
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). Importante destacar que a representação nas instâncias de participação social se difere consideravelmente da representação eleitoral clássica (Bispo Júnior; Gerschman, 2015BISPO JÚNIOR, J. P.; GERSCHMAN, S. Legitimidade da representação em instâncias de participação social: o caso do Conselho Estadual de Saúde da Bahia, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 31, n. 1 p. 183-193, 2015. DOI: 10.1590/0102-311X00086214
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; Lüchmann, 2007LÜCHMANN, L. H. H. A representação no interior das experiências de participação. Lua Nova, São Paulo, n. 70, p. 139-170, 2007. DOI: 10.1590/S0102-64452007000100007
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) e como tal deve ser interpretada.

No presente estudo, o pouco contato com os representados não desvirtuou a postura dos representantes em manter a representação ampla de interesses. As fragilidades da relação entre representantes e representados não são suficientes para se afirmar a inexistência de representação, ainda que a mobilização social e o acompanhamento dos representantes pelas entidades sejam fatores desejáveis e com potencial de fortalecer a representação. Neste sentido, o estudo revelou uma perspectiva de representação difusa (Lüchmann, 2007LÜCHMANN, L. H. H. A representação no interior das experiências de participação. Lua Nova, São Paulo, n. 70, p. 139-170, 2007. DOI: 10.1590/S0102-64452007000100007
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) em que o representante possui de maior autonomia (Bispo Júnior; Gerschman, 2015BISPO JÚNIOR, J. P.; GERSCHMAN, S. Legitimidade da representação em instâncias de participação social: o caso do Conselho Estadual de Saúde da Bahia, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 31, n. 1 p. 183-193, 2015. DOI: 10.1590/0102-311X00086214
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) na defesa dos interesses gerais da saúde da população.

Quanto à dimensão envolvimento comunitário, os resultados do spidergram indicaram níveis “insuficiente” e “restrito” para Nova Canaã e Itapetinga, respectivamente. O baixo grau de envolvimento da população se coaduna com os achados de outros estudos que evidenciam o esvaziamento dos conselhos de saúde, como verificado em municípios de Santa Catarina (Vieira; Calvo, 2011VIEIRA, M.; CALVO, M. C. Avaliação das condições de atuação de Conselhos Municipais de Saúde no Estado de Santa Catarina, Brasil. Cadernos de Saúde Pública , Rio de Janeiro, v. 27, n. 12, p. 2315-2326, 2011. DOI: 10.1590/S0102-311X2011001200004
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) e do Pará (Farias Filho; Silva; Mathis, 2014FARIAS FILHO, M. C.; SILVA, A. N. D.; MATHIS, A. Os limites da ação coletiva nos Conselhos Municipais de Saúde. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 19, n. 6, p. 1911-1919, 2014. DOI: 10.1590/1413-81232014196.08062013
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). Cabe destacar que a participação da população em geral não é condição sine qua non para o funcionamento dos conselhos, tampouco é indicador de sua efetividade. Essa dimensão sinaliza, conjuntamente a outros elementos, o nível de envolvimento das comunidades locais com as instâncias participativas, o que pode contribuir para o fortalecimento das mesmas e maior controle das atividades.

Quanto à influência política, os baixos valores do spidergram revelaram que os conselhos pouco conseguem interferir nos rumos das políticas e acompanhar o desenvolvimento das ações deliberadas. A pauta centrada em temas burocráticos, a exemplo de aprovação de balancetes contábeis, reiterou o domínio dos gestores que fazem dos conselhos instâncias homologadoras para atendimento das exigências legais. Com a criação dos CS, se ampliou a permeabilidade do Estado às demandas sociais, no entanto, ainda são mantidas práticas governamentais concentradoras de poder na tomada de decisão (Durán; Gerschman, 2014DURÁN, P. R. F.; GERSCHMAN, S. Desafios da participação social nos conselhos de saúde. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 23, n. 3, p. 884-896, 2014. DOI: 10.1590/S0104-12902014000300012
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).

As relações assimétricas de poder também se expressaram na reduzida capacidade dos conselhos em exercer controle na execução da política. Sem conseguir influenciar na pauta e com exígua autoridade no acompanhamento das ações de saúde, os conselheiros tiveram atuação reduzida ao comparecimento em plenárias esporádicas nas quais os gestores conduziam as demandas administrativas. O debate sobre a efetividade deliberativa envolve tanto os momentos de deliberação no interior dos conselhos como os efeitos do processo deliberativo sobre as políticas, os participantes e a população em geral (Avritzer, 2011AVRITZER, L. Introdução. In: PIRES, R. R. (Org.). Efetividade das instituições participativas no Brasil: estratégias de avaliação. Brasília: Ipea , 2011. p. 13-25.; Wampler, 2011WAMPLER, B. Que tipos de resultados devemos esperar das instituições participativas? In: PIRES, R. R. (Org.). Efetividade das instituições participativas no Brasil: estratégias de avaliação. Brasília: Ipea , 2011. p. 43-52.). Neste sentido, os resultados do processo deliberativo vão além da capacidade dos conselhos em acompanhar a execução das políticas.

Almeida (2017ALMEIDA, D. C. Os desafios da efetividade e o estatuto jurídico da participação: a Política Nacional de Participação Social. Sociedade e Estado, Brasília, v. 32, n. 3, p. 649-680, 2017. DOI: 10.1590/s0102-69922017.3203005
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) afirma que os resultados esperados são múltiplos e podem variar a depender do enfoque teórico e do plano empírico. Quatro níveis de desempenho são sistematizados pela autora: (1) indivíduo (autodeterminação, melhoria nas habilidades políticas, inclusão); (2) comunidade (cultura cívica, aceitação dos resultados, senso de pertencimento); (3) qualificação do próprio processo participativo; (4) impacto na formulação e implementação das políticas públicas. A partir dessa gama de efeitos, é possível refletir que, mesmo com frágil capacidade de acompanhar a implementação das deliberações, os conselhos podem apresentar resultados efetivos a partir dos efeitos sobre as pessoas que participam.

Considerações finais

A utilização da matriz avaliativa se mostrou oportuna e adequada à realidade dos CS das cidades de menor tamanho. Os achados do estudo demonstraram fragilidades na atuação do conselho, tanto nos aspectos do processo participativo quanto nos resultados da participação. Em todas as dimensões avaliadas, os dois municípios apresentaram baixo desempenho. Nas dimensões relacionadas ao processo participativo, constatou-se limitação da autonomia, restrito nível de organização, diminuto envolvimento comunitário e representatividade restrita. A dimensão “influência política”, referente aos resultados da participação, também obteve resultado restrito. Além da avaliação do desempenho das dimensões, o estudo também possibilitou a identificação dos pontos frágeis da atuação dos CS, o que pode contribuir para o desenvolvimento de estratégias e fortalecimento da participação em saúde.

Embora os resultados não possam ser generalizados, outra contribuição do estudo consiste em identificar características da participação que podem também estar presentes em outras localidades de menor tamanho e, assim, focar na busca de soluções adequadas a cada contexto. Por fim, recomenda-se o fortalecimento da participação nos conselhos de saúde por meio da melhoria da infraestrutura, formação e qualificação dos conselheiros, fortalecimento das entidades comunitárias e promoção da cultura participativa.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Ago 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    10 Maio 2020
  • Revisado
    20 Ago 2020
  • Revisado
    05 Jan 2021
  • Aceito
    08 Mar 2021
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