Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e suas contribuições para a Segurança Alimentar e Nutricional durante a pandemia de covid-19 no Brasil

Landless Workers’ Movement and its contributions to food security during the COVID-19 pandemic in Brazil

Jackson Silva Lima Laurentino Adarlam Tadeu da Silva Erica Rodrigues da Silva Catarine Santos da Silva Luymara Pereira Bezerra de Almeida Sobre os autores

Resumo

A pandemia de covid-19 agravou a fome e a insegurança alimentar em todo o mundo, causando mobilização dos movimentos sociais para amenizar esse cenário. Este artigo objetiva caracterizar e analisar as ações e a contribuição do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra para a promoção da Segurança Alimentar e Nutricional durante a pandemia no Brasil. A pesquisa documental foi a base para as informações do escopo do estudo. A coleta de dados foi realizada pela busca de documentos por meio de ferramentas de busca online. Os documentos encontrados foram verificados acerca de sua veracidade e examinados pela análise de conteúdo de Bardin. Dentre eles, a maioria são notícias. As ações realizadas foram de doações e vendas de alimentos e doações de sementes para plantio. Os alimentos doados advinham da produção orgânica e agroecológica do movimento. Tais ações ocorreram em diversas regiões do país e foram ao encontro da melhoria do acesso e disponibilidade de alimentos às populações vulnerabilizadas, o que promoveu o acesso a alimentos de qualidade e seguros. Isso demonstra que as ações realizadas pelo movimento contribuíram para o enfrentamento da fome durante a pandemia e destacam a importância dos movimentos do campo na promoção da Segurança Alimentar e Nutricional.

Palavras-chave:
Segurança Alimentar; Pandemia por covid-19; Organizações não Governamentais; Trabalhadores Rurais

Abstract

The COVID-19 pandemic worsened hunger and food insecurity around the world, leading to mobilization of social movements to alleviate this scenario. This documentary study characterizes and analyzes the Landless Workers’ Movement’s actions and contributions to promote food security during the COVID-19 pandemic in Brazil. Data was collected through online search tools. The documents found were verified for their veracity and analyzed using Bardin’s content analysis. Of the documents found, most were news. Donations and sale of food from the movement’s organic and agroecological production, and seed donations for planting were the actions carried out. These actions took place in different regions of the country and sought to improve food access and availability to vulnerable populations, thus promoting access to quality and safe food. This demonstrates that the actions carried out by the movement contributed to combating hunger during the pandemic, highlighting the importance of rural movements in promoting food security.

Keywords:
Food Security; COVID-19 pandemic; Non-Governmental Organizations; Rural workers

Introdução

A Organização Mundial de Saúde (OMS), em janeiro de 2020, notificou uma nova doença respiratória, que chamou a atenção das autoridades sanitárias pela rápida propagação da doença. Em março de 2020, a OMS declarou um alerta sobre o surto pandêmico de covid-19, que viria a agravar e causar inúmeros problemas sociais, econômicos e de saúde (WHO, 2020WHO - World Health Organization. Timeline: WHO’s COVID-19 response. 2020. Disponível em: <Disponível em: https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/interactive-timeline#event-0 >. Acesso em: 2 set. 2022.
https://www.who.int/emergencies/diseases...
).

Em países em desenvolvimento, como o Brasil, a pandemia intensificou algumas questões que já se mostravam preocupantes nos últimos anos, como a fome, a miséria e a obesidade (Ribeiro-Silva et al., 2020RIBEIRO-SILVA, R. C. et al. Implicações da pandemia COVID-19 para a segurança alimentar e nutricional no Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 25, p. 3421-3430, 2020. DOI: 10.1590/1413-81232020259.22152020
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).

O Brasil havia saído do mapa da fome, devido a implementação de diversas políticas públicas voltadas para Segurança Alimentar e Nutricional (SAN), porém, a publicação dos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2020, destacou o número de pessoas em situação de Insegurança Alimentar (IA), com cerca de 10,3 milhões de pessoas em níveis graves de IA (IBGE, 2020IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de orçamentos familiares: 2017-2018: análise da segurança alimentar no Brasil/IBGE. Rio de Janeiro, 2020. Disponível em: <Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101749.pdf >. Acesso em: 19 set. 2021.
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).

No governo de Michel Temer, de 2016 a 2018, iniciou-se o desmonte de políticas públicas sociais, de transferência de renda, de combate à fome e redução da pobreza, o que aumentou as iniquidades entre a população. Muitos desses cortes envolveram políticas e programas que estruturam a promoção da SAN no país (Ribeiro-Silva et al., 2020RIBEIRO-SILVA, R. C. et al. Implicações da pandemia COVID-19 para a segurança alimentar e nutricional no Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 25, p. 3421-3430, 2020. DOI: 10.1590/1413-81232020259.22152020
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; Santos, A. et al., 2021SANTOS, A. B. M. V. et al. O desmonte das iniciativas governamentais para a Segurança Alimentar e Nutricional: estudo de caso do município de Cuité-Paraíba, entre 2014 e 2019. Segurança Alimentar e Nutricional, Campinas, v. 28, p. e021025-e021025, 2021. DOI:10.20396/san.v28i00.8661789
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). O Governo Bolsonaro, em 2019, extinguiu o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), espaço de diálogo entre o Estado e representantes da sociedade civil e importante instrumento de controle social (Castro, 2019CASTRO, I. R. R. A extinção do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional e a agenda de alimentação e nutrição. Cadernos de Saúde Pública, São Paulo, v. 35, n. 2, p. e00009919, 2019. DOI:10.1590/0102-311X00009919
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).

Nesse sentido, a SAN diz respeito ao “direito de todos ao acesso permanente a alimentos de qualidade e em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais”, que atenda às necessidades nutricionais dos diferentes grupos étnicos, sem interferir em sua cultura e autonomia de escolha, ofertando alimentos seguros, com cultivo sustentável (FAO, 2017FAO - Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura. Global strategic framework for food security and nutrition (GSF) 2017 Edition. Roma: 2017. Disponível em: <Disponível em: https://www.fao.org/cfs/policy-products/gsf/en/ >. Acesso em: 15 ago. 2021.
https://www.fao.org/cfs/policy-products/...
).

Aliados a esse conceito estão os movimentos sociais, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) que lutam pelo alcance de seus direitos básicos, frente ao governo, especialmente, à terra e o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA), que trata sobre o direito fundamental de todos ao acesso a alimentos de qualidade, garantidos pela Constituição Federal (Sousa, 2020SOUSA, J. M. M. Do direito humano à alimentação e à segurança alimentar ao direito à terra: reflexões necessárias em políticas públicas. Oikos: Família e Sociedade em Debate, Viçosa, v. 31, n. 1, p. 264-282, 2020. DOI: 10.31423/oikos.v31i2.10393
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). Além disso, o MST busca produzir seus alimentos sem trazer prejuízos ao meio ambiente, e promove, assim, a justiça social, de maneira que opta por meios agroecológicos de cultivo.

O MST iniciou sua estruturação na década de 1980, no Sul do Brasil, pautado na Reforma Agrária, junto ao governo brasileiro e com a mediação de outros movimentos, como a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e as Comunidades Eclesiásticas de Base (CEB). No Brasil, ao desencadear ocupações de terra, greves e pautar os direitos dos trabalhadores rurais sem terra, o MST consolidou-se e deu visibilidade às suas lutas (Aliaga; Maranho, 2021ALIAGA, L; MARANHO, F. O MST e a agroecologia: entre autonomia e subalternidade. Revista Katálysis, Florianópolis, v. 24, n. 3, p. 576-584, 2021. DOI:10.1590/1982-0259.2021.e79736
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). São objetivos do movimento a luta pela terra, a Reforma Agrária e uma sociedade fraterna que tenha direitos garantidos. O MST encontra-se espalhado por todo o território brasileiro e está comprometido com a produção de alimentos saudáveis, utiliza recursos de forma sustentável, a fim de contribuir com a renda familiar e melhores condições de trabalho dos agricultores assentados (Aliaga; Maranho, 2021ALIAGA, L; MARANHO, F. O MST e a agroecologia: entre autonomia e subalternidade. Revista Katálysis, Florianópolis, v. 24, n. 3, p. 576-584, 2021. DOI:10.1590/1982-0259.2021.e79736
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).

Os movimentos sociais do campo têm fortalecido a luta pela SAN e têm se mostrado fortes colaboradores no combate à fome das populações rurais e urbanas, em meio a pandemia, por continuarem organizados na produção de alimentos de qualidade e na realização de doações de parte de sua produção para as populações vulnerabilizadas (Fernandes, S.; Silva; Carmo, 2021FERNANDES, S. A. S.; SILVA, R.; CARMO, V. T. Produção de alimentos e segurança alimentar no Brasil durante a pandemia. Mundo e Desenvolvimento: Revista do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais, São Paulo, v. 1, n. 5, p. 92-112, 2021.).

Portanto, o objetivo deste estudo é caracterizar e analisar as ações e a contribuição do MST para promoção da SAN durante a pandemia de covid-19 no Brasil.

Métodos

Trata-se de estudo empírico com análise documental, realizado no período de abril a julho de 2021. A pesquisa documental se caracteriza pela busca de materiais que não sofreram tratamento analítico e traz diversidade de informações para o estudo, no intuito de contextualizar o objetivo da pesquisa (Cechinel et al., 2016CECHINEL, A. et al. Estudo/análise documental: uma revisão teórica e metodológica. Criar Educação, Criciúma, v. 5, n. 1, 2016. DOI:10.18616/ce.v5i1.2446
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). Essa análise pode ocorrer de inúmeras maneiras: com a utilização de documentos escritos, de instituições públicas ou privadas, diários, gravações, filmes, fotografias, entre outros.

A coleta de dados foi realizada por meio da busca de notícias, reportagens, documentos e registros online sobre ações do MST que tivessem relação com a SAN, durante a pandemia de covid-19, no recorte 2020-2021. Para padronizar a coleta de dados, foi desenvolvido pelos pesquisadores um quadro de caracterização das notícias/documentos para o preenchimento das informações-alvo. Este quadro de caracterização continha itens: (1) Ação do MST para SAN (qual a ação realizada pelo MST); (2) Data, Fonte e Local (registro da data, fonte e local de origem das notícias); (3) Natureza do Texto (reportagem, notícia, documento oficial, ofício etc.); (4) Informações sobre a ação do MST (descrição detalhada da ação realizada); e (5) Palavras-chave (para sumarizar e agrupar as ações).

Inicialmente foi realizada uma busca ativa em sites de busca (Google; Bing; Yahoo! Search; e MSN Search), usou-se como estratégia de busca termos como: “MST e pandemia”, “MST ações”, “MST alimentos”, “MST alimentação”, “MST e Segurança alimentar e nutricional”. Após essa busca, as notícias/documentos encontrados foram registrados no quadro de caracterização. Esta etapa foi realizada por quatro pesquisadores independentes e teve duração de quatro meses. Após o final dessa fase, as notícias foram confrontadas e retiradas as duplicadas.

Além da duplicidade das notícias/documentos coletados, também foram considerados critérios de exclusão: fora do período de análise; com termos pesquisados, mas que não contemplavam ações para a SAN; de ações de outras Organizações da Sociedade Civil que não o MST; e que não constavam em sites confiáveis.

As notícias e informações coletadas foram verificadas por meio de um quadro de checagem. Para isso, utilizou-se sites como: “Fake Check” da Universidade de São Paulo (USP) e Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), “Estadão Verifica” e “Agência Lupa”. Também se usou a estratégia de verificação da publicação das notícias em outras fontes confiáveis, como jornais e revistas renomados que realizam checagem de informações. Todas as notícias/documentos coletados foram checados, individualmente, e sinalizados quanto à veracidade das notícias no quadro de checagem. As etapas da coleta de dados estão ilustradas na Figura 1.

Figura 1
Fluxograma da coleta de dados

Os dados obtidos foram analisados com base na proposta de análise de conteúdo de Bardin (1977BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977.), por meio da pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados (inferência e interpretação). Na pré-análise e exploração do material, os autores se debruçaram na identificação dos aspectos de interesse da pesquisa, como: tipo de ação realizada; localidades e populações receptoras; e tipos de alimentos e insumos usados nas ações. Estes aspectos foram organizados e trabalhados em categorias temáticas, ou seja, os pesquisadores buscaram semelhanças e diferenças entre as notícias coletadas e as agruparam em categorias definidas a partir das similaridades das ações desenvolvidas pelo MST nas notícias encontradas.

No tratamento dos resultados (inferência e interpretação) foram trabalhadas subcategorias de ações, como mostra o Quadro 1. A etapa de análise de conteúdo foi realizada por dois pesquisadores independentes, o nivelamento e a avaliação da concordância entre os pesquisadores ocorreram por meio de reuniões entre os envolvidos.

Quadro 1
Categorização temática das ações efetuadas pelo MST no âmbito da SAN durante a pandemia de covid-19, Brasil (2020-2021)

Resultados

A maioria dos documentos encontrados foram do tipo notícias. As principais ações realizadas pelo MST durante a pandemia de covid-19, no âmbito da SAN, foram agrupadas nas seguintes Categorias Temáticas: (1) Doações de alimentos; (2) Vendas de alimentos; e (3) Doações de sementes para plantio (Quadro 1).

As ações da Categoria 1 foram as mais recorrentes. Estas foram realizadas com a doação de alimentos individuais, cestas/kits de alimentos e refeições prontas do tipo marmitas, que resultaram nas subcategorias 1a, 1b e 1c para a análise do estudo (Quadro 1).

As doações de alimentos objetivavam contemplar populações e instituições vulnerabilizadas, como famílias de baixa renda, moradores de regiões metropolitanas e comunidades periféricas, pessoas em situação de rua, comunidades indígenas, famílias de fazedores(as) da cultura, hospitais e asilos. De acordo com as análises das notícias, observou-se que essas ações ocorreram de maneira mais significativa nas seguintes localidades: Recife(PE); João Pessoa(PB); Campina Grande(PB); Região Metropolitana de São Paulo(SP); Curitiba(PR) e Santa Catarina(PR); Rio Grande do Sul(RS); e Maceió(AL).

Em relação à subcategoria 1a, de doação de alimentos individuais, os tipos de alimentos doados mais comuns encontrados nas ações foram as frutas (melancia, banana, melão), os tubérculos (batata doce, macaxeira), as verduras e os legumes.

Já o referente à subcategoria 1b, de doações de cestas/kits, foram encontrados os seguintes alimentos que compunham as cestas/kits: feijão, arroz orgânico, batata doce, carne, frutas (mamão, banana), verduras e legumes, macarrão, fubá, farinha de mandioca, açúcar, sal, leite, óleo e bolachas.

As refeições doadas, subcategoria 1c, eram distribuídas na forma de marmitas e compostas por alimentos comuns ao hábito alimentar do brasileiro, como feijão, arroz e/ou macarrão, batata/macaxeira, carnes/ovos e salada (alface e tomate).

Contudo, as ações das subcategorias 1b e 1c costumavam variar entre as regiões em relação a sua composição, conforme a cultura e o hábito alimentar de cada localidade. Ademais, juntamente, com as marmitas e cestas/kits de alimentos eram distribuídos detergentes, sabonetes, álcool em gel e água potável.

As ações da Categoria 2, de venda de alimentos, eram direcionadas para a população em geral. Os alimentos presentes nas ações da subcategoria 2a, de venda de alimentos individuais, e subcategoria 2b, de cestas/kits, eram vendidos a preço de custo pelo MST para toda a população por meio dos pontos de venda do movimento, como o site, armazéns de venda, feiras etc.

Já as ações da Categoria 3 foram realizadas na forma de doação de sementes de milho comerciais e/ou crioulas, destinadas às pessoas ou organizações das cidades contempladas pela campanha “Plante o Milho do São João” que tinham o interesse em cultivar o cereal.

Outro achado das análises das notícias diz respeito aos tipos dos alimentos doados nas ações realizadas pelo MST, no tocante a sua produção, pois eram alimentos vindos das produções orgânicas e agroecológicas do movimento.

Investigou-se, também, como as ações realizadas pelo MST contemplavam as quatro dimensões da SAN (FAO, 2014FAO - Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura. O estado da Segurança Alimentar e Nutricional no Brasil: um retrato multidimensional - Relatório 2014. Brasília, DF, 2014. Disponível em: <Disponível em: https://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/seguranca_alimentar/SANnoBRasil.pdf >. Acesso em: 3 abr. 2022.
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). Os resultados desta investigação demonstraram que cada ação das categorias temáticas relacionava-se, conceitualmente, com alguma das quatro dimensões (disponibilidade; acessibilidade; estabilidade; e utilização). Estes achados estão demonstrados no Quadro 2.

Quadro 2
Relação entre as ações do MST e as dimensões da SAN

Discussão

No Brasil, o aumento da fome já era uma situação presente no país, e se agravou com a pandemia de covid-19. Com a alta no preço, o acesso aos alimentos ficou ainda mais difícil para as famílias de baixa renda e populações vulnerabilizadas socialmente. O custo dos alimentos aumentou 4,4% no Brasil, em abril de 2020, com consequente aumento da cesta básica - na região Nordeste, esse aumento chegou a 3,48% (Vidal, 2020VIDAL, A. R. N. Cesta básica do Nordeste teve alta de 3,48% em abril de 2020. Diário Econômico ETENE, São Paulo, v. 3, n. 62, 2 jun. 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.bnb.gov.br/s482-dspace/bitstream/123456789/519/1/2020_DEE_62.pdf . Acesso em: 02 set. 2022.
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).

As ações de venda e doações de alimentos realizadas pelo MST fazem parte da campanha nacional “Mãos Solidárias”, uma iniciativa organizada e dirigida pelo movimento em diversas regiões do país, com coordenação regionalizada, que foram intensificadas durante a pandemia de covid-19, no Brasil.

Foi possível notar que as ações desenvolvidas pelo MST, como as doações de alimentos e a venda de alimentos a preço de custo, são iniciativas que podem trazer um impacto importante nos locais beneficiados por tais medidas, pois possibilitam o acesso a alimentos de qualidade às populações que estão sendo afetadas pela pandemia e suas repercussões na alimentação e na renda.

Os alimentos doados nas ações do movimento faziam parte da colheita das famílias, o que demonstra o engajamento dos agricultores com a promoção do acesso a alimentos saudáveis para as populações beneficiárias das doações e prevenção do desperdício de seus produtos. A doação de alimentos é uma importante ferramenta no combate à IA e contra o desperdício na produção, tema que tem gerado preocupação dos órgãos governamentais em todo o planeta (K. Santos et al., 2020SANTOS, K. L. et al. Perdas e desperdícios de alimentos: reflexões sobre o atual cenário brasileiro. Brazilian Journal of Food Technology, Campinas, v. 23, p. 1-12, 2020. DOI:10.1590/1981-6723.13419
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).

A desigualdade social, a renda insuficiente e incerta, a pouca escolaridade e a falta de acesso a programas sociais são os principais fatores determinantes da IA no Brasil (Lignani et al., 2020LIGNANI, J. B. et al. Relationship between social indicators and food insecurity: a systematic review. Revista Brasileira de Epidemiologia, Rio de Janeiro, v. 23, p. e200068, 2020. DOI:10.1590/1980-549720200068
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; Palmeira et al., 2021PALMEIRA, P. A. et al. Multisectoral government programs and household food insecurity: evidence from a longitudinal study in the semiarid area of northeast, Brazil. Food Security, v. 13, n. 3, p. 525-538, 2021. DOI:10.1007/s12571-020-01100-4
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). Ela expressa a incerteza ou a privação no acesso a alimentos suficientes e de qualidade para levar uma vida saudável, e é um dos principais problemas sociais e de saúde pública no mundo (FAO, 2017FAO - Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura. Global strategic framework for food security and nutrition (GSF) 2017 Edition. Roma: 2017. Disponível em: <Disponível em: https://www.fao.org/cfs/policy-products/gsf/en/ >. Acesso em: 15 ago. 2021.
https://www.fao.org/cfs/policy-products/...
).

As ações do MST encontradas, no presente estudo, são de grande importância na tentativa de atenuar o problema da crise alimentar no Brasil, pois vão ao encontro de uma população vulnerabilizada pela renda insuficiente, pelos frequentes cortes nas políticas de distribuição de renda e de alimentação que dificultam o acesso aos alimentos. Assim, ações de doações de alimentos e refeições, como as realizadas pelo MST, garantem, mesmo que minimamente, acesso e disponibilidade de alimentos para as populações atendidas.

Como observado, as ações do movimento tiveram maior ocorrência nas regiões Norte, Nordeste e Sul do Brasil. O MST tem uma forte presença nestas regiões, decorrente de sua fundação, especialmente, no Nordeste, Sul e Sudeste, nas quais o movimento iniciou sua organização e consolidação (Fernandes, B., 2012FERNANDES, B. M. A territorialização do MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra - Brasil. Revista NERA, São Paulo, v. 1, p. 1-44, 2012. DOI:10.47946/rnera.v0i1.1495
https://doi.org/10.47946/rnera.v0i1.1495...
). Dados do IBGE (2020)IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de orçamentos familiares: 2017-2018: análise da segurança alimentar no Brasil/IBGE. Rio de Janeiro, 2020. Disponível em: <Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101749.pdf >. Acesso em: 19 set. 2021.
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, demonstram que, historicamente, as populações das regiões Norte e Nordeste estão mais vulnerabilizadas, e sofrem com menor acesso à renda e a alimentos, e maiores prevalências de IA, principalmente, as populações rurais dessas regiões, situação ainda mais preocupante no cenário da pandemia. Estima-se que cerca de 1,3 milhão de domicílios encontram-se em estado de IA grave no Nordeste, dos 3,1 milhões no Brasil (IBGE, 2020IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de orçamentos familiares: 2017-2018: análise da segurança alimentar no Brasil/IBGE. Rio de Janeiro, 2020. Disponível em: <Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101749.pdf >. Acesso em: 19 set. 2021.
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). O MST, ao distribuir alimentos in natura e minimamente processados, de cultivo orgânico e agroecológico, possibilita às populações atendidas pelas ações um consumo de alimentos de qualidade ecológica e nutricionalmente adequados, conforme os princípios da SAN.

Outra ação importante realizada pelo MST foi a venda de alimentos. A pandemia ocasionou a alta da inflação e consequente elevação nos preços dos alimentos, bens e serviços, e diminuição do poder de compra do consumidor (Lameiras; Carvalho, 2016LAMEIRAS M. A. P.; CARVALHO L. M. A inflação dos alimentos: uma análise do desempenho recente. Carta de Conjuntura. Brasília, DF: Ipea, 2016. Disponível em: <Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6917/1/cc31-nt_inflacao.pdf >. Acesso em: 31 jun. 2021.
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).

Juntamente com a alta nos preços dos alimentos ocorreu o aumento nos custos de sua produção, sejam agrotóxicos, adubos, rações e demais insumos. Além da alta na produção, outro fator que teve forte impacto na inflação dos alimentos foi a alta dos commodities e, também, pode-se citar a valorização da taxa de câmbio, a partir de 2015, que pressionou o preço dos insumos agrícolas, e promoveu a exportação e deslocou a produção doméstica para este setor (Lameiras; Carvalho, 2016LAMEIRAS M. A. P.; CARVALHO L. M. A inflação dos alimentos: uma análise do desempenho recente. Carta de Conjuntura. Brasília, DF: Ipea, 2016. Disponível em: <Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6917/1/cc31-nt_inflacao.pdf >. Acesso em: 31 jun. 2021.
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). O óleo de soja teve alta de 103,8%, o arroz de 76%, o feijão de 68,8%, a batata inglesa de 67,3% e o tomate de 52,8% (Lameiras; Carvalho, 2016LAMEIRAS M. A. P.; CARVALHO L. M. A inflação dos alimentos: uma análise do desempenho recente. Carta de Conjuntura. Brasília, DF: Ipea, 2016. Disponível em: <Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6917/1/cc31-nt_inflacao.pdf >. Acesso em: 31 jun. 2021.
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). Todos estes fatores influenciaram no aumento das situações de IA e da pobreza (Nippes; Pavan, 2021NIPPES, G. J.; PAVAN, M. Pandemia e Inflação: o Brasil do “Bolsocaro”. Revista Pet Economia UFES, Vitória, v. 2, n. 1, p. 23-27, 2021.).

Com a alta dos preços e a renda incerta, as famílias em situação de IA, muitas vezes, tendem a optar por alimentos mais calóricos, como os processados e ultraprocessados que são mais baratos e disponíveis (Nunnery; Labban; Dharod, 2018NUNNERY, D. L.; LABBAN, J. D.; DHAROD, J. M. Interrelationship between food security status, home availability of variety of fruits and vegetables and their dietary intake among low-income pregnant women. Public Health Nutrition, Cambridge, v. 21, n. 4, p. 807-815, 2018. DOI:10.1017/S1368980017003032
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). Nessa direção, a renda tem sido associada ao aumento da participação de certos grupos alimentares na dieta, principalmente, os grupos fontes de proteína animal, frutas e hortaliças. Assim, a renda pode influenciar na seleção qualitativa de alimentos, o que causa aumento e redução no consumo de certos grupos alimentares (Levy-Costa ., 2005LEVY-COSTA, R. B. et al. Disponibilidade domiciliar de alimentos no Brasil: distribuição e evolução (1974-2003). Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 39, p. 530-540, 2005. DOI:10.1590/S0034-89102005000400003
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). Ao vender alimentos a preço de custo, o MST viabiliza acesso e disponibilidade de alimentos à população, ao mesmo tempo em que oferece alimentos de qualidade.

Um ponto importante dos achados deste estudo diz respeito à natureza do tipo dos alimentos doados e vendidos nas ações do MST que tem sua produção pautada nos princípios agroecológicos e orgânicos. O atual modelo no Brasil é o convencional, que é baseado na produção de alimentos em larga escala, uso exacerbado de agrotóxicos, animais confinados, dentre outros. Contudo, é de conhecimento que esse modelo provoca mais desmatamento de florestas, contaminação da natureza, do ar e mananciais, e intensifica o acometimento de doenças crônicas e neoplasias (Silva, J.; Barbosa, 2020SILVA, J. H. C. S.; BARBOSA, A. S. A inserção da agroecologia em um novo sistema alimentar pós-covid-19. RevBEA, São Paulo, v. 15, n. 4, p. 148-159, 2020. DOI:10.34024/revbea.2020.v15.10618
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).

Na contramão do modelo convencional de produção, a agroecologia mostra-se como uma saída rumo à sustentabilidade, por dialogar com a transdisciplinaridade, e envolve agronomia, ecologia, economia, cultura e política no processo de transformação do sistema produtivo (Gonçalves et al., 2020GONÇALVES, L. M. et al. Como agricultores familiares compreendem a agroecologia? Um estudo em Vitorino-PR. Revista Agricultura Familiar, Belém, v. 14, n. 2, p. 29-49, 2020. DOI:10.18542/raf.v14i2.7419
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). No modelo de produção agroecológico promove-se um ambiente sustentável, produtivo e rentável, a partir da relação de conhecimentos científicos e empíricos, com a utilização dos recursos disponíveis no local, de maneira responsável, sem insumos químicos, para que não haja degradação da natureza (Roweder et al., 2019ROWEDER, C. et al. Educação agroecológica: transição para um novo modelo de produção. SAJEBTT, Rio Branco, v. 6, n. 2, p. 474-483, 2019.).

A agroecologia apresenta um novo contexto para a população acessar alimentos saudáveis, sem agrotóxicos, que promove a recuperação e preservação da natureza, e que fomenta sistemas alimentares sustentáveis (Roweder et al., 2019ROWEDER, C. et al. Educação agroecológica: transição para um novo modelo de produção. SAJEBTT, Rio Branco, v. 6, n. 2, p. 474-483, 2019.). Frente a isso, propicia autonomia aos agricultores para cultivar seus alimentos, sem utilizar produtos químicos que podem prejudicar sua saúde.

Além de afetar, negativamente, aspectos biológicos e sociais, a IA atinge, também, aspectos ambientais. O combate à IA está relacionado a todos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas, principalmente, às medidas para acabar com a fome, alcançar a SAN e promover a agricultura sustentável. Portanto, uma governança para enfrentamento da IA e garantia da SAN baseada em sistemas alimentares equitativos, que se beneficiem de tecnologias agrícolas sustentáveis e modernas, é essencial para o cumprimento dos ODS pelos países (FAO, 2016FAO - Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura. FAO and the 17 Sustainable Development Goals. Roma: 2016. Disponível em:<Disponível em:http://www.fao.org/3/a-i4997e.pdf >. Acesso em: 2 set. 2022.
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).

As ações do MST encontradas, também, têm uma importante dimensão cultural, ao realizar doações de alimentos e refeições que respeitam estes aspectos nas populações das diferentes regiões receptoras das ações. Deste modo, o MST contribui para a promoção de uma alimentação saudável e culturalmente adequada, preceitos bases do Guia Alimentar para a População Brasileira (Brasil, 2014BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Guia alimentar para a população brasileira. 2. ed. Brasília, DF, 2014. Disponível em: <Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_alimentar_populacao_brasileira_2ed.pdf >. Acesso em: 2 abr. 2022.
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) e da segurança alimentar.

As quatros dimensões da SAN possibilitam compreender a integralidade e intersetorialidade que o conceito abrange. Neste entendimento, realizou-se uma análise entre as ações do MST e tais dimensões (Quadro 2).

Os princípios da SAN são um arcabouço conceitual, que aborda definições complexas, que incorporam determinantes de IA, que são entendidas como condições necessárias para a SAN, a saber: (1) disponibilidade; (2) acessibilidade; (3) estabilidade; e (4) utilização (FAO, 2014FAO - Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura. O estado da Segurança Alimentar e Nutricional no Brasil: um retrato multidimensional - Relatório 2014. Brasília, DF, 2014. Disponível em: <Disponível em: https://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/seguranca_alimentar/SANnoBRasil.pdf >. Acesso em: 3 abr. 2022.
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). Os aspectos de disponibilidade e acesso aos alimentos versam sobre o acesso físico a eles, além das questões produtivas, a comercialização (nacional e internacional), fornecimento e oferta desses alimentos.

Também abrange aspectos de preços e recursos disponíveis para atender às necessidades básicas das famílias (FAO, 2014FAO - Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura. O estado da Segurança Alimentar e Nutricional no Brasil: um retrato multidimensional - Relatório 2014. Brasília, DF, 2014. Disponível em: <Disponível em: https://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/seguranca_alimentar/SANnoBRasil.pdf >. Acesso em: 3 abr. 2022.
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). Para adquirir os alimentos é essencial que a família tenha poder aquisitivo. Com o aumento do desemprego, inflação e outros percalços que se acentuaram durante a pandemia de covid-19, o acesso aos alimentos tornou-se cada vez mais difícil, principalmente para as populações mais vulnerabilizadas (Ribeiro-Silva et al., 2020RIBEIRO-SILVA, R. C. et al. Implicações da pandemia COVID-19 para a segurança alimentar e nutricional no Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 25, p. 3421-3430, 2020. DOI: 10.1590/1413-81232020259.22152020
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). Dessa maneira, as ações realizadas pelo MST, ao longo do que foi observado no estudo, apresentam como o movimento promove a disponibilidade dos alimentos por cultivar produtos de qualidade, próximos aos locais que se desenvolveram suas ações, ampliando, também, o acesso das populações beneficiadas a esses alimentos; com as suas ações de doação e venda, fator que possibilita o alcance destas dimensões.

No que compete à dimensão de utilização dos alimentos, essa relaciona-se ao aspecto nutricional e biológico de como os alimentos estão sendo absorvidos pelo organismo. A qualidade nutricional dos alimentos estabelece relação com as condições de saneamento, saúde do indivíduo, segurança dos alimentos (microbiológica e química), escolhas e hábitos alimentares, além do conhecimento popular e função social da alimentação para as famílias (FAO, 2014FAO - Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura. O estado da Segurança Alimentar e Nutricional no Brasil: um retrato multidimensional - Relatório 2014. Brasília, DF, 2014. Disponível em: <Disponível em: https://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/seguranca_alimentar/SANnoBRasil.pdf >. Acesso em: 3 abr. 2022.
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).

O impacto do uso de agrotóxicos na saúde e no meio ambiente é bastante discutido e analisado no meio científico, mesmo assim, no Brasil, o consumo de alimentos com altos níveis destes insumos é crescente. Diversos alimentos evidenciam percentuais destoantes do permitido para o consumo humano, a citar: uva, pimentão, morango, goiaba, abobrinha, milho, entre outros. A exposição excessiva aos agrotóxicos pode causar intoxicações agudas e crônicas, neoplasias, transtornos mentais e outras patologias de grande repercussão na qualidade de vida (Lopes; Albuquerque, 2021LOPES, C. V. A.; ALBUQUERQUE, G. S. C. Desafios e avanços no controle de resíduos de agrotóxicos no Brasil: 15 anos do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos. Caderno de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 37, n. 2, p. 1-14, 2021. DOI:10.1590/0102-311X00116219
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).

O cultivo convencional provoca mudanças climáticas que interferem na qualidade nutricional, com a diminuição de micronutrientes nos alimentos, como ferro, zinco, manganês, fósforo, potássio, cálcio etc., além de prejudicar o consumo de outros nutrientes essenciais ao funcionamento adequado do organismo. Estas mudanças climáticas causam efeito direto na colheita e produção de alimentos, que contribuem no desenvolvimento de problemas nutricionais nas populações mais vulnerabilizadas, levando à má-nutrição e aumento de doenças crônicas (Myers et al., 2017MYERS, S. S. et al. Climate change and global food systems: potential impacts on food security and undernutrition. Annual Review of Public Health, San Mateo, v. 38, p. 259-277, 2017. DOI:10.1146/annurev-publhealth-031816-044356
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).

Oliveira e Jaime (2016OLIVEIRA, N. R. F.; JAIME, P. C. O encontro entre desenvolvimento rural sustentável e a promoção da saúde no Guia alimentar para a população brasileira . Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 25, n. 4, p. 1-14, 2016. DOI:10.1590/S0104-12902016158424
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) apontam que a produção, de base agroecológica, resultante da agricultura familiar promove saúde por meio do fornecimento de alimentos que fazem parte da cultura alimentar brasileira, como feijão, mandioca, milho, leite, carne de aves e suína. Assim, o MST alinha-se à dimensão da SAN quanto à utilização dos alimentos por promover o cultivo baseado em princípios agroecológicos, com a colheita de produtos seguros e de qualidade nutricional.

A última dimensão da SAN aborda a estabilidade, que depende da manutenção dos demais aspectos para que se consolide. Caso ocorra algum prejuízo no acesso, na disponibilidade ou na utilização dos alimentos, devem ser traçadas estratégias para seu enfrentamento, possibilitando, assim, a estruturação de políticas públicas que venham a sanar estas problemáticas e garantir a permanência da SAN (FAO, 2014FAO - Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura. O estado da Segurança Alimentar e Nutricional no Brasil: um retrato multidimensional - Relatório 2014. Brasília, DF, 2014. Disponível em: <Disponível em: https://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/seguranca_alimentar/SANnoBRasil.pdf >. Acesso em: 3 abr. 2022.
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).

O MST tem trabalhado em comunhão ao conceito da SAN e suas dimensões, pois produz alimentos de maneira sustentável, com respeito à cultura alimentar da população, sem uso de agrotóxicos que interferem na qualidade nutricional e utilização biológica dos alimentos, promovem o acesso e disponibilidade dos alimentos, além de tentar combater a IA, desigualdade social e a fome que tem apresentado crescimento no país.

Sabe-se que o problema da IA e da fome requer um enfrentamento intersetorial, com marcos legais, políticas, programas e ações a curto e a longo prazo, e que ações como as realizadas pelo MST são pontuais, temporárias e não abrangem toda população. Contudo, as iniciativas do movimento são de caráter não governamental e o MST enfrenta dificuldade em acessar a terra. Mesmo assim, suas ações contribuem para oportunizar o acesso a alimentos da população, principalmente pela falta de ações governamentais deste tipo.

A pauta sobre a redistribuição de terras no país é debatida desde a criação da Constituição Federal de 1988 e inauguração de vários movimentos sociais do campo, como o MST, em vista de remanejar os grandes latifúndios improdutivos para os pequenos produtores rurais. Porém, perdeu força com a criminalização dos movimentos sociais e falta de atenção sobre a temática por parte dos órgãos públicos, além de forte repressão político-institucional, que favorece os interesses da pequena parcela de latifundiários detentores de grande parte das terras do país (Spinieli, 2019SPINIELI, A. L. P. Luta pela Terra: Reforma Agrária, Movimentos Sociais e a Resposta Político-Institucional. In: BRASIL. Ministério Público Federal. Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão. A reforma agrária e o sistema de justiça. Brasília, DF: MPF; 2019. p. 117-129.). Esta pequena parcela tem o enfoque de produção por monoculturas, uso extensivo de agrotóxicos e criação de animais em larga escala na perspectiva do agronegócio.

O MST, também, foi um ator presente durante a luta e construção histórica do DHAA e da SAN. Seu tema sempre se inseriu na agenda governamental brasileira permeada por inúmeros interesses e pelo envolvimento de diversos atores sociais com maior ou menor poder de influência na decisão política. No Brasil, foi um longo processo de disputas em torno da temática que gerou conquistas importantes ao longo dos anos com relação à inserção na agenda, mas que resultaram em estruturas e políticas públicas com institucionalidade frágil (Silva, S., 2014SILVA, S. P. A trajetória histórica da Segurança Alimentar e Nutricional na agenda política nacional: projetos, descontinuidades e consolidação. Brasília: Ipea, 2014. Disponível em: <Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/3019/1/TD_1953.pdf >. Acesso em: 03 abr. 2022.
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).

A partir de 2003, este cenário começou a dar indícios de mudança, com a criação do Programa Fome Zero, do Programa Bolsa Família (PBF) gerido pela criação do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e do Plano de Reforma Agrária. A retomada do Consea, em 2003, também foi um marco importante, pois este voltou a assumir um papel estratégico na articulação de políticas de SAN (Silva, S., 2014SILVA, S. P. A trajetória histórica da Segurança Alimentar e Nutricional na agenda política nacional: projetos, descontinuidades e consolidação. Brasília: Ipea, 2014. Disponível em: <Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/3019/1/TD_1953.pdf >. Acesso em: 03 abr. 2022.
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).

Assim, a inserção na agenda do governo brasileiro e as conquistas relacionadas a SAN foram resultados de intensos debates e mobilizações da sociedade civil e atores sociais, como o MST. Todavia, esses programas e políticas passam por constantes desmontes, e a pauta da Reforma Agrária e o MST sofrem constantes ataques e despejos. Portanto, os autores observam que os movimentos sociais do campo têm apresentado resiliência e motivação para seguir lutando por justiça social, diminuição da desigualdade e pela promoção da SAN.

Considerações finais

As ações de combate à fome realizadas pelo governo brasileiro durante a pandemia de covid-19 mostraram-se frágeis e insuficientes. Assim, Organizações da Sociedade Civil (OSC), movimentos sociais e instituições filantrópicas mobilizaram-se para tentar atenuar a situação de crise alimentar e calamidade pública vivenciada no país.

O MST, com suas ações de doações e venda de alimentos, teve importante papel para amenizar a falta de acesso a alimentos de qualidade das populações que foram atendidas por suas ações. Portanto, tais atividades demonstram-se promotoras da SAN e do combate à fome.

A pesquisa documental possibilitou a composição do escopo de informações necessárias na compreensão de quais são as práticas utilizadas pelo MST para promover a SAN. Porém, não se obteve uma avaliação robusta dos dados pela escassez de informações de domínio público, como: periodicidade das ações, condições de distribuição dos alimentos, quantidade de doações e estimativas de número de pessoas beneficiadas pelas ações.

Este estudo mostra as ações de combate à fome e IA desenvolvidas pelo MST durante a pandemia de covid-19, no Brasil, e como as doações e vendas de alimentos de qualidade nutricional e, ecologicamente, adequadas podem apoiar a promoção da SAN. Nesse sentido, podemos entender e discutir como organizações da sociedade civil, a exemplo do MST, podem contribuir para a agenda da SAN no país.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Out 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    26 Maio 2022
  • Revisado
    18 Abr 2022
  • Revisado
    26 Maio 2022
  • Aceito
    09 Ago 2022
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