Resumo
A presença de mecanismos de participação popular na saúde mental é fundamental para a democratização. Embora prevista por lei há algumas décadas enquanto diretriz do Sistema Único de Saúde (SUS), a implementação de tais mecanismos é um processo inacabado e complexo, cujos avanços têm sofrido um desmantelamento sistemático em virtude de políticas neoliberais. Este artigo faz uma breve análise histórica desse processo, tendo em vista a construção da reforma psiquiátrica brasileira e, em seguida, apresenta os resultados de uma revisão narrativa, baseada em artigos publicados nos últimos 10 anos acerca do tema da participação popular na saúde mental. São tratados, primeiramente, os sentidos comumente atribuídos ao termo “participação” e os tipos de espaços participativos existentes. Mais adiante, abordam-se algumas potencialidades da participação nesses espaços, como a produção de autonomia e o seu caráter formativo na vida política dos usuários, além de algumas dificuldades que se impõem ao seu funcionamento, como a burocratização dos serviços e os vestígios crescentes de um modelo asilar. Por fim, há a indicação de saídas possíveis para resolver esses problemas, como a promoção de mudanças culturais e a articulação entre movimentos e atores sociais, visando ao fortalecimento dos espaços de participação popular.
Palavras-chave:
Participação Popular; Saúde Mental; Revisão Narrativa; Controle Social
Abstract
The presence of mechanisms for popular participation in mental health is fundamental for the democratization. Although it has been provided for by law as a guideline of the Brazilian National Health System (SUS) for some decades, the implementation of such mechanisms is an unfinished and complex process, whose advances have been systematically dismantled due to neoliberal policies. This article provides a brief historical analysis of this process, considering the construction of the Brazilian psychiatric reform, and then presents the results of a narrative review, based on articles published in the last 10 years about popular participation in mental health. First, the common meanings of “participation” and the existing types of participatory spaces are discussed. Further on, some potentialities of participation in those spaces, such as producing autonomy and its formative character in the political life of users, in addition to some difficulties that are imposed on its functioning, such as the bureaucratization of services and the growing traces of an asylum model, are analyzed. Finally, possible ways out of these problems, such as promoting cultural changes and articulating movements and social actors, aiming at strengthening spaces for popular participation, are indicated.
Keywords:
Popular Participation; Mental Health; Narrative Review; Social Control
Introdução
Nos últimos anos, tem se observado no Brasil o acirramento das pressões neoliberais, com impactos não apenas sobre as políticas públicas que vinham buscando consolidação, mas trazendo também ameaças a direitos básicos caros à democracia brasileira. No que se refere à saúde mental, Delgado (2019DELGADO, P. G. Reforma psiquiátrica: estratégias para resistir ao desmonte. Trabalho, Educação e Saúde , Rio de Janeiro, v. 17, n. 2, p. 1-4, 2019. DOI: 10.1590/1981-7746-sol00212
https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol002... ) discute a construção lenta e sólida do processo da reforma psiquiátrica que, principalmente a partir de 2016, se encontra sob forte risco de retrocessos.
Contribuíram para o agravamento desse processo a nomeação de sucessivos profissionais associados ao modelo manicomial e refratários ao progresso conquistado no campo da saúde mental para a coordenação dessa área pelo Ministério da Saúde (MS). Além disso, houve a sensação de uma série de medidas em curto intervalo de tempo, contrárias ao modelo substitutivo que se consolidava fechando hospitais psiquiátricos na medida em que ampliava os serviços substitutivos. Outros fatores foram a Emenda Constitucional nº 95 de 2016 (Brasil, 2016BRASIL. Emenda Constitucional nº 95, de 15 de dezembro de 2016. Altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o Novo Regime Fiscal, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, p. 2, 16 dez. 2016. Disponível em: <Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc95.htm >. Acesso em: 21 jul. 2022.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con... ), que congela os investimentos em múltiplas políticas sociais por 20 anos, bem como a desconstrução de diversos dispositivos legais que dialogam fortemente com a saúde mental, como a Política Nacional de Atenção Básica (Pnab). Em fevereiro de 2019, o governo emitiu uma nota técnica acerca dessas mudanças, que foi amplamente criticada por movimentos sociais, associações, conselhos profissionais, conselhos de saúde e pela comunidade acadêmica (Lima, 2019LIMA, R. C. O avanço da contrarreforma psiquiátrica no Brasil. Physis: Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 29, n. 1, p. e290101, 2019. DOI: 10.1590/S0103-73312019290101
https://doi.org/10.1590/S0103-7331201929... ).
Apesar da referida nota, por si só, não representar mudanças importantes, pois se baseia em portarias e resoluções que anteriormente haviam efetivamente alterado a política nacional de saúde mental, ela marcou uma mudança de discurso, no qual o governo assume abertamente a adoção de um “novo” modelo sanitário, procurando legitimar o retorno de práticas superadas, alegando que os serviços não poderiam substituir uns aos outros. Essa argumentação coloca novamente o hospital psiquiátrico como um elemento importante da rede de saúde mental, afastando as políticas de saúde mental dos caminhos trilhados após a reforma psiquiátrica de desconstrução dos hospitais psiquiátricos, em direção a formas de cuidado territoriais e múltiplas. Trata-se de um discurso que negligencia os princípios da reforma psiquiátrica e a busca por uma abordagem mais humanizada e comunitária em saúde mental (Cruz; Gonçalves; Delgado, 2020CRUZ, N. F. O.; GONÇALVES, R. W.; DELGADO, P. G. G. Retrocesso da reforma psiquiátrica: o desmonte da política nacional de saúde mental brasileira de 2016 a 2019. Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro , v. 18, n. 3, p. e00285117, 2020. DOI: 10.1590/1981-7746-sol00285
https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol002... ).
Evidencia-se um processo acelerado de desmonte dos avanços conquistados pela reforma psiquiátrica, com ações que envolvem a ampliação do financiamento dos hospitais psiquiátricos e a diminuição do ritmo de implantação de Centros de Atenção Psicossocial (Caps), estabelecendo mecanismos para que recursos destinados a tais centros fossem devolvidos ou bloqueados. No bojo da ampliação do cuidado centrado no modelo hospitalar, a eletroconvulsoterapia - forma de tratamento indicado para uma parcela pequena de casos - passou a ser incentivada em larga escala como tratamento de excelência, assim como a internação de crianças e adolescentes. Outro aspecto que sofre ataques frontais são as políticas de atenção à população em uso prejudicial de álcool e outras drogas, que passa a se distanciar cada vez mais das estratégias de redução de danos e a se aproximar de um modelo proibicionista, culminando na sua separação da Política Nacional de Saúde Mental e no surgimento da Política Nacional sobre Drogas (Cruz; Gonçalves; Delgado, 2020CRUZ, N. F. O.; GONÇALVES, R. W.; DELGADO, P. G. G. Retrocesso da reforma psiquiátrica: o desmonte da política nacional de saúde mental brasileira de 2016 a 2019. Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro , v. 18, n. 3, p. e00285117, 2020. DOI: 10.1590/1981-7746-sol00285
https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol002... ).
Esse processo que Delgado (2019DELGADO, P. G. Reforma psiquiátrica: estratégias para resistir ao desmonte. Trabalho, Educação e Saúde , Rio de Janeiro, v. 17, n. 2, p. 1-4, 2019. DOI: 10.1590/1981-7746-sol00212
https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol002... ) caracteriza como “um desmantelamento em marcha” vem acontecendo, quase que inteiramente, sem a devida discussão nos espaços de participação e controle social e também sem que conselhos profissionais, entidades e pesquisadores do campo tenham a possibilidade de participar das tomadas de decisão. Portanto, acompanhando o desmonte nas políticas de saúde mental e de saúde em geral, houve uma diminuição da relevância dos valores democráticos e da participação da sociedade nas decisões do país. Como exemplo, podemos citar a tentativa de fechamento de diversos Conselhos Federais em 2019, impedida pelo Superior Tribunal Federal (STF) por ser considerada inconstitucional.
Diante desse cenário, torna-se essencial retomar o processo histórico de consolidação das políticas de saúde mental no país, com especial atenção para a influência que a participação popular e os movimentos sociais tiveram nesse processo. Nas décadas de 1970 e 1980, cresceram os movimentos sociais que se contrapunham ao modelo privatista vigente no período ditatorial, estimulando o envolvimento da comunidade (Guimarães et al., 2010GUIMARÃES, J. JORGE, M. S. B.; MAIA; R. C. F. et al. Participação social na saúde mental: espaço de construção de cidadania, formulação de políticas e tomada de decisão. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 15, n. 4, p. 2113-2122, 2010. DOI: 10.1590/S1413-81232010000400025
https://doi.org/10.1590/S1413-8123201000... ) e a descentralização da gestão pública, visando aproximar as decisões do Estado ao cotidiano dos cidadãos (Rolim; Cruz; Sampaio, 2013ROLIM, L. B.; CRUZ, R. S. B. L. C.; SAMPAIO, K. J. A. J. Participação popular e o controle social como diretriz do SUS: uma revisão narrativa. Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 37, n. 96, p. 139-147, 2013. Disponível em: <Disponível em: https://www.scielo.br/j/sdeb/a/dNgCW9WdJJx7VHV7xWkhSHq/?lang=pt >. Acesso em: 2 out. 2021
https://www.scielo.br/j/sdeb/a/dNgCW9WdJ... ).
O movimento da reforma psiquiátrica brasileira conta com a participação de profissionais, familiares e usuários dos serviços de saúde mental e é fator decisivo na transformação do modelo assistencial em saúde mental, tornando-o menos excludente. Em 1978 foi criado, no Rio de Janeiro, o Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM), que logo obteve alcance nacional. No ano seguinte, foi criada a primeira associação de familiares do país, que tem grande relevância na defesa da reforma psiquiátrica brasileira até os dias atuais (Amarante, 2007AMARANTE, P. Saúde mental e atenção psicossocial. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2007.).
O processo que se iniciou por meio do movimento popular se institucionalizou na Constituição Federal de 1988, que institui o Sistema Único Saúde (SUS). A participação da comunidade na gestão desse sistema é um princípio regulamentado pela Lei n.º 8.142 de 1990, que determina dois espaços para a participação: as Conferências e os Conselhos de Saúde (Brasil, 1990BRASIL. Ministério da Saúde. Lei nº 8.142 de 28 de dezembro de 1990. Dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde - SUS e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e dá outras providências. Diário Oficial, Brasília, DC, p. 25694, 31 dez. 1990. Disponível em: <Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8142.htm >. Acesso em: 2 out. 2021.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei... ). Ambos contam com a representação de usuários, familiares, profissionais e prestadores de serviço. As Conferências têm como objetivo discutir diretrizes para subsidiar a formulação de políticas públicas e são organizadas pelo Poder Executivo em parceria com a sociedade civil no âmbito municipal, estadual e federal com frequência quadrienal. Os Conselhos de Saúde, por sua vez, funcionam como espaços de pactuação de ações e de gerenciamento entre a gestão pública e a sociedade na figura de seus representantes, que se reúnem regularmente. Além dos espaços formalmente instituídos, existem outras maneiras de fazer presente a participação, desde as mais individuais, como as decisões compartilhadas em consultas; até as assembleias e os conselhos gestores.
Até o momento, foram realizadas quatro conferências de saúde mental (1987, 1992, 2001 e 2010), e a quinta está programada para acontecer em maio de 2023. Em meio às contradições de ser organizada num contexto em que há forças políticas contrárias à perspectiva antimanicomial e passando por adiamentos devido a pandemia de covid-19, a realização dessa conferência tem se apresentado um grande desafio. Buscando enfrentá-lo, diversos movimentos se articularam por meio da Frente Ampliada em Defesa da Saúde Mental, da Reforma Psiquiátrica e Luta Antimanicomial para a realização da 1ª Conferência Popular de Saúde Mental Antimanicomial. A proposta dessa Conferência foi manter uma mobilização constante em torno das questões de saúde mental, culminando na realização de um encontro em outubro de 2021.
Sendo assim, é possível afirmar que há íntima relação entre processos democráticos, participação social e reivindicação por direitos. Santos e Avritzer (2002SANTOS, B. S, AVRITZER, L. Introdução: para ampliar o cânone democrático. In: SANTOS, B. S. (Org). Democratizar a democracia: os caminhos da democracia participativa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. p. 39-43., p 55) apontam para um fenômeno que identificam como a “reinvenção da democracia participativa nos países do Sul”. Com trajetórias políticas semelhantes, esses países passaram por períodos não democráticos e, ao final do século XX, por disputas em torno dos sentidos de democracia, com a incorporação de novos atores no que diz respeito às discussões governamentais. No Brasil, esse processo se reflete na ampliação de direitos pautados pela participação e inclusão, com fortes reivindicações de movimentos organizados para interferir direta e localmente nas políticas públicas.
A democracia participativa propõem a intervenção direta da população sobre os processos decisórios e destaca os efeitos formativos que essa interferência pode ter. Contrapondo-se à ideia clássica, fortemente pautada nas instâncias representativas, propõem que tais instâncias são insuficientes para que se configure o processo democrático, já que não propiciam o desenvolvimento das habilidades necessárias ao exercício da democracia: não exercitar a participação em cada instituição a que se está vinculado faz com que as pessoas não desenvolvam atitudes sociais e políticas necessárias ao agir democrático, inviabilizando qualquer governo que de fato siga esse modelo (Pateman, 1992PATEMAN, C. Participação e teoria democrática. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.). Sob essa perspectiva, pensar em formas de ampliar a participação da população torna-se essencial para que de fato se consolide uma democracia.
Portanto, além de um olhar atento aos dispositivos formalmente instituídos para a participação, é essencial analisarmos também outras formas de participação e organização de usuários e familiares. O Cadastro Nacional de Associações e Coletivos de Usuários e/ou Familiares do Campo da Saúde Mental é um exemplo, na medida em que possibilita que sejam reunidas e compartilhadas informações sobre organizações em defesa dos direitos de usuários e familiares por eles protagonizadas, fortalecendo laços entre os diferentes grupos e dando visibilidade à sua atuação. Atualizado mensalmente, conta, no período de escrita deste artigo, com 65 entidades de diferentes regiões do país: duas na região Norte, 13 na região Nordeste, 26 na região Sudeste, 19 no Sul e quatro no Centro-Oeste (UFRJ, 2022UFRJ - UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO. Cadastro Nacional de Associações e Coletivos de Usuários e/ou Familiares do Campo da Saúde Mental. Rio de Janeiro, 2022. Disponível em: <Disponível em: https://resistenciaeinvencao.files.wordpress.com/2022/03/cadastro-nacional-fevereiro-2022.pdf >. Acesso: 20 mar. 2022.
https://resistenciaeinvencao.files.wordp... ). Observa-se que, além da ampliação do número de organizações, seria desejável que esse aumento ocorresse de forma menos desigual entre as diferentes regiões.
É necessário, também, que nos debrucemos sobre a forma como esses espaços de participação funcionam no cotidiano, isto é, os ganhos e dificuldades que apresentam. Além dos desafios que qualquer indivíduo enfrenta para o efetivo exercício da participação, os usuários da saúde mental frequentemente se deparam com uma maior desigualdade no que se refere à distribuição de poder nas relações em que estão inseridos.
Tratar relações de poder numa perspectiva interseccional11Compreendemos interseccionalidade conforme a ideia proposta por Collins e Bilge (2021), ou seja, como um conceito complexo que, mais do que ser claramente delimitado, deve ser utilizado como ferramenta analítica, que tem entre seus componentes a investigação e práxis crítica. possibilita adicionar camadas de complexidade às relações interpessoais, o que mostra ser impossível pensar nas relações de poder entre diferentes atores (profissionais, gestores, usuários, familiares) de forma homogênea. Torna-se fundamental considerar as formas distintas de discriminação, como o racismo, o machismo, o capacitismo, e como os diversos meios de organização do poder nas sociedades capitalistas produzem diferenciações.
Segundo Crichton, Carel e Kidd (2017CRICHTON, P.; CAREL, H.; KIDD, I. J. Epistemic injustice in psychiatry. BJPsych Bulletin, Cambridge, v. 41, n. 2, p. 65-70, 2017. DOI: 10.1192/pb.bp.115.050682
https://doi.org/10.1192/pb.bp.115.050682... ), há uma série de estereótipos negativos vinculados à imagem dos pacientes psiquiátricos, o que os torna vulneráveis à injustiça epistêmica, ou seja, sua possibilidade de contribuir com o conhecimento à respeito de um assunto é prejudicada, devido à pouca credibilidade atribuída a eles pelo seu ouvinte.
O conceito de injustiça epistêmica possibilita compreender como espaços em que se propõe a participação de pessoas usuárias dos serviços de saúde mental são complexos e desafiadores. Por mais que o SUS e a Rede de Atenção Psicossocial (Raps) tenham como preceito e ferramenta a participação, estão imersos em uma cultura em que a marca da doença psiquiátrica está relacionada a pouco reconhecimento e credibilidade sobre os saberes do usuário, diminuindo as possibilidades de sua intervenção direta na realidade na medida em que seu julgamento é constantemente questionado.
Os desafios postos ao exercício da participação popular nos serviços de saúde mental, somados ao contexto de desmonte e investida em direção à alteração nas políticas de saúde mental, tornam fundamental uma maior atenção sobre os processos de participação e sobre quais são as principais discussões feitas nesse campo. Conforme afirmam Rolim, Cruz e Sampaio (2013ROLIM, L. B.; CRUZ, R. S. B. L. C.; SAMPAIO, K. J. A. J. Participação popular e o controle social como diretriz do SUS: uma revisão narrativa. Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 37, n. 96, p. 139-147, 2013. Disponível em: <Disponível em: https://www.scielo.br/j/sdeb/a/dNgCW9WdJJx7VHV7xWkhSHq/?lang=pt >. Acesso em: 2 out. 2021
https://www.scielo.br/j/sdeb/a/dNgCW9WdJ... ), é preciso lembrar que nossas formas de organização social estão constantemente em mudança e cercadas por contradições, e, nesse sentido, é imprescindível a sustentação dos movimentos que vão no sentido do fortalecimento da democracia e justiça social.
Metodologia
Este trabalho está vinculado a uma pesquisa de doutorado e tem como objetivo discutir aspectos da literatura acadêmica brasileira sobre a participação popular na saúde mental nos últimos 10 anos (compreendendo o período de janeiro de 2010 a dezembro de 2020). A revisão narrativa de literatura é uma forma de pesquisa que utiliza produções bibliográficas com a finalidade de identificar o percurso de uma determinada temática na literatura. Diferentemente da revisão sistemática, não se preocupa em responder a uma pergunta (Rother, 2007ROTHER, E. T. Revisão sistemática X revisão narrativa. Acta Paulista de Enfermagem, São Paulo, v. 20, n. 2, p. vii-viii. 2007. DOI: 10.1590/S0103-21002007000200001
https://doi.org/10.1590/S0103-2100200700... ), o que dialoga com o objetivo deste trabalho de identificar as principais ideias e discussões a respeito da participação e saúde mental na última década. Dessa forma, protocolos rígidos de pesquisa não foram necessários, possibilitando a investigação de temáticas mais abertas, sendo facultado ao autor a seleção de acordo com critérios subjetivos (Cordeiro et al., 2007CORDEIRO, A. M.; OLIVEIRA, G. M.; MIGUEL RENTERÍA, J. et al. Revisão sistemática: uma revisão narrativa. Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, Rio de Janeiro, v. 34, n. 6, p. 428-431, 2007. DOI: 10.1590/S0100-69912007000600012
https://doi.org/10.1590/S0100-6991200700... ).
Para tanto, foi realizada uma busca nas bases de dados SciELO e Lilacs com os termos “participação”, “controle social” e “saúde mental”. Diante do elevado número de artigos encontrados, foi realizada a leitura dos resumos com a finalidade de selecionar aqueles que melhor dialogassem com o tema. A busca foi realizada por três diferentes pesquisadores que, posteriormente, se encontraram para comparar os artigos escolhidos. As poucas divergências encontradas foram discutidas para a tomada de decisão conjunta a respeito da análise (ou não) de cada artigo. Foram excluídos anais de congresso e dissertações, além de artigos que, após leitura do texto na íntegra, não se adequaram ao tema proposto - por exemplo, um artigo que analisava a participação somente na perspectiva dos profissionais. Dessa forma, foram escolhidos para a análise um total de 13 artigos dos 17 inicialmente selecionados.
A partir da leitura crítica dos textos, foram delimitados temas relevantes, tomando como base a sua frequência nos artigos. Esses temas foram agrupados em cinco categorias: (1) definições; (2) tipos de organização estudada; (3) potencialidades da participação; (4) barreiras e dificuldades para uma efetiva participação; e (5) caminhos possíveis para solucionar as dificuldades encontradas. Tais classes foram subdivididas em subcategorias para melhor abarcar a diversidade de temas abordados pelos artigos encontrados e selecionados.
Resultados e discussão
A literatura aponta como são diversos os termos correlatos à participação social na esfera da saúde, com definições muitas vezes imprecisas (Côrtes, 2009CÔRTES, S. V. (Org.). Participação e saúde no Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz , 2009.; Santos; Bastos, 2011SANTOS, C. C. S. S.; BASTOS, R. L. Participação Social: A construção da democracia na saúde brasileira. Revista Brasileira em Promoção da Saúde, Fortaleza, v. 24, n. 3, p. 266-273, 2011. Disponível em: <Disponível em: https://www.redalyc.org/pdf/408/40820076012.pdf > Acesso em: 2 out. 2021
https://www.redalyc.org/pdf/408/40820076... ; Palma, 2015PALMA, J. Lutas sociais e construção do SUS: o movimento de saúde da Zona Leste e a conquista da participação popular. São Paulo: Hucitec, 2015.). Dentre os artigos selecionados, os termos “controle social”, “participação social”, “autonomia” e “empoderamento” foram frequentemente utilizados. Apesar de muitas vezes os artigos apresentarem, de maneira implícita, aspectos das concepções teóricas a partir das quais se definem tais termos, nem sempre foram colocadas definições claras para cada um deles.
Embora não seja objetivo deste trabalho analisar esse aspecto, é importante destacar que a imprecisão na conceituação no que tange à participação em saúde foi trazida em alguns dos artigos (Silveira; Brante; Stralen, 2014SILVEIRA, A. R.; BRANTE, A. R. S. D.; VAN STRALEN, C. J. Práticas discursivas na participação social em saúde mental. Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 38, n. 103, p. 783-793, 2014. DOI: 10.5935/0103-1104.20140071
https://doi.org/10.5935/0103-1104.201400... ; Cunha; Goulart, 2015CUNHA, C. N.; GOULART, M. S. B. A participação política de pessoas com sofrimento mental: a Associação dos Usuários de Serviços de Saúde Mental de Minas Gerais (Asussam-MG). Psicologia em Revista, Belo Horizonte, v. 21, n. 3, p. 513-533, 2015. DOI: 10.5752/P.1678-9523.2015v21n3p513
https://doi.org/10.5752/P.1678-9523.2015... ; Ferro, 2016FERRO, L. F. Fortalecimento do controle social em saúde mental: estratégias e possibilidades. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional , São Carlos, v. 24, n. 3, p. 601-610, 2016. DOI: 10.4322/0104-4931.ctoRE0691
https://doi.org/10.4322/0104-4931.ctoRE0... ), enquanto outros ainda apontaram como diferentes agentes - profissionais, usuários dos serviços de saúde mental, gestores e familiares - podem ter compreensões distintas sobre os mesmos termos (Guimarães et al., 2010GUIMARÃES, J. JORGE, M. S. B.; MAIA; R. C. F. et al. Participação social na saúde mental: espaço de construção de cidadania, formulação de políticas e tomada de decisão. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 15, n. 4, p. 2113-2122, 2010. DOI: 10.1590/S1413-81232010000400025
https://doi.org/10.1590/S1413-8123201000... ; Alves; Oliveira; Vasconcelos, 2013ALVES, T. C.; OLIVEIRA, W. F.; VASCONCELOS, E. M. A visão de usuários, familiares e profissionais acerca do empoderamento em saúde mental. Physis: Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 23, n. 1, p. 51-71, 2013. DOI: 10.1590/S0103-73312013000100004
https://doi.org/10.1590/S0103-7331201300... ; Silveira, Brante, Stralen, 2014SILVEIRA, A. R.; BRANTE, A. R. S. D.; VAN STRALEN, C. J. Práticas discursivas na participação social em saúde mental. Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 38, n. 103, p. 783-793, 2014. DOI: 10.5935/0103-1104.20140071
https://doi.org/10.5935/0103-1104.201400... ).
Diferentes termos podem se sobrepor como os sentidos atribuídos à “participação social” e “controle social” (Almeida; Dimenstein; Severo, 2010ALMEIDA, K. S.; DIMENSTEIN, M.; SEVERO, A. K. Empoderamento e atenção psicossocial: notas sobre uma associação de saúde mental. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 14, n. 34, p. 577-589, 2010. DOI: 10.1590/S1414-32832010005000009
https://doi.org/10.1590/S1414-3283201000... ; Guimarães et al., 2010GUIMARÃES, J. JORGE, M. S. B.; MAIA; R. C. F. et al. Participação social na saúde mental: espaço de construção de cidadania, formulação de políticas e tomada de decisão. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 15, n. 4, p. 2113-2122, 2010. DOI: 10.1590/S1413-81232010000400025
https://doi.org/10.1590/S1413-8123201000... ; Arraes et al., 2012ARRAES, A. K. M.; DIMEINSTEIN, M.; SIQUEIRA, K. et al. Empoderamento e controle social: uma análise da participação de usuários na IV Conferência Nacional de Saúde Mental Intersetorial em Natal (RN). Psicologia Política, São Paulo, v. 12, n. 23, p. 71-85, 2012. Disponível em: <Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-549X2012000100006 >. Acesso em: 2 out. 2021
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr... ; Oliveira; Teixeira, 2015OLIVEIRA, T. A.; TEIXEIRA, C. F. Participação das instâncias de controle social na Política de Saúde Mental da Bahia, 2001-2013. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 39, n. especial, p. 132-144, 2015. DOI: 10.5935/0103-1104.2015S005467
https://doi.org/10.5935/0103-1104.2015S0... ; Detomini; Bellenzani, 2015DETOMINI, V. C.; BELLENZANI, R. Construindo a participação social junto a usuários de um grupo de apoio: desafios para a qualificação da atenção em um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS). Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, São Carlos, v. 23, n. 3, p. 661-672, 2015. DOI: 10.4322/0104-4931.ctoRE0578
https://doi.org/10.4322/0104-4931.ctoRE0... ). Apesar de frequentemente utilizados como sinônimos, é possível distingui-los na medida em que controle social está relacionado ao acompanhamento e fiscalização da gestão das políticas de saúde por parte da população, enquanto a participação refere-se a uma concepção mais ampla, que envolve a fiscalização, mas também a participação e intervenção direta de grupos sociais nos projetos e na elaboração das políticas públicas (Santos; Bastos, 2011SANTOS, C. C. S. S.; BASTOS, R. L. Participação Social: A construção da democracia na saúde brasileira. Revista Brasileira em Promoção da Saúde, Fortaleza, v. 24, n. 3, p. 266-273, 2011. Disponível em: <Disponível em: https://www.redalyc.org/pdf/408/40820076012.pdf > Acesso em: 2 out. 2021
https://www.redalyc.org/pdf/408/40820076... ; Palma, 2015PALMA, J. Lutas sociais e construção do SUS: o movimento de saúde da Zona Leste e a conquista da participação popular. São Paulo: Hucitec, 2015.).
Alguns artigos destacaram o uso original de “controle social” pela sociologia, referindo-se ao controle exercido pelo Estado sobre a população, distinto do uso mais comum na saúde, o qual se refere ao controle da população sobre as políticas públicas (Arraes et al., 2012ARRAES, A. K. M.; DIMEINSTEIN, M.; SIQUEIRA, K. et al. Empoderamento e controle social: uma análise da participação de usuários na IV Conferência Nacional de Saúde Mental Intersetorial em Natal (RN). Psicologia Política, São Paulo, v. 12, n. 23, p. 71-85, 2012. Disponível em: <Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-549X2012000100006 >. Acesso em: 2 out. 2021
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr... ; Ferro, 2016FERRO, L. F. Fortalecimento do controle social em saúde mental: estratégias e possibilidades. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional , São Carlos, v. 24, n. 3, p. 601-610, 2016. DOI: 10.4322/0104-4931.ctoRE0691
https://doi.org/10.4322/0104-4931.ctoRE0... ). Apesar da complexidade do termo “controle social”, ele é bastante difundido e utilizado no campo saúde, impactando na escolha de autores por essa nomenclatura (Rolim; Cruz; Sampaio, 2013ROLIM, L. B.; CRUZ, R. S. B. L. C.; SAMPAIO, K. J. A. J. Participação popular e o controle social como diretriz do SUS: uma revisão narrativa. Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 37, n. 96, p. 139-147, 2013. Disponível em: <Disponível em: https://www.scielo.br/j/sdeb/a/dNgCW9WdJJx7VHV7xWkhSHq/?lang=pt >. Acesso em: 2 out. 2021
https://www.scielo.br/j/sdeb/a/dNgCW9WdJ... ).
O uso do termo “controle social” é de longa data, podendo ser identificado nos documentos da 8ª Conferência Nacional de Saúde (1986). Entretanto, é preciso atentar-se para a armadilha que se subjaz ao tratarmos com similaridade termos que se referem a fenômenos distintos. Quando utilizam-se participação social e controle social como sinônimos, surge o risco de obscurecer a distinção entre espaços consultivos e deliberativos, ocultando também as distintas formas de pensar relações de poder e a necessidade ou não de reconfigurá-las (Palma, 2015PALMA, J. Lutas sociais e construção do SUS: o movimento de saúde da Zona Leste e a conquista da participação popular. São Paulo: Hucitec, 2015.).
Assim, a diversidade de termos utilizados para nos referirmos a espaços de participação é tão múltipla quanto a variedade de formas que tais ambientes podem assumir na realidade. Côrtes (2009)CÔRTES, S. V. (Org.). Participação e saúde no Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz , 2009. sustenta a utilização do termo participação em seu sentido genérico, sendo necessário qualificá-lo a partir de cada contexto. Ou seja, para compreender de fato a que nos referimos quando falamos em participação, torna-se necessário descrever a forma como ela se dá.
Essa diversidade comparece nos distintos modos de organização participativa apresentados nos artigos: Conferências de Saúde (Arraes et al., 2012ARRAES, A. K. M.; DIMEINSTEIN, M.; SIQUEIRA, K. et al. Empoderamento e controle social: uma análise da participação de usuários na IV Conferência Nacional de Saúde Mental Intersetorial em Natal (RN). Psicologia Política, São Paulo, v. 12, n. 23, p. 71-85, 2012. Disponível em: <Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-549X2012000100006 >. Acesso em: 2 out. 2021
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr... ; Silveira; Brante; Stralen, 2014SILVEIRA, A. R.; BRANTE, A. R. S. D.; VAN STRALEN, C. J. Práticas discursivas na participação social em saúde mental. Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 38, n. 103, p. 783-793, 2014. DOI: 10.5935/0103-1104.20140071
https://doi.org/10.5935/0103-1104.201400... ; Moreira, 2014MOREIRA, T. Participação, deliberação e políticas públicas: a dinâmica das Conferências Nacionais de Saúde Mental. Cadernos Gestão Pública e Cidadania, São Paulo, v. 19, n. 65, p. 228-238. DOI: 10.12660/cgpc.v19n65.14579
https://doi.org/10.12660/cgpc.v19n65.145... ; Oliveira; Teixeira, 2015OLIVEIRA, T. A.; TEIXEIRA, C. F. Participação das instâncias de controle social na Política de Saúde Mental da Bahia, 2001-2013. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 39, n. especial, p. 132-144, 2015. DOI: 10.5935/0103-1104.2015S005467
https://doi.org/10.5935/0103-1104.2015S0... ), Conselhos de Saúde (Guimarães et al., 2010GUIMARÃES, J. JORGE, M. S. B.; MAIA; R. C. F. et al. Participação social na saúde mental: espaço de construção de cidadania, formulação de políticas e tomada de decisão. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 15, n. 4, p. 2113-2122, 2010. DOI: 10.1590/S1413-81232010000400025
https://doi.org/10.1590/S1413-8123201000... ; Oliveira; Teixeira, 2015OLIVEIRA, T. A.; TEIXEIRA, C. F. Participação das instâncias de controle social na Política de Saúde Mental da Bahia, 2001-2013. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 39, n. especial, p. 132-144, 2015. DOI: 10.5935/0103-1104.2015S005467
https://doi.org/10.5935/0103-1104.2015S0... ), Associações (Costa; Paulon, 2012COSTA, D. F. C.; PAULON, S. M. Participação Social e protagonismo em saúde mental: a insurgência de um coletivo. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 36, n. 95, p. 572-582, 2012. Disponível em: <Disponível em: https://www.scielo.br/j/sdeb/a/qCDJt4SkL9wfbbvppqPs8LH/?lang=pt >. Acesso em: 2 out. 2021
https://www.scielo.br/j/sdeb/a/qCDJt4SkL... ; Cunha; Goulart, 2015CUNHA, C. N.; GOULART, M. S. B. A participação política de pessoas com sofrimento mental: a Associação dos Usuários de Serviços de Saúde Mental de Minas Gerais (Asussam-MG). Psicologia em Revista, Belo Horizonte, v. 21, n. 3, p. 513-533, 2015. DOI: 10.5752/P.1678-9523.2015v21n3p513
https://doi.org/10.5752/P.1678-9523.2015... ; Miranda et al., 2019MIRANDA, S.; ROCHA, L. A.; MATOS; R. K. S. et al. Loucos, drogados e associados: participação social no campo da saúde mental em tempos austeros. O social em Questão, Rio de Janeiro, v. XXII, n. 44, p. 213-240, 2019. Disponível em: <Disponível em: http://osocialemquestao.ser.puc-rio.br/media/OSQ44art9.pdf > Acesso em: 2 out. 2021
http://osocialemquestao.ser.puc-rio.br/m... ; Resgis; Altoé, 2020RESGIS, M. A.; ALTOÉ, D. P. G. Participação popular em saúde mental: sobre a amplificação de vozes em tempos sombrios. Revista de Educação Popular, Uberlândia, v. 19, n. 1, p. 24-44, 2020. DOI: 10.14393/REP-v19n12020-49976
https://doi.org/10.14393/REP-v19n12020-4... ), Assembleias (Costa; Paulon, 2012COSTA, D. F. C.; PAULON, S. M. Participação Social e protagonismo em saúde mental: a insurgência de um coletivo. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 36, n. 95, p. 572-582, 2012. Disponível em: <Disponível em: https://www.scielo.br/j/sdeb/a/qCDJt4SkL9wfbbvppqPs8LH/?lang=pt >. Acesso em: 2 out. 2021
https://www.scielo.br/j/sdeb/a/qCDJt4SkL... ); curso de formação (Ferro, 2016FERRO, L. F. Fortalecimento do controle social em saúde mental: estratégias e possibilidades. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional , São Carlos, v. 24, n. 3, p. 601-610, 2016. DOI: 10.4322/0104-4931.ctoRE0691
https://doi.org/10.4322/0104-4931.ctoRE0... ); e grupo de apoio (Detomini; Bellenzani, 2015DETOMINI, V. C.; BELLENZANI, R. Construindo a participação social junto a usuários de um grupo de apoio: desafios para a qualificação da atenção em um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS). Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, São Carlos, v. 23, n. 3, p. 661-672, 2015. DOI: 10.4322/0104-4931.ctoRE0578
https://doi.org/10.4322/0104-4931.ctoRE0... ).
No que tange às “potencialidades da participação”, destacamos a relação entre participação e garantia dos direitos dos usuários; e avanços da reforma psiquiátrica e das políticas públicas (Almeida; Dimenstein; Severo, 2010ALMEIDA, K. S.; DIMENSTEIN, M.; SEVERO, A. K. Empoderamento e atenção psicossocial: notas sobre uma associação de saúde mental. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 14, n. 34, p. 577-589, 2010. DOI: 10.1590/S1414-32832010005000009
https://doi.org/10.1590/S1414-3283201000... ; Guimarães et al., 2010GUIMARÃES, J. JORGE, M. S. B.; MAIA; R. C. F. et al. Participação social na saúde mental: espaço de construção de cidadania, formulação de políticas e tomada de decisão. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 15, n. 4, p. 2113-2122, 2010. DOI: 10.1590/S1413-81232010000400025
https://doi.org/10.1590/S1413-8123201000... ; Arraes et al., 2012ARRAES, A. K. M.; DIMEINSTEIN, M.; SIQUEIRA, K. et al. Empoderamento e controle social: uma análise da participação de usuários na IV Conferência Nacional de Saúde Mental Intersetorial em Natal (RN). Psicologia Política, São Paulo, v. 12, n. 23, p. 71-85, 2012. Disponível em: <Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-549X2012000100006 >. Acesso em: 2 out. 2021
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr... ; Moreira, 2014MOREIRA, T. Participação, deliberação e políticas públicas: a dinâmica das Conferências Nacionais de Saúde Mental. Cadernos Gestão Pública e Cidadania, São Paulo, v. 19, n. 65, p. 228-238. DOI: 10.12660/cgpc.v19n65.14579
https://doi.org/10.12660/cgpc.v19n65.145... ; Cunha; Goulart, 2015CUNHA, C. N.; GOULART, M. S. B. A participação política de pessoas com sofrimento mental: a Associação dos Usuários de Serviços de Saúde Mental de Minas Gerais (Asussam-MG). Psicologia em Revista, Belo Horizonte, v. 21, n. 3, p. 513-533, 2015. DOI: 10.5752/P.1678-9523.2015v21n3p513
https://doi.org/10.5752/P.1678-9523.2015... ; Ferro, 2016FERRO, L. F. Fortalecimento do controle social em saúde mental: estratégias e possibilidades. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional , São Carlos, v. 24, n. 3, p. 601-610, 2016. DOI: 10.4322/0104-4931.ctoRE0691
https://doi.org/10.4322/0104-4931.ctoRE0... , Miranda et al., 2019MIRANDA, S.; ROCHA, L. A.; MATOS; R. K. S. et al. Loucos, drogados e associados: participação social no campo da saúde mental em tempos austeros. O social em Questão, Rio de Janeiro, v. XXII, n. 44, p. 213-240, 2019. Disponível em: <Disponível em: http://osocialemquestao.ser.puc-rio.br/media/OSQ44art9.pdf > Acesso em: 2 out. 2021
http://osocialemquestao.ser.puc-rio.br/m... ). Os espaços participativos, seja pelo exercício da participação - que é um direito em si mesmo -, seja pela possibilidade de reivindicação de melhorias ou pelo controle das ações realizadas, possibilitam a proteção de direitos adquiridos, além de constituírem uma forma de organização para que tais direitos sejam colocados em prática.
Esses ambientes possibilitam, portanto, que a população possa intervir diretamente nas políticas de saúde por meio do controle e tomada de decisão, levando a um rearranjo dos poderes instituídos e fazendo com que as relações entre sociedade e Estado sejam reconfiguradas (Guimarães et al., 2010GUIMARÃES, J. JORGE, M. S. B.; MAIA; R. C. F. et al. Participação social na saúde mental: espaço de construção de cidadania, formulação de políticas e tomada de decisão. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 15, n. 4, p. 2113-2122, 2010. DOI: 10.1590/S1413-81232010000400025
https://doi.org/10.1590/S1413-8123201000... ; Miranda et al., 2019MIRANDA, S.; ROCHA, L. A.; MATOS; R. K. S. et al. Loucos, drogados e associados: participação social no campo da saúde mental em tempos austeros. O social em Questão, Rio de Janeiro, v. XXII, n. 44, p. 213-240, 2019. Disponível em: <Disponível em: http://osocialemquestao.ser.puc-rio.br/media/OSQ44art9.pdf > Acesso em: 2 out. 2021
http://osocialemquestao.ser.puc-rio.br/m... ). A participação foi identificada como um instrumento que potencialmente permite que populações com pouca possibilidade de interferência em sua realidade mobilizem-se e produzam transformações sociais e políticas. Nesse sentido,
Sempre é um desafio aglutinar pessoas que estejam movidas por causas outras que não apenas o capital, nesse sentido, a Associação mostrou-se um mecanismo não só de controle social, mas também como um movimento que faz furo aos discursos de poder. (Miranda et al., 2019MIRANDA, S.; ROCHA, L. A.; MATOS; R. K. S. et al. Loucos, drogados e associados: participação social no campo da saúde mental em tempos austeros. O social em Questão, Rio de Janeiro, v. XXII, n. 44, p. 213-240, 2019. Disponível em: <Disponível em: http://osocialemquestao.ser.puc-rio.br/media/OSQ44art9.pdf > Acesso em: 2 out. 2021
http://osocialemquestao.ser.puc-rio.br/m... , p. 229)
Além de impactos sociais e políticos, é possível identificar mudanças em aspectos culturais associados à loucura, tendo resultado em transformações na maneira como os usuários de serviços de saúde mental são percebidos tanto por outros atores, como os profissionais de saúde, quanto por si mesmos (Moreira, 2014MOREIRA, T. Participação, deliberação e políticas públicas: a dinâmica das Conferências Nacionais de Saúde Mental. Cadernos Gestão Pública e Cidadania, São Paulo, v. 19, n. 65, p. 228-238. DOI: 10.12660/cgpc.v19n65.14579
https://doi.org/10.12660/cgpc.v19n65.145... ; Cunha; Goulart, 2015CUNHA, C. N.; GOULART, M. S. B. A participação política de pessoas com sofrimento mental: a Associação dos Usuários de Serviços de Saúde Mental de Minas Gerais (Asussam-MG). Psicologia em Revista, Belo Horizonte, v. 21, n. 3, p. 513-533, 2015. DOI: 10.5752/P.1678-9523.2015v21n3p513
https://doi.org/10.5752/P.1678-9523.2015... ).
A autonomia aparece como um importante efeito em potencial na medida em que deliberar e reivindicar direitos em espaços de participação faz com que os usuários tornem-se também protagonistas em outros ambientes de suas vidas, fazendo com que se tornem mais autônomos, de maneira que esse protagonismo passa a comparecer também em outros espaços de suas vidas, fazendo com que se tornem mais autônomos (Almeida; Dimenstein; Severo, 2010ALMEIDA, K. S.; DIMENSTEIN, M.; SEVERO, A. K. Empoderamento e atenção psicossocial: notas sobre uma associação de saúde mental. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 14, n. 34, p. 577-589, 2010. DOI: 10.1590/S1414-32832010005000009
https://doi.org/10.1590/S1414-3283201000... ; Arraes et al., 2012ARRAES, A. K. M.; DIMEINSTEIN, M.; SIQUEIRA, K. et al. Empoderamento e controle social: uma análise da participação de usuários na IV Conferência Nacional de Saúde Mental Intersetorial em Natal (RN). Psicologia Política, São Paulo, v. 12, n. 23, p. 71-85, 2012. Disponível em: <Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-549X2012000100006 >. Acesso em: 2 out. 2021
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr... ; Cunha; Goulart, 2015CUNHA, C. N.; GOULART, M. S. B. A participação política de pessoas com sofrimento mental: a Associação dos Usuários de Serviços de Saúde Mental de Minas Gerais (Asussam-MG). Psicologia em Revista, Belo Horizonte, v. 21, n. 3, p. 513-533, 2015. DOI: 10.5752/P.1678-9523.2015v21n3p513
https://doi.org/10.5752/P.1678-9523.2015... ). Conforme destaca Miranda et al. (2019MIRANDA, S.; ROCHA, L. A.; MATOS; R. K. S. et al. Loucos, drogados e associados: participação social no campo da saúde mental em tempos austeros. O social em Questão, Rio de Janeiro, v. XXII, n. 44, p. 213-240, 2019. Disponível em: <Disponível em: http://osocialemquestao.ser.puc-rio.br/media/OSQ44art9.pdf > Acesso em: 2 out. 2021
http://osocialemquestao.ser.puc-rio.br/m... ), o exercício participativo proporciona também um espaço formativo, uma vez que contribui para a construção de conhecimento político por parte dos usuários.
A possibilidade de tomar parte em processos decisórios pode fazer também com que os usuários se tornem sujeitos mais ativos e críticos em relação aos cuidados ofertados pelo serviço, incidindo na forma como esse serviço é prestado (Ferro, 2016FERRO, L. F. Fortalecimento do controle social em saúde mental: estratégias e possibilidades. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional , São Carlos, v. 24, n. 3, p. 601-610, 2016. DOI: 10.4322/0104-4931.ctoRE0691
https://doi.org/10.4322/0104-4931.ctoRE0... ; Miranda et al., 2019MIRANDA, S.; ROCHA, L. A.; MATOS; R. K. S. et al. Loucos, drogados e associados: participação social no campo da saúde mental em tempos austeros. O social em Questão, Rio de Janeiro, v. XXII, n. 44, p. 213-240, 2019. Disponível em: <Disponível em: http://osocialemquestao.ser.puc-rio.br/media/OSQ44art9.pdf > Acesso em: 2 out. 2021
http://osocialemquestao.ser.puc-rio.br/m... ) e possibilitando maior engajamento dos usuários sobre seu próprio adoecimento e formas de cuidado. Tendo em vista que os espaços participativos são formas de pensar e atualizar as políticas públicas para o campo da saúde mental, eles acabam estimulando a geração de novos significados sobre como interpretar o sofrimento mental, assim como outras estratégias para seu enfrentamento (Moreira, 2014MOREIRA, T. Participação, deliberação e políticas públicas: a dinâmica das Conferências Nacionais de Saúde Mental. Cadernos Gestão Pública e Cidadania, São Paulo, v. 19, n. 65, p. 228-238. DOI: 10.12660/cgpc.v19n65.14579
https://doi.org/10.12660/cgpc.v19n65.145... ).
Os artigos selecionados apontam que o processo de garantia de direitos, que se dá pela participação ativa dos usuários de serviços de saúde mental, tem efeitos políticos, sociais e culturais, mas também subjetivos, na medida em que cada sujeito componente dos espaços participativos pode reconfigurar modos de existência a partir de uma experiência participativa. Costa e Paulon (2012COSTA, D. F. C.; PAULON, S. M. Participação Social e protagonismo em saúde mental: a insurgência de um coletivo. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 36, n. 95, p. 572-582, 2012. Disponível em: <Disponível em: https://www.scielo.br/j/sdeb/a/qCDJt4SkL9wfbbvppqPs8LH/?lang=pt >. Acesso em: 2 out. 2021
https://www.scielo.br/j/sdeb/a/qCDJt4SkL... ) destacam os processos de singularização durante encontros em assembleias, e Almeida, Dimenstein e Severo (2010ALMEIDA, K. S.; DIMENSTEIN, M.; SEVERO, A. K. Empoderamento e atenção psicossocial: notas sobre uma associação de saúde mental. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 14, n. 34, p. 577-589, 2010. DOI: 10.1590/S1414-32832010005000009
https://doi.org/10.1590/S1414-3283201000... , p. 587) ressaltam “o potencial terapêutico do empoderamento e da participação política”. Nesse sentido, ações de construção de cidadania aparecem como um importante fator de cuidado (Resgis; Altoé, 2020RESGIS, M. A.; ALTOÉ, D. P. G. Participação popular em saúde mental: sobre a amplificação de vozes em tempos sombrios. Revista de Educação Popular, Uberlândia, v. 19, n. 1, p. 24-44, 2020. DOI: 10.14393/REP-v19n12020-49976
https://doi.org/10.14393/REP-v19n12020-4... ).
Uma suposta dualidade entre clínica e política não aparece nos artigos, pelo contrário, evidencia-se a complexidade de interfaces que os espaços participativos possuem, a qual possibilita estabelecer relações entre o biológico, o psíquico, o social, o cultural e o político. Conforme afirma Freire (2011FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 43. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2011.), os seres humanos estão em relação com o mundo de maneira que sua a existência não é apenas biologicamente estabelecida nem socialmente determinada, mas acontece na constante tensão entre essas dimensões à medida que é vivida. Ser presente no mundo envolve, portanto, perceber-se não apenas como um resultado de forças alheias a si, mas como um sujeito vivo e participante das ações que compõem a realidade. Significa, logo, o exercício de não ser mais apenas objeto, ser também sujeito (Freire, 2011FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 43. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2011.).
Outro aspecto da vida dos usuários que aparece influenciado pela participação social é a criação de laços sociais. Os artigos apontam para um efeito de estabelecimento de vínculos tendo em vista que espaços de participação proporcionam a coletivização de problemas, demandas e soluções. (Almeida; Dimenstein; Severo, 2010ALMEIDA, K. S.; DIMENSTEIN, M.; SEVERO, A. K. Empoderamento e atenção psicossocial: notas sobre uma associação de saúde mental. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 14, n. 34, p. 577-589, 2010. DOI: 10.1590/S1414-32832010005000009
https://doi.org/10.1590/S1414-3283201000... ; Costa; Paulon, 2012COSTA, D. F. C.; PAULON, S. M. Participação Social e protagonismo em saúde mental: a insurgência de um coletivo. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 36, n. 95, p. 572-582, 2012. Disponível em: <Disponível em: https://www.scielo.br/j/sdeb/a/qCDJt4SkL9wfbbvppqPs8LH/?lang=pt >. Acesso em: 2 out. 2021
https://www.scielo.br/j/sdeb/a/qCDJt4SkL... ; Arraes et al., 2012ARRAES, A. K. M.; DIMEINSTEIN, M.; SIQUEIRA, K. et al. Empoderamento e controle social: uma análise da participação de usuários na IV Conferência Nacional de Saúde Mental Intersetorial em Natal (RN). Psicologia Política, São Paulo, v. 12, n. 23, p. 71-85, 2012. Disponível em: <Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-549X2012000100006 >. Acesso em: 2 out. 2021
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr... ; Moreira, 2014MOREIRA, T. Participação, deliberação e políticas públicas: a dinâmica das Conferências Nacionais de Saúde Mental. Cadernos Gestão Pública e Cidadania, São Paulo, v. 19, n. 65, p. 228-238. DOI: 10.12660/cgpc.v19n65.14579
https://doi.org/10.12660/cgpc.v19n65.145... ). O suporte mútuo se destaca também como um importante efeito de produção de cuidado entre pares, mesmo que esse não seja o objetivo principal dos encontros do grupo (Alves; Oliveira; Vasconcelos, 2013ALVES, T. C.; OLIVEIRA, W. F.; VASCONCELOS, E. M. A visão de usuários, familiares e profissionais acerca do empoderamento em saúde mental. Physis: Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 23, n. 1, p. 51-71, 2013. DOI: 10.1590/S0103-73312013000100004
https://doi.org/10.1590/S0103-7331201300... ; Cunha; Goulart, 2015CUNHA, C. N.; GOULART, M. S. B. A participação política de pessoas com sofrimento mental: a Associação dos Usuários de Serviços de Saúde Mental de Minas Gerais (Asussam-MG). Psicologia em Revista, Belo Horizonte, v. 21, n. 3, p. 513-533, 2015. DOI: 10.5752/P.1678-9523.2015v21n3p513
https://doi.org/10.5752/P.1678-9523.2015... ). Apesar das potencialidades dos espaços participativos, muitos são os obstáculos para que esses ganhos se deem plenamente. Evidenciou-se de forma recorrente a permanência de uma hierarquia nos espaços participativos, nos quais haveria uma assimetria de poder entre usuários e demais atores, principalmente entre esse primeiro grupo e técnicos (Almeida; Dimenstein; Severo, 2010ALMEIDA, K. S.; DIMENSTEIN, M.; SEVERO, A. K. Empoderamento e atenção psicossocial: notas sobre uma associação de saúde mental. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 14, n. 34, p. 577-589, 2010. DOI: 10.1590/S1414-32832010005000009
https://doi.org/10.1590/S1414-3283201000... ; Guimarães et al., 2010GUIMARÃES, J. JORGE, M. S. B.; MAIA; R. C. F. et al. Participação social na saúde mental: espaço de construção de cidadania, formulação de políticas e tomada de decisão. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 15, n. 4, p. 2113-2122, 2010. DOI: 10.1590/S1413-81232010000400025
https://doi.org/10.1590/S1413-8123201000... ; Costa; Paulon, 2012COSTA, D. F. C.; PAULON, S. M. Participação Social e protagonismo em saúde mental: a insurgência de um coletivo. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 36, n. 95, p. 572-582, 2012. Disponível em: <Disponível em: https://www.scielo.br/j/sdeb/a/qCDJt4SkL9wfbbvppqPs8LH/?lang=pt >. Acesso em: 2 out. 2021
https://www.scielo.br/j/sdeb/a/qCDJt4SkL... ; Silveira; Brante; Stralen, 2014SILVEIRA, A. R.; BRANTE, A. R. S. D.; VAN STRALEN, C. J. Práticas discursivas na participação social em saúde mental. Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 38, n. 103, p. 783-793, 2014. DOI: 10.5935/0103-1104.20140071
https://doi.org/10.5935/0103-1104.201400... ; Ferro, 2016FERRO, L. F. Fortalecimento do controle social em saúde mental: estratégias e possibilidades. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional , São Carlos, v. 24, n. 3, p. 601-610, 2016. DOI: 10.4322/0104-4931.ctoRE0691
https://doi.org/10.4322/0104-4931.ctoRE0... ; Resgis; Altoé, 2020RESGIS, M. A.; ALTOÉ, D. P. G. Participação popular em saúde mental: sobre a amplificação de vozes em tempos sombrios. Revista de Educação Popular, Uberlândia, v. 19, n. 1, p. 24-44, 2020. DOI: 10.14393/REP-v19n12020-49976
https://doi.org/10.14393/REP-v19n12020-4... ).
Essa hierarquia aparece tanto relacionada com a forma como ações são conduzidas nesses espaços - por exemplo, mantendo a organização de pautas e a tomada de decisões sob o controle dos técnicos ou restringindo o tempo de fala dos usuários (Arraes et al., 2012ARRAES, A. K. M.; DIMEINSTEIN, M.; SIQUEIRA, K. et al. Empoderamento e controle social: uma análise da participação de usuários na IV Conferência Nacional de Saúde Mental Intersetorial em Natal (RN). Psicologia Política, São Paulo, v. 12, n. 23, p. 71-85, 2012. Disponível em: <Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-549X2012000100006 >. Acesso em: 2 out. 2021
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr... ; Costa; Paulon, 2012COSTA, D. F. C.; PAULON, S. M. Participação Social e protagonismo em saúde mental: a insurgência de um coletivo. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 36, n. 95, p. 572-582, 2012. Disponível em: <Disponível em: https://www.scielo.br/j/sdeb/a/qCDJt4SkL9wfbbvppqPs8LH/?lang=pt >. Acesso em: 2 out. 2021
https://www.scielo.br/j/sdeb/a/qCDJt4SkL... ; Detomini; Bellenzani, 2015DETOMINI, V. C.; BELLENZANI, R. Construindo a participação social junto a usuários de um grupo de apoio: desafios para a qualificação da atenção em um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS). Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, São Carlos, v. 23, n. 3, p. 661-672, 2015. DOI: 10.4322/0104-4931.ctoRE0578
https://doi.org/10.4322/0104-4931.ctoRE0... ; Ferro, 2016FERRO, L. F. Fortalecimento do controle social em saúde mental: estratégias e possibilidades. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional , São Carlos, v. 24, n. 3, p. 601-610, 2016. DOI: 10.4322/0104-4931.ctoRE0691
https://doi.org/10.4322/0104-4931.ctoRE0... ) -, quanto com a hierarquia de saberes entre profissionais e usuários, na qual o conhecimento do profissional ganha contornos de verdade científica, enquanto a sabedoria do usuário, advinda da experiência, é desvalorizada (Arraes et al., 2012ARRAES, A. K. M.; DIMEINSTEIN, M.; SIQUEIRA, K. et al. Empoderamento e controle social: uma análise da participação de usuários na IV Conferência Nacional de Saúde Mental Intersetorial em Natal (RN). Psicologia Política, São Paulo, v. 12, n. 23, p. 71-85, 2012. Disponível em: <Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-549X2012000100006 >. Acesso em: 2 out. 2021
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr... ; Silveira; Brante; Stralen, 2014SILVEIRA, A. R.; BRANTE, A. R. S. D.; VAN STRALEN, C. J. Práticas discursivas na participação social em saúde mental. Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 38, n. 103, p. 783-793, 2014. DOI: 10.5935/0103-1104.20140071
https://doi.org/10.5935/0103-1104.201400... ; Ferro, 2016FERRO, L. F. Fortalecimento do controle social em saúde mental: estratégias e possibilidades. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional , São Carlos, v. 24, n. 3, p. 601-610, 2016. DOI: 10.4322/0104-4931.ctoRE0691
https://doi.org/10.4322/0104-4931.ctoRE0... ; Resgis; Altoé, 2020RESGIS, M. A.; ALTOÉ, D. P. G. Participação popular em saúde mental: sobre a amplificação de vozes em tempos sombrios. Revista de Educação Popular, Uberlândia, v. 19, n. 1, p. 24-44, 2020. DOI: 10.14393/REP-v19n12020-49976
https://doi.org/10.14393/REP-v19n12020-4... ).
Os resultados apontam também para o enrijecimento, a burocratização e a permanência de práticas de controle nos espaços destinados à participação. Essa burocratização se evidencia nos conteúdos discutidos, como pautas pouco flexíveis e que muitas vezes são fruto de interesses corporativos (Almeida; Dimenstein; Severo, 2010ALMEIDA, K. S.; DIMENSTEIN, M.; SEVERO, A. K. Empoderamento e atenção psicossocial: notas sobre uma associação de saúde mental. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 14, n. 34, p. 577-589, 2010. DOI: 10.1590/S1414-32832010005000009
https://doi.org/10.1590/S1414-3283201000... ; Arraes et al., 2012ARRAES, A. K. M.; DIMEINSTEIN, M.; SIQUEIRA, K. et al. Empoderamento e controle social: uma análise da participação de usuários na IV Conferência Nacional de Saúde Mental Intersetorial em Natal (RN). Psicologia Política, São Paulo, v. 12, n. 23, p. 71-85, 2012. Disponível em: <Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-549X2012000100006 >. Acesso em: 2 out. 2021
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr... ; Costa; Paulon, 2012COSTA, D. F. C.; PAULON, S. M. Participação Social e protagonismo em saúde mental: a insurgência de um coletivo. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 36, n. 95, p. 572-582, 2012. Disponível em: <Disponível em: https://www.scielo.br/j/sdeb/a/qCDJt4SkL9wfbbvppqPs8LH/?lang=pt >. Acesso em: 2 out. 2021
https://www.scielo.br/j/sdeb/a/qCDJt4SkL... ), bem como na forma rígida e centralizadora como são conduzidos os espaços, o que dificulta os diálogos e mantém consonância com concepções asilares (Almeida; Dimenstein; Severo, 2010ALMEIDA, K. S.; DIMENSTEIN, M.; SEVERO, A. K. Empoderamento e atenção psicossocial: notas sobre uma associação de saúde mental. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 14, n. 34, p. 577-589, 2010. DOI: 10.1590/S1414-32832010005000009
https://doi.org/10.1590/S1414-3283201000... ; Guimarães et al., 2010GUIMARÃES, J. JORGE, M. S. B.; MAIA; R. C. F. et al. Participação social na saúde mental: espaço de construção de cidadania, formulação de políticas e tomada de decisão. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 15, n. 4, p. 2113-2122, 2010. DOI: 10.1590/S1413-81232010000400025
https://doi.org/10.1590/S1413-8123201000... ; Arraes et al., 2012ARRAES, A. K. M.; DIMEINSTEIN, M.; SIQUEIRA, K. et al. Empoderamento e controle social: uma análise da participação de usuários na IV Conferência Nacional de Saúde Mental Intersetorial em Natal (RN). Psicologia Política, São Paulo, v. 12, n. 23, p. 71-85, 2012. Disponível em: <Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-549X2012000100006 >. Acesso em: 2 out. 2021
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr... ).
O menor impacto das falas dos usuários (Silveira; Brante; Stralen, 2014SILVEIRA, A. R.; BRANTE, A. R. S. D.; VAN STRALEN, C. J. Práticas discursivas na participação social em saúde mental. Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 38, n. 103, p. 783-793, 2014. DOI: 10.5935/0103-1104.20140071
https://doi.org/10.5935/0103-1104.201400... ; Oliveira; Teixeira, 2015OLIVEIRA, T. A.; TEIXEIRA, C. F. Participação das instâncias de controle social na Política de Saúde Mental da Bahia, 2001-2013. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 39, n. especial, p. 132-144, 2015. DOI: 10.5935/0103-1104.2015S005467
https://doi.org/10.5935/0103-1104.2015S0... ) pode ser relacionado também às incapacidades atribuídas historicamente a eles, que ainda se mostram presentes nesses espaços deliberativos. Associada à hierarquia de saberes, a permanência de estigmas relacionados à loucura aparece como barreira a uma participação mais efetiva dos usuários (Almeida; Dimenstein; Severo, 2010ALMEIDA, K. S.; DIMENSTEIN, M.; SEVERO, A. K. Empoderamento e atenção psicossocial: notas sobre uma associação de saúde mental. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 14, n. 34, p. 577-589, 2010. DOI: 10.1590/S1414-32832010005000009
https://doi.org/10.1590/S1414-3283201000... ; Arraes et al., 2012ARRAES, A. K. M.; DIMEINSTEIN, M.; SIQUEIRA, K. et al. Empoderamento e controle social: uma análise da participação de usuários na IV Conferência Nacional de Saúde Mental Intersetorial em Natal (RN). Psicologia Política, São Paulo, v. 12, n. 23, p. 71-85, 2012. Disponível em: <Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-549X2012000100006 >. Acesso em: 2 out. 2021
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr... ; Costa; Paulon, 2012COSTA, D. F. C.; PAULON, S. M. Participação Social e protagonismo em saúde mental: a insurgência de um coletivo. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 36, n. 95, p. 572-582, 2012. Disponível em: <Disponível em: https://www.scielo.br/j/sdeb/a/qCDJt4SkL9wfbbvppqPs8LH/?lang=pt >. Acesso em: 2 out. 2021
https://www.scielo.br/j/sdeb/a/qCDJt4SkL... ).
A representação social dos usuários de saúde mental como “loucos” ainda é bastante forte, mesmo em instituições públicas especializadas, o que coaduna com a prerrogativa imaginária de que eles não possuem discernimento suficiente para reconhecer problemas e formular avaliações. (Detomini; Bellenzani, 2015DETOMINI, V. C.; BELLENZANI, R. Construindo a participação social junto a usuários de um grupo de apoio: desafios para a qualificação da atenção em um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS). Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, São Carlos, v. 23, n. 3, p. 661-672, 2015. DOI: 10.4322/0104-4931.ctoRE0578
https://doi.org/10.4322/0104-4931.ctoRE0... , p. 668)
Os estigmas ainda existentes associados a vulnerabilidades sociais, como baixo nível educacional, falta de acesso ao trabalho e ausência de formação política, fazem com que os próprios usuários se sintam inaptos a intervir nos processos decisórios, sendo “capturados pela noção de incapacidade, legitimada pela medicina e pelo direito, atribuída à loucura” (Almeida; Dimenstein; Severo, 2010ALMEIDA, K. S.; DIMENSTEIN, M.; SEVERO, A. K. Empoderamento e atenção psicossocial: notas sobre uma associação de saúde mental. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 14, n. 34, p. 577-589, 2010. DOI: 10.1590/S1414-32832010005000009
https://doi.org/10.1590/S1414-3283201000... , p. 585).
Além disso, a concepção de participação permanece ainda associada aos espaços formalmente instituídos para tal, como as conferências de saúde, afastando a ideia de participação de um exercício cotidiano (Silveira; Brante; Stralen, 2014SILVEIRA, A. R.; BRANTE, A. R. S. D.; VAN STRALEN, C. J. Práticas discursivas na participação social em saúde mental. Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 38, n. 103, p. 783-793, 2014. DOI: 10.5935/0103-1104.20140071
https://doi.org/10.5935/0103-1104.201400... ). Nesse sentido, observa-se que persiste uma verticalização do poder nas ações públicas e que a participação popular como princípio do SUS não garante sua efetivação na prática. Tendo em vista que o debate acerca da participação coincide com o período histórico no qual se desencadeou o processo de democratização da sociedade brasileira, pode-se pensar também que o não cumprimento das decisões e deliberações das instâncias de participação aparecem como resquícios de regimes autoritários, que entendem os espaços participativos como mera formalidade legislativa (Guimarães et al., 2010GUIMARÃES, J. JORGE, M. S. B.; MAIA; R. C. F. et al. Participação social na saúde mental: espaço de construção de cidadania, formulação de políticas e tomada de decisão. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 15, n. 4, p. 2113-2122, 2010. DOI: 10.1590/S1413-81232010000400025
https://doi.org/10.1590/S1413-8123201000... ; Ferro, 2016FERRO, L. F. Fortalecimento do controle social em saúde mental: estratégias e possibilidades. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional , São Carlos, v. 24, n. 3, p. 601-610, 2016. DOI: 10.4322/0104-4931.ctoRE0691
https://doi.org/10.4322/0104-4931.ctoRE0... ).
Esses aspectos ditatoriais também aparecem relacionados à cultura de não participação presente na população brasileira e entre os usuários dos serviços de saúde mental (Silveira; Brante; Stralen, 2014SILVEIRA, A. R.; BRANTE, A. R. S. D.; VAN STRALEN, C. J. Práticas discursivas na participação social em saúde mental. Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 38, n. 103, p. 783-793, 2014. DOI: 10.5935/0103-1104.20140071
https://doi.org/10.5935/0103-1104.201400... ), de forma que, muitas vezes, os espaços de participação encontram-se distantes da realidade cotidiana. Falas de caráter eminentemente acadêmico, com ampla utilização de siglas, jargões e termos desconhecidos pelos usuários fazem com que esses espaços se tornem ainda menos conectados à realidade da população, dificultando e inibindo a sua participação (Almeida; Dimenstein; Severo, 2010ALMEIDA, K. S.; DIMENSTEIN, M.; SEVERO, A. K. Empoderamento e atenção psicossocial: notas sobre uma associação de saúde mental. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 14, n. 34, p. 577-589, 2010. DOI: 10.1590/S1414-32832010005000009
https://doi.org/10.1590/S1414-3283201000... ; Arraes et al., 2012ARRAES, A. K. M.; DIMEINSTEIN, M.; SIQUEIRA, K. et al. Empoderamento e controle social: uma análise da participação de usuários na IV Conferência Nacional de Saúde Mental Intersetorial em Natal (RN). Psicologia Política, São Paulo, v. 12, n. 23, p. 71-85, 2012. Disponível em: <Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-549X2012000100006 >. Acesso em: 2 out. 2021
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr... ; Ferro, 2016FERRO, L. F. Fortalecimento do controle social em saúde mental: estratégias e possibilidades. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional , São Carlos, v. 24, n. 3, p. 601-610, 2016. DOI: 10.4322/0104-4931.ctoRE0691
https://doi.org/10.4322/0104-4931.ctoRE0... ). Todos esses fatores talvez expliquem outro dado encontrado nos artigos selecionados: o baixo número de usuários engajados (Almeida; Dimenstein; Severo, 2010ALMEIDA, K. S.; DIMENSTEIN, M.; SEVERO, A. K. Empoderamento e atenção psicossocial: notas sobre uma associação de saúde mental. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 14, n. 34, p. 577-589, 2010. DOI: 10.1590/S1414-32832010005000009
https://doi.org/10.1590/S1414-3283201000... ; Silveira; Brante; Stralen, 2014SILVEIRA, A. R.; BRANTE, A. R. S. D.; VAN STRALEN, C. J. Práticas discursivas na participação social em saúde mental. Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 38, n. 103, p. 783-793, 2014. DOI: 10.5935/0103-1104.20140071
https://doi.org/10.5935/0103-1104.201400... ; Miranda et al., 2019MIRANDA, S.; ROCHA, L. A.; MATOS; R. K. S. et al. Loucos, drogados e associados: participação social no campo da saúde mental em tempos austeros. O social em Questão, Rio de Janeiro, v. XXII, n. 44, p. 213-240, 2019. Disponível em: <Disponível em: http://osocialemquestao.ser.puc-rio.br/media/OSQ44art9.pdf > Acesso em: 2 out. 2021
http://osocialemquestao.ser.puc-rio.br/m... ).
Para enfrentar os principais desafios à participação civil na saúde mental alguns caminhos são apresentados. É necessário pensar em transformações culturais no sentido de modificar os valores associados ao saber técnico e às ideias de incapacidade atribuídas a usuários dos serviços de saúde mental (Almeida; Dimenstein; Severo, 2010ALMEIDA, K. S.; DIMENSTEIN, M.; SEVERO, A. K. Empoderamento e atenção psicossocial: notas sobre uma associação de saúde mental. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 14, n. 34, p. 577-589, 2010. DOI: 10.1590/S1414-32832010005000009
https://doi.org/10.1590/S1414-3283201000... ). Para além disso, são necessárias também transformações culturais que visem a uma maior conscientização política por parte de todos os atores envolvidos nesses espaços, buscando construir uma cultura de participação entre as pessoas (Guimarães et al., 2010GUIMARÃES, J. JORGE, M. S. B.; MAIA; R. C. F. et al. Participação social na saúde mental: espaço de construção de cidadania, formulação de políticas e tomada de decisão. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 15, n. 4, p. 2113-2122, 2010. DOI: 10.1590/S1413-81232010000400025
https://doi.org/10.1590/S1413-8123201000... ; Detomini; Bellenzani, 2015DETOMINI, V. C.; BELLENZANI, R. Construindo a participação social junto a usuários de um grupo de apoio: desafios para a qualificação da atenção em um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS). Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, São Carlos, v. 23, n. 3, p. 661-672, 2015. DOI: 10.4322/0104-4931.ctoRE0578
https://doi.org/10.4322/0104-4931.ctoRE0... ; Resgis; Altoé, 2020RESGIS, M. A.; ALTOÉ, D. P. G. Participação popular em saúde mental: sobre a amplificação de vozes em tempos sombrios. Revista de Educação Popular, Uberlândia, v. 19, n. 1, p. 24-44, 2020. DOI: 10.14393/REP-v19n12020-49976
https://doi.org/10.14393/REP-v19n12020-4... ).
Um importante pressuposto entre os teóricos da democracia participativa refere-se à relação existente entre a participação e o desenvolvimento de habilidades para a tal ação (Pateman, 1992PATEMAN, C. Participação e teoria democrática. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.). A construção de espaços nos quais existe a possibilidade de um efetivo exercício democrático permite a experimentação de novas formas de relação de poder em que novos discursos são enunciados, abrindo lugar para a diversidade (Costa, Paulon, 2012COSTA, D. F. C.; PAULON, S. M. Participação Social e protagonismo em saúde mental: a insurgência de um coletivo. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 36, n. 95, p. 572-582, 2012. Disponível em: <Disponível em: https://www.scielo.br/j/sdeb/a/qCDJt4SkL9wfbbvppqPs8LH/?lang=pt >. Acesso em: 2 out. 2021
https://www.scielo.br/j/sdeb/a/qCDJt4SkL... ). Assim constituídos, esses espaços enfrentam o desafio de reconhecer suas próprias práticas tutelares (Arraes et al., 2012ARRAES, A. K. M.; DIMEINSTEIN, M.; SIQUEIRA, K. et al. Empoderamento e controle social: uma análise da participação de usuários na IV Conferência Nacional de Saúde Mental Intersetorial em Natal (RN). Psicologia Política, São Paulo, v. 12, n. 23, p. 71-85, 2012. Disponível em: <Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-549X2012000100006 >. Acesso em: 2 out. 2021
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr... ) e, através do livre confronto de ideias, podem encontrar soluções criativas para os problemas cotidianos (Costa; Paulon, 2012COSTA, D. F. C.; PAULON, S. M. Participação Social e protagonismo em saúde mental: a insurgência de um coletivo. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 36, n. 95, p. 572-582, 2012. Disponível em: <Disponível em: https://www.scielo.br/j/sdeb/a/qCDJt4SkL9wfbbvppqPs8LH/?lang=pt >. Acesso em: 2 out. 2021
https://www.scielo.br/j/sdeb/a/qCDJt4SkL... ; Ferro, 2016FERRO, L. F. Fortalecimento do controle social em saúde mental: estratégias e possibilidades. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional , São Carlos, v. 24, n. 3, p. 601-610, 2016. DOI: 10.4322/0104-4931.ctoRE0691
https://doi.org/10.4322/0104-4931.ctoRE0... ; Miranda et al., 2019MIRANDA, S.; ROCHA, L. A.; MATOS; R. K. S. et al. Loucos, drogados e associados: participação social no campo da saúde mental em tempos austeros. O social em Questão, Rio de Janeiro, v. XXII, n. 44, p. 213-240, 2019. Disponível em: <Disponível em: http://osocialemquestao.ser.puc-rio.br/media/OSQ44art9.pdf > Acesso em: 2 out. 2021
http://osocialemquestao.ser.puc-rio.br/m... ). Por mais redundante que seja, para garantir espaços de participação é preciso assegurar que tal participação aconteça, pois é participando que se aprende a participar.
Desse modo, aponta-se para mudanças culturais no sentido tanto da superação dos estigmas ligados à loucura e ao maior valor atribuído ao saber técnico, sobrepujando os processos de injustiça epistêmica, quanto da ampliação da cultura participativa - ainda muito incipiente na população brasileira -, cultivando a participação ativa dos atores envolvidos. Essa indicação mantém íntima relação com a necessidade de formação política para os usuários, a fim de que reconheçam melhor as políticas de saúde e os seus direitos.
Essa formação política aparece como importante ferramenta para que usuários e profissionais estejam mais instrumentalizados sobre a realidade social e política do país e sobre as possíveis formas de incidir sobre ela (Arraes et al., 2012ARRAES, A. K. M.; DIMEINSTEIN, M.; SIQUEIRA, K. et al. Empoderamento e controle social: uma análise da participação de usuários na IV Conferência Nacional de Saúde Mental Intersetorial em Natal (RN). Psicologia Política, São Paulo, v. 12, n. 23, p. 71-85, 2012. Disponível em: <Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-549X2012000100006 >. Acesso em: 2 out. 2021
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr... ; Silveira; Brante; Stralen, 2014SILVEIRA, A. R.; BRANTE, A. R. S. D.; VAN STRALEN, C. J. Práticas discursivas na participação social em saúde mental. Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 38, n. 103, p. 783-793, 2014. DOI: 10.5935/0103-1104.20140071
https://doi.org/10.5935/0103-1104.201400... ; Ferro, 2016FERRO, L. F. Fortalecimento do controle social em saúde mental: estratégias e possibilidades. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional , São Carlos, v. 24, n. 3, p. 601-610, 2016. DOI: 10.4322/0104-4931.ctoRE0691
https://doi.org/10.4322/0104-4931.ctoRE0... ; Resgis; Altoé, 2020RESGIS, M. A.; ALTOÉ, D. P. G. Participação popular em saúde mental: sobre a amplificação de vozes em tempos sombrios. Revista de Educação Popular, Uberlândia, v. 19, n. 1, p. 24-44, 2020. DOI: 10.14393/REP-v19n12020-49976
https://doi.org/10.14393/REP-v19n12020-4... ). Nesse sentido, Silveira, Brante e Stralen (2014)SILVEIRA, A. R.; BRANTE, A. R. S. D.; VAN STRALEN, C. J. Práticas discursivas na participação social em saúde mental. Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 38, n. 103, p. 783-793, 2014. DOI: 10.5935/0103-1104.20140071
https://doi.org/10.5935/0103-1104.201400... sugerem cartilhas informativas sobre os conselhos, fóruns de debate e comissões como maneira de estimular uma participação mais engajada. Recomendam também que os temas das conferências sejam discutidos em encontros preparatórios para que as propostas estejam próximas da realidade local. Resgis e Altoé (2020)RESGIS, M. A.; ALTOÉ, D. P. G. Participação popular em saúde mental: sobre a amplificação de vozes em tempos sombrios. Revista de Educação Popular, Uberlândia, v. 19, n. 1, p. 24-44, 2020. DOI: 10.14393/REP-v19n12020-49976
https://doi.org/10.14393/REP-v19n12020-4... ressaltam a importância de discussão do cenário atual de desmonte e ataque à democracia, tão cara à atenção psicossocial.
O processo de coletivização que os movimentos sociais proporcionam através de sua organização, além de ser entendido como um efeito potencial da participação, pode também ser compreendido como uma forma de transformação cultural, posto que proporciona aos seus membros experiências de novas formas de relações sociais (Almeida; Dimenstein; Severo, 2010ALMEIDA, K. S.; DIMENSTEIN, M.; SEVERO, A. K. Empoderamento e atenção psicossocial: notas sobre uma associação de saúde mental. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 14, n. 34, p. 577-589, 2010. DOI: 10.1590/S1414-32832010005000009
https://doi.org/10.1590/S1414-3283201000... ; Costa; Paulon, 2010COSTA, D. F. C.; PAULON, S. M. Participação Social e protagonismo em saúde mental: a insurgência de um coletivo. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 36, n. 95, p. 572-582, 2012. Disponível em: <Disponível em: https://www.scielo.br/j/sdeb/a/qCDJt4SkL9wfbbvppqPs8LH/?lang=pt >. Acesso em: 2 out. 2021
https://www.scielo.br/j/sdeb/a/qCDJt4SkL... ), além de uma maior articulação entre os atores presentes nos espaços de participação (Arraes et al., 2012ARRAES, A. K. M.; DIMEINSTEIN, M.; SIQUEIRA, K. et al. Empoderamento e controle social: uma análise da participação de usuários na IV Conferência Nacional de Saúde Mental Intersetorial em Natal (RN). Psicologia Política, São Paulo, v. 12, n. 23, p. 71-85, 2012. Disponível em: <Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-549X2012000100006 >. Acesso em: 2 out. 2021
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr... ).
A importância da articulação entre diferentes movimentos e atores sociais apresenta-se como relevante no fortalecimento dos espaços de participação. A fim de desfazer o enrijecimento ainda presente nos espaços participativos, aponta-se para a necessidade de se estabelecer alianças entre movimentos sociais, organizações não governamentais e projetos de ação social como forma de estratégia potente para mobilização (Almeida; Dimenstein; Severo, 2010ALMEIDA, K. S.; DIMENSTEIN, M.; SEVERO, A. K. Empoderamento e atenção psicossocial: notas sobre uma associação de saúde mental. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 14, n. 34, p. 577-589, 2010. DOI: 10.1590/S1414-32832010005000009
https://doi.org/10.1590/S1414-3283201000... ). A parceria com órgãos e instituições, como o Ministério Público (Guimarães et al., 2010GUIMARÃES, J. JORGE, M. S. B.; MAIA; R. C. F. et al. Participação social na saúde mental: espaço de construção de cidadania, formulação de políticas e tomada de decisão. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 15, n. 4, p. 2113-2122, 2010. DOI: 10.1590/S1413-81232010000400025
https://doi.org/10.1590/S1413-8123201000... ) e universidades (Ferro, 2016FERRO, L. F. Fortalecimento do controle social em saúde mental: estratégias e possibilidades. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional , São Carlos, v. 24, n. 3, p. 601-610, 2016. DOI: 10.4322/0104-4931.ctoRE0691
https://doi.org/10.4322/0104-4931.ctoRE0... ), é também apontada como fundamental para a consolidação dos espaços de participação.
Um aspecto que se destaca entre os artigos encontrados é o reflexo que o atual contexto de retrocesso no campo da atenção psicossocial tem tido sobre os espaços participativos. Os artigos mais recentes falam da importância desses locais como forma de resistência dos princípios ético-políticos da reforma psiquiátrica, da atenção psicossocial e do potencial de transformação que eles precisam ter, o que fica mais evidente em momentos como o vigente (Miranda et al., 2019MIRANDA, S.; ROCHA, L. A.; MATOS; R. K. S. et al. Loucos, drogados e associados: participação social no campo da saúde mental em tempos austeros. O social em Questão, Rio de Janeiro, v. XXII, n. 44, p. 213-240, 2019. Disponível em: <Disponível em: http://osocialemquestao.ser.puc-rio.br/media/OSQ44art9.pdf > Acesso em: 2 out. 2021
http://osocialemquestao.ser.puc-rio.br/m... ; Resgis; Altoé, 2020RESGIS, M. A.; ALTOÉ, D. P. G. Participação popular em saúde mental: sobre a amplificação de vozes em tempos sombrios. Revista de Educação Popular, Uberlândia, v. 19, n. 1, p. 24-44, 2020. DOI: 10.14393/REP-v19n12020-49976
https://doi.org/10.14393/REP-v19n12020-4... ).
Se no início da década os artigos apontavam esses espaços como importante instrumento de construção de cidadania e garantia de direitos, no final dela vemos a discussão se aproximar da necessidade de transformações sociais mais amplas, associando o processo de desmonte com as políticas neoliberais. Nesse contexto, os espaços de participação possibilitam
em tempos de acirramento das contradições do Capital, recorrer à necessidade de ações ampliadas pela amplificação das vozes não só de usuários dos serviços de SM, mas de todos nós que temos que nos haver com as desigualdades de condições de vida impostas pelo modo capitalista de produção material e pela sua filosofia neoliberal. (Resgis; Altoé, 2020RESGIS, M. A.; ALTOÉ, D. P. G. Participação popular em saúde mental: sobre a amplificação de vozes em tempos sombrios. Revista de Educação Popular, Uberlândia, v. 19, n. 1, p. 24-44, 2020. DOI: 10.14393/REP-v19n12020-49976
https://doi.org/10.14393/REP-v19n12020-4... , p. 40)
Considerações finais
Embora previstos e assegurados por lei, os mecanismos da participação em saúde mental encontram diversas barreiras e dificuldades. Nesse sentido, é necessário estar atento à relevância e complexidade dos processos sociais, políticos e subjetivos relacionados à participação nas decisões relativas a serviços e políticas de saúde mental.
Apesar de amplamente entendido como direito e princípio, além de ser reconhecida a potência de seu exercício, a efetivação dos espaços de participação é um processo ainda em construção que conta com avanços e recuos a depender de uma diversidade de fatores. Em um contexto de retrocessos e de lampejos de autoritarismo no cenário político, é de grande importância estar a par do processo histórico que levou primeiramente à reivindicação da participação como diretriz do SUS. Tomar a participação como um processo eminentemente formativo significa aprender com os caminhos percorridos e entendê-los como inseridos em um momento histórico em constante movimento. É também pensar essa trajetória não apenas como fruto de forças políticas alheias aos espaços de participação, mas trilhada através dos passos de cada um dos atores envolvidos nesse longo processo.
O momento de acirramento das contradições neoliberais exige que os espaços de participação sejam ainda mais incisivos na garantia dos direitos adquiridos pela Constituição de 1988 e fortes na defesa do exercício democrático. Para tanto, eles não podem refletir as formas burocráticas da organização estatal, que contam com poucas possibilidades para a criação e invenção de novos jeitos de abarcar as diferenças de gestão e resolução de problemas.
O processo de democratização é longo e contínuo e se dá pelo próprio exercício democrático, ou seja, na possibilidade de um encontro horizontal entre diferentes, com livre confronto de ideias e construção de coletividades. Em tempos como esses, o exercício de multiplicar as vozes a serem escutadas é tão difícil quanto necessário, e debruçar-se criticamente sobre esses espaços pode ser um passo fundamental para a fortalecê-los e garantir sua existência.
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
03 Jul 2023 - Data do Fascículo
2023
Histórico
- Recebido
29 Mar 2021 - Revisado
29 Mar 2022 - Aceito
14 Abr 2022