Reflexões sobre a mortalidade da população negra por covid-19 e a desigualdade racial no Brasil

Marianny Nayara Paiva Dantas Mercês de Fátima dos Santos Silva Isabelle Ribeiro Barbosa Sobre os autores

Resumo

Neste artigo, fazemos uma análise crítica da literatura que objetiva refletir sobre os antecedentes sociais, políticos e históricos que conduziram às discrepâncias raciais na mortalidade hospitalar da população brasileira pela covid-19. Com o advento da pandemia, a mortalidade da população negra pela covid-19 ganhou notoriedade. Muito além de um fato isolado, esse achado possui raízes históricas que datam da fundação do país e é orientado pelo racismo estrutural, que evidencia condições de vida e saúde degradantes experienciadas pela população negra antes da pandemia. Constatamos que a situação de vulnerabilidade da população negra se repete sistematicamente em múltiplos cenários, é tratada com o descaso inerente ao racismo estrutural, e que a mortalidade hospitalar por covid-19 retrata um dos modos como o racismo impacta e se reproduz na vida e na morte deste grupo.

Palavras-chave:
covid-19; Iniquidade Social; Racismo; Acesso aos Serviços de Saúde

Introdução

O Brasil é o segundo país do mundo no ranking de mortes pelo covid-19. Constituído por maioria da população negra, o país também possui a maior mortalidade hospitalar da doença dentro deste grupo (Baqui et al., 2020BAQUI, P. O. et al. Ethnic and regional variations in hospital mortality from COVID-19 in Brazil: a cross-sectional observational study. Lancet Global Health, [S. l], v. 8, n. 8, p. 1-9, 2020. DOI: 10.1016/ S2214-109X(20)30285-0
https://doi.org/10.1016/ S2214-109X(20)3...
). O destaque para a maior mortalidade desta população, entretanto, vai muito além de um aumento proporcional decorrente da pandemia: é resultante da repetição sistemática da degradação da condição de vida e saúde dos negros, alicerçada por eventos históricos, sociais e políticos que fomentaram o racismo estrutural arraigado no país (Almeida, 2018ALMEIDA, S. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte: Letramento, 2018.).

A desvantagem vivida pela população negra possui raízes no escravagismo, consolidado por concepções religiosas, filosóficas (racismo filosófico) e científicas (racismo científico) que atribuía a essa população a ideia de raça inferior, presentes nos séculos XVIII e XIX (Almeida, 2018ALMEIDA, S. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte: Letramento, 2018.). Esse ideário permanece no século XX, com a manutenção da exclusão desta população nos ciclos socioeconômicos estabelecidos após a “abolição” da escravatura, pela ideologia do racismo e pelas práticas de discriminação racial perpetradas no cotidiano e na estrutura da sociedade (Fernandes, 2008FERNANDES, F. A integração do negro na sociedade de classes. 5. ed. São Paulo: Globo, 2008.; Munanga, 2003MUNANGA, K. Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo, identidade e etnia. In: SEMINÁRIO NACIONAL RELAÇÕES RACIAIS E EDUCAÇÃO - PENESB, 3., 2003, Rio de Janeiro. Anais […]. Rio de Janeiro: Gelédes, 2003.).

Desse modo, o racismo apresenta-se como uma ideologia de inferioridade, utilizado para justificar o tratamento depreciativo concedido a membros de grupos raciais e étnicos e contribui para o agravamento e manutenção de desvantagens de poder, recursos ou oportunidades entre estes grupos. Este fenômeno é um componente orgânico das relações sociais e é reproduzido e assegurado por meio das instituições, políticas, práticas e normas para manutenção da estrutura social. Assim, o racismo apresenta-se como estruturante e estruturador da sociedade contemporânea, moldando-se política, histórica e economicamente. (Almeida, 2018ALMEIDA, S. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte: Letramento, 2018.; Jones, 2002JONES, C. P. Confronting Institutionalized Racism. Phylon, Ann Arbor, v. 50, n. 1/2, p. 7-22, 2002. DOI: 10.2307/4149999
https://doi.org/10.2307/4149999...
; Paradies; Troung; Prient, 2013PARADIES, Y.; TROUNG, M.; PRIENT, N. A systematic review of the extent and measurement of healthcare provider racism. Journal of General Internal Medicine, Bethesda, v. 29, n. 2, p. 364-387, 2013. DOI: 10.1007/s11606-013-2583-1
https://doi.org/10.1007/s11606-013-2583-...
).

Ademais, as diversas dimensões do racismo são reconhecidas como determinantes estruturais do perfil de morbimortalidade da população negra, pois restringem o acesso a bens, serviços, direitos, oportunidades, negligenciam as necessidades desta população e a coloca em diversas situações de desvantagem. Dessa forma, as letalidades sociais (condições materiais de vida material precárias) já presentes nessa população foram agravadas durante a pandemia da covid-19 (Dias, 2020DIAS, B. C. Letalidade da Covid-19 na população negra pauta imprensa sobre raça e desigualdades. ABRASCO, [S. l],11 de abril, 2020. Disponível em: <Disponível em: https://www.abrasco.org.br/site/noticias/saude-da-populacao/letalidade-da-covid-19-na-populacao-negra-pauta-debate-sobre-raca-e-desigualdade-social-na-imprensa/46775/ >. Acesso em: 22 jul. 2020.
https://www.abrasco.org.br/site/noticias...
; Werneck, 2016WERNECK, J. Racismo institucional e saúde da população negra. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 25, n. 3, p. 535-549, 2016.).

Assim, embora a doença causada pelo novo coronavírus seja uma manifestação clínica recente, suas manifestações podem ser analisadas a partir das perspectivas históricas e políticas para trazer à tona as consequências da doença em populações em situação de vulnerabilidade social e dificuldade de acesso à saúde.

Deste modo, considerando as evidências científicas e dos meios de comunicação de massa sobre os determinantes da morbimortalidade por covid-19, este artigo tem o objetivo de levar à reflexão sobre os antecedentes sociais, políticos e históricos que conduziram às discrepâncias na mortalidade hospitalar da população brasileira pela doença. Trata-se de uma análise crítica da literatura que discute a intersecção entre racismo estrutural, científico e mortalidade hospitalar da população negra por covid-19. Esta análise é um recorte e é continuidade da pesquisa de dissertação de uma das autoras, desenvolvida na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) em 2019.

Mortalidade da população negra por covid-19 e desigualdade racial no Brasil

Um estudo transversal realizado com dados do Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica da Gripe, que dispõe de informações que caracterizam pandemia do covid-19 no Brasil, foi publicado em periódico internacional de alto impacto e destaca: “Pessoas negras possuem maior mortalidade hospitalar por covid-19”. Os achados concluem que ser pardo ou preto11A população brasileira é classificada em “branca”, “preta”, “parda”, “amarela/asiática” e “indígena”. “Pretos” e “pardos” podem ainda ser classificados como “negros”; esta subdivisão da população negra objetiva contemplar autodeclarações das pessoas com cor de pele mais escura e suas gradações, resultantes do processo do branqueamento da população brasileira. Ademais, o termo “raça/cor”, com duas palavras aplicadas em um único sentido, é utilizado no Brasil por que a cor da pele é a forma pela qual as pessoas mais identificam o agrupamento étnico ou racial ao qual pertencem e é através da leitura deste traço fenotípico que as discriminações raciais são efetivadas no país (Petrucelli; Saboia, 2013). é o segundo fator de risco de mortalidade pela doença e é menor apenas que o risco de morrer por covid-19 quando se tem uma idade elevada (Baqui et al., 2020BAQUI, P. O. et al. Ethnic and regional variations in hospital mortality from COVID-19 in Brazil: a cross-sectional observational study. Lancet Global Health, [S. l], v. 8, n. 8, p. 1-9, 2020. DOI: 10.1016/ S2214-109X(20)30285-0
https://doi.org/10.1016/ S2214-109X(20)3...
). Que elementos subsidiariam o efeito da raça sobre a mortalidade por covid-19? Condições genéticas explicariam a gravidade dos casos e a discrepância da mortalidade entre negros e brancos?

Apesar da expressividade do contingente populacional autodeclarado negro (preto ou pardo) na composição do Brasil22De acordo com o último censo demográfico, de 2010, a população brasileira é constituída majoritariamente por negros; são 15 milhões de autodeclarados pretos (7,6%), somados a 82 milhões de pardos (43,1%). Na outra parcela da população são 91 milhões que se classificaram como brancos (47,7%), dois milhões como amarelos (1,1%) e 817 mil indígenas (0,4%). Dados de 2015, da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), já revelam um incremento do número de autodeclarados negros em relação ao último censo, 53,9% das pessoas se declaravam de cor/raça preta ou parda (IBGE, 2016)., destaca-se a precariedade na qualidade de vida, educação, acesso a bens, serviços e em suas condições de saúde, quando os comparamos a outra parcela do contingente populacional.

Outrossim, a perpetuação da desigualdade racial no Brasil é traduzida em indicadores sociais. Em uma análise realizada a partir dos dados da caracterização geral da população da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) (2013) observamos que, os estratos socioeconômicos com piores rendimentos, “D e E”33O “critério Brasil” é um padrão de classificação socioeconômica utilizado no Brasil que considera o nível educacional, acesso a bens e a serviços públicos essenciais para estimar a renda familiar. A população é classificada em seis estratos socioeconômicos, de acordo com a renda familiar estimada, denominados: “A” (renda familiar estimada de R$ 23.345,11), “B” (renda familiar estimada de R$ 10.386,52 para B1 a R$ 5.363,19 para B2), “C” (renda familiar estimada de 2.965,69 R$ para C1 a 1.691,441 R$ para C2) e “D e”E” (renda familiar estimada em até R$ 708,19) (Kamakura; Mazzon, 2016). são compostos por 59,95% de pessoas negras e 40,37% de pessoas não negras. Em contrapartida, os estratos com melhores rendimentos, “A e B”, são compostos por 61,58% de não negros e 38,42% de pessoas negras. No que tange a escolaridade, observamos as mesmas tendências, 33,44% da população sem escolaridade é não negra, contra alarmantes 65,56% de pessoas negras nesse grupo. Quando observamos o ensino superior identificamos o inverso, 65,87% dos indivíduos com este nível de educação são não negros e somente 34,3% destes são negros (IBGE, 2014IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde 2013 - Percepção do estado de Saúde estilos de vida e doenças crônicas. Rio de Janeiro: 2014. Disponível em: <Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?id=291110&view=detalhes >. Acesso em: 22 jul. 2020.
https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php...
).

Outro fator que implica na redução de rendimentos é a distinção salarial existente de entre negros e brancos. A Organização Mundial de Saúde (OMS), em 2012, apontou que, entre os trabalhadores com até quatro anos de estudo, pretos e pardos possuíam respectivamente, 78,7% e 72,1% do rendimento-hora dos trabalhadores brancos. Contudo, com o aumento dos anos de estudos, para 12 anos ou mais, as diferenças pioram ou se mantêm; o rendimento-hora dos pretos equivale a 69,8% do rendimento dos brancos e no caso dos pardos com esta escolaridade é de 73,8% em relação aos brancos (Guimarães, 2012GUIMARÃES, J. R. S. Perfil do Trabalho Decente no Brasil: um olhar sobre as Unidades da Federação. Brasília, DF: OIT, 2012.).

Deste modo, percebe-se que a ideologia do racismo permeia os mais diversos espaços da sociedade, inclusive os organizacionais, suprimindo as oportunidades de participação e crescimento da população negra no mercado de trabalho. Este fenômeno é materializado por meio da exclusão, remuneração indevida e segregações das pessoas negras nos ambientes organizacionais. Mesmo superando as precárias condições educacionais disponíveis à esta população, em situações em que haja disputa de cargos ou até mesmo na busca pelo emprego, homens ou mulheres negras apresentam menos chances que pessoas com capacitação semelhantes, mas que não são negras (Ribeiro; Araújo, 2016RIBEIRO, R.; ARAÚJO, G. S. Segregação ocupacional no mercado de trabalho segundo cor e nível de escolaridade no Brasil contemporâneo. Nova Economia, Belo Horizonte, v. 26, n. 1, p. 147-177, 2016. DOI:1590/0103-6351/2652
https://doi.org/1590/0103-6351/2652...
).

Ademais, as marcas do racismo refletem para além das esferas sociais e econômicas e alcançam o cenário epidemiológico da saúde da população negra brasileira. A população com o maior número de pessoas em situação de extrema pobreza, com o maior número de analfabetos, o menor número de jovens no ensino superior, além de possuir a maior mortalidade hospitalar por covid-19, também possui a maior prevalência de crianças em situação de insegurança alimentar, o maior quantitativo de vítimas das violências letais, da anemia falciforme, de doenças negligenciadas, como a doença de chagas, além do maior contingente com síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS) (Brasil, 2017BRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional da população Negra. 3. ed. Brasília, DF, 2017. Disponível em: <Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_saude_populacao_negra_3d.pdf >. Acesso em: 22 jul. 2020.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
).

Isto posto, ao considerarmos os dados sociodemográficos da população negra brasileira, observamos, além da privação de renda, as múltiplas privações que comprometem sua condição de vida e saúde, o que pode colocar essa população em situação de pobreza multidimensional (Silva; Bruno; Silva, 2020SILVA, J. J.; BRUNO, M. A. P.; SILVA, D. B. N. Pobreza multidimensional no Brasil: uma análise do período 2004-2015. Revista de Economia Política, São Paulo, v. 40, n. 1, p. 138-160, 2020. DOI: 10.1590/0101-31572020-2924
https://doi.org/10.1590/0101-31572020-29...
).

Neste ínterim, o acesso a emprego, alimentação, condições dignas de moradia, educação, impactam diretamente na condição de saúde da população, pois interferem no modo que vivem, aprendem, trabalham e se divertem contribuem para sua saúde (Alkire; Foster, 2008ALKIRE, S.; FOSTER, J. Counting and multidimensional poverty measurement. OPHI, Oxford, n. 7, p. 33, 2008. Disponível em: <Disponível em: https://ophi.org.uk/working-paper-number-07/ >. Acesso em: 17 set. 2020.
https://ophi.org.uk/working-paper-number...
; Silva; Bruno; Silva, 2020SILVA, J. J.; BRUNO, M. A. P.; SILVA, D. B. N. Pobreza multidimensional no Brasil: uma análise do período 2004-2015. Revista de Economia Política, São Paulo, v. 40, n. 1, p. 138-160, 2020. DOI: 10.1590/0101-31572020-2924
https://doi.org/10.1590/0101-31572020-29...
). Em contrapartida, as privações destes elementos, vigentes na pobreza multidimensional, produzem diferentes níveis de riscos, necessidades e resultados para a saúde e fomentam a vulnerabilidade para o adoecimento por covid-19.

Deste modo, a vulnerabilidade pode ser considerada como um produto da relação multidimensional de aspectos individuais, coletivos e institucionais que permeiam o indivíduo e suas relações (Ayres, 2002AYRES, J. R. C. M. Práticas educativas e prevenção de HIV/Aids: lições aprendidas e desafios atuais. Interface, Botucatu, v. 6, n. 11, p. 11-24, 2002. DOI: 10.1590/S1414-32832002000200002
https://doi.org/10.1590/S1414-3283200200...
). Seu componente individual compreende o comportamento do sujeito, seus conhecimentos e informações sobre situações e problemas e traduzem em atitudes, que podem ser protetivas ou coloca-os em situações de risco à saúde. O componente social diz respeito aos temas experienciados pelo sujeito, que variam de acordo com suas relações econômicas, de gênero, étnico/raciais, crenças religiosas. Já o componente institucional, relaciona-se a forma como os serviços de saúde lidam para mitigar situações e contextos de vulnerabilidade, considerando-se o arcabouço político e sua capacidade de articulação com outros setores, como educação, justiça, cultura e seguridade social (Ayres, 2002AYRES, J. R. C. M. Práticas educativas e prevenção de HIV/Aids: lições aprendidas e desafios atuais. Interface, Botucatu, v. 6, n. 11, p. 11-24, 2002. DOI: 10.1590/S1414-32832002000200002
https://doi.org/10.1590/S1414-3283200200...
; Oviedo; Czeresnia, 2015OVIEDO, R. A. M.; CZERESNIA, D. O conceito de vulnerabilidade e seu caráter biossocial. Interface, Botucatu, v. 19, n. 53, p. 237-250, 2015. DOI: 10.1590/1807-57622014.0436
https://doi.org/10.1590/1807-57622014.04...
).

Em síntese, as privações vivenciadas pela população negra e agravadas na pandemia por covid-19, apresentam repercussão direta em questões essenciais à sobrevivência do indivíduo e sua dignidade humana e ferem direitos constitucionais básicos. Além disto, podem direcionar, por meio de suas relações multidimensionais, saberes e práticas em saúde, uso e acesso aos serviços sanitários e determinar a exposição e/ou proteção a situações que potencializam o risco de adoecer, transmitir, tratar-se e recuperar-se ou não da doença. Ou seja, as privações traduzem-se em vulnerabilidade para o adoecimento por covid-19 e consequentemente repercutem no delineamento do perfil de morbimortalidade da população negra, como apresentado por Baqui et al. (2020BAQUI, P. O. et al. Ethnic and regional variations in hospital mortality from COVID-19 in Brazil: a cross-sectional observational study. Lancet Global Health, [S. l], v. 8, n. 8, p. 1-9, 2020. DOI: 10.1016/ S2214-109X(20)30285-0
https://doi.org/10.1016/ S2214-109X(20)3...
).

A construção histórica das desigualdades raciais e das privações das condições de vida e de saúde da população negra

No Brasil, diversos eventos fomentaram as desigualdades que se refletem nas condições de vida de sua população e se relacionam diretamente com a cor da pele que seus cidadãos possuem. A desvantagem vivida pela população negra possui raízes no escravagismo, na elaboração religiosa e científica de inferioridade para o negro, porém sua manutenção se dá pela exclusão desta população nos novos ciclos socioeconômicos estabelecidos após a abolição da escravatura, pela ideologia do racismo e pelas práticas de discriminação racial (Fernandes, 2008FERNANDES, F. A integração do negro na sociedade de classes. 5. ed. São Paulo: Globo, 2008.; Munanga, 2009MUNANGA, K. Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo, identidade e etnia. In: SEMINÁRIO NACIONAL RELAÇÕES RACIAIS E EDUCAÇÃO - PENESB, 3., 2003, Rio de Janeiro. Anais […]. Rio de Janeiro: Gelédes, 2003.).

A população negra, trazida para o trabalho forçado nas plantações brasileiras, sofria os mais diversos tipos de violência desde sua captura. Transportados em condições sub-humanas em navios negreiros, era destituída de sua cultura, vínculos sociais e familiares e passava a constituir a força motriz da economia do país. Estas pessoas eram submetidas a condições não humanas de trabalho, viviam amontoados, acorrentados em porões pútridos, alimentavam-se de forma precária, vestiam farrapos e eram submetidos à castigos físicos tão extremos que podiam levar-lhes à morte (Schwarcz; Starling, 2015SCHWARCZ, L.; STARLING, H. M. M. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das letras, 2015.).

Esta exploração do homem pelo homem, contraditoriamente, encontrava o respaldo necessário na ética católica. O senhor de engenho generosamente responsabilizava-se pelo escravo impondo condições sociais e costumes, além de conceder a ele uma atividade, deste modo, minimizava suas características, consideradas animalescas e brutais. Nesse contexto, as marcas raciais, como os traços fenotípicos dos negros, funcionavam como meio para identificar sua condição degradante de escravo, a forma que deveria ser tratado e sua posição na sociedade (Fernandes, 2008FERNANDES, F. A integração do negro na sociedade de classes. 5. ed. São Paulo: Globo, 2008.).

Entre o século XVIII e XIX, disseminaram-se várias teorias científicas com o intuito de reforçar a inferioridade desta população: baseavam-se na valorização de características das pessoas brancas (consideradas como normalidade) e depreciação das características das pessoas negras. Nesta perspectiva, associava-se traços físicos dos negros, - como tamanho e a forma de seu crânio, aspectos do nariz e lábios - a características comportamentais, morais e cognitivas, como baixa inteligência, instabilidade emocional e desvios de conduta. Esta associação é utilizada para justificar a exploração deste grupo racial, considerados indivíduos destinados biologicamente a servir através da escravidão (Munanga, 2003MUNANGA, K. Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo, identidade e etnia. In: SEMINÁRIO NACIONAL RELAÇÕES RACIAIS E EDUCAÇÃO - PENESB, 3., 2003, Rio de Janeiro. Anais […]. Rio de Janeiro: Gelédes, 2003.).

Ao longo do século XIX, a escravidão perdia aos poucos sua magnitude no Brasil. Movimentos de resistência, fugas individuais, coletivas e alforrias diminuíam o quantitativo de pessoas submetidas a este regime e colocavam em questão o controle político, econômico e social pela classe dominante, o que tornava duvidoso o futuro do país (Silva; Trigo; Marçal, 2013SILVA, P. V. B.; TRIGO, R. A. E.; MARÇAL, J. A. Movimentos negros e direitos humanos. Revista Diálogo Educacional, Florianópolis, v. 13 n. 39, p. 559-581, 2013. DOI: 10.7213/dialogo.educ.10211
https://doi.org/10.7213/dialogo.educ.102...
).

Além disto, a proibição do tráfico transatlânticos de escravos e a elevação de seu custo deixava o trabalho escravo cada vez mais dispendioso aos senhores. Outrossim, nas últimas décadas do século XIX e no início do século XX, com advento do capitalismo e dos modos de produção industrial, a importância econômica do escravo diminuía e relacionava-o à ineficiência. Deste modo, a relação servil não era considerada profícua ao desenvolvimento do país e as habilidades dos escravizados eram consideradas insuficientes para atuar no novo sistema competitivo capitalista (Hansembalg, 2005HANSEMBALG, C. Discriminação e desigualdades raciais no Brasil. 2. ed. Belo Horizonte: Editora UGFMG, 2005.).

Neste contexto, emergem discussões que colocavam em pauta a modernização, o desenvolvimento e o progresso de uma de nação capitalista embrionária e os conceitos de trabalho e de trabalhador ideais passam a ser ressignificados. Destarte, o escravo passa a ser considerado uma mão de obra inútil, atrasada, incapaz, sem disciplina, sem conhecimento técnico e é associado a um sistema de baixa produtividade. Tais elementos eram considerados imutáveis nesta população, inerentes a suas características biológicas e lhes conferiam inferioridade. Deste modo, o imigrante europeu (agricultor eficiente) passa a ocupar espaço nas novas formas de produção (Hansembalg, 2005HANSEMBALG, C. Discriminação e desigualdades raciais no Brasil. 2. ed. Belo Horizonte: Editora UGFMG, 2005.; Silva; Trigo; Marçal, 2013SILVA, P. V. B.; TRIGO, R. A. E.; MARÇAL, J. A. Movimentos negros e direitos humanos. Revista Diálogo Educacional, Florianópolis, v. 13 n. 39, p. 559-581, 2013. DOI: 10.7213/dialogo.educ.10211
https://doi.org/10.7213/dialogo.educ.102...
).

O movimento em torno da abolição, mais que um movimento de garantia da dignidade e justiça social, compreendia a busca pela inserção do Brasil na economia mundial que, nos novos moldes, necessitava do proletariado e seus rendimentos para escoar sua produção, além disso, possibilitava a emancipação dos escravizados de modo controlado, sem manifestos e revoltas contra status vigente e com garantia da ordem social. Neste panorama, a maior parte dos abolicionistas via na libertação dos negros um modo de livrar o país da estagnação trazida pelo escravagismo (Fernandes, 2008FERNANDES, F. A integração do negro na sociedade de classes. 5. ed. São Paulo: Globo, 2008.; Maringoni, 2011MARINGONI, G. O destino dos negros após a Abolição. Desafios do desenvolvimento, Brasília, DF, v. 8, n. 70, 2011. Disponível em: <Disponível em: http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&id=2673%3Acatid%3D28&Itemid=23 >. Acesso em: 22 jul. 2020.
http://www.ipea.gov.br/desafios/index.ph...
).

Após a abolição, para ocupar os postos de trabalho, antes ocupados pelos escravos, houve o aquecimento na importação da seleta força de trabalho europeia, estimulada e financiada pelo estado. Assim, o fortalecimento da imigração destes indivíduos brancos, considerados biologicamente superiores e capazes de garantir o progresso desejado, favorecia também a miscigenação da população brasileira, permitia seu aprimoramento por meio do progressivo branqueamento e, consequentemente, o desaparecimento da população negra do país, considerada um mal para nação (Hansembalg, 2005HANSEMBALG, C. Discriminação e desigualdades raciais no Brasil. 2. ed. Belo Horizonte: Editora UGFMG, 2005.; Jaccoud et al. , 2008JACCOUD, L. et al. Racismo e república: o debate sobre o branqueamento e a discriminação racial no Brasil. In: THEODORO, M. (Org.). As políticas públicas e a desigualdade racial no Brasil: 120 anos após a abolição. Brasília, DF: Ipea, 2008.).

Em vista disso, para alcançar o branqueamento da nação, o relacionamento entre brancos e negros era permitido, dentro de certos limites. A miscigenação, além de meio de purificação da nação brasileira, passa a ser um objetivo individual, uma válvula de esperança que reduz o descontentamento social entre os negros diante de sua inferioridade social. Isso ocorre porque, após a abolição, a raça se mantém um critério de distribuição das pessoas na estrutura social de classes. De modo que às pessoas mestiças, com traços semelhantes aos brancos, é permitido circular e usufruir de privilégios destinados a estratos da sociedade mais valorizados. Além dos traços fenotípicos semelhantes aos da população branca, melhores condições econômicas, adquiridas por esparsos negros, também ampliava sua possibilidade de usufruir destes privilégios (Hansembalg, 2005HANSEMBALG, C. Discriminação e desigualdades raciais no Brasil. 2. ed. Belo Horizonte: Editora UGFMG, 2005.).

Consequentemente, com a convivência de diferentes grupos socioraciais nos mesmos espaços, ocasionada pela mudança do status socioeconômico, pela miscigenação e pela inserção social de alguns negros em espaços destinados aos não negros, é proclamado o discurso de que não há problema racial no Brasil. Entretanto, na prática este fenômeno configurou-se como meio de conter manifestações de inconformismo da população considerada inferior (Fernandes, 2009FERNANDES, F. A integração do negro na sociedade de classes. 5. ed. São Paulo: Globo, 2008.; Hansembalg, 2005HANSEMBALG, C. Discriminação e desigualdades raciais no Brasil. 2. ed. Belo Horizonte: Editora UGFMG, 2005.).

Dessa maneira, o mito da democracia racial garante uma relativa pacificação entre dois grupos socioraciais. A ideia do bom negro, que progride socialmente e convive com os brancos se mantidas sua polidez e respeito as regras, reduz as desvantagens da negritude, mas intensifica a negligência institucional diante do drama da “população de cor”, que permanece vivendo em condições degradantes. Todavia, para a democracia racial, a condição de miséria vivenciada pelos negros é divulgada como resultante da recente condição de escravizado e sua ascensão social é apresentada como alcançável e requer apenas tempo para ser atingida (Fernandes, 2009FERNANDES, F. A integração do negro na sociedade de classes. 5. ed. São Paulo: Globo, 2008.).

Apesar de ter sido permitida às pessoas negras uma discreta ascensão social, o racismo e discriminação tornam-se meios de lembrar à esta população o espaço de inferioridade destinado a ela, preservando a estrutura de privilégios da sociedade. Assim, o racismo, enquanto ideologia de inferioridade de um grupo em detrimento da superioridade de outro, apresenta-se como uma forma sistemática de discriminação que possui como fundamento a raça e é praticada de forma consciente ou inconsciente. Esta ideologia é utilizada para justificar o tratamento e a condição depreciativa concedida a membros de grupos raciais e étnicos, atua como mecanismo que agrava e mantém desvantagens ou privilégio entre estes grupos (Almeida 2018ALMEIDA, S. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte: Letramento, 2018.; Fernandes, 2009FERNANDES, F. A integração do negro na sociedade de classes. 5. ed. São Paulo: Globo, 2008.; Paradies, 2013PARADIES, Y.; TROUNG, M.; PRIENT, N. A systematic review of the extent and measurement of healthcare provider racism. Journal of General Internal Medicine, Bethesda, v. 29, n. 2, p. 364-387, 2013. DOI: 10.1007/s11606-013-2583-1
https://doi.org/10.1007/s11606-013-2583-...
).

Assim, a discriminação racial, um dos instrumentos do racismo, atua por meio da manifestação interpessoal de comportamentos e práticas discriminatórias, que excluem e inferiorizam estes grupos, concedendo-os atributos de menor ou sem valor, a partir das características valorizadas em relação a outro grupo (Brasil, 2017BRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional da população Negra. 3. ed. Brasília, DF, 2017. Disponível em: <Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_saude_populacao_negra_3d.pdf >. Acesso em: 22 jul. 2020.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
; Paradies, 2013PARADIES, Y.; TROUNG, M.; PRIENT, N. A systematic review of the extent and measurement of healthcare provider racism. Journal of General Internal Medicine, Bethesda, v. 29, n. 2, p. 364-387, 2013. DOI: 10.1007/s11606-013-2583-1
https://doi.org/10.1007/s11606-013-2583-...
; Werneck, 2016WERNECK, J. Racismo institucional e saúde da população negra. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 25, n. 3, p. 535-549, 2016.).

Estas ferramentas mantêm a inferioridade dos negros e privilégios dos brancos, preservam a desigualdade, conservam as assimetrias entre as raças e controlam as ascensões alcançadas pela população negra, que, mesmo sendo ínfimas e não ameaçadoras dos privilégios das pessoas não negras, são vistas como potenciais para o comprometimento dos status social vigente e como meio para gerar revoltas desta população. Nesse contexto, o rechaço à cor da pele negra e aos demais traços fenotípicos do grupo racial discriminado apresentam-se como ferramentas para legitimar o lugar destinado a ele na sociedade (Fernandes, 2009FERNANDES, F. A integração do negro na sociedade de classes. 5. ed. São Paulo: Globo, 2008.; Petrucelli; Saboia, 2013PETRUCELLI, J. L.; SABÓIA, A.L. Características étnico-raciais da população: classificações e identidades. Rio de Janeiro: IBGE, 2013.).

Portanto, a discriminação e o racismo garantiram que os negros libertos mantivessem condição semelhante à do escravizado, mesmo após a abolição da escravatura. Em contrapartida, no que tange aos postos de trabalho, os imigrantes europeus mesmo com recursos escassos, semelhantes aos negros, ocuparam espaços no novo modo produtivo, chances de progressão e lograram privilégios não alcançados pelos negros (Fernandes, 2009FERNANDES, F. A integração do negro na sociedade de classes. 5. ed. São Paulo: Globo, 2008.).

O aumento da imigração europeia e a sua ocupação massiva em espaços mais valorizados do mercado de trabalho, como a produção agrícola de larga escala e indústria, destinava à população negra, agora livre, as ocupações subalternas e mais precarizadas, como os serviços domésticos, empregos informais e biscates, atividades desempenhadas majoritariamente por esta população até os dias atuais. Esta ocupação das atividades de subsistência e mal remuneradas é o fenômeno que origina o que denominamos atualmente como “setor informal” (Jaccoud, 2008JACCOUD, L. et al. Racismo e república: o debate sobre o branqueamento e a discriminação racial no Brasil. In: THEODORO, M. (Org.). As políticas públicas e a desigualdade racial no Brasil: 120 anos após a abolição. Brasília, DF: Ipea, 2008.; Silva; Trigo; Marçal, 2013SILVA, P. V. B.; TRIGO, R. A. E.; MARÇAL, J. A. Movimentos negros e direitos humanos. Revista Diálogo Educacional, Florianópolis, v. 13 n. 39, p. 559-581, 2013. DOI: 10.7213/dialogo.educ.10211
https://doi.org/10.7213/dialogo.educ.102...
).

Além da distribuição das atividades laborais no período pós escravidão, também houve uma distribuição espacial da população negra livre. Com a produção de café desenvolvida na região centro-sul do país e, consequentemente, com o domínio desta atividade pelos imigrantes, os negros livres ocupavam os postos de trabalho disponíveis, no norte e nordeste do país, regiões de economia estagnada, onde a imigração internacional não foi significativa e as oportunidades educacionais e ocupacionais eram muito limitadas. Isto posto, a grande maioria da população negra é mantida fora da região onde se desenvolve a sociedade urbana e industrial e, mesmo quando consegue ocupar estes espaços, situa-se em periferias, áreas com pouco investimento público e com grande vulnerabilidade (Abreu, 2013ABREU, I. S. Biopolítica e racismo ambiental no Brasil: a exclusão ambiental dos cidadãos. Opinião Jurídica, Medellín, v. 12, n. 24, p. 87-99, 2013. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.org.co/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S1692-25302013000200006&lng=e&nrm=iso&tlng=e >. Acesso em: 22 jul. 2020.
http://www.scielo.org.co/scielo.php?scri...
).

Estes eventos históricos, ideológicos e sociais promoveram a desvalorização da população negra, delinearam sua exclusão, desvantagem, pobreza e precariedade de suas condições de vida atuais e provocaram marcas significativas, que impactam diretamente sua capacidade de inserção na sociedade, colocam barreiras no projeto de construção de um país democrático com oportunidades iguais para todos, além de repercutirem na condição de saúde desta população.

As repercussões do racismo institucional no acesso aos serviços de saúde e na morbimortalidade por covid-19

O racismo é um fenômeno estrutural. Trata-se de um sistema constituído por instituições, políticas, práticas e normas que fomenta oportunidades e atribui valores aos indivíduos com base na raça/cor ou na aparência (Jones, 2002JONES, C. P. Confronting Institutionalized Racism. Phylon, Ann Arbor, v. 50, n. 1/2, p. 7-22, 2002. DOI: 10.2307/4149999
https://doi.org/10.2307/4149999...
). Este evento é condicionado pelas relações da sociedade, reprodutora de padrões raciais, e é repetido e naturalizado nas instituições para resguardar a ordem social vigente, tornando-se parte dos status de normalidade das relações cotidianas nos mais diversos espaços (Jones 2002JONES, C. P. Confronting Institutionalized Racism. Phylon, Ann Arbor, v. 50, n. 1/2, p. 7-22, 2002. DOI: 10.2307/4149999
https://doi.org/10.2307/4149999...
; Almeida 2018ALMEIDA, S. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte: Letramento, 2018.).

Este fenômeno pode apresentar-se em três dimensões. A primeira compõe o racismo interpessoal, manifesto por preconceitos, sentimentos, estereótipos negativos, vinculados a características raciais ou étnicas de um grupo. Pode ainda se materializar por práticas discriminatórias individuais, pela manifestação de comportamentos depreciativos ou agressivos, intencionais ou não (Jones, 2002JONES, C. P. Confronting Institutionalized Racism. Phylon, Ann Arbor, v. 50, n. 1/2, p. 7-22, 2002. DOI: 10.2307/4149999
https://doi.org/10.2307/4149999...
; Werneck, 2016WERNECK, J. Racismo institucional e saúde da população negra. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 25, n. 3, p. 535-549, 2016.).

A segunda dimensão mostra-se como racismo internalizado, definido como a aceitação de mensagens negativas sobre as próprias habilidades e valor intrínseco por membros grupos raciais ou étnicos estigmatizados (Jones, 2002JONES, C. P. Confronting Institutionalized Racism. Phylon, Ann Arbor, v. 50, n. 1/2, p. 7-22, 2002. DOI: 10.2307/4149999
https://doi.org/10.2307/4149999...
; Werneck, 2016WERNECK, J. Racismo institucional e saúde da população negra. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 25, n. 3, p. 535-549, 2016.).

A terceira dimensão compreende o racismo institucional, manifesto por seu componente sistêmico, perpetrado pelas organizações; políticas, normas por meio de tratamento não equitativo; negligência; desvantagem no acesso aos benefícios e morosidade na implementação de ações e políticas, que resulta em falha no provimento de serviços adequados às pessoas em decorrência de sua cor, cultura ou origem étnica (Jones, 2002JONES, C. P. Confronting Institutionalized Racism. Phylon, Ann Arbor, v. 50, n. 1/2, p. 7-22, 2002. DOI: 10.2307/4149999
https://doi.org/10.2307/4149999...
; Werneck, 2016WERNECK, J. Racismo institucional e saúde da população negra. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 25, n. 3, p. 535-549, 2016.).

Estas dimensões do racismo são esquematizadas através de recurso gráfico (Figura 1) elaborado por Werneck (2016WERNECK, J. Racismo institucional e saúde da população negra. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 25, n. 3, p. 535-549, 2016.):

Figura 1
Dimensões do Racismo

Destarte, nos serviços de saúde, este evento pode materializar-se em todas as suas dimensões por meio da baixa qualidade dos serviços prestados à população negra, na discriminação individual, praticada pelos profissionais das mais diversas instituições e organizações, por meio da dificuldade para utilizar a assistência em saúde, na contratação para empregos, na conquista de cargos, no acesso à educação e em outras infinidades de situações.

Por conseguinte, este fenômeno social, que está entre os determinantes estruturais das iniquidades de saúde, comporta-se como produtor da hierarquização social, que associada a vulnerabilidades em saúde, impõe barreiras de acesso à direitos e negligência às necessidades da população negra (Brasil, 2017BRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional da população Negra. 3. ed. Brasília, DF, 2017. Disponível em: <Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_saude_populacao_negra_3d.pdf >. Acesso em: 22 jul. 2020.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
; Werneck, 2016WERNECK, J. Racismo institucional e saúde da população negra. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 25, n. 3, p. 535-549, 2016.).

A Figura 2 apresenta um mapa conceitual da vulnerabilidade para o adoecimento por covid-19 da população negra, realizado com base no esquema de Solar e Irwin (2010SOLAR, O.; IRWIN, A. A conceptual framework for action on the social determinants of health. Geneva: WHO, 2010. Disponível em: <Disponível em: https://www.who.int/sdhconference/resources/ConceptualframeworkforactiononSDH_eng.pdf?ua=1 >. Acesso em: 22 jul. 2020.
https://www.who.int/sdhconference/resour...
), adotado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e sintetiza as discussões deste trabalho.

Figura 2
Mapa conceitual com os determinantes da morbimortalidade da população negra ao covid-19

Conforme demonstrado na apresentação gráfica, as iniquidades na morbimortalidade da população negra por covid-19 são reflexo dos processos históricos, sociais e econômicos que se relacionam diretamente com o racismo, determinante da precarização das condições de vida e saúde dessa população, das limitações na qualidade e acesso aos serviços e saúde e dos fatores individuais para a vulnerabilidade à infecção pelo coronavírus. Deste modo, o racismo, enquanto elemento estrutural, assume posição de destaque, configura-se como causa base ou raiz prioritária para o delineamento das privações na saúde da população negra e no acometimento pela doença.

Ademais, além de ser relevante compreender a determinação do racismo na saúde/doença da população negra, é indispensável compreender o papel do Sistema Único de Saúde (SUS) neste contexto.

Neste interim, sabe-se que a assistência à saúde livre de discriminação e o acesso universal a todos os cidadãos são prerrogativas anunciadas por marcos da criação e regulação do SUS. Porém, mesmo com a existência de arcabouço legal robusto, desde a criação do SUS até os dias atuais são identificadas disparidades em saúde entre grupos raciais e incapacidade para garantir o acesso efetivo de modo equitativo a todos os cidadãos brasileiros, o que indica a não efetivação dos princípios defendidos por este sistema (Brasil, 2017BRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional da população Negra. 3. ed. Brasília, DF, 2017. Disponível em: <Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_saude_populacao_negra_3d.pdf >. Acesso em: 22 jul. 2020.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
).

Todavia, a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN), efetivada por meio da Portaria GM/MS n. 992, de 13 de maio de 2009, e ratificada em 2010 pelo Estatuto da Igualdade Racial, Lei n. 12.288/2010, apresenta-se com o objetivo de garantir a promoção da saúde integral da população negra, priorizando a redução das desigualdades étnico-raciais, o combate ao racismo e à discriminação nas instituições e serviços do SUS (Brasil, 2017BRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional da população Negra. 3. ed. Brasília, DF, 2017. Disponível em: <Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_saude_populacao_negra_3d.pdf >. Acesso em: 22 jul. 2020.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
).

Estes esforços procuram compreender a saúde num sentido ampliado e o sistema de saúde enquanto espaço para assistir a complexidade do indivíduo. Além disto, entendem que os serviços de saúde devem buscar minimizar os diversos racismos e propiciar o acesso a todos os grupos populacionais, com vistas à redução de disparidades e situações de vulnerabilidade.

Nesta perspectiva, salienta-se que o acesso refere-se à oportunidade de utilizar os serviços de saúde quando necessário, expressa características de sua oferta e de circunstâncias que facilitam ou perturbam a capacidade das pessoas para efetivarem o uso. Para mais, trata-se de um fenômeno complexo que pode variar para cada pessoa ou grupo, a depender de uma diversa gama de variáveis relativas ao próprio indivíduo e ao sistema, não apenas limitando-se a existência ou não do serviço de saúde (Sanchez; Ciconelli, 2012SANCHEZ, R. M.; CICONELLI, R. M. Conceitos de acesso à saúde. Revista Panamericana de Salud Pública, Washington, D.C., v. 31, n. 3, p. 260-268, 2012.).

Deste modo, inúmeros motivos são apontados como intervenientes do acesso a serviços de saúde: características do sistema, nível socioeconômico da população, escolaridade, aspectos culturais, características geográficas dos usuários e dos serviços e pertencimento a grupos específicos são alguns deles. Além disto, quando observamos que esses fatores aumentam ou diminuem o acesso aos serviços de saúde estamos diante da desigualdade no acesso aos serviços de saúde (Albuquerque et al., 2017ALBUQUERQUE, M. V. et al. Desigualdades regionais na saúde: mudanças observadas no Brasil de 2000 a 2016. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 22, n. 4, p. 1055-1064, 2017. DOI: 10.1590/1413-81232017224.26862016
https://doi.org/10.1590/1413-81232017224...
).

Logo, as disparidades no acesso podem ser geradoras ou podem contribuir para a estruturação das iniquidades em saúde. Consequentemente, os grupos que possuem prejuízo para utilizar os serviços de saúde, como é caso da população negra, terão desvantagens que influenciam seu perfil de morbimortalidade, quando comparados a outros grupos sem dificuldade de acesso (Arcaya; Arcaya; Subramanian, 2015ARCAYA, M. C.; ARCAYA, A. L.; SUBRAMANIAN, S. V. Inequalities in health: definitions, concepts, and theories. Global Health Action, Bethesda, v. 8, n. 27106, p. 12, 2015. DOI: 10.3402/gha.v8.27106
https://doi.org/10.3402/gha.v8.27106...
).

Destacamos que, apesar de o SUS possuir maior relevância para obtenção de atendimento entre pretos e pardos do que para brancos, podemos encontrar maior dificuldade de acesso por esse grupo. Destarte, é evidente uma menor quantidade atendimento médico e menor qualidade na prestação deste serviço para a população negra em relação à população branca. Desse modo, os pretos e pardos, além de possuírem maior probabilidade de não serem atendidos, quando atendidos se declaram menos satisfeitos com o atendimento (Goes; Nascimento, 2013GOES, E. F.; NASCIMENTO, E. R. Mulheres negras e brancas e os níveis de acesso aos serviços preventivos de saúde: uma análise sobre as desigualdades. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 37, n. 99, p. 571-579, 2013.; Paixão et al., 2010PAIXÃO, M. et al. Relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil: 2009-2010. Rio de Janeiro: Garamond, 2010.).

Para mais, a precariedade no acesso, na qualidade do serviço e a elevação da discriminação em saúde são agravadas quando estão associadas à múltiplas condições de saúde e a outros fatores de vulnerabilidade, como baixa escolaridade e renda, elementos presentes na realidade desse grupo populacional (Goes; Nascimento, 2013GOES, E. F.; NASCIMENTO, E. R. Mulheres negras e brancas e os níveis de acesso aos serviços preventivos de saúde: uma análise sobre as desigualdades. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 37, n. 99, p. 571-579, 2013.; Paixão et al., 2010PAIXÃO, M. et al. Relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil: 2009-2010. Rio de Janeiro: Garamond, 2010.).

Neste interim, o contexto da covid-19 expôs a geografia das desigualdades e refletiu impiedosamente os processos históricos passados, em especial para pessoas idosas e para a população negra (Teixeira et al., 2020TEIXEIRA, K.K.S.; KARVALHO, K.M.G.; MEDEIROS, A.A.; BARBOSA, I.R. Indicators of cases and deaths by COVID-19 and its relationship with contextual factors: an ecological study in the city of Natal-RN. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v. 6, n. 6, p. 40689-40703, 2020. DOI: 10.34117/bjdv6n6-562
https://doi.org/10.34117/bjdv6n6-562...
). De modo que a pandemia escancarou a segregação racial, ao evidenciar que na composição dos vulneráveis pela covid-19 no Brasil as maiores taxas de letalidade estão entre os negros que vivem em áreas de menor nível socioeconômico, grupo formado por moradores de favelas, periferias, pessoas em situação de rua e ainda com maior prevalência de morbidades específicas (diabetes e hipertensão, por exemplo) (Teixeira ., 2020TEIXEIRA, K.K.S.; KARVALHO, K.M.G.; MEDEIROS, A.A.; BARBOSA, I.R. Indicators of cases and deaths by COVID-19 and its relationship with contextual factors: an ecological study in the city of Natal-RN. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v. 6, n. 6, p. 40689-40703, 2020. DOI: 10.34117/bjdv6n6-562
https://doi.org/10.34117/bjdv6n6-562...
).

Não obstante, esta discrepância é reforçada pois esta população é atingida por iniquidades na distribuição geográfica dos serviços de saúde. Isso porque, as regiões com menor oferta destes serviços são as que mais concentram a população negra: Norte, Nordeste e Centro-Oeste, com 77,3%, 73%, 59% de sua população constituída por pessoas negras. (IBGE, 2016IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa nacional por amostra de domicílios: síntese de indicadores 2015. Rio de Janeiro: 2016. Disponível em: <Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv98887.pdf >. Acesso em: 21 jul. 2020.
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualiza...
).

Ademais, a população negra brasileira encontra ainda outra barreira geográfica na garantia do direito saúde, uma vez que é esse o grupo que ocupa majoritariamente as áreas rurais do país, constituindo 60% da população nesta situação de domicílio (IBGE, 2016IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa nacional por amostra de domicílios: síntese de indicadores 2015. Rio de Janeiro: 2016. Disponível em: <Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv98887.pdf >. Acesso em: 21 jul. 2020.
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualiza...
).

Neste sentido, observa-se que altos índices de acessibilidade e satisfação podem ser encontrados em áreas centrais de territórios, onde existem alta densidade urbana e alta concentração de serviços públicos, dentre eles os serviços de saúde. De modo inverso, identifica-se menor acesso aos serviços em áreas menos densas e com menor quantidade de serviços públicos como é o caso das áreas rurais (Towne Jr., 2017TOWNE JR, S. D. Socioeconomic, geospatial, and geopolitical disparities in Access to healthcare in the US 2011-2015. International Journal of Environmental Research and Public Health, Basel, v. 14, n. 6, p. 1-15, 2017. DOI: 10.3390%2Fijerph14060573
https://doi.org/10.3390%2Fijerph14060573...
).

O advento da pandemia por covid-19 realça outras fragilidades relativas à distribuição aos recursos necessários ao seu enfrentamento. Constata-se que, além de possuir menor concentração de serviços de saúde, as regiões Norte e Nordeste também possuem a menor oferta de leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e de ventiladores mecânicos (Noronha et al, 2020NORONHA, K. V. M. S. et al. Pandemia por covid-19 no Brasil: análise da demanda e da oferta de leitos hospitalares e equipamentos de ventilação assistida segundo diferentes cenários. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 36, n. 6, p. 1-17, 2020. DOI: 10.1590/0102-311X00115320
https://doi.org/10.1590/0102-311X0011532...
).

No contexto sanitário atual, a disponibilidade e acesso serviços hospitalares, o número de leitos públicos e privados, o quantitativo de leitos de UTI e ventiladores mecânicos são determinantes para o manejo dos casos de maior complexidade e para um desfecho favorável. Contudo, estes recursos estão mais disponíveis nos estratos socioeconômicas mais elevados da sociedade, que no Brasil são ocupados majoritariamente por brancos (Rafael et al., 2020RAFAEL, R. M. R. et al. Efeito da renda sobre a incidência acumulada de COVID-19: um estudo ecológico. Revista Latino-Americana de Enfermagem, Ribeirão Preto, v. 28, p. 1-11, 2020. DOI: 10.1590/1518-8345.4475.3344
https://doi.org/10.1590/1518-8345.4475.3...
).

Além de interferir na variabilidade do acesso aos serviços de saúde, na pandemia da covid-19 a variável raça/cor se relaciona com a realização de exames diagnósticos da doença. Esta premissa é corroborada por estudo ecológico realizado entre bairros do Rio de Janeiro, o qual aponta que a realização deste tipo de teste e maior número de casos de covid-19 ocorre em bairros onde há maior renda per capta e com maior incidência de moradores brancos, o que reflete o maior acesso a estes exames por pessoas com melhores rendas. Em contrapartida, os bairros com maior contingente populacional negro possuem menor número de testes e de casos positivos (Rafael et al., 2020RAFAEL, R. M. R. et al. Efeito da renda sobre a incidência acumulada de COVID-19: um estudo ecológico. Revista Latino-Americana de Enfermagem, Ribeirão Preto, v. 28, p. 1-11, 2020. DOI: 10.1590/1518-8345.4475.3344
https://doi.org/10.1590/1518-8345.4475.3...
)

Embora existam evidências locais de maior dificuldade diagnóstica do contingente negro por covid-19, em nível nacional, os dados apresentados no boletim epidemiológico do Ministério da Saúde mostram que a população negra (preta e parda) apresenta maior morbidade e mortalidade geral por covid-19 em relação aos demais grupos raciais do Brasil, o que reitera as discussões anteriores (Brasil, 2020BRASIL. Ministério da Saúde. Doença pelo coronavírus covid-19 - Boletim epidemiológico especial - Semana Epidemiológica 33. Brasília, DF, 2020. Disponível em: <Disponível em: https://www.saude.gov.br/images/pdf/2020/August/19/Boletim-epidemiologico-COVID-27.pdf >. Acesso em: 17 set. 2020.
https://www.saude.gov.br/images/pdf/2020...
).

Apesar de não haver disponível a apresentação dos dados sobre a admissão hospitalar através dos boletins epidemiológicos do Ministério da Saúde, através da análise dos dados do Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica da Gripe ,Baqui (2020BAQUI, P. O. et al. Ethnic and regional variations in hospital mortality from COVID-19 in Brazil: a cross-sectional observational study. Lancet Global Health, [S. l], v. 8, n. 8, p. 1-9, 2020. DOI: 10.1016/ S2214-109X(20)30285-0
https://doi.org/10.1016/ S2214-109X(20)3...
) identificou que este evento ocorre de forma aproximada para população negra e para a população branca, entretanto, chama a atenção para as diferenças raciais do número de óbitos de pacientes negros hospitalizados não internados em UTIs.

Este achado evidencia que a necessidade de serviços com maior tecnologia intensifica as disparidades de acesso - mesmo nesta situação em que há uma taxa hospitalar de admissão semelhante entre brancos e negros, há uma maior taxa de internação de pacientes brancos em UTIs. Desse modo, a taxa de mortalidade de brasileiros negros por covid-19 se dá, em parte, à sua não internação em UTI e levanta preocupações quanto à organização de recursos de saúde públicos e privados (Baqui et al., 2020BAQUI, P. O. et al. Ethnic and regional variations in hospital mortality from COVID-19 in Brazil: a cross-sectional observational study. Lancet Global Health, [S. l], v. 8, n. 8, p. 1-9, 2020. DOI: 10.1016/ S2214-109X(20)30285-0
https://doi.org/10.1016/ S2214-109X(20)3...
).

Assim, estima-se que por pertencer aos estratos sociais mais elevados, a população branca pode ter maior chance de ser admitida em leitos privados em UTIs, quando há indisponibilidade de leitos públicos pela saturação do sistema de saúde durante a pandemia. De modo que esta oportunidade favorece o manejo de condições graves da doença e menor mortalidade por covid-19 (Noronha et al. 2020NORONHA, K. V. M. S. et al. Pandemia por covid-19 no Brasil: análise da demanda e da oferta de leitos hospitalares e equipamentos de ventilação assistida segundo diferentes cenários. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 36, n. 6, p. 1-17, 2020. DOI: 10.1590/0102-311X00115320
https://doi.org/10.1590/0102-311X0011532...
; Rafael et al., 2020RAFAEL, R. M. R. et al. Efeito da renda sobre a incidência acumulada de COVID-19: um estudo ecológico. Revista Latino-Americana de Enfermagem, Ribeirão Preto, v. 28, p. 1-11, 2020. DOI: 10.1590/1518-8345.4475.3344
https://doi.org/10.1590/1518-8345.4475.3...
).

Apesar de chamar a atenção à dificuldade de acesso da população negra aos leitos de UTI e aos ventiladores mecânicos durante a pandemia do covid-19, a perda desta população se inicia muito antes de estar em um leito hospitalar.

Como apresentado na primeira seção deste manuscrito, a população brasileira, majoritariamente negra, está insidiosa e amplamente submetida a múltiplas privações: sociais, de moradia, saneamento, educação, emprego e renda (Brasil, 2016). Estes problemas tornam-se ainda mais graves e impactantes no contexto da pandemia do covid-19.

A doença que se globalizou através das viagens internacionais, trazida por pessoas das classes altas da Europa, encontrou no Brasil essa população privada das condições mais elementares de vida e saúde dignas (Shadmi et al., 2020SHADMI, E. et al. Health equity and COVID-19: global perspectives. International Journal for Equity in Health, London, v. 19, n. 104, p. 1-16, 2020. DOI: 10.1186/s12939-020-01218-z
https://doi.org/10.1186/s12939-020-01218...
).

Em sua ascensão, a pandemia do covid-19 ditou a necessidade do distanciamento social, de manter-se em casa, evitar o trabalho, exigiu higiene extrema, através da frequente lavagem de mãos, uso de álcool gel e saneantes nos ambientes, entretanto, em um país onde milhões de brasileiros não têm saneamento básico tornou-se um desafio a adoção das medidas mais simples (Shadmi et al., 2020SHADMI, E. et al. Health equity and COVID-19: global perspectives. International Journal for Equity in Health, London, v. 19, n. 104, p. 1-16, 2020. DOI: 10.1186/s12939-020-01218-z
https://doi.org/10.1186/s12939-020-01218...
).

Estas questões suscitaram múltiplos desafios, dado o perfil da população brasileira e os grupos atingidos:uma população majoritariamente negra, com mais de 60 anos, múltiplas comorbidades, com dificuldade para o distanciamento ou o isolamento, por suas condições de moradia e arranjos familiares intergeracionais, com falta de recursos materiais, baixos níveis educacionais e muitas vezes com falta de informação completa sobre a doença e sua gravidade, dependente do trabalho informal para manter suas necessidades básicas (IBGE, 2016IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa nacional por amostra de domicílios: síntese de indicadores 2015. Rio de Janeiro: 2016. Disponível em: <Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv98887.pdf >. Acesso em: 21 jul. 2020.
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualiza...
; Santos et al., 2020SANTOS, M. P. A. et al. População negra e Covid-19: reflexões sobre racismo e saúde. Estudos Avançados, São Paulo, v. 34, n. 99, p. 225-243, 2020. DOI: https://doi.org/10.1590/s0103-4014.2020.3499.014
https://doi.org/10.1590/s0103-4014.2020....
).

Para além das privações vivenciadas pela maioria da população brasileira e das fragilidades no acesso aos serviços de saúde, no Brasil o covid-19 encontrou solo profícuo através da reprodução sistemática do racismo estrutural, legitimado pelo Estado. Nosso país, atualmente com o segundo maior número de casos e óbitos adotou postura negativista e de descaso mediante as recomendações da Organização Mundial de Saúde (Shadmi et al., 2020SHADMI, E. et al. Health equity and COVID-19: global perspectives. International Journal for Equity in Health, London, v. 19, n. 104, p. 1-16, 2020. DOI: 10.1186/s12939-020-01218-z
https://doi.org/10.1186/s12939-020-01218...
).

Destarte, o destaque para as disparidades na mortalidade hospitalar da população negra por covid-19 é reflexo de todos os elementos até aqui apresentados. As ocupações dos estratos sociais mais baixos pelos negros e todos os elementos que permeiam o racismo estrutural determinam privações em seus modos de vida que se traduzem em vulnerabilidade ao covid-19, que encontra meios para se expandir através de dificuldade de acesso a serviços de saúde e aos leitos de UTI, recursos necessários ao manejo da doença e suas complicações da doença.

Considerações Finais

Compreender as raízes das desigualdades raciais e da condição de vida da população negra e confrontá-las com evidências sobre a mortalidade hospitalar por covid-19 nos apresenta os modos como o racismo estrutural impacta e se reproduz na vida e na morte da população negra brasileira, além de nos revelar que a vigência da pandemia dá continuidade a uma situação já existente porém ignorada no Brasil.

Constatamos que a situação de vulnerabilidade ao covid-19 pela população negra se repete sistematicamente em múltiplos cenários e é tratada com o descaso inerente ao racismo estrutural. Destacamos que é imperativa a necessidade de aperfeiçoamento das políticas públicas brasileiras, incluindo as políticas de saúde, com vistas a correção das injustiças e a um acesso mais equitativo. Reforçamos a necessidade de visibilizar a situação do negro no Brasil, de ampliar e efetivar políticas afirmativas existentes para que sejam de fato parte da vida e de seu cotidiano, não somente no âmbito da saúde, mas em todos as áreas de sua vida e que produzam impacto positivo nos modos de viver e morrer desta população.

Referências

  • ABREU, I. S. Biopolítica e racismo ambiental no Brasil: a exclusão ambiental dos cidadãos. Opinião Jurídica, Medellín, v. 12, n. 24, p. 87-99, 2013. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.org.co/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S1692-25302013000200006&lng=e&nrm=iso&tlng=e >. Acesso em: 22 jul. 2020.
    » http://www.scielo.org.co/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S1692-25302013000200006&lng=e&nrm=iso&tlng=e
  • ALBUQUERQUE, M. V. et al. Desigualdades regionais na saúde: mudanças observadas no Brasil de 2000 a 2016. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 22, n. 4, p. 1055-1064, 2017. DOI: 10.1590/1413-81232017224.26862016
    » https://doi.org/10.1590/1413-81232017224.26862016
  • ALKIRE, S.; FOSTER, J. Counting and multidimensional poverty measurement. OPHI, Oxford, n. 7, p. 33, 2008. Disponível em: <Disponível em: https://ophi.org.uk/working-paper-number-07/ >. Acesso em: 17 set. 2020.
    » https://ophi.org.uk/working-paper-number-07/
  • ALMEIDA, S. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte: Letramento, 2018.
  • ARCAYA, M. C.; ARCAYA, A. L.; SUBRAMANIAN, S. V. Inequalities in health: definitions, concepts, and theories. Global Health Action, Bethesda, v. 8, n. 27106, p. 12, 2015. DOI: 10.3402/gha.v8.27106
    » https://doi.org/10.3402/gha.v8.27106
  • AYRES, J. R. C. M. Práticas educativas e prevenção de HIV/Aids: lições aprendidas e desafios atuais. Interface, Botucatu, v. 6, n. 11, p. 11-24, 2002. DOI: 10.1590/S1414-32832002000200002
    » https://doi.org/10.1590/S1414-32832002000200002
  • BAQUI, P. O. et al. Ethnic and regional variations in hospital mortality from COVID-19 in Brazil: a cross-sectional observational study. Lancet Global Health, [S. l], v. 8, n. 8, p. 1-9, 2020. DOI: 10.1016/ S2214-109X(20)30285-0
    » https://doi.org/10.1016/ S2214-109X(20)30285-0
  • BRASIL. Ministério da Saúde. Doença pelo coronavírus covid-19 - Boletim epidemiológico especial - Semana Epidemiológica 33. Brasília, DF, 2020. Disponível em: <Disponível em: https://www.saude.gov.br/images/pdf/2020/August/19/Boletim-epidemiologico-COVID-27.pdf >. Acesso em: 17 set. 2020.
    » https://www.saude.gov.br/images/pdf/2020/August/19/Boletim-epidemiologico-COVID-27.pdf
  • BRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional da população Negra. 3. ed. Brasília, DF, 2017. Disponível em: <Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_saude_populacao_negra_3d.pdf >. Acesso em: 22 jul. 2020.
    » http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_saude_populacao_negra_3d.pdf
  • DIAS, B. C. Letalidade da Covid-19 na população negra pauta imprensa sobre raça e desigualdades. ABRASCO, [S. l],11 de abril, 2020. Disponível em: <Disponível em: https://www.abrasco.org.br/site/noticias/saude-da-populacao/letalidade-da-covid-19-na-populacao-negra-pauta-debate-sobre-raca-e-desigualdade-social-na-imprensa/46775/ >. Acesso em: 22 jul. 2020.
    » https://www.abrasco.org.br/site/noticias/saude-da-populacao/letalidade-da-covid-19-na-populacao-negra-pauta-debate-sobre-raca-e-desigualdade-social-na-imprensa/46775/
  • FERNANDES, F. A integração do negro na sociedade de classes. 5. ed. São Paulo: Globo, 2008.
  • GOES, E. F.; NASCIMENTO, E. R. Mulheres negras e brancas e os níveis de acesso aos serviços preventivos de saúde: uma análise sobre as desigualdades. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 37, n. 99, p. 571-579, 2013.
  • GUIMARÃES, J. R. S. Perfil do Trabalho Decente no Brasil: um olhar sobre as Unidades da Federação. Brasília, DF: OIT, 2012.
  • HANSEMBALG, C. Discriminação e desigualdades raciais no Brasil. 2. ed. Belo Horizonte: Editora UGFMG, 2005.
  • IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde 2013 - Percepção do estado de Saúde estilos de vida e doenças crônicas. Rio de Janeiro: 2014. Disponível em: <Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?id=291110&view=detalhes >. Acesso em: 22 jul. 2020.
    » https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?id=291110&view=detalhes
  • IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa nacional por amostra de domicílios: síntese de indicadores 2015. Rio de Janeiro: 2016. Disponível em: <Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv98887.pdf >. Acesso em: 21 jul. 2020.
    » https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv98887.pdf
  • JACCOUD, L. et al. Racismo e república: o debate sobre o branqueamento e a discriminação racial no Brasil. In: THEODORO, M. (Org.). As políticas públicas e a desigualdade racial no Brasil: 120 anos após a abolição. Brasília, DF: Ipea, 2008.
  • JONES, C. P. Confronting Institutionalized Racism. Phylon, Ann Arbor, v. 50, n. 1/2, p. 7-22, 2002. DOI: 10.2307/4149999
    » https://doi.org/10.2307/4149999
  • KAMAKURA, W.; MAZZON, J. A. Critérios de estratificação e comparação de classificadores socioeconômicos no Brasil. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 56, n. 1, p. 55-70, 2016. DOI: 10.1590/S0034-759020160106
    » https://doi.org/10.1590/S0034-759020160106
  • MARINGONI, G. O destino dos negros após a Abolição. Desafios do desenvolvimento, Brasília, DF, v. 8, n. 70, 2011. Disponível em: <Disponível em: http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&id=2673%3Acatid%3D28&Itemid=23 >. Acesso em: 22 jul. 2020.
    » http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&id=2673%3Acatid%3D28&Itemid=23
  • MUNANGA, K. Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo, identidade e etnia. In: SEMINÁRIO NACIONAL RELAÇÕES RACIAIS E EDUCAÇÃO - PENESB, 3., 2003, Rio de Janeiro. Anais […]. Rio de Janeiro: Gelédes, 2003.
  • NORONHA, K. V. M. S. et al. Pandemia por covid-19 no Brasil: análise da demanda e da oferta de leitos hospitalares e equipamentos de ventilação assistida segundo diferentes cenários. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 36, n. 6, p. 1-17, 2020. DOI: 10.1590/0102-311X00115320
    » https://doi.org/10.1590/0102-311X00115320
  • OVIEDO, R. A. M.; CZERESNIA, D. O conceito de vulnerabilidade e seu caráter biossocial. Interface, Botucatu, v. 19, n. 53, p. 237-250, 2015. DOI: 10.1590/1807-57622014.0436
    » https://doi.org/10.1590/1807-57622014.0436
  • PARADIES, Y.; TROUNG, M.; PRIENT, N. A systematic review of the extent and measurement of healthcare provider racism. Journal of General Internal Medicine, Bethesda, v. 29, n. 2, p. 364-387, 2013. DOI: 10.1007/s11606-013-2583-1
    » https://doi.org/10.1007/s11606-013-2583-1
  • PAIXÃO, M. et al. Relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil: 2009-2010. Rio de Janeiro: Garamond, 2010.
  • PETRUCELLI, J. L.; SABÓIA, A.L. Características étnico-raciais da população: classificações e identidades. Rio de Janeiro: IBGE, 2013.
  • RIBEIRO, R.; ARAÚJO, G. S. Segregação ocupacional no mercado de trabalho segundo cor e nível de escolaridade no Brasil contemporâneo. Nova Economia, Belo Horizonte, v. 26, n. 1, p. 147-177, 2016. DOI:1590/0103-6351/2652
    » https://doi.org/1590/0103-6351/2652
  • RAFAEL, R. M. R. et al. Efeito da renda sobre a incidência acumulada de COVID-19: um estudo ecológico. Revista Latino-Americana de Enfermagem, Ribeirão Preto, v. 28, p. 1-11, 2020. DOI: 10.1590/1518-8345.4475.3344
    » https://doi.org/10.1590/1518-8345.4475.3344
  • SANCHEZ, R. M.; CICONELLI, R. M. Conceitos de acesso à saúde. Revista Panamericana de Salud Pública, Washington, D.C., v. 31, n. 3, p. 260-268, 2012.
  • SANTOS, M. P. A. et al. População negra e Covid-19: reflexões sobre racismo e saúde. Estudos Avançados, São Paulo, v. 34, n. 99, p. 225-243, 2020. DOI: https://doi.org/10.1590/s0103-4014.2020.3499.014
    » https://doi.org/10.1590/s0103-4014.2020.3499.014
  • SCHWARCZ, L.; STARLING, H. M. M. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das letras, 2015.
  • SHADMI, E. et al. Health equity and COVID-19: global perspectives. International Journal for Equity in Health, London, v. 19, n. 104, p. 1-16, 2020. DOI: 10.1186/s12939-020-01218-z
    » https://doi.org/10.1186/s12939-020-01218-z
  • SILVA, J. J.; BRUNO, M. A. P.; SILVA, D. B. N. Pobreza multidimensional no Brasil: uma análise do período 2004-2015. Revista de Economia Política, São Paulo, v. 40, n. 1, p. 138-160, 2020. DOI: 10.1590/0101-31572020-2924
    » https://doi.org/10.1590/0101-31572020-2924
  • SILVA, P. V. B.; TRIGO, R. A. E.; MARÇAL, J. A. Movimentos negros e direitos humanos. Revista Diálogo Educacional, Florianópolis, v. 13 n. 39, p. 559-581, 2013. DOI: 10.7213/dialogo.educ.10211
    » https://doi.org/10.7213/dialogo.educ.10211
  • SOLAR, O.; IRWIN, A. A conceptual framework for action on the social determinants of health. Geneva: WHO, 2010. Disponível em: <Disponível em: https://www.who.int/sdhconference/resources/ConceptualframeworkforactiononSDH_eng.pdf?ua=1 >. Acesso em: 22 jul. 2020.
    » https://www.who.int/sdhconference/resources/ConceptualframeworkforactiononSDH_eng.pdf?ua=1
  • TOWNE JR, S. D. Socioeconomic, geospatial, and geopolitical disparities in Access to healthcare in the US 2011-2015. International Journal of Environmental Research and Public Health, Basel, v. 14, n. 6, p. 1-15, 2017. DOI: 10.3390%2Fijerph14060573
    » https://doi.org/10.3390%2Fijerph14060573
  • TEIXEIRA, K.K.S.; KARVALHO, K.M.G.; MEDEIROS, A.A.; BARBOSA, I.R. Indicators of cases and deaths by COVID-19 and its relationship with contextual factors: an ecological study in the city of Natal-RN. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v. 6, n. 6, p. 40689-40703, 2020. DOI: 10.34117/bjdv6n6-562
    » https://doi.org/10.34117/bjdv6n6-562
  • WERNECK, J. Racismo institucional e saúde da população negra. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 25, n. 3, p. 535-549, 2016.

  • 1
    A população brasileira é classificada em “branca”, “preta”, “parda”, “amarela/asiática” e “indígena”. “Pretos” e “pardos” podem ainda ser classificados como “negros”; esta subdivisão da população negra objetiva contemplar autodeclarações das pessoas com cor de pele mais escura e suas gradações, resultantes do processo do branqueamento da população brasileira. Ademais, o termo “raça/cor”, com duas palavras aplicadas em um único sentido, é utilizado no Brasil por que a cor da pele é a forma pela qual as pessoas mais identificam o agrupamento étnico ou racial ao qual pertencem e é através da leitura deste traço fenotípico que as discriminações raciais são efetivadas no país (Petrucelli; Saboia, 2013PETRUCELLI, J. L.; SABÓIA, A.L. Características étnico-raciais da população: classificações e identidades. Rio de Janeiro: IBGE, 2013.).
  • 2
    De acordo com o último censo demográfico, de 2010, a população brasileira é constituída majoritariamente por negros; são 15 milhões de autodeclarados pretos (7,6%), somados a 82 milhões de pardos (43,1%). Na outra parcela da população são 91 milhões que se classificaram como brancos (47,7%), dois milhões como amarelos (1,1%) e 817 mil indígenas (0,4%). Dados de 2015, da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), já revelam um incremento do número de autodeclarados negros em relação ao último censo, 53,9% das pessoas se declaravam de cor/raça preta ou parda (IBGE, 2016IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa nacional por amostra de domicílios: síntese de indicadores 2015. Rio de Janeiro: 2016. Disponível em: <Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv98887.pdf >. Acesso em: 21 jul. 2020.
    https://biblioteca.ibge.gov.br/visualiza...
    ).
  • 3
    O “critério Brasil” é um padrão de classificação socioeconômica utilizado no Brasil que considera o nível educacional, acesso a bens e a serviços públicos essenciais para estimar a renda familiar. A população é classificada em seis estratos socioeconômicos, de acordo com a renda familiar estimada, denominados: “A” (renda familiar estimada de R$ 23.345,11), “B” (renda familiar estimada de R$ 10.386,52 para B1 a R$ 5.363,19 para B2), “C” (renda familiar estimada de 2.965,69 R$ para C1 a 1.691,441 R$ para C2) e “D e”E” (renda familiar estimada em até R$ 708,19) (Kamakura; Mazzon, 2016KAMAKURA, W.; MAZZON, J. A. Critérios de estratificação e comparação de classificadores socioeconômicos no Brasil. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 56, n. 1, p. 55-70, 2016. DOI: 10.1590/S0034-759020160106
    https://doi.org/10.1590/S0034-7590201601...
    ).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    11 Abr 2022
  • Revisado
    28 Set 2020
  • Revisado
    02 Mar 2021
  • Revisado
    11 Abr 2022
  • Aceito
    18 Abr 2022
Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo. Associação Paulista de Saúde Pública. SP - Brazil
E-mail: saudesoc@usp.br