A ética na gestão pública

Ethics in public management

Danilo Monteiro Soares Rosana Lúcia Alves de Vilar Kleyton Santos de Medeiros Sobre os autores

Resumo

O presente artigo aborda o tema da ética no contexto das organizações públicas, edificada em dois grandes pilares: a Constituição Federal Brasileira e o marco legal do Sistema de Gestão da Ética do Poder Executivo Federal. Para o exercício das funções, os servidores, além da qualificação técnica, necessitam de competências políticas e éticas. Este trabalho é resultante de pesquisa que teve como objetivos: compreender os sentidos da ética e da ética pública para servidores públicos e identificar a importância e as dificuldades para o exercício da ética no processo de trabalho desenvolvido. Trata-se de uma pesquisa exploratória com utilização de abordagem qualitativa. A coleta de dados foi realizada por meio de entrevista semiestruturada e os dados coletados foram analisados por meio da análise de conteúdo, na modalidade de análise temática. Os resultados da pesquisa subsidiaram reflexões para auxiliar futuras decisões relacionadas ao tema estudado, tendo em vista o intuito de disseminar a importância do cumprimento dos preceitos éticos que devem alicerçar a atuação dos servidores. Os argumentos conclusivos reforçam a necessidade de uma ampla discussão do tema “Ética” dentro da esfera pública e a urgência em fomentar posturas que visem à melhoria das relações, cimentando pensamentos críticos e reflexivos no processo de trabalho com base em imperativos éticos.

Palavras-chave:
Ética; Ética Institucional; Ética nas Organizações

Abstract

This article aims to discuss the subject of ethics in the context of public organizations, built on two main pillars: the Brazilian Federal Constitution and the legal framework of the Ethics Management System of the Federal Executive Power. To carry out their duties, public servants, in addition to technical qualifications, need political and ethical skills. This article is the result of a research that had the following objectives: to understand the meanings of ethics and public ethics for public servants and to identify the importance and difficulties for the exercise of ethics in the work process developed. This is an exploratory research using a qualitative approach. Information collection was carried out with semi-structured interviews, and the data collected analyzed by content analysis, in the thematic analysis mode. The research results supported reflections to help future decisions related to the studied topic, considering the objective of disseminating the importance of complying with the ethical precepts that should underpin the performance of public servants. The conclusive arguments support the need for a broad discussion of the topic of “Ethics” within the public reach and the urgency to promote postures aimed at improving relationships, reinforcing critical and reflective thoughts in the work process based on ethical imperatives.

Keywords:
Ethics; Institutional Ethics; Ethics in Organizations

Introdução

É possível compreender o conceito de ética a partir de duas vertentes significativas; o sentido usual, oriundo do senso comum, diz respeito ao conjunto de regras que os membros de uma sociedade adotam a fim de estabelecer termos e condutas de bem/mal, correto/incorreto e justo/injusto. Já o sentido técnico-científico designa a ética como disciplina da filosofia, que se direciona à investigação das reflexões críticas sobre as regras morais vigentes, com base na busca de argumentos que fundamentam, justificam ou legitimam os comportamentos (Rego; Palácios; Batista-Siqueira, 2009REGO, S.; PALÁCIOS, M.; BATISTA-SIQUEIRA, R. Bioética para profissionais de saúde. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2009.).

Para Vasquez (2010, p. 23), “ética é a teoria ou ciência do comportamento moral dos homens em sociedade.” Contudo, antes de ser considerada uma ciência, por muitos séculos, a ética representou uma preocupação para filósofos e pensadores que indagavam o sentido da existência e da convivência humana.

Maia (1998MAIA, A. F. Apontamentos sobre ética e individualidade a partir da mínima morália. Psicologia USP, São Paulo, v. 9, n. 2, p. 151-177, 1998. DOI: 10.1590/psicousp.v9i2.107855.
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) elucida que a ética está presente na ação humana balizada em valores e princípios ligados ao bem comum. Nesse sentido, cabe ao indivíduo fazer escolhas com discernimento, pressupondo a consciência e a liberdade.

A escolha é baseada em sentimentos e percepções que delineiam a maneira de viver das pessoas, sendo indissociável das noções de autonomia e de responsabilidade. Pode-se dizer que esse é o campo dos direitos humanos fundamentais, ou seja, do direito à autonomia, expresso nas escolhas, no julgamento e nas resoluções de vida e de trabalho das pessoas, das famílias e das comunidades (Silva; Mendes; Nakamura, 2012SILVA, C. R. C.; MENDES, R.; NAKAMURA, E. A dimensão da ética na pesquisa em saúde com ênfase na abordagem qualitativa. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 21, n. 1, 2012. DOI: 10.1590/S0104-12902012000100005
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).

Salienta-se ainda que, mediante pressupostos filosóficos, a ética pode ser sintetizada em duas grandes teorias, a saber: a ética teleológica e a ética deontológica (Souza, 2018SOUZA, A. C. A ética marxista: aproximações conceituais, perspectivas políticas e educacionais. Filosofia e Educação, Campinas, v. 9, n. 3, p. 76-100, 2018. DOI: 10.20396/rfe.v9i3.8651032.
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). Em relação à ordem teleológica, defendida por Aristóteles, as ações humanas se direcionam a um propósito maior, um fim supremo, de modo que o indivíduo alcance a felicidade (Tasso; Moesch; Nóbrega, 2021TASSO, J. P. F.; MOESCH, M. M.; NÓBREGA, W. R. M. Reincorporação da ética às políticas públicas de turismo: uma necessária reflexão no combate às consequências do Covid-19. Revista Brasileira de Pesquisa em Turismo, São Paulo, v. 15, n. 1, p. 2141, 2021. DOI: 10.7784/rbtur.v15i1.2141.
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). Já a ética deontológica se relaciona com o conjunto de leis e deveres estabelecidos socialmente, como no formalismo kantiano (Souza, 2018SOUZA, A. C. A ética marxista: aproximações conceituais, perspectivas políticas e educacionais. Filosofia e Educação, Campinas, v. 9, n. 3, p. 76-100, 2018. DOI: 10.20396/rfe.v9i3.8651032.
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).

Para a construção de uma teoria sobre a ética, Morin (2005MORIN, E. O método 6: ética. Porto Alegre: Sulina, 2005.) desenvolve suas ideias à luz do paradigma da complexidade, no qual destaca a ética como uma exigência moral autoimposta. Contudo, ressalta que a ética é oriunda de fontes diferenciadas: a fonte interna, que vem da consciência individual, a fonte externa, que vem da cultura e das normas que impõem comportamentos na comunidade, e de uma fonte anterior, transmitida geneticamente, que nasce no próprio sujeito.

Na contemporaneidade, a ética tem sido um tema alvo de muitas discussões devido à crise em que vivemos, crise que vai desde a situação política do país, passando por questões de corrupção, até os problemas de relacionamento entre as pessoas e na família.

Conforme Gomes (2014GOMES, N. F. Ética na administração pública: desafios e possibilidades. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 48, n. 4, p. 1029-1050, 2014. DOI: 10.1590/0034-76121714
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), a corrupção é a expressão dos valores de uma dada cultura que justifica a exploração de uma pessoa sobre outra e que condecora o mais “esperto e perspicaz”. Acerca desse tema, a autora expõe a falência da ética, que garante a vida e que é fundamentada na consciência de que cada ação pessoal reflete no contexto social e no universo particular do indivíduo. Quando praticada na Administração Pública, a corrupção expõe um universo de inversão de valores em que prevalecem interesses particulares em detrimento dos interesses públicos.

É crível dizer que a ética abarca todas as áreas, tendo, portanto, um caráter interdisciplinar e transversal que se aplica às diferentes relações estabelecidas entre indivíduos, seja no trabalho ou na sociedade. Especificamente no serviço público, a ética se edifica em dois grandes pilares: a atual Constituição Federal Brasileira (CFB) e o marco legal do Sistema de Gestão da Ética do Poder Executivo Federal.

Faz-se necessário ponderar que o pensamento constitucionalista surgiu como uma proposição verdadeira de promover uma volta aos valores morais, uma tendência de reaproximação entre a ética e o direito.

Mesmo com esse aparato jurídico, no contexto das organizações públicas, muitos profissionais desenvolvem seu trabalho com ações e decisões sem levar em consideração preceitos éticos estabelecidos.

Diante do exposto, o presente artigo, resultante de uma pesquisa de mestrado, teve como objetivos: compreender os sentidos da ética e da ética pública para servidores públicos, e identificar a importância e as dificuldades para o exercício da ética no processo de trabalho desenvolvido pelo servidor. Propõe, assim, apresentar as percepções dos servidores públicos, de modo a contribuir para intervenções futuras de cunho educativo e organizacional.

Metodologia

Trata-se de uma pesquisa exploratória, de natureza qualitativa, que visa ampliar as informações sobre o assunto investigado, com o propósito de alcançar uma nova compreensão sobre a temática a ser discorrida, podendo, inclusive, desenvolver novas hipóteses (Gil, 2008GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas, 2008.; Gonçalves, 2014GONÇALVES, H. A. Manual de metodologia da pesquisa científica. São Paulo: Avercamp, 2014.).

A pesquisa qualitativa situa sua contribuição na renovação do olhar lançado sobre os problemas sociais e sobre mecanismos profissionais e institucionais, visando identificar percepções e avaliar programas e serviços em prol de mudanças, tanto da prática como dos modos de gestão (Groulx, 2014GROULX, L.-H. Contribuição da pesquisa qualitativa à pesquisa social. In: POUPART, J. et al. A pesquisa qualitativa: enfoques epistemológicos e metodológicos. Petrópolis: Vozes, 2014. p. 95-124.).

Os dados foram coletados por meio de entrevista semiestruturada, seguindo um roteiro com perguntas, fechadas e abertas, relacionadas aos objetivos da pesquisa, cumprindo as diretrizes da Resolução 466/2012 CNS/MS, aprovada por Comitê de Ética em pesquisa.

Todas as entrevistas foram gravadas e ocorreram em ambiente propício, com privacidade e agendamento prévio, de forma presencial, seguindo os protocolos sanitários de prevenção à covid-19.

Foram realizadas 13 entrevistas. A amostra se constituiu de forma intencional em relação ao quantitativo, a fim de garantir a representatividade, considerando o vínculo empregatício, sendo composta por três membros efetivos, três membros celetistas e sete membros com contratos temporários, tendo como critério de inclusão a atuação no setor há, no mínimo, dois anos. Seguindo esse pré-requisito e critério, foi feito um sorteio dos sujeitos e a amostra passou a ter um caráter aleatório.

Os dados foram analisados através da análise de conteúdo, na modalidade análise temática proposta por Minayo (2013MINAYO, M. C. S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec, 2013.).

Resultados e discussão

Os resultados estão apresentados em três unidades de registro, de forma articulada aos objetivos da pesquisa: sentidos da ética e da ética pública, a importância da ética no processo de trabalho e o conhecimento sobre a ética normativa e, por fim, dificuldades para o exercício da ética no serviço público.

Sentidos da ética e da ética pública

As respostas obtidas acerca dos sentidos da ética e da ética pública foram categorizadas em três dimensões, seguindo o referencial proposto por Marcondes (2007MARCONDES, D. Textos básicos de ética: de Platão a Foucault. Rio de Janeiro: Zakar, 2007.), que expressam a compreensão da ética na experiência cotidiana: o sentido básico ou descritivo, o sentido prescritivo/normativo e o sentido reflexivo.

Um grupo mais reduzido caracterizou a ética no seu sentido básico ou descritivo, que se aproxima da acepção originária de ethos, como valores, costumes e hábitos de um povo, retratando o bem, o valioso e o melhor, orientando e influenciando o comportamento humano consciente (Amorim, 2018AMORIM, L. C. B. Ética e razão: ensaio sobre a emersão e superação da crise ética da Antiguidade. 2018. 165 f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2018.; Guareschi, 2017GUARESCHI, P. Ética e política. Revista Katálysis, Florianópolis, v. 20, n. 3, p. 319-321, 2017.; Soratto; Lino, 2018SORATTO, F. P.; LINO, E. N. S. A importância da ética para a formação do estudante de direito. Status Libertatis, Aquidauana, v. 1, n. 1, p. 120-142, 2018.).

Alguns trechos de falas enfatizam o referido sentido:

Entendo por ética um padrão de comportamento. Assim nos guiamos por valores, ou seja, coisas que amamos e almejamos atingir em perfeição, seguindo certos padrões de comportamento que achamos ser o correto. (Entrevistado A)

Ética de uma forma geral é coerência com princípios humanitários, respeito mútuo… Algo que tem muita relação com princípios, mas sobretudo com comportamentos, e como os colocamos em prática. (Entrevistado B)

Uma parte mais expressiva dos entrevistados destacou de forma veemente o sentido prescritivo da ética. Segundo Marcondes (2007MARCONDES, D. Textos básicos de ética: de Platão a Foucault. Rio de Janeiro: Zakar, 2007.), esse sentido se insere no caráter normativo, como conjunto de preceitos que estabelecem e justificam valores e deveres desde os mais genéricos, tais como as orientações educativas, cristãs, até os mais específicos, inscritos em leis e códigos.

Para Luiz (2018LUIZ, L. T. A moral e a ética: considerações conceituais e implicações socioculturais. Revista Humanidades e Inovação, Palmas, v. 5, n. 11, p. 240-253, 2018.), a ética se constitui da avaliação normativa acerca do comportamento e caráter dos sujeitos, considerando suas implicações sociais e legais. Para Morin (2005MORIN, E. O método 6: ética. Porto Alegre: Sulina, 2005.), essa fonte da ética seria externa, representada pela cultura e pelas normas impostas.

Vários fragmentos de falas se destacaram:

Ética para mim é fazermos o que achamos que está dentro da lei e dentro dos princípios dela. Além disso, que não vá contra a moralidade que acreditamos seja o certo. (Entrevistado A)

Entendo ética como um instrumento que rege a conduta de valores de uma população. Ela está ligada às leis e ao consenso cultural. Na minha vida é um padrão que norteia o bom senso de regramento. (Entrevistado D)

Ética é algo que nossos pais ensinam… algo que seja correto diante da sociedade. O que eu tenha aprendido com meus pais, e que eles também passaram com seus pais. (Entrevistado E)

O entrevistado F seguiu com o mesmo discurso, destacando o desenvolvimento das suas atividades laborais:

Entendo ética como valores concedidos principalmente pelas próprias leis. Portanto, seguir a ética é seguir o que a lei manda. Fazemos o que lei permite, mas, se a lei não fala, não podemos fazer. Como servidores públicos não podemos fazer o que desejamos, mas fazer exatamente o que a lei ordena. (Entrevistado F)

O sentido reflexivo diz respeito às concepções filosóficas da ética, como a ética da responsabilidade, que possibilita a análise e a reflexão das práticas. Deve tornar as pessoas capazes de superar, em pensamento, em modo de refletir e decidir, na medida do possível, os condicionamentos e limites do contexto em que vivem (Marcondes, 2007MARCONDES, D. Textos básicos de ética: de Platão a Foucault. Rio de Janeiro: Zakar, 2007.).

Trata-se de uma ética que exige uma reflexão da consciência do sujeito, o que, para Morin (2005MORIN, E. O método 6: ética. Porto Alegre: Sulina, 2005.), é proveniente de uma fonte interna e subjetiva de cada um, construída ao longo de cada história de vida.

O ser humano, como um ser racional, tem a oportunidade de escolher, deliberar e decidir os caminhos a serem seguidos, optando, livremente, por agir corretamente ou não, conforme os pressupostos éticos (Cremonese, 2019CREMONESE, D. Ética e moral na contemporaneidade. Revista Latino-Americana de Relações Internacionais, Rio Grande, v. 1, n. 1, p. 8-28, 2019. DOI: 10.14295/cn.v1i1.8618.
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). Dessa maneira, pode-se observar que a ética está diretamente relacionada com o livre arbítrio; porém, influenciada por saberes, afetos e tendências (Millás-Mur, 2019MILLÁS-MUR, J. Ética y bioética en el pregrado de medicina: una propuesta. Revista Peruana de Medicina Experimental y Salud Pública, Lima, v. 36, n. 1, p. 93-99, 2019. DOI: 10.17843/rpmesp.2019.361.4260
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). Ainda, não pode ser “concebida como um sistema pronto, mas como um saber que se dedica à atividade reflexiva acerca dos valores consagrados da vida” (Lima, 2017, p. 8).

Apesar de saber que o sentido reflexivo, de certa forma, está implícito em outros sentidos, apenas um dos entrevistados apontou em seu significado algo que pode ser remetido de forma mais explícita ao sentido reconhecido como reflexivo: “Acredito que a ética é algo que move a minha vida, é aquilo me faz dormir em paz…” (Entrevistado B).

Sobre o significado da ética pública, apesar de os entrevistados terem traçado uma relação entre a ética no seu sentido geral e a ética como norteadora dos serviços públicos, seguindo mecanismos em prol de ações corretas e em legitimidade segundo a lei, no intuito de que os órgãos públicos funcionem de acordo com o que deles se espera, os sentidos explicitados foram superficiais e limitados, denotando pouco aprofundamento e clareza sobre seus reais significados.

A ética pública está amparada em questões legais jurídica-normativas, não só relacionada a princípios, como também regras de operar, funcionar, de exercer o seu trabalho… não só fazer o bem, mas de forma correta e transparente. (Entrevistado H)

A ética pública é utilizar o dinheiro público para o bem da sociedade, fazer algo que de forma alguma prejudique o próximo. (Entrevistado I)

A ética pública é sinônimo de respeito, transparência e valores da instituição. (Entrevistado J)

A ética pública é dar atenção à população de um modo geral. (Entrevistado K)

Silva (2018SILVA, T. B. Análise da ética e moral na administração pública. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento, São Paulo, v. 5, n. 3, p. 61-69, 2018.) esclarece, conforme entendimento da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), que a sociedade espera que os serviços disponibilizados sejam eficientes e que os servidores operem de acordo com o interesse público, administrando os recursos públicos de maneira adequada aos fins propostos. Quando isso ocorre, tem-se a promoção da confiança pública e dá-se lugar a um ambiente favorável para uma boa gestão, o bom funcionamento dos mercados e para o crescimento econômico. O requisito fundamental para a confiança pública é a ética no serviço público, pois ela é passo essencial para uma boa governança.

Dessa forma, a ética no serviço público deve ser balizada por uma ética individual que remete ao sentido básico e reflexivo das fontes internas e anteriores, e pela ética coletiva que remete ao sentido prescritivo balizado pelos princípios da Administração Pública e pelo Código de Ética do Servidor Público, proveniente das fontes externas (Morin, 2005MORIN, E. O método 6: ética. Porto Alegre: Sulina, 2005.).

Os princípios da Administração Pública contidos na atual Constituição Brasileira - legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade e eficiência - impõem preceitos éticos a serem seguidos que refletem condutas corretas, as quais devem se materializar no exercício da gestão, seja individualmente, seja coletivamente.

De acordo com o princípio da legalidade, conforme o art. 5º da Constituição Federal, “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei” (Brasil, 1988BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2020]. Disponível em: <Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm >. Acesso em: 2 fev. 2021.
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). Essa é a principal diferença do princípio da legalidade para os particulares e para a Administração Pública; os primeiros podem fazer tudo o que a lei não proíba; a segunda somente poderá fazer o que a lei autoriza ou determina.

O segundo princípio, da moralidade administrativa, institui a presunção da validade de todo ato da Administração Pública. O agente administrativo “não poderá desprezar o elemento ético da sua conduta. Assim, não terá que decidir somente entre o legal e o ilegal, o justo do injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, mas também entre o honesto e o desonesto” (Meirelles, 2012MEIRELLES, H. L. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Medeiros, 2012., p. 90).

Nesse sentido, tem importância fundamental a existência de um mínimo de consciência política dos cidadãos, pela possibilidade de mover ações populares, como meio idôneo do controle da moralidade, dentro do exercício da cidadania.

O princípio da impessoalidade, como os demais, pauta-se na Constituição Federal quando estabelece no § 1º do art. 37 que:

§ 1º A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos. (Brasil, 1988BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2020]. Disponível em: <Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm >. Acesso em: 2 fev. 2021.
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)

Seguindo o que determina a Constituição Federal, o gestor público deve pautar sua gestão pela impessoalidade, evitando imprimir sua marca pessoal naquilo que é público. Da mesma forma, pensando em uma perspectiva ética, o interesse público deve sempre se sobrepor às questões de ordem particular; e, nesse caso, o princípio da impessoalidade pode representar na gestão uma advertência, quando, por exemplo, da realização de concursos públicos, licitações públicas, assegurando igualdade de condições a todos os concorrentes. E, ainda: o gestor público deve objetivar intransigentemente o interesse público, evitando qualquer tipo de favorecimento aos amigos ou a quaisquer pessoas que, em contrapartida, possam conceder-lhe algum privilégio de ordem pessoal.

O princípio seguinte, da publicidade, diz respeito à transparência na gestão pública. De acordo com Baltazar (2008BALTAZAR, A. H. L. Princípios constitucionais da administração pública. [S. l.: s. n. ], 2008. Disponível em: <Disponível em: https://docplayer.com.br/3292261-P-rincipios-constitucionais-da-administracao-p-ublica.html >. Acesso em: 2 abr. 2020.
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, p. 3), “o administrador público não é dono do patrimônio de que ele cuida, sendo mero delegatório da gestão dos bens da coletividade, devendo possibilitar aos administrados o conhecimento pleno de suas condutas administrativas.”

Além disso, o serviço público tem o compromisso de assegurar ao indivíduo o direito de receber informações de interesse particular ou coletivo, salvo se forem imprescindíveis à segurança do Estado.

Por fim, o princípio da eficiência relaciona-se às normas da boa administração no sentido de que a administração pública, em todos os seus setores, deve concretizar suas atividades com vistas a extrair o maior número possível de efeitos positivos ao administrado, sopesando a relação custo/benefício, buscando a excelência de recursos, enfim, dotando da maior eficácia possível as ações do Estado (Baltazar, 2008BALTAZAR, A. H. L. Princípios constitucionais da administração pública. [S. l.: s. n. ], 2008. Disponível em: <Disponível em: https://docplayer.com.br/3292261-P-rincipios-constitucionais-da-administracao-p-ublica.html >. Acesso em: 2 abr. 2020.
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).

Para a concretização desse princípio, o compromisso da gestão pública estaria na promoção de um melhor desempenho e capacitação dos servidores, propiciando as condições para seu aperfeiçoamento. Para isso, faz-se necessária a existência de políticas públicas que possibilitem a efetivação desse princípio, como, por exemplo, a política de educação permanente de servidores públicos. Nessa perspectiva, política e gestão são inseparáveis.

A educação moral é imprescindível para a vida e as relações pessoais e está vinculada à “didática dos valores republicanos e democráticos, que não se aprendem intelectualmente apenas, mas sobretudo pela consciência ética, que é formada tanto de sentimentos quanto de razão” (Benevides, 1996BENEVIDES, M. V. M. Educação para a democracia: o individualismo e seus críticos. Lua Nova, São Paulo, n. 38, p. 223-236, 1996. DOI: 10.1590/S0102-64451996000200011
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, p. 227). Assim, a educação do comportamento é notadamente responsável, desde a escola básica, por criar hábitos de tolerância face ao diferente e formar bases para o aprendizado da cooperação ativa e subordinação do interesse pessoal ao bem comum.

As respostas dadas aos significados da ética pública coadunam com o fato de os entrevistados não terem participado de nenhum processo educativo sobre o tema, como já haviam informado anteriormente.

O servidor público deve ser visto como agente de desenvolvimento na administração. Neste sentido, é fundamental que os gestores públicos adotem métodos de treinamento, como aplicação de cursos e seminários para orientar seus servidores quanto à importância da prática da ética na administração (Silva, 2018SILVA, T. B. Análise da ética e moral na administração pública. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento, São Paulo, v. 5, n. 3, p. 61-69, 2018.).

A importância da ética no processo de trabalho e o conhecimento sobre a ética normativa

Os participantes inseridos na pesquisa também foram questionados sobre a importância da ética no processo de trabalho. Luna e Mendes (2019LUNA, N. L. S; MENDES, S. S. A importância da ética nas relações de trabalho. RH Portal, Belo Horizonte, 2019. Disponível em: <Disponível em: http://www.rhportal.com.br/artigos-rh/competnciaética-e-os-códigos-de-conduta >. Acesso em 28 nov. 2021.
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), discutindo sobre o tema, ressaltam que a busca é por profissionais que adotem em suas relações de trabalho uma postura íntegra e comprometida com a organização e a sociedade, que conduzam os processos de trabalho com base em valores e princípios morais e éticos e, assim, transmitam transparência e responsabilidade no ambiente de trabalho.

As respostas da maior parte dos entrevistados reconhecem a importância da ética no processo de trabalho, justificando tal reconhecimento como cumprimento legal, compromisso, respeito, justiça social e harmonia nas relações.

Entendo a importância como cumprimento legal, em que há uma normatização. Diferente da moral, a ética tem um conjunto de leis e normas, e a aplicação dela é justa e legal (Entrevistado B).

A sua importância é porque ajuda atender a sociedade de forma correta e honesta, sem difamar a imagem de ninguém. (Entrevistado F)

Permite traduzir o espírito da lei e do comportamento que se espera para garantir a equidade no serviço público. (Entrevistado C)

É muito relevante, pois sem ética talvez não teríamos harmonia no serviço público. (Entrevistado G)

É fundamental porque sem ética nada pressupõe o respeito e a forma de conduzir o seu trabalho. (Entrevistado A)

Dois dos entrevistados não souberam expressar a importância da ética no processo de trabalho, mesmo tendo informado o seu entendimento sobre o significado da ética em pergunta anterior. Sobre as respostas dos que apontaram a sua importância, é perceptível uma incompletude, com abordagens limitadas, carentes de uma discussão mais ampla e articulada aos significados registrados pelos próprios entrevistados.

Acerca do conhecimento sobre a ética normativa, no que se refere às comissões de ética, nove entrevistados esclareceram que não conheciam nenhuma comissão de ética em exercício, relatando que, embora informados da existência de alguma comissão dentro do Ministério da Saúde, não sabiam nada a respeito. Quatro pesquisados, dentre eles os três servidores celetistas, conheciam alguma comissão de ética em exercício e um dos entrevistados já havia feito parte de uma investigação dentro de uma comissão de ética.

Em conexão ao questionamento da existência de uma comissão de ética em exercício, foi debatida, com os quatro participantes que informaram ter conhecimento a respeito da existência da comissão de ética na instituição em que trabalhavam, a finalidade do órgão supracitado. Dentre eles, três dos participantes informaram que a finalidade da comissão é intervir e resolver os casos em que a ética esteja em questão e um dos participantes, apesar de conhecer a comissão de ética, não sabia informar seus objetivos.

A finalidade da comissão de ética, na minha opinião, é resolver casos em que a ética esteve em questão, se existe impasse entre duas pessoas ou entre várias pessoas dentro do Ministério. (Entrevistado F)

A comissão, assim, tenta intervir e definir qual seria o comportamento ético real, não de uma forma que seja consenso ou pessoal de cada um, isso porque as questões de ética podem levar a impasses. (Entrevistado I)

A finalidade é receber denúncias e identificar se aquilo que foi denunciado é verídico ou não. (Entrevistado D)

Creio que seja uma instância na qual você pode recorrer como servidor, se você presenciou alguma conduta que faltou a ética. (Entrevistado J)

Foi questionado se os sujeitos da pesquisa conheciam o Código de Conduta Ética dos Agentes Públicos Federais. Cinco participantes informaram que não conheciam o código de conduta e os outros responderam ter noção a respeito do código, porém sem aprofundamento no conhecimento de suas diretrizes.

Não vou dizer que conheço, pois eu não tenho clareza dos textos. É uma formação pouco incentivada, sabe, coisas que nunca passei em uma formação específica ou até instrumentos que teríamos à nossa disposição, uma formação que, no meu ponto de vista, deveria ser mais estimulada. (Entrevistado D)

No Brasil, a partir dos anos 1990, o tema da ética passou a ser mais difundido e conhecido e as organizações começaram a se preocupar em passar uma imagem social responsável e ética. No contexto da época, os cidadãos começaram a cobrar uma condutados servidores públicos em relação à observância dos valores e princípios éticos e morais que norteiam o funcionalismo público.

A preocupação em nível político sobre a questão da ética desencadeou uma série de ações que passaram a fazer parte de uma política pública de gestão da ética. Nesse sentido, surgiu o Código de Ética Profissional do Servidor Público Federal, mediante o Decreto nº 1.171, de 22 de junho de 1994, bem como foi criada a Comissão de Ética Pública, em 1999. Com base nisso, o Governo Federal passou a investir na gestão da ética, com a finalidade de alcançar um comportamento moral no Serviço Público. Nesse sentido, os Códigos de Ética da Administração Pública são delimitados por diversos princípios e valores que norteiam o comportamento ético dos seus servidores (Nicomedes, 2020NICOMEDES, D. L. Código de ética do serviço público: teoria e aplicação prática. 2020. 23 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Administração) - Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2020.).

Evidenciou-se, no estudo, que os pesquisados sabiam da existência das comissões de ética, porém possuíam pouca clareza a respeito de suas atribuições e responsabilidades, sendo que somente quatro dos participantes informaram ter conhecimento de alguma comissão de ética em exercício e de suas atribuições dentro da instituição.

Esclarecimentos como esses geram reflexão acerca da importância de melhorar a comunicação entre os vários setores do Ministério da Saúde, para que todas as informações quanto às atribuições, responsabilidades e aos impactos positivos de cada comissão possam alcançar todos os trabalhadores, em especial a Comissão de Ética, pois essa é a porta de entrada para o esclarecimento de dúvidas, consultas e reclamações, contribuindo, assim, para aprimorar a relação cidadão/servidor.

Outro aspecto estudado sobre a ética normativa diz respeito ao conhecimento dos pesquisados sobre a existência de um Código de Conduta dos Agentes Públicos. Dos 13 sujeitos estudados, cinco deles disseram não ter nenhum conhecimento acerca do Código e os oito entrevistados que informaram ter algum conhecimento a esse respeito afirmaram que esse conhecimento era superficial.

Entende-se que o Código de Conduta dos Agentes Públicos não é somente um compilado de ordens ou mandamentos que devem ser partilhados entre todos os servidores públicos, ele vai além de tópicos frios em páginas de papel, uma vez que as suas palavras devem espelhar os valores éticos para que seja incorporado no trabalho de todos os servidores.

A ética perpassa várias áreas e campos de atuação do ser humano, não sendo diferente quando se trata da Administração Pública. Observa-se que a ética na Administração Pública é um tema pertinente e atual (Nicomedes, 2020NICOMEDES, D. L. Código de ética do serviço público: teoria e aplicação prática. 2020. 23 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Administração) - Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2020.), que necessita ser mais bem conhecido pelos agentes públicos.

Dificuldades para o exercício da ética no serviço público

Um outro aspecto investigado relaciona-se às dificuldades enfrentadas no ambiente de trabalho no que tange ao exercício da ética no serviço público. Dos 13 sujeitos da pesquisa, dois não souberam opinar sobre o assunto. Os outros pesquisados informaram que existiam problemas que dificultavam o exercício da ética em seus locais de trabalho.

As dificuldades apontadas se referem a três pontos: ingerência política, relações de poder e desconhecimento sobre a ética/código de ética.

Alguns fragmentos de falas reconhecendo as dificuldades por interferências políticas denotam marcas do clientelismo e patrimonialismo que ainda se fazem presentes na gestão pública, a despeito de vários mecanismos de controle: “Sim, existe. Um deles é a ‘politicagem’, ela faz com que as coisas não aconteçam como elas deviam acontecer” (Entrevistado C); “Sim. Acredito que é porque no serviço público existe muita interferência política…” (Entrevistado I).

Os posicionamentos de alguns entrevistados remetem à compreensão de que a corrupção presente na Administração Pública expõe um universo de inversão de valores, uma vez que, pensando em uma perspectiva ética, o interesse público deve sempre se sobrepor às questões de ordem particular. Esse é o princípio da impessoalidade, a partir do qual se entende que o gestor público deve objetivar o interesse público, evitando qualquer tipo de favorecimento aos amigos ou a qualquer pessoa que, em contrapartida, possa conceder-lhe algum privilégio de ordem pessoal.

Outras falas destacaram as relações de poder interferindo nas ações e decisões: “Algumas pessoas usam o seu poder e a sua superioridade hierárquica para ferir determinados preceitos aos quais ela não deveria ferir…” (Entrevistado A); “Estamos aqui para atingir o interesse público e nem sempre na política é valorizado…” (Entrevistado D); “Mais fácil de visualizar o interesse próprio ou individual ao interesse público…” (Entrevistado K).

Para reverter as fragilidades éticas que se percebe no contexto contemporâneo, primeiramente, os cidadãos devem entender que o patrimônio público pertence a todos; um bem que pertence a alguém deve ser cuidado e fiscalizado por esse alguém. Nesse caso, os primeiros problemas a ser corrigidos são aqueles relativos ao Estado, chamados problemas de ordem pública (Lustosa, 2019LUSTOSA, H. K. A crise da ética na sociedade brasileira. Ilustrado, Umuarama, 21 maio 2019. Disponível em: <Disponível em: https://ilustrado.com.br/a-crise-etica-na-sociedade-brasileira/ >. Acesso em: 2 maio 2020.
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).

Em pesquisa realizada pelo Banco Mundial intitulada “Ética e corrupção no Serviço Público Federal”, cujos resultados foram divulgados recentemente na mídia, 60% dos servidores públicos, em um universo de 22.130 que foram incluídos na amostra, relataram que já haviam testemunhado algum ato antiético ou de corrupção durante sua trajetória no setor público (Russi, 2021RUSSI, A. Quase 60% dos servidores federais já presenciaram corrupção, diz Banco Mundial. CNN BRASIL, Brasília, DF, 11 nov. 2021. Disponível em: <Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/business/quase-60-dos-servidores-federais-ja-presenciaram-corrupcao-diz-banco-mundial/ >. Acesso em: 2 maio 2021.
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).

Detalhando os tipos de atos antiéticos, destacaram que: 62% sofreram pressão para flexibilizar procedimentos; 40% para ignorar atos indevidos; 26% para favorecer particular específico; 13% para compartilhar dados restritos; 7% para prejudicar particular específico; e 18% sofreram outro tipo de pressão do seu superior. A pesquisa também revela que 52% não se sentiam seguros para denunciar conduta ilícita. Ademais, foi observado agravamento dos casos no contexto da pandemia. Para o Banco Mundial, os resultados estão relacionados à falta de capacitação sobre programas relativos ao tema da ética ou ao código de ética (Russi, 2021RUSSI, A. Quase 60% dos servidores federais já presenciaram corrupção, diz Banco Mundial. CNN BRASIL, Brasília, DF, 11 nov. 2021. Disponível em: <Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/business/quase-60-dos-servidores-federais-ja-presenciaram-corrupcao-diz-banco-mundial/ >. Acesso em: 2 maio 2021.
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).

A falta de decoro parlamentar, o desvio de verbas destinadas às funções essenciais do governo e os escândalos de corrupção de toda ordem são situações em que o mínimo ético não se apresenta, sendo caraterizadas como situações antiéticas.

É no capítulo “Da Administração Pública” da Constituição Federal que é encontrada com mais clareza a imposição da “necessidade ética” no exercício do serviço público. Nele, são apresentados os cinco princípios éticos mais relevantes da Administração Pública, a saber: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. É salutar entender que a moralidade pública é a ética à qual o servidor deve se submeter para efetivamente responder ao mínimo ético (Brasil, 1988BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2020]. Disponível em: <Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm >. Acesso em: 2 fev. 2021.
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).

A terceira dificuldade identificada, na presente pesquisa, por grande parte dos entrevistados, reporta-se à falta de conhecimento sobre o assunto “ética” e sobre o Código de Ética do Servidor Público, impactando diretamente os processos de trabalho, o que evidencia a grande lacuna que existe quanto à compreensão acerca do assunto.

Então, para podermos identificar qualquer segmento é necessário, primeiramente, compreendermos o que é ética” (Entrevistado E).

Sim, os problemas existem relacionados à falta de capacitação, treinamentos de equipe e conscientização das leis” (Entrevistado J).

Um servidor que tenha um comportamento antiético talvez nem tenha consciência disso…”. (Entrevistado C)

É fundamental que gestores públicos estejam comprometidos com o combate à corrupção e a fomentação da ética no trabalho. Além do controle, apuração, transparência, responsabilização e aplicação de penas severas a atos ligados à corrupção, é essencial a promoção pelo gestor de ações formativas, educacionais e reflexivas no trabalho.

O gestor público, quando no comando de equipes de trabalho, precisa implementar um modo de gestão que possibilite a ampliação da consciência dos funcionários em relação ao trabalho que estão realizando. É preciso que o gestor público propicie discussões sobre a finalidade das atividades que estão desempenhando e do impacto delas na sociedade e nos propósitos da instituição a que estão vinculados, além de buscar facilitar que o servidor consiga se visualizar na ação do Estado na cidade, no estado e no país, vendo-se como o propiciador do exercício da cidadania (Gomes, 2014GOMES, N. F. Ética na administração pública: desafios e possibilidades. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 48, n. 4, p. 1029-1050, 2014. DOI: 10.1590/0034-76121714
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).

Interligando as respostas obtidas na pesquisa com a compreensão da necessidade eminente de políticas internas que visem esclarecer e capacitar os servidores a respeito do tema, foi percebido, durante o estudo, que os profissionais pesquisados citaram a falta de uma comunicação eficiente que objetivasse estabelecer o elo entre a Comissão de Ética, os servidores e o público, bem como de uma capacitação dos profissionais para que, com isso, pudessem fortalecer a relação entre o público e os servidores.

Portanto, para promover um melhor desempenho dos profissionais em relação ao tema estudado, faz-se necessária a capacitação dos servidores, propiciando condições para seu aperfeiçoamento. Para isso, é essencial a existência de políticas públicas que possibilitem a efetivação desse princípio, como, por exemplo, a política de educação permanente de servidores públicos, que se torna imprescindível.

Considerações finais

Diante das evidências sobre as concepções dos Servidores Públicos Federais, conclui-se que existem potencialidades observadas no interesse dos profissionais pesquisados sobre o tema “ética”, assim como necessidade de aperfeiçoamento na comunicação entre a Comissão de Ética Pública e os servidores e da realização de processos de capacitação sobre o tema, para o fortalecimento das ações e decisões nos processos de trabalho baseadas nos imperativos éticos.

Contudo, observou-se também que persistem vulnerabilidades, em decorrência da falta de conhecimento aprofundado sobre o assunto, da inexistência de processos educativos e capacitação sobre a temática e outros problemas, como a corrupção dentro dos órgãos públicos, contribuindo para a desvalorização da ética como eixo central para as escolhas com discernimento, pressupondo a defesa do bem comum.

A compreensão sobre os sentidos da ética pública entre os servidores entrevistados denota que existia aproximação aos temas, com fragilidades no entendimento que certamente se refletiriam em suas ações cotidianas. Apesar de haver um reconhecimento sobre a importância da ética no serviço público por parte dos entrevistados, as justificativas da referida importância foram evasivas e gerais, demonstrando, mais uma vez, o pouco conhecimento dos profissionais.

Sobre as dificuldades para o exercício da ética no processo de trabalho desenvolvido, observou-se que os entrevistados não conseguiram apontar uma diversidade maior dos problemas existentes.

Seguindo o preceito de facilitar a interlocução com a Comissão de Ética Pública, o presente estudo recomenda maior aproximação com essa Comissão, no intuito de sugerir processos educativos que objetivem fomentar e pulverizar princípios da ética no serviço público.

São propositivos também espaços de discussão e reflexões dentro da própria instituição, a partir de um amplo debate sobre o tema do estudo, com a intenção de fortalecer a importância da ética e cimentar conceitos que facilitem os processos de trabalho dentro do departamento, buscando, ainda, reforçar que o patrimônio público pertence a todos e que as decisões devem ser balizadas para melhores resultados para a coletividade.

Destaca-se como limitação o fato de o estudo ter sido realizado envolvendo apenas um setor da instituição estudada. Recomenda-se, portanto, a realização de estudos complementares, na perspectiva de ampliar e aprofundar investigações sobre a ética, visando contribuir para seu fortalecimento em prol da observância e da adoção de condutas coerentes com o caráter público e a favor da sociedade.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    14 Ago 2023
  • Revisado
    14 Ago 2023
  • Aceito
    16 Ago 2023
Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo. Associação Paulista de Saúde Pública. SP - Brazil
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