O erro médico nos tribunais: uma análise das decisões do Tribunal de Justiça da capital brasileira

Maria Célia Delduque Miguel Montagner Sandra Mara Campos Alves Maria Inêz Montagner Gisela Mascarenhas Sobre os autores

Resumo

Neste artigo buscou-se a ocorrência de erros médicos e sua resposta pelo Poder Judiciário, no âmbito do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), situado na capital da República brasileira, entre os anos de 2002 e 2019. Trata-se de pesquisa documental, retrospectiva com análise qualitativa das peças processuais dos processos judiciais tramitados nas varas cíveis do TJDFT e estatística descritiva. Foram levantadas as variáveis: especialidade médica da ocorrência, tipo de dano causado, vínculo do médico, se público ou privado, tipo de pedido do autor(a), decisão judicial e valor da indenização, dentre outros. O número de ações sobre erro médico está em crescimento no tribunal estudado e há uma tendência dos juízes em condenar com valores mais altos os médicos de instituições públicas. Mais da metade dos processos analisados tiveram a decisão judicial final desfavorável ao autor da demanda e mesmo os procedentes tiveram redução de aproximadamente 30% no valor da indenização pedida. Os pedidos de indenização por dano moral e dano material são de maior frequência. Os processos julgados ao longo dos últimos 17 anos pelo TJDFT em matéria de erro médico tiveram crescimento exponencial, caracterizando-se como uma nova forma de judicializar a saúde.

Palavras-chave:
Erro Médico; Direito à Saúde; Judicialização da Saúde

Introdução

Na medicina - como nas demais profissões que lidam com pacientes - o erro pode ocorrer quando se realiza um ato por ação ou omissão equivocado e não-intencional cujas consequências irão desde danos físicos, morais e estéticos até a morte. Assim é que o termo “erro médico” na linguagem jurídica é adotado para determinar erro cometido por qualquer categoria profissional da área da saúde.

Embora a possibilidade potencial de errar esteja presente em todas as ações humanas, os eventos adversos (WHO, 2021WHO - World Health Organization. Conceptual framework for the International Classification for Patient Safety. Version 1.1. Final technical Report. 2009. Disponível em: Disponível em: http://www.who.int/patientsafety/taxonomy/icps_full_report.pdf . Acesso em: 30 nov. 2021.
http://www.who.int/patientsafety/taxonom...
), ocorridos durante a prestação de cuidados de saúde, podem gerar ações disciplinares nos conselhos de medicina, bem como ações judiciais por dano ao paciente.

A gestão desses erros e os potenciais danos dele decorrentes se insere na perspectiva da promoção da segurança do paciente inerente à qualidade do cuidado de saúde prestado, sendo esse um desafio mundial a ser enfrentado pelas organizações de saúde. E, na perspectiva do direito sanitário, relaciona-se com a proteção de direitos fundamentais como o direito à saúde, a vida e a própria integridade física do paciente.

A responsabilidade civil do profissional da medicina deriva da culpa no sentido amplo; esta engloba o dolo - a vontade premeditada de causar o dano - e a culpa stricto sensu, ambos previstos no Direito Penal. Assim é que, havendo dano, há que se aferir o nexo causal, ou seja, é imperativo que se estabeleça que o dano foi realmente causado por ação ou omissão do médico e sua culpa. A essência da culpa está na previsibilidade: se o resultado desfavorável era previsível e não foi evitado, há culpa (Udelmann, 2002UDELMANN, A. Responsabilidade civil, penal e ética dos médicos. Revista da Associação Médica Brasileira, v. 48, n. 2, p. 172-178, 2002.).

Havendo dano e a culpa comprovada, a indenização é certa segundo o artigo 186 do Código Civil Brasileiro: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” (Brasil, 2002BRASIL. Lei federal n. 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Instituto o Código Civil. Brasília, DF, 2002. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm . Acesso em: 4 nov. 2021.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
).

A culpa em sentido estrito tem três vertentes: a imperícia, a imprudência e a negligência. A imprudência é um comportamento de precipitação, de falta de cuidados; a negligência é ato omissivo, quando o médico deixa de observar regra profissional estabelecida; e a imperícia é o despreparo, a prática de atos sem o necessário conhecimento técnico-científico.

A questão da responsabilidade civil do profissional de saúde e o dever de indenizar a vítima pelos danos causados é tema tão sensível que a Constituição brasileira em seu art. 5°, inciso V e X (Brasil, 1988BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, 2021.) determina que mesmo havendo absolvição do médico na esfera penal, não o isenta de indenizar pelos danos morais, materiais e estéticos.

Sabe-se que no Brasil cresce abruptamente a procura por intervenções clínicas, cujas causas divergem desde as necessárias até intervenções destinadas a melhorias estéticas. Paralelamente, crescem também os chamados eventos adversos, os designados erros médicos (Braga; Ertler; Garbim, 2017BRAGA, I. F. A.; ERTLER, L. Z.; GARBIM, H. B. R. Entendimento do Tribunal de Justiça do Pará sobre o erro médico na esfera penal. Arquivos brasileiros de ciências da saúde, v. 42, n. 3, p. 156-160, 2017.; Braga et al., 2019BRAGA, I. F.A. et al. Responsabilidade civil nas acusações de erro médico de ortopedistas. Revista Bioética, v. 27 n. 1, p. 105-110, 2019.; Gomes, 2017GOMES, T. R. Análise idiossincrática nos discursos proferidos nas decisões sobre o erro médico no TJDFT: um estudo qualitativo. Cadernos Ibero-Americanos de Direito Sanitário, v. 6, n. 4, p. 55-69, 2017.; Fujita, 2009FUJITA R. R; SANTOS I. C. Denúncias por erro médico em Goiás. Revista da Associação Médica Brasileira, v. 55, n. 3, p. 283-289, 2009.; Rodrigues; Nunes, 2018RODRIGUES, T. M. L. C; NUNES, A. A. Indenizações em Obstetrícia: estudos das decisões do Superior Tribunal de Justiça do Brasil de 2004 a 2014. Revista de Direito Sanitário, v. 19, n. 1, p. 121-143, 2018.). Ainda segundo Schulze (2019SCHULZE, C. Números de 2019 da judicialização da saúde no Brasil. São Paulo: Empório do Direito, 2019.), no ano de 2018, o número de processos judiciais sobre erro médico no Brasil foi de 107.612, embora as pesquisas sobre o erro médico em tribunais sejam bastante escassas e a literatura apresenta um número reduzido de cases.

Por isso é que, para além de conhecer o quadro jurídico dessas ações que culminaram em condenações cíveis, notadamente no âmbito do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), situado na capital da República brasileira, os estudos sobre processos jurídicos envolvendo erros médicos podem subsidiar decisões e ações de gestores, trabalhadores e educadores na promoção de cuidados voltados ao desenvolvimento de uma cultura de segurança do paciente.

Metodologia

Tratou-se de pesquisa no âmbito do Direito Sanitário em que foi aplicado métodos de análises de decisões judiciais sobre erros médicos julgados pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), com estatística descritiva, no âmbito do que se convencionou chamar de “Estudos Empíricos do Direito”, sensivelmente distintos dos da pesquisa jurídica tradicional.

Mc Conville e Hong Chui, na obra Research Methods for Law (2017MCCONVILLE, M.; HONG CHUI, W. Research Methods for Law. Edinburgh: Edinburgh University Press, 2017.) informam que a pesquisa qualitativa em direito são complementares às pesquisas doutrinárias tradicionais e destacam que o elemento central da pesquisa empírica é a referência aos fatos, que podem ser históricos, contemporâneos, fundados em entrevistas, derivado de arquivos públicos, os baseados na legislação e, obviamente, os derivados das decisões judiciais. Estamos, portanto, diante de uma metodologia híbrida que se aplica ao Direito Sanitário, que se utiliza de métodos qualitativos característicos da Saúde Coletiva com a informação dogmática do puro direito.

A pesquisa foi exploratória, analítico-descritiva de base qualitativa, cuja unidade de consulta foi o processo judicial contendo Apelações Cíveis julgadas em segunda instância no TJDFT. Não foi considerado a data de início dos processos, mas apenas o ano da decisão em segunda e última instância11Diz-se segunda e última instância porque após a manifestação do TJDF sobre o feito, os processos saem da esfera do Distrito Federal para os tribunais superiores..

Foi utilizado o sítio eletrônico do tribunal22Disponível em: https://www.tjdft.jus.br/., lócus da pesquisa, para o levantamento das informações processuais. Foram privilegiados os processos contendo recursos de apelação cível já julgados e consubstanciados em acórdão das turmas cíveis do TJDFT. O acórdão, apesar de ser uma decisão em segunda instância é rico em detalhes sobre a causa, pois traz um histórico completo sobre o iter da ação judicial, desde sua peça inaugural até a sentença de primeiro grau e de segundo grau, razão da opção pela segunda instância para a coleta de dados.

A pesquisa com acórdãos é uma forma de pesquisa documental. São pesquisas que possuem como fonte principal de dados documentos escritos, oficiais do poder judiciário. Os estudos com acórdãos podem ser classificados nas tipologias de Gerring citado por Coacci (2013COACCI, T. A pesquisa com acórdãos nas ciências sociais: algumas reflexões metodológicas. Revista de Ciências Sociais, v. 18, n. 2, p. 86-109, 2013.) de Estudos de Casos ou Estudos Cruzados de Casos.

No formulário de busca disponível no sítio, foram utilizados os seguintes descritores: erro médico, má- prática médica e dano médico. Foram privilegiados os processos julgados em segunda instância entre os anos de 2002 e 2019.

Do retorno dado pelo sistema de busca do tribunal, foram coletadas as principais informações de cada processo investigado: especialidade médica da ocorrência, tipo de dano causado/tipo de pedido do autor (a), vínculo do médico se público ou privado, decisão judicial e valor da indenização pedida versus paga e outros.

Os dados foram tabulados em planilhas eletrônicas e analisados por meio de técnicas de estatística descritiva.

Deixou-se de submeter a proposta de pesquisa junto ao Comitê de Ética porque se tratou de evento documental em banco de dados público, embora tenham sido preservados nomes e qualquer forma de identificação dos demandantes e demandados. A pesquisa encontra-se, portanto, em conformidade com as diretrizes e preceitos éticos contidas na Resolução n. 510/2016 expedida pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS) no Brasil.

Resultados e discussão

Foram encontrados 693 processos que responderam aos descritores no sítio do TJDFT, tendo sido selecionados 557 demandas sobre o erro médico, julgadas no intervalo temporal definido para a pesquisa. Foram descartadas as demandas fora do âmbito cível e as demandas em segredo de justiça.

O Gráfico 1 demonstra que a partir de 2008 o crescimento das ações foi exponencial. Tal se observa também pela instalação e consolidação da Defensoria Pública do DF não apenas em Brasília, mas em todas as cidades periféricas que constituem as regiões administrativas do Distrito Federal.

Gráfico 1
Representação dos processos sobre erro médico por ano, no Tribunal de Justiça do Distrito Federal

Os pacientes hipossuficientes e sem condições de contratar um advogado fizeram uso desse profissional para demandar contra o médico ou hospital ou ambos em litisconsórcio33Litisconsórcio é uma expressão do Direito Processual usada quando há uma pluralidade de partes no mesmo processo, por exemplo: no polo passivo da ação estar o médico, o enfermeiro, o hospital e a secretaria de saúde.. Foram 68,97% dos pacientes sem condições financeiras que o fizeram, enquanto 31,03% foram representados pela Defensoria Pública. Não foram identificadas quaisquer outras representações de pacientes na investigação.

É comum associar a capacidade econômica da pessoa com a contratação de um advogado. Tais profissionais, entretanto, costumam contratar mesmo aqueles que não podem arcar com seus honorários na confiança de que, vencedor no processo, receberá integralmente o ônus da sucumbência, ou seja, os valores arbitrados pelo juiz à parte perdedora do processo, que acaba pagando todas as despesas de quem “ganhou” a ação. Assim, o profissional advogado acaba por ser remunerado ao final da ação, pela parte perdedora, sem custos para o seu cliente ganhador da ação.

Em relação à personalidade jurídica das instituições, as privadas foram condenadas em 56,1% do universo pesquisado enquanto as entidades públicas representaram 43,9 %. Mas, quando comparados os valores de indenização constantes no pedido do autor da ação e o valor efetivamente arbitrado pelo juiz nas condenações, percebe-se que, isoladamente, os valores mais altos recaíram sobre instituições públicas, embora em valores totais, as instituições privadas pagaram valores maiores.

Gráfico 2
Diferença entre o valor pedido e o valor arbitrado pelo juiz na condenação versus entidades públicas e privadas da saúde, no Tribunal de Justiça do Distrito Federal

As condenações acima de R$ 800 mil têm concentração em instituições de direito público por meio de seus médicos vinculados. Ao revés, percebe-se uma maior concentração de condenações em valores inferiores a R$ 200 mil para as instituições privadas e seus profissionais.

A especialidade médica que majoritariamente foi condenada a indenizar pacientes foi a gineco-obstetrícia (GO), seguido da cirurgia geral, embora tenha havido representação de quase todas as especialidades médicas no universo pesquisado.

Estudos conduzidos no Tribunal de Justiça do Pará obtiveram resultados semelhantes, constatando-se ter havido 83,33% dos processos reunidos em casos clínicos e 16,77 % em procedimentos cirúrgicos, em uma escala de maior número para menor número nas especialidades: ginecologia-obstetrícia; emergência clínica; cirurgia geral; anestesiologia, cirurgia plástica; oftalmologia; ortopedia e radiologia (Braga et al., 2019BRAGA, I. F.A. et al. Responsabilidade civil nas acusações de erro médico de ortopedistas. Revista Bioética, v. 27 n. 1, p. 105-110, 2019.).

Também Fujita e Santos (2009FUJITA R. R; SANTOS I. C. Denúncias por erro médico em Goiás. Revista da Associação Médica Brasileira, v. 55, n. 3, p. 283-289, 2009.), em pesquisa sobre denúncias contra médicos junto ao Conselho Regional de Medicina do Estado de Goiás apontam que a gineco-obstetrícia tem 64% das denúncias, seguida da cirurgia plástica e ortopedia.

Rodrigues e Nunes (2018RODRIGUES, T. M. L. C; NUNES, A. A. Indenizações em Obstetrícia: estudos das decisões do Superior Tribunal de Justiça do Brasil de 2004 a 2014. Revista de Direito Sanitário, v. 19, n. 1, p. 121-143, 2018.) em um trabalho em âmbito nacional, analisaram decisões de cortes superiores sobre as indenizações na específica especialidade da obstetrícia, demonstrando que em todos os estados da federação, a especialidade médica com mais demandas judiciais é a GO. Concluem que a obstetrícia é a especialidade com maior número de ações judiciais, face ao grande número de intercorrências no período pré- natal e nas urgências e emergências no trabalho de parto.

No ano de 2021, a Organização Mundial da Saúde (OMS), no que toca aos compromissos com a saúde, elegeu o tema “cuidado materno e neonatal seguro” para celebrar o Dia Mundial da Segurança do Paciente, alertando para a necessidade de reduzir as mortes por causas evitáveis, relacionados à gestação e ao parto, especialmente por meio de oferta de prestação de cuidados seguros e de qualidade (WHO, 2021WHO - World Health Organization. World Patient Day-2021. Disponível em: Disponível em: https://www.who.int/news-room/events/detail/2021/09/17/default-calendar/world-patient-safety-day-2021 Acesso em: 26 nov. 2021.
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).

No cenário brasileiro, registra-se o número alarmante de mais de 38 mil óbitos maternos no período de 1996 a 2018, tendo como principais causas obstétricas diretas a hipertensão, hemorragia e infecção puerperal (Brasil, 2020BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS). Boletim epidemiológico v. 51. Brasília, DF, 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/media/pdf/2020/dezembro/28/boletim_epidemiologico_svs_51.pdf . Acesso em: 26 nov. 2021.
https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/...
).

No levantamento sobre os tipos de danos causados, estes se concentraram nas seguintes modalidades: óbito, dano material, dano estético, dano moral e a combinação entre eles. As demandas concentradas em dano moral foram as mais solicitadas, como também as que estipularam maiores valores nas indenizações.

Gráfico 3
Espécie de dano versus valor da indenização, nos processos julgados no Tribunal de Justiça do Distrito Federal, entre 2002 e 2019

Tabela 1
Especialidades médicas demandadas no Tribunal de Justiça do Distrito Federal por erro e espécie de pedido do autor

Os maiores valores concentraram-se na indenização do dano moral individualmente ou quando combinado com o dano material. Vê-se que quando há o óbito, os pedidos de indenização se combinam com o dano moral e dano material, mas estatisticamente são pouco frequentes. O dano estético cumulado com o dano moral também teve representação nos pedidos dos autores.

A maioria das decisões judiciais tiveram o desfecho improcedente totalizando mais da metade das decisões nos casos submetidos ao tribunal. Além disso, verificou-se redução dos valores das condenações em média 30% a menor do solicitado pela parte.

Gráfico 4
Decisão dos acórdãos do Tribunal de Justiça do Distrito Federal em razão dos casos de erro médico, entre 2002 e 2019

Foi considerado parcialmente deferido quando o juiz entendeu haver sido cometido o dano, mas considerou o pedido de indenização demasiado. Deferiu completamente o pedido do autor em apenas 19% das demandas. Extinção do processo sem julgamento do mérito ocorre quando se perde a razão de constituir-se um processo judicial, pode ocorrer por desistência do autor da demanda, por exemplo.

Considerações Finais

O tema de pesquisa do erro médico e sua interpretação pelo Poder Judiciário, embora seja temática relevante com números impressionantes na realidade, não representa algo que gere investigações científicas ou produção científica compatível. Tal constatação demonstra que a temática não tem despertador o interesse de pesquisadores, especialmente aqueles preocupados com a saúde e bem-estar de nascituros e gestantes.

A representação dos pacientes em juízo faz- se especialmente por advogados contratados, com tímida participação da Defensoria Pública do Distrito Federal (DPDF) para casos que não chegaram a 50% do total. Embora o trabalho da DPDF seja de extrema importância, a atuação de advogados particulares prevaleceu. Tal evidência demonstra que advogados encontraram um nicho no mercado e oferecem condições de pagamento de honorários que facilitam a sua contratação. Ao revés, revela também uma falta de confiança dos autores nos serviços públicos das Defensorias.

Os dados apresentados referentes a ações judiciais de erro médico na área da ginecologia e obstetrícia confirmam a necessidade urgente de políticas públicas de saúde voltadas à redução de erros nesse segmento, visto que não é um quadro especial do DF, mas de âmbito nacional, confirmado pela literatura.

Os pedidos de indenização por erro médico concentram-se na retribuição pecuniária por dano moral ou combinado com dano material. Mesmo os casos de óbitos, os autores da ação pedem indenização por dano moral, fazendo-se suspeitar que o sofrimento psíquico e a dor sejam mais fortes que as sequelas adquiridas.

A natureza das decisões, majoritariamente improcedentes, revela que a magistratura do DF tem um olhar bastante cuidadoso quanto aos pedidos de indenização por erro médico, havendo uma dificuldade em condenar profissionais de saúde e instituições de saúde quando diante de casos de danos aos pacientes. Igualmente, quando o dano cometido é comprovado, os julgadores costumam reduzir os valores pedidos, em média 30% da solicitação inaugural, mas são severos ao condenar o setor público da saúde.

A má-prática médica - como dos profissionais de saúde em geral - não tem uma causa única. A literatura estudada demonstra que inúmeros fatores convergem para a produção do erro com consequente dano ao paciente, mas que não deve eximir as instituições de saúde a buscar a redução de tais episódios. Restou, ao final de todo o trabalho, a constatação de que há uma nova forma de judicializar a saúde.

Referências

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  • 1
    Diz-se segunda e última instância porque após a manifestação do TJDF sobre o feito, os processos saem da esfera do Distrito Federal para os tribunais superiores.
  • 2
    Disponível em: https://www.tjdft.jus.br/.
  • 3
    Litisconsórcio é uma expressão do Direito Processual usada quando há uma pluralidade de partes no mesmo processo, por exemplo: no polo passivo da ação estar o médico, o enfermeiro, o hospital e a secretaria de saúde.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Out 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    14 Fev 2022
  • Aceito
    19 Abr 2022
Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo. Associação Paulista de Saúde Pública. SP - Brazil
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