Resumo
Este estudo teve como objetivo analisar as razões da mudança da recomendação inicial dos pareceres emitidos pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) durante o processo de consultas públicas (CPs). Tratou-se de pesquisa exploratória de base documental, que analisou 45 CPs da Comissão, realizadas em 2020, das quais sete tiveram entendimento inicial alterado a partir das recomendações recebidas. Os resultados revelam que os principais argumentos considerados para modificar a recomendação preliminar foram aspectos econômicos, bem como critérios de segurança e efetividade da tecnologia analisada. A CP é mecanismo democrático com potencial para avançar no desenvolvimento de um Sistema Único de Saúde (SUS) mais igualitário e que atenda aos reais interesses da sociedade.
Palavras-chave:
Participação Social; Democracia; Consulta Pública; Avaliação de Tecnologias de Saúde
Introdução
O conceito de acesso integral à saúde inclui as diversas tecnologias presentes no sistema, compreendendo equipamentos médicos, produtos de saúde, medicamentos, vacinas, testes, diagnósticos, órteses e próteses, materiais e sistemas tecnológicos de aplicação na assistência à saúde (Francisco; Malik, 2019FRANCISCO, F. R.; MALIK, A. M. Aplicação de Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS) na tomada de decisão em hospitais. Jornal Brasileiro de Economia da Saúde, São Paulo, v. 11, n. 1, p. 10-17, 2019. Disponível em: <Disponível em: https://pesquisa-eaesp.fgv.br/sites/gvpesquisa.fgv.br/files/arquivos/aplicacao_de_avaliacao_de_tecnologias.pdf >. Acesso em: 1 jun. 2023.
https://pesquisa-eaesp.fgv.br/sites/gvpe... ).
O desenvolvimento contínuo de novas tecnologias em saúde resulta de uma série de fatores, como o envelhecimento da população, o surgimento de novas doenças e a necessidade de tratamentos especializados. Nesse contexto, a interseção entre a inovação tecnológica e o setor da saúde desempenha um papel crucial, pois pode ser um fator significativo na promoção da acessibilidade e equidade nos sistemas de saúde (Francisco; Malik, 2019FRANCISCO, F. R.; MALIK, A. M. Aplicação de Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS) na tomada de decisão em hospitais. Jornal Brasileiro de Economia da Saúde, São Paulo, v. 11, n. 1, p. 10-17, 2019. Disponível em: <Disponível em: https://pesquisa-eaesp.fgv.br/sites/gvpesquisa.fgv.br/files/arquivos/aplicacao_de_avaliacao_de_tecnologias.pdf >. Acesso em: 1 jun. 2023.
https://pesquisa-eaesp.fgv.br/sites/gvpe... ).
Contudo, a decisão sobre a incorporação dessas tecnologias no sistema de saúde demanda um processo avaliativo prévio, que deve considerar os significativos impactos econômicos, sociais, éticos e políticos que podem ser gerados.
Segundo o Ministério da Saúde, a avaliação de tecnologia em saúde (ATS) é “um processo baseado em evidências que procura examinar as consequências da utilização de uma tecnologia de cuidados de saúde, considerando a assistência médica, social e questões econômicas e éticas” (Brasil, 2016BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento de Gestão e Incorporação de Tecnologias em Saúde. Entendendo a Incorporação de Tecnologias em Saúde no SUS: como se envolver. Brasília, DF, 2016., p. 7). Em outra senda, a ATS busca permitir que sistemas ou organizações de saúde possam elevar a qualidade na prestação dos serviços de saúde e o cuidado com o paciente, além de aperfeiçoar o custo-benefício e conseguir adequar as tecnologias às reais necessidades da sociedade que deles carece (Silva, 2020SILVA, A. S. A participação social no processo de incorporação de tecnologias em saúde no Brasil. 2020. 175 f. Tese (Doutorado em Ciências e Tecnologias em Saúde) - Universidade de Brasília, Brasília, DF, 2020.). Nesse contexto, a participação direta da sociedade nessas decisões torna-se indispensável.
No Brasil, compete à Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), como órgão de assessoramento do Ministério da Saúde no processo de incorporação, exclusão ou alteração de novos medicamentos, produtos e procedimentos, bem como constituição e/ou alteração de protocolo clínico ou diretriz terapêutica (PCDT), a realização da avaliação de tecnologia. E, por expressa previsão legal contida na Lei nº 12.401/2011 (Brasil, 2011BRASIL. Lei nº 12.401, de 28 de abril de 2011. Altera a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a assistência terapêutica e a incorporação de tecnologia em saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 28 abr. 2011. Disponível em: <Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12401.htm >. Acesso em: 12 jan. 2023.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_a... ), a decisão final deverá ser precedida de consulta pública (CP) para apreciação do parecer preliminar.
A CP é um instrumento democrático que baseado na participação social proporciona apoio na tomada de decisão estatal. Por meio dele, diversos setores da sociedade são consultados, propiciando a inclusão de múltiplas perspectivas, o fortalecimento do diálogo entre Estado e sociedade e a expectativa de que as políticas públicas de saúde reflitam mais profundamente as necessidades e os interesses da população (Sacheto, 2008SACHETO, R. Participação popular na era da informação: o caso das consultas públicas eletrônicas na administração pública federal do Brasil. 2008. 140 f. Dissertação (Mestrado em Comunicação) - Universidade de Brasília, Brasília, DF, 2008.).
Essa prática reforça o caráter participativo e democrático do Sistema Único de Saúde (SUS), contribuindo para uma gestão mais efetiva e inclusiva no campo da saúde pública, conferindo concretude à diretriz constitucional da participação.
O procedimento de CP na Conitec se divide em quatro fases: (1) disponibilização de relatórios prévios de análise das tecnologias e dos formulários para participação; (2) organização e análise das contribuições recebidas pelo Plenário; (3) manifestação da recomendação final; e (4) encaminhamento ao Secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde (SCTIE/MS), a quem cabe a decisão sobre a incorporação da tecnologia junto ao SUS (Conitec, 2022CONITEC - COMISSÃO NACIONAL DE INCORPORAÇÃO DE TECNOLOGIAS NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. Consultas Públicas. Brasília, DF, 2022. Disponível em: <Disponível em: https://www.gov.br/conitec/pt-br/assuntos/participacao-social/consultas-publicas/vigentes >. Acesso em: 3 jul. 2023.
https://www.gov.br/conitec/pt-br/assunto... ).
Os relatórios disponibilizados pela Conitec na primeira fase da CP - relatório técnico e relatório para a sociedade - apresentam a recomendação inicial da comissão e as razões que fundamentam tal escolha, diferenciando-se no modo como a informação é disponibilizada ao público. Enquanto o relatório técnico, destinado aos especialistas no tema, pesquisadores, entre outros, contém linguagem eminentemente técnica, o relatório para a sociedade é uma versão resumida do primeiro, mas elaborado em linguagem de fácil compreensão e dotado ainda de imagens representativas/ilustrações. O objetivo principal da Conitec em apresentar os documentos em formato diferenciado é facilitar o entendimento de toda a sociedade acerca do tema que está sendo posto em discussão, além de incentivar uma maior participação social.
De forma similar, também são disponibilizados dois formulários distintos para as contribuições nas CPs: um formulário destinado a contribuições técnico-científicas e outro para contribuições com relatos de experiência ou opinião.
Em 2020, a Conitec realizou 70 CPs voltadas a análise de novas tecnologias em saúde bem como à introdução de Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT). Este artigo apresenta os resultados da análise das razões de alteração da recomendação inicial da Comissão, a partir das contribuições recebidas nas CPs.
Metodologia
Tratou-se de pesquisa exploratória de base documental, que analisou as consultas públicas da Conitec, realizadas em 2020, e que tiveram entendimento inicial alterado a partir das recomendações recebidas no curso das CPs, por meio dos formulários de contribuição técnico-científica e formulários de relato de experiência ou opinião. Não foram consideradas na pesquisa as CPs que buscavam introduzir PCDT. A escolha pela exclusão destas justifica-se uma vez que os temas voltados à incorporação, exclusão, ampliação de medicamentos e produtos tem um maior engajamento da sociedade civil.
Tomando como base as 70 CPs realizadas pela Conitec em 2020, foram excluídas 24 que tratavam de PCDT e uma que não continha a documentação completa, sendo objeto desta análise 45 CPs.
Foram analisados (1) documentos com a recomendação inicial da Conitec - relatórios técnicos e relatórios para a sociedade; (2) documentos com as contribuições decorrentes das consultas públicas - relatório com contribuições técnico-científicas e relatório com as contribuições derivadas de relatos de experiência ou opinião; e (3) relatórios com a recomendação final.
Para análise quantitativa das contribuições foram consideradas, exclusivamente, as informações contidas na questão 6 dos formulários eletrônicos disponibilizados - formulários de contribuição técnico-científica e formulários de relato de experiência ou opinião. Essa questão, em ambos os formulários, versa sobre a concordância ou não com a recomendação preliminar da Conitec: “Questão 6: A recomendação preliminar da Conitec foi (favorável ou NÃO favorável) à proposta de incorporação da (tecnologia a ser incorporada). Você concorda com a recomendação?”.
Com relação aos aspectos éticos, por tratar-se de pesquisa essencialmente documental, com coleta de dados de acesso público, não foi necessário a submissão do trabalho ao comitê de ética conforme preconiza a Resolução nº 510, de 7 de abril de 2016 do Conselho Nacional de Saúde (CNS).
Os resultados estão organizados em duas partes: (1) perfil dos participantes das CPs e (2) análise do conteúdo das contribuições, em que se utilizou o método de Bardin (2015BARDIN, L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2015.), visto que possibilita a explicitação e a sistematização do conteúdo das investigações a partir de índices passíveis de quantificação, bem como a elaboração de inferências e deduções lógicas e justificadas sobre o conteúdo das mensagens.
Resultados
Foram analisadas um total de 45 CPs com temas que envolveram desde a inclusão de novos medicamentos, terapias farmacológicas, vacinas e outras formulações destinadas ao tratamento ou prevenção de doenças, até novos procedimentos médicos e avançados exames para detecção de doenças. As solicitações para análise dessas tecnologias foram provenientes de diferentes setores, incluindo fabricantes de dispositivos médicos, empresas farmacêuticas, órgãos governamentais e sociedades médicas.
Das 45 CPs analisadas, decorreu um total de 59.028 contribuições provenientes tanto do formulário técnico-científico (8.249 contribuições), quanto do formulário de experiência e opinião (50.779 contribuições).
Perfil dos participantes da CP
O site institucional da Conitec oferta uma classificação prévia de perfil de autoria que o interessado deve eleger quando apresenta a sua contribuição: (1) paciente; (2) familiar, amigo ou cuidador de paciente; (3) profissional de saúde; (4) interessado no tema; (5) empresa; (6) empresa fabricante da tecnologia avaliada; (7) grupos/associação/organização de pacientes; (8) instituição de ensino; (9) Secretaria Estadual de Saúde; (10) Secretaria Municipal de Saúde; (11) Sociedade Médica; e (l2) outra.
Por se tratar de uma classificação extensa, houve o reagrupamento em seis categorias de análise (Figura 1), que buscou congregar os atores com interesses semelhantes. Para tanto, considerou-se a qualificação dos atores, o âmbito de atuação social e profissional destes e a análise da atividade econômica ou social por eles desenvolvida.
Categorias de atores participantes das consultas públicas no âmbito da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde
A partir desse novo arranjo de categorias de atores, verificou-se que os segmentos que participaram de maneira mais ativa das CPs analisadas foram a Sociedade Civil (69,59%) e os Profissionais de Saúde (30,01%).
Nesse sentido, o estudo também evidenciou baixa representatividade dos demais segmentos: Mercado (0,19%); Instituições de Ensino (0,054%); Estado (0,11%); e Outros (0,05%).
Análise do conteúdo das contribuições
A partir da análise da questão 6 presente nos formulários da Conitec, bem como de sua recomendação preliminar, os resultados demonstraram que em 21 CPs houve recomendação preliminar de incorporação de tecnologia ao SUS.
Nesses casos, as contribuições recebidas nas CPs foram predominantemente em concordância com a recomendação preliminar (95,23%), demonstrando o interesse dos variados atores envolvidos na introdução de novas tecnologias, ratificando assim o posicionamento da Conitec.
Por outro lado, a Conitec, em outras 24 CPs opinou pela não recomendação de incorporação de nova tecnologia ao SUS. Nesses casos, as contribuições dos variados grupos de atores foram majoritariamente (95%) no sentido de discordar da recomendação preliminar da Comissão.
Contudo, em apenas sete consultas públicas observou-se alteração no posicionamento inicial da Conitec, após o recebimento das contribuições (Tabela 1).
CP nº 03: alfavestronidase no tratamento da mucopolissacaridose tipo VII
O relatório de recomendação deu-se para a análise das evidências científicas demandada pela Ultragenyx Brasil Farmacêutica Ltda sobre eficácia, segurança, custo-efetividade e impacto orçamentário de alfavestronidase para indivíduos com diagnóstico confirmado de mucopolissacaridose tipo VII, visando avaliar a possibilidade de incorporação do medicamento ao SUS.
Na CP nº 3/2020, foram recebidas 83 contribuições, sendo 28 dos profissionais de saúde e 55 da sociedade civil. A Conitec acolheu as contribuições de especialistas que apontaram para uma diminuição do impacto orçamentário na incorporação, a partir do argumento de que o peso médio e o número de pacientes no Brasil seriam menores do que os índices inicialmente relatados, in verbis:
Além disso, considerou como plausível os argumentos apresentados de que o peso médio da população que vive com mucopolissacaridose tipo VII e o número de indivíduos com a doença no Brasil seriam menores que os submetidos na primeira análise de impacto orçamentário, gerando uma diminuição maior que 50% no valor do impacto originalmente projetado (Conitec, 2022CONITEC - COMISSÃO NACIONAL DE INCORPORAÇÃO DE TECNOLOGIAS NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. Consultas Públicas. Brasília, DF, 2022. Disponível em: <Disponível em: https://www.gov.br/conitec/pt-br/assuntos/participacao-social/consultas-publicas/vigentes >. Acesso em: 3 jul. 2023.
https://www.gov.br/conitec/pt-br/assunto... ).
Dessa forma, o plenário da Conitec modificou a recomendação inicial desfavorável e emitiu uma nova, dessa vez favorável à incorporação da alfavestronidase para a terapia de reposição enzimática em indivíduos diagnosticados com mucopolissacaridose tipo VII.
CP nº 08: risanquizumabe para tratamento da psoríase em placas de moderada a grave
A CP nº 8/2020 versava sobre a incorporação do risanquizumabe em primeira linha de tratamento com biológico para pacientes com psoríase moderada a grave, pelo SUS, demandado pela empresa ABBVIE Farmacêutica Ltda.
A posição inicial da Conitec pela não incorporação justificava-se uma vez que o medicamento avaliado estaria associado a benefícios incrementais em termos de efetividade no tratamento da condição clínica em análise e sua eficiência seria inferior aos tratamentos já disponíveis no SUS com base no preço proposto pelo fabricante.
Foram recebidas 386 contribuições, sendo 214 provenientes do formulário técnico-científico e 172 do formulário de experiência ou opinião. Desse total, 96% discordaram da recomendação preliminar. Com relação aos grupos de atores, observou-se contribuições de cinco grupos, sociedade civil, profissionais de saúde, mercado, instituições de ensino e Estado. O percentual de discordância foi maior em todos os grupos participantes, exceto o Estado, em que houve duas participações, uma concordando e outra discordando da recomendação inicial.
As contribuições ressaltaram que o risanquizumabe constitui-se nova opção terapêutica para tratamento da psoríase e apresenta inovações que proporcionam aumento da eficácia. Além disso, a introdução desse medicamento asseguraria o acesso universal ao tratamento imunobiológico pelo SUS. Contudo, o plenário da Conitec entendeu que não havia evidências suficientes para alterar a recomendação inicial, especialmente ao considerar o preço proposto pelo fabricante.
O tema só retornou ao plenário após proposta de redução de preço do laboratório fabricante. E, a partir dessa atualização de valor, a Conitec deliberou por recomendar a incorporação do risanquizumabe ao SUS com a recomendação de renegociação dos preços para as tecnologias já incorporadas no sistema para essa indicação. Tal fato reflete a relevância das questões econômicas nas decisões da Conitec.
CP nº 23: vacina meningocócica ACWY (conjugada) para adolescentes de 11 e 12 anos no Calendário Nacional de Vacinação
O relatório de recomendação deu-se ante demanda da Secretaria de Vigilância em Saúde, do Ministério da Saúde, para aferir a eficácia e segurança da vacina meningocócica ACWY (conjugada) quando comparada à vacina meningocócica C (conjugada), em pacientes adolescentes de 11 e 12 anos de idade, para a prevenção da doença meningocócica invasiva provocada pela Neisseria meningitidis.
Ressalte-se que entre as consultas públicas que impulsionaram mudança no entendimento da Conitec essa foi a única demanda por um ator integrante da categoria Estado, sendo, as demais, demandadas pelo mercado.
Foram recebidas 83 contribuições, sendo 13 provenientes do formulário técnico-científico e 70 do formulário de experiência ou opinião. Desse total, 93% das contribuições alegaram discordância com a recomendação preliminar da Conitec pela não ampliação do uso da vacina para adolescentes de 11 e 12 anos de idade. Com relação aos grupos de atores, houve ocorrência de contribuições de quatro grupos, sociedade civil, profissionais de saúde, mercado e Estado, todos com posicionamento predominante no sentido de discordar da recomendação inicial da Conitec.
As contribuições evidenciaram a importância da ampliação da cobertura vacinal para faixa etária específica devido à letalidade da doença, conforme se observa de trecho extraído de contribuição de membro da sociedade civil:
A vacina meningocócica ACWY foi uma conquista do povo brasileiro por meio do Programa Nacional de Imunizações e amplia a proteção da DMI para os adolescentes que funcionam como carreador da bactéria e consequentemente transmissão para outras faixas etárias na comunidade, diante disto é importante que a vacina permaneça no calendário nacional de vacinação, visto que, a doenças meningocócica é imprevisível, ocorre em indivíduos previamente hígidos e apresenta grande letalidade (Conitec, 2022CONITEC - COMISSÃO NACIONAL DE INCORPORAÇÃO DE TECNOLOGIAS NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. Consultas Públicas. Brasília, DF, 2022. Disponível em: <Disponível em: https://www.gov.br/conitec/pt-br/assuntos/participacao-social/consultas-publicas/vigentes >. Acesso em: 3 jul. 2023.
https://www.gov.br/conitec/pt-br/assunto... ).
Outras participações enfatizaram e anexaram estudos demonstrando que a imunogenicidade e a efetividade da vacina meningocócica ACWY (conjugada) persiste por tempo superior a um ano e que a incidência do sorogrupo W da N. meningitidis pode até ser considerada baixa no Brasil, mas que esse sorogrupo tem se destacado em alguns estados do País e que a sua letalidade tem se mostrado superior aos demais.
A partir dessas evidências apresentadas, a Conitec revisou o entendimento preliminar, passando a recomendar a ampliação de uso da vacina meningocócica ACWY (conjugada) para adolescentes de 11 e 12 anos de idade.
CP nº 35: natalizumabe para esclerose múltipla remitente-recorrente após primeira falha terapêutica
O relatório de recomendação deu-se para a análise a partir da iniciativa da empresa Biogen Brasil Produtos Farmacêuticos Ltda, que recomenda a incorporação do natalizumabe para tratamento da esclerose múltipla remitente-recorrente (EMRR) após primeira falha terapêutica, como alternativa ao fingolimode.
A Conitec, em sua análise inicial, decidiu pela não ampliação do uso de natalizumabe para o tratamento da EMRR pelo SUS, tendo em vista que haveria indicação somente para pacientes em alta atividade da doença. Ademais, considerou o impacto orçamentário e a segurança não comprovada do medicamento, além da ausência de previsão do tratamento no PCDT da esclerose múltipla.
Foram recebidas 706 contribuições, sendo 87 provenientes do formulário técnico-científico e 619 do formulário de experiência ou opinião. Ao todo, 97% das contribuições alegaram discordância com a recomendação preliminar da Conitec. Os atores que compõem o grupo “Estado” foram os únicos a não apresentar contribuições.
Os subsídios recebidos pelas CPs reforçaram os benefícios clínicos da utilização antecipada do natalizumabe para o tratamento de pacientes com alta atividade de esclerose múltipla remitente-recorrente e buscaram demonstrar a ausência de impacto no orçamento.
Algumas contribuições discutiram sobre a ausência de impacto no orçamento, justificando que as duas tecnologias apresentam preços equivalentes. Conforme apresentado neste relatório, o custo anual do fingolimode de R$ 19.710,00 e do natalizumabe de R$ 22.344,00. No entanto, a diferença observada no impacto orçamentário se dá pelo aumento do número de pacientes em uso do natalizumabe no cenário alternativo (Conitec, 2022CONITEC - COMISSÃO NACIONAL DE INCORPORAÇÃO DE TECNOLOGIAS NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. Consultas Públicas. Brasília, DF, 2022. Disponível em: <Disponível em: https://www.gov.br/conitec/pt-br/assuntos/participacao-social/consultas-publicas/vigentes >. Acesso em: 3 jul. 2023.
https://www.gov.br/conitec/pt-br/assunto... ).
Assim, considerando a nova proposta de atualização do PCDT da esclerose múltipla, a presença de evidências da superioridade do natalizumabe para pacientes com alta atividade da doença, além da ausência de impacto orçamentário, o plenário considerou haver embasamento suficiente nas contribuições da consulta pública para recomendar favoravelmente a incorporação da tecnologia.
CP nº 38: ivacaftor para pacientes acima de 6 anos que apresentem mutações de gating
A empresa Vertex Farmacêutica do Brasil Ltda apresentou pedido para incorporação junto ao SUS do Ivacaftor para o tratamento da fibrose cística em pacientes com idade ≥6 anos e ≥25 kg que apresentam mutações no gene.
A recomendação inicial da Conitec pela não incorporação considerou que se tratava de medicamento de alto custo e que atenderia uma população específica, aqueles com mutações do gene G551D, com benefício maior em pacientes acima dos 12 anos.
Na consulta pública, foram recebidas 10.735 contribuições, sendo 318 provenientes do formulário técnico-científico e 10.417 do formulário de experiência ou opinião, sendo que 93% das contribuições alegaram discordância com a recomendação preliminar da Conitec. Com relação aos grupos de atores, houve ocorrência de contribuições por cinco grupos - sociedade civil, profissionais de saúde, mercado, instituições de ensino e Estado -, sendo a sociedade civil responsável por 7.648 (71,25%) das contribuições.
As contribuições indicaram a necessidade em considerar que a fibrose cística é uma doença rara, grave e progressiva e que o ivacaftor impediria a progressão dessa doença reduzindo o risco de hospitalização e morte. As contribuições ainda apontaram que o ivacaftor representa esperança para os pacientes e seus familiares, não havendo outras drogas de mesma eficácia no Brasil com bons resultados de eficácia nos desfechos de redução de valores de cloreto no suor.
Um outro argumento trazido a favor da incorporação foi o alto custo da medicação e a dificuldade de aquisição pelas famílias, conforme trecho de contribuição trazido por familiar de paciente: “Esse remédio é de alto custo e faz com que muitas famílias não tenham condições para pagar o remédio” (Conitec, 2022CONITEC - COMISSÃO NACIONAL DE INCORPORAÇÃO DE TECNOLOGIAS NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. Consultas Públicas. Brasília, DF, 2022. Disponível em: <Disponível em: https://www.gov.br/conitec/pt-br/assuntos/participacao-social/consultas-publicas/vigentes >. Acesso em: 3 jul. 2023.
https://www.gov.br/conitec/pt-br/assunto... ).
Ademais, a empresa Vertex Farmacêutica do Brasil Ltda, fabricante da tecnologia, apresentou proposta de redução do custo do tratamento frente ao preço inicial proposto para o ivacaftor, considerando um desconto diferenciado. O preço inicial apresentado para incorporação de Kalydeco® 150mg foi de R$ 67.863,80, que, após a redução, passou a ser R$ 45.936,11, representando uma redução de R$ 90,8 milhões em cinco anos.
Ante as contribuições e os argumentos, houve alteração da recomendação inicial sobre o tema. A Conitec considerou que as evidências apresentadas na CP mostraram um benefício de eficácia do medicamento nos desfechos de redução de valores de cloreto no suor e melhora da função pulmonar, e que estes representam desfechos importantes na doença. Também consideraram a gravidade e a evolução da doença e ponderou que mais estudos são necessários, devendo ser realizada reavaliação em três anos.
CP nº 56: burosumabe para o tratamento de hipofosfatemia ligada ao cromossomo X em adultos e crianças
O pedido de incorporação de burosumabe para o tratamento da hipofosfatemia ligada ao cromossomo X pelo SUS foi realizado por iniciativa da empresa Ultragenyx Brasil Farmacêutica Ltda. A decisão inicial da Conitec, de caráter desfavorável, baseou-se na ausência de evidências robustas da eficácia e segurança do medicamento na população apresentada, além do alto impacto orçamentário.
Foram recebidas 619 contribuições, sendo 103 provenientes do formulário técnico-científico e 516 do formulário de experiência ou opinião. Ao todo, 94% das contribuições alegaram discordância com a recomendação preliminar da Conitec. Com relação aos grupos de atores, houve ocorrência de contribuições de todos eles.
As contribuições se concentraram nos benefícios do medicamento, na eficácia do tratamento, melhora dos sintomas, melhora dos níveis de fosfato e qualidade de vida. Além disso, a empresa fabricante apresentou nova proposta de preços com descontos.
A empresa fabricante do medicamento apresentou uma nova proposta de preço para incorporação da tecnologia. De acordo com os dados encaminhados a proposta seria um desconto de 5% frente ao valor inicial pautado e de 6,3% considerando os ajustes de preço ocorrido em junho de 2020 (acréscimo de 3,23%) e um CAP atual de 21,53% (Conitec, 2022CONITEC - COMISSÃO NACIONAL DE INCORPORAÇÃO DE TECNOLOGIAS NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. Consultas Públicas. Brasília, DF, 2022. Disponível em: <Disponível em: https://www.gov.br/conitec/pt-br/assuntos/participacao-social/consultas-publicas/vigentes >. Acesso em: 3 jul. 2023.
https://www.gov.br/conitec/pt-br/assunto... ).
Ante essas contribuições, a Conitec modificou o entendimento de sua recomendação inicial e resolveu recomendar a incorporação dessa tecnologia, parcialmente, ao SUS.
Esse feito trouxe a lume uma questão peculiar, a mudança parcial do entendimento preliminar da Conitec, visto que foi recomendada a incorporação do burosumabe para o tratamento de hipofosfatemia ligada ao cromossomo X em crianças, mas recomendou-se a não incorporação desse medicamento para o tratamento de hipofosfatemia ligada ao cromossomo X em adultos.
Os benefícios clínicos do tratamento foram mais acentuados nas crianças, por isso tal recomendação selecionou apenas esse grupo. Assim, a consulta pública trouxe um novo cenário para que a Conitec pudesse modificar seu juízo inicial.
CP nº 63: nusinersena para tratamento da Atrofia Muscular Espinhal 5q tipo II e III
A Biogen Brasil Produtos Farmacêuticos Ltda. solicitou a avaliação do nusinersena para tratamento de pacientes com Atrofia Muscular Espinhal (AME) 5q tipos II e III (início tardio), visando sua incorporação no SUS.
A recomendação preliminar da Conitec foi negativa, baseada no custo elevado do medicamento e a ausência de estudos que apresentem dados mais robustos, demonstrando benefícios mais claros e informações mais detalhadas sobre a segurança em longo prazo para melhor subsidiar a tomada de decisão.
Realizada a consulta pública, foram recebidas 5.950 contribuições, sendo 271 contribuições provenientes do formulário técnico-científico e 5.679 contribuições do formulário de experiência ou opinião. Destes, 5.647 (95%) discordaram da recomendação inicial da Conitec. Com relação aos grupos de atores, houve ocorrência de contribuições de apenas três grupos, sociedade civil, profissionais de saúde e mercado.
As contribuições versaram a respeito do benefício do nusinersena quanto a ganhos motores, à qualidade de vida e a não progressão da condição; o potencial do medicamento em propiciar uma vida melhor aos pacientes e a única tecnologia disponível para o tratamento de pacientes com AME tipos II e III.
Inicialmente, a Conitec entendeu não haver argumentação suficiente advinda das contribuições da CP para alterar a recomendação preliminar. Todavia, no dia 19 de março de 2021 foi realizada Audiência Pública, em formato virtual, transmitido à população pelo canal da Conitec no Youtube (Audiência..., 2021AUDIÊNCIA Pública 01/2021. Brasília, DF: Conitec, 2021. 1 vídeo (145 min). Publicado por Canal da Conitec. Disponível em: <Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ajNg560YwQs&t=5423s >. Acesso em: 10 nov. 2022.
https://www.youtube.com/watch?v=ajNg560Y... ), com a finalidade de ouvir a opinião da sociedade acerca do tema, de modo a levantar mais elementos para a tomada de decisão.
Nessa audiência, houve a apresentação de 17 participantes sendo três provenientes do mercado, cinco representantes da sociedade civil, quatro representantes dos profissionais da saúde, dois representantes do Estado (Centro Colaborador do SUS e Secretaria de Saúde de São Paulo) e três representações de instituições de ensino (Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, Universidade de São Paulo - USP e Universidade Estadual de Campinas - Unicamp), ocasião em que foram apresentados benefícios da tecnologia, as experiências pessoais, o impacto na qualidade de vida dos pacientes e o aumento da judicialização do medicamento.
Durante a audiência pública, o demandante apresentou uma nova proposta comercial prevendo uma redução equivalente a 21% frente ao preço de aquisição de nusinersena negociado com o Ministério da Saúde para o ano de 2021.
Ante as contribuições da audiência pública, os membros da Conitec deliberaram, por maioria simples, no sentido de modificar parcialmente a recomendação final e recomendar a incorporação do nusinersena para o tratamento da atrofia muscular espinhal 5q tipo II, com diagnóstico até os 18 meses de idade, e pela não incorporação do nusinersena para tratamento da atrofia muscular espinhal 5q tipo III.
Ressalte-se que a modificação parcial não resultou diretamente da CP realizada, mas de outro instrumento de participação também previsto na Lei nº 12.401/2011, que dispõe acerca do uso da audiência pública antes da tomada de decisão, justificado pela relevância do tema (Brasil, 2011BRASIL. Lei nº 12.401, de 28 de abril de 2011. Altera a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a assistência terapêutica e a incorporação de tecnologia em saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 28 abr. 2011. Disponível em: <Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12401.htm >. Acesso em: 12 jan. 2023.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_a... ).
Discussão
Os resultados demonstram que apesar das consultas públicas da Conitec tratarem eminentemente de temas técnicos na área de incorporação de medicamentos e/ou tecnologias, há um interesse da sociedade civil nessas discussões. Isso sinaliza que a CP tem o condão de atuar como mecanismo de fortalecimento da participação social (Escorel; Nascimento; Edler, 2005ESCOREL, S.; NASCIMENTO, D. R.; EDLER, F. C. As origens da reforma sanitária e do SUS. In: LIMA, N. T. et al. (Org). Saúde e democracia: história e perspectivas do SUS. Rio de janeiro: Fiocruz; 2005. p. 59-81.), uma vez que não se restringe na abordagem exclusiva de aspectos técnicos, científicos e econômicos, passando a incluir, ainda, a visão e as experiências de outros atores envolvidos, especialmente os pacientes e seus familiares.
Nesse contexto, a adoção dos relatórios com linguagem mais simplificada para divulgar o tema que se pretende discutir, associado ao uso dos formulários específicos para coletar relato de experiência e/ou opinião dos familiares reforçam a participação de segmentos da sociedade que atuam de forma não institucionalizada no processo de melhoria da qualidade da prestação dos serviços públicos de saúde (Dantas, 2006DANTAS, H. Democracia e saúde no Brasil: uma realidade possível? São Paulo: Paulus, 2006.).
Essas ações, associadas ao uso de estruturas de TICs para a realização das CPs de modo virtual, potencializam, ainda, a participação de segmentos que isoladamente detêm pouca ou nenhuma influência sobre decisões técnicas em matéria de saúde (Alves, 2021ALVES, S. M. C. A democracia eletrônica no setor saúde: um processo em construção. In: LEMOS, A. N. L. E.; ALVES, S. M. C. (Org). Direito Sanitário: coletânea em homenagem à prof.ª Dra. Maria Célia Delduque. São Paulo: Matrioska, 2021. p. 93-106.). Ademais, o compartilhamento de ideias nesse ambiente aberto proporciona tomada de decisão mais condizente com o anseio social (Gomes, 2005GOMES, L. M. A saúde como objeto de consumo: uma análise sobre as demandas e consultas públicas de incorporação de medicamentos no SUS. Cadernos Ibero-Americanos de Direito Sanitário, Brasília, DF, v. 4, n. 4, p. 145-163, 2015. Disponível em: <Disponível em: https://www.cadernos.prodisa.fiocruz.br/index.php/cadernos/article/view/180 >. Acesso em: 2 jun. 2023.
https://www.cadernos.prodisa.fiocruz.br/... ), além de conferir maior legitimidade e transparência às decisões administrativas (Amorim, 2022AMORIM, F. F. et al. Avaliação de Tecnologias em Saúde: Contexto Histórico e Perspectivas. Comunicação em Ciências da Saúde, São Paulo, v. 2, n. 4, p. 343-348, 2010. Disponível em: <Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/artigos/avaliacao_tecnologias_saude.pdf >. Acesso em: 7 jan. 2023.
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/artigos/a... ).
Observou-se, ainda, que a baixa representatividade no percentual das contribuições emitidas por alguns grupos nas CPs analisadas não significa, necessariamente, ausência de influência nas decisões sobre saúde, uma vez que há outros meios de influenciar na proposição e elaboração de políticas públicas de saúde (Souza; Souza, 2018SOUZA, K. A. O.; SOUZA, L. E. P. F. Incorporação de tecnologias no Sistema Único de Saúde: as racionalidades do processo de decisão da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 42, spe. 2, p. 48-60, 2018. Disponível em: <Disponível em: https://www.scielosp.org/article/sdeb/2018.v42nspe2/48-60/ >. Acesso em: 10 out. 2023.
https://www.scielosp.org/article/sdeb/20... ).
Este estudo verificou que as contribuições influenciaram nos processos de mudança, porém não necessariamente a quantidade de contribuições foi determinante para a reversão do entendimento inicial da Conitec. Pode-se perceber que eixos ligados ao impacto orçamentário tiveram destaque, o que não desqualifica a participação social que conseguiu por meio de fundamentação ligada à eficácia e necessidade do medicamento influenciar nas decisões de incorporação de tecnologias em saúde.
Além disso, foi possível observar que as dimensões econômicas foram frequentemente mencionadas nas consultas públicas. Percebe-se que o desfecho esteve relacionado à revisão ou renegociação dos preços em cinco consultas públicas (71,42%), todas demandadas por empresas fabricantes. A redução dos custos foi um vetor que impactou de forma positiva na revisão da posição da Conitec, uma vez que diminuiu diretamente o impacto orçamentário nas contas públicas do Estado.
As reduções no custo dos medicamentos são relevantes dado que a escassez de recursos e as restrições orçamentárias são obstáculos para o SUS oferecer todas as inovações tecnológicas demandadas pela sociedade. Desde o princípio, o SUS sofre com subfinanciamento que consiste na alocação insuficiente de recursos orçamentários e financeiros. Essa dificuldade é um dos maiores desafios para a consolidação do direito à saúde (Paim, 2018PAIM, J. S. Sistema Único de Saúde (SUS) aos 30 anos. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 23, n. 6, p. 1723-1728, 2018. Disponível em: <Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/Qg7SJFjWPjvdQjvnRzxS6Mg/?lang=pt# >. Acesso em: 2 jun. 2023.
https://www.scielo.br/j/csc/a/Qg7SJFjWPj... ).
Dessa forma, para que se possa incorporar uma nova tecnologia em saúde, deve-se entender que as decisões requerem detalhada análise econômica devido à possibilidade do SUS não conseguir oferecer todas as inovações tecnológicas disponíveis no mercado, sendo o custo dos medicamentos importante barreira para o fornecimento universal. Assim, o Poder Público deve atuar para atender os interesses públicos não cedendo aos interesses meramente mercadológicos (Gomes, 2015GOMES, L. M. A saúde como objeto de consumo: uma análise sobre as demandas e consultas públicas de incorporação de medicamentos no SUS. Cadernos Ibero-Americanos de Direito Sanitário, Brasília, DF, v. 4, n. 4, p. 145-163, 2015. Disponível em: <Disponível em: https://www.cadernos.prodisa.fiocruz.br/index.php/cadernos/article/view/180 >. Acesso em: 2 jun. 2023.
https://www.cadernos.prodisa.fiocruz.br/... ).
De outra senda, a fundamentação apresentada na decisão final da Conitec, embora tenha sido baseada em questões financeiras, não se limitou a elas, abordando também a segurança e eficácia das tecnologias analisadas.
Nesse sentido, aspectos relacionados à eficácia, à transparência, à segurança e ao custo-efetividade são centrais no processo de incorporação estabelecido no SUS realizado pela Conitec. Também o envolvimento social é fundamental e representa o exercício da cidadania e do direito de contribuição para a elaboração de políticas públicas no setor de saúde (Tanure; Menegaz; Melgaço, 2022TANURE, C.; MENEGAZ, M.; MELGAÇO, N. O que é a Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS)? In: PARO, H. B. M. S.; ROCHA, R.; ALBUQUERQUE, A. (Org.). Participação de Pacientes na Conitec: teoria, prática e estratégias. Paraná: Atena, 2022. p. 6-9.).
Ainda, é possível observar que nas duas CPs (28,58%) em que não houve desfecho relacionado a questões econômicas, foram considerados outros fatores para a mudança e entendimento da Conitec, sobretudo no que tange aos resultados que o medicamento poderia causar na sociedade e a apresentação de estudos que comprovaram a segurança dos medicamentos, o que reflete avanços importantes para o alcance dos objetivos da ATS (Tanure, Menegaz; Melgaço, 2022TANURE, C.; MENEGAZ, M.; MELGAÇO, N. O que é a Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS)? In: PARO, H. B. M. S.; ROCHA, R.; ALBUQUERQUE, A. (Org.). Participação de Pacientes na Conitec: teoria, prática e estratégias. Paraná: Atena, 2022. p. 6-9.).
Conclui-se, portanto, que a CP demonstra ser um valoroso aliado da sociedade no processo de participação na gestão da saúde pública. Seu potencial democrático se revela ao possibilitar que diversos atores sociais de diferentes segmentos, com interesses diversos, tenham a possibilidade de influir no processo de ATS.
Considerações Finais
A participação social é tema que integra a avaliação de novas tecnologias e deve ser fortalecida a fim de que os anseios da sociedade possam ser refletidos nas políticas públicas em saúde. Nesse contexto, este estudo demonstrou que a CP realizada pela Conitec representa um mecanismo importante que proporciona a participação social na formulação de políticas públicas em saúde.
As contribuições recebidas por meio das CPs realizadas pela Conitec influenciaram nos processos de mudança, porém não necessariamente a quantidade de contribuições foi determinante para a reversão do entendimento inicial da Comissão. Pode-se perceber que eixos ligados ao impacto orçamentário tiveram destaque, o que não desqualifica a participação social que conseguiu por meio de fundamentação ligada à eficácia e necessidade do medicamento influenciar nas decisões de incorporação de tecnologias em saúde.
Desse modo, pode-se considerar que a participação dos segmentos sociais que defendem interesses coletivos baseados em sua experiência aliada ao equilíbrio dos aspectos financeiros tem influenciado positivamente nas recomendações da Conitec. Esse cenário demonstra que a CP é um mecanismo democrático com potencial para avançar no desenvolvimento de um SUS mais igualitário que atenda aos reais interesses da sociedade.
Referências
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
22 Dez 2023 - Data do Fascículo
2023
Histórico
- Recebido
03 Jul 2023 - Revisado
07 Ago 2023 - Aceito
07 Ago 2023