Resumo
Este artigo discute os processos de entrada na sexualidade com parceiro.a, abordando questões relativas às permanências e/ou às mudanças das relações de gênero e moralidade que circunscrevem o exercício da sexualidade nesta etapa da vida. São utilizados dados oriundos da pesquisa socioantropológica multisituada “Jovens da era digital”, em que foram entrevistados 194 jovens, com idade entre 16 e 24 anos, a respeito de suas trajetórias afetivo-sexuais, entre os anos de 2021 e 2022 - período imediatamente posterior ao arrefecimento do número de mortes da pandemia de covid-19. Neste texto, nos dedicamos a refletir sobre o processo de socialização para a sexualidade a partir de três casos biográficos, os quais aportam uma riqueza de dimensões e de especificidades que nos impelem a argumentar em termos de diversificação dos processos juvenis na socialização para sexualidade na contemporaneidade.
Palavras-chave:
Adolescente; Jovem Adulto; Sexualidade; Gênero; Socialização de Gênero
Introdução
O período da juventude representa uma importante etapa de aquisição das habilidades sociais, atribuições de deveres e responsabilidades, de construção e afirmações de identidades, pois há intensificação de diversos aprendizados. Essa concepção se diferencia da perspectiva que sublinha aspectos universais e atemporais para compreensão dessa etapa da vida e ressalta marcas biológicas, hormonais e psicológicas para caracterizá-la. Esse tipo de descrição costuma estar subjacente às representações sobre juventude como o período da vida mais sujeito a diversos “riscos” e sobre os quais as instâncias de socialização, incluindo o Estado e as políticas públicas, devem incidir para a fabricação de determinados sujeitos prescritos/almejados (Aguião, 2017AGUIÃO, S. Quais políticas, quais sujeitos? Sentidos da promoção da igualdade de gênero e raça no Brasil (2003 - 2015). Cadernos Pagu, Campinas, v. 51, p. 201-222, 2017.; Conceição, 2023CONCEIÇÃO, H. R. M. Políticas do Feminino: saúde, sexo, gênero. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2023.). Entre os “riscos” frequentemente associados, emergem aqueles que estariam mais próximos do início da puberdade, como a possibilidade de gravidez e de aquisição de alguma infecção sexualmente transmissível (IST), ambas associadas ao início da vida sexual em parceria.
No entanto, é fulcral apontar inúmeros outros eventos sociais que se iniciam nessa fase, como os primeiros relacionamentos amorosos; o aumento da curiosidade, do conhecimento e do questionamento sobre o próprio corpo e o do.a parceiro.a; a intensificação do aprendizado de normas, representações, atitudes, crenças e valores, em um acirrado processo de construção da identidade (Bozon, 2004BOZON, M. Sociologia da sexualidade. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2004.; Sawyer et al., 2012SAWYER, S. M. et al. Adolescence: a foundation for future health. The Lancet, London, v. 379, n. 9826, p. 1630-1640, 2012. DOI: 10.1016/S0140-6736(12)60072-5
https://doi.org/10.1016/S0140-6736(12)60... ; McCarthy et al., 2016MCCARTHY, K. et al. Investing when it counts: reviewing the evidence and charting a course of research and action for very young adolescents. New York: Population Council, 2016.). Estas primeiras experiências podem ser compreendidas, simultaneamente, como expressões de comportamentos que estão em fase de aprendizado, mas também de consolidação (Igras et al., 2014IGRAS, S. M. et al. Investing in very young adolescents’ sexual and reproductive health. Global Public Health, London, v. 9, n. 5, p. 555-569, 2014. doi: 10.1080/17441692.2014.908230
https://doi.org/10.1080/17441692.2014.90... ). Não se trata de negar as mudanças biopsicofisiológicas do desenvolvimento humano, mas de sublinhar que esse período do curso de vida guarda estreita relação com o contexto social, cultural e moral em que acontece. Essa perspectiva não só problematiza a concepção universalizante e essencialista de juventude, mas a situa em um contexto histórico e político, restituindo-lhe um caráter eminentemente social, heterogêneo e geracional.
As sociedades são organizadas por critérios de diferenciação, como gênero, raça, etnia, classe social, geração, nacionalidade etc., que implicam experiências sociais muito diversificadas em função da posição ocupada, em um complexo e intenso eixo de estratificação e de diferenciação social. O conceito de interseccionalidade, cunhado por feministas negras estadunidenses e latino-americanas, tem sido uma potente ferramenta analítica sobre como as experiências de mulheres e de homens são perpassadas por diversas tensões e eixos de opressão (como sexismo, racismo, etarismo, lesbo/homofobia, capitalismo, entre outras matrizes de opressão) que se entrelaçam no cotidiano e estruturam as relações sociais (Collins, 1993COLLINS, P. H. Toward a new vision: race, class and gender as categories of analysis and connection. Race, Sex & Class, New Orleans, v. 1, n. 1, p. 25-45, 1993.; 2015COLLINS, P. H. Intersectionality’s definitional dilemmas. Annual Review of Sociology, Palo Alto, n. 41, p. 1-20, 2015.). Nessa esteira, argumentamos que o aprendizado e a vivência da sexualidade são fenômenos bem distintos, considerando as diferenciações produzidas segundo gênero, raça, cor da pele, pertencimento/identificação étnica, posição geracional, inserção de classe, ou qualquer outro marcador social que seja utilizado para fazer a leitura/compreensão das sinuosidades dessas vivências e de seus correlatos.
É importante salientar também a premissa de um contínuo aprendizado das “competências de gênero” (Connell, 2002CONNELL, R. W. On hegemonic masculinity and violence. Theoretical Criminology, Thousand Oaks, v. 6, n. 1, p. 89-99, 2002. ), mesmo quando adolescentes e jovens não aderem aos ideais normativos ou às expectativas sociais hegemônicas. As transições vividas por adolescentes e jovens significam mudanças na percepção e na significação de si e do outro, e guardam relação com a especificidade dos recursos disponibilizados pelo contexto em que estão inseridos.as. Nas instituições sociais (família, escola, grupo de pares, religião, comunidade territorial, plataformas digitais etc.) são transmitidas e reiteradas expectativas normativas, reguladas nos processos de controle social (Kågesten et al., 2016KÅGESTEN, A. et al. Understanding Factors that Shape Gender Attitudes in Early Adolescence Globally: a mixed-methods systematic review. Plos One, San Francisco, v. 11, n. 6, 2016. DOI: 10.1371/journal.pone.0157805
https://doi.org/10.1371/journal.pone.015... ). O aprendizado do gênero e da sexualidade dá-se na familiarização com práticas, valores, crenças, representações sociais, modelos de comportamento e formas de interação presentes na cultura local. Em outros termos, a pedagogia da sexualidade e do gênero ocorre mediante a apreensão e reiteração de elementos culturais de feminilidade, de masculinidade, de heteronormatividade e de racialização diluídos na vida cotidiana e nas instituições de socialização, atravessadas por dimensões interseccionais que produzem diferenciações e desigualdades (Phoenix, 1997PHOENIX, A. Youth and gender: new issues, new agenda. YOUNG, Thousand Oaks, v. 5, n. 3, p. 2-19, 1997.; Collins, 2000COLLINS, P. H. Black feminist thought: knowledge, consciousness and the politics of empowerment. 2. ed. New York; London: Routledge, 2000; Butler, 2002BUTLER, J. Gender trouble: Feminism and the Subversion of Identity. New York: Routledge, 2002.; Guimarães, Cabral, 2020).
Este artigo discute o processo de socialização para sexualidade, a partir da análise de três casos biográficos, os quais aportam uma riqueza de dimensões e de especificidades, bem como permitem argumentar não apenas em termos de diversificação dos processos juvenis na socialização para sexualidade, mas também nos impelem a complexificar a definição de iniciação sexual tradicionalmente utilizadas em estudos realizados a partir de matrizes disciplinares, como saúde pública e demografia.
Produção de dados e o universo empírico da pesquisa
A pesquisa “Jovens da era digital”22A pesquisa “Jovens da era digital: sexualidade, reprodução, redes sociais e prevenção às IST/HIV/Aids” foi coordenada por Cristiane Cabral (coordenadora geral; de São Paulo/Universidade de São Paulo - USP), Ana Paula dos Reis (Salvador/Universidade Federal da Bahia - UFBA); Daniela Riva Knauth (Porto Alegre/Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS); Elaine Reis Brandão (Rio de Janeiro/Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ), Flávia Bulegon Pilecco (Conceição do Mato Dentro/Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG); José Miguel Nieto Olivar (São Gabriel da Cachoeira/USP). O estudo contou com apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (Processo 442878/2019-2; Processo 431393/2018-4). Agradecimentos especiais às(aos) coordenadoras(es) e às equipes de trabalho de campo de cada localidade, bem como às(aos) jovens que compartilharam parte de suas experiências de vida conosco. foi realizada junto a jovens, com idades entre 16 e 24 anos, moradores em cidades urbanas - Porto Alegre (POA), Rio de Janeiro (RJ), Salvador (SAL), São Paulo (SP) - ou em cidades do interior do país: Conceição do Mato Dentro (CMD), em Minas Gerais (23 mil habitantes) e São Gabriel da Cachoeira (SGC), no estado do Amazonas (aproximadamente 51 mil habitantes). Foram entrevistados.as 194 jovens, tendo como fio condutor principal a narrativa acerca de suas trajetórias afetivo-sexuais. As entrevistas foram realizadas majoritariamente em formato presencial, entre os anos de 2021 e 2022, em período posterior ao arrefecimento do número de mortes da pandemia de covid-19.33O detalhamento metodológico da pesquisa “Jovens da era digital” pode ser consultado no artigo de Cabral (2024) que compõe este dossiê. O acesso a estes.as jovens foi realizado por meio de diferentes estratégias: redes de contato dos.as pesquisadores.as, indicação de possíveis participantes a partir dos.as próprios.as entrevistados.as, chamadas/convites feitos pelas redes sociais como Instagram e Facebook.
Os.as participantes são, principalmente, pessoas cis (mulheres cis n=100; homens cis n=87). Um terço dos.as entrevistados.as são LGBTQIAP+ (n=58); sendo 34 mulheres lésbicas ou bi/pansexuais e 21 homens gays ou bi/pansexuais; há também pessoas trans e não-binárias (n=7). Mais da metade dos.as entrevistados.as se declarou pretos.as ou pardos.as (n=119); outros 55 se identificaram como brancos.as, um amarelo e 21 indígenas. Há um contingente de jovens sem religião (n=89), bem como católicos (n=25) e evangélicos (n=30). Esta investigação foi aprovada pelo Conep e comitês de ética em pesquisa das instituições coparticipantes, cumprindo com as normas dispostas nas Resoluções 466 (Brasil, 2013BRASIL. Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Trata sobre as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2013.) e 510 (Brasil, 2016BRASIL. Resolução nº 510, de 7 de abril de 2016. Trata sobre as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa em ciências humanas e sociais. Brasília, DF: Ministério da Saúde , 2016. ) sobre ética em pesquisa com seres humanos. Nomes fictícios foram utilizados nesta publicação.
As narrativas apresentadas neste artigo condensam elementos descritivos submetidos à análise e à interpretação ancoradas na fundamentação teórica adotada. As descrições derivadas das entrevistas buscam ser o mais próximas e fiéis possíveis às representações e reelaborações que cada indivíduo fez sobre os assuntos abordados no momento da entrevista, bem como dos sentidos que atribuíram às experiências vividas. Não há como escapar do fato de que esses discursos foram forjados em um contexto de uma interação social no qual um.a pesquisador.a conduz a entrevista em diálogo com o.a interlocutor.a (Minayo; Deslandes; Gomes, 2016MINAYO, M. C. S.; DESLANDES, S. F.; GOMES, R. Pesquisa Social: Teoria, método e criatividade. Petrópolis: Editora Vozes, 2016.; Franco, 2018FRANCO, M. L.P.B. Análise de Conteúdo. 5. ed. Campinas: Autores Associados, 2018.). Assim, mais do que a busca por uma suposta “verdade” ou fidedignidade dos fatos, é interessante considerar justamente como e quais elaborações/interpretações de si e dos contextos nos quais estão imersos.as são apresentadas no momento da entrevista, particularmente quando temáticas como sexo e sexualidade são investigadas. O processo analítico desse tipo de material empírico requer uma cuidadosa movimentação entre distintos níveis de narrativa, que manejam as interpretações de primeira e de segunda ordem para compreensão e discussão dos objetos de pesquisa.
Três biografias “boas para pensar” sobre o tema da “iniciação sexual” no Brasil
A seleção dos casos analisados buscou abarcar trajetórias juvenis contrastivas no que concerne os processos de socialização para a sexualidade. Mais do que tomá-los como uma espécie de “tipos ideais” que aglutinam determinados percursos/formas/processos de iniciação sexual, as biografias apresentadas cumprem a função de ilustrar o argumento central deste artigo sobre a diversificação de percursos juvenis e a complexidade embutida no que tradicionalmente se compreende de forma simplista ou reducionista por “iniciação sexual” em determinados campos disciplinares e literatura científica correlata.
O planejamento da primeira relação sexual
O caso de Betina possibilita uma análise de processos que circundam a representação da iniciação sexual dita planejada. Mulher cis, preta, oriunda de camadas populares, heterossexual, sua trajetória é emblemática por condensar elementos diversos de socialização para a sexualidade. A jovem tinha 24 anos quando foi entrevistada, vivia na sede do município de Conceição do Mato Dentro (CMD) há um ano, tendo se mudado de um distrito rural no mesmo município para uma área mais densamente povoada por causa do trabalho e pela possibilidade de acesso à internet, fundamental para o seu exercício profissional. No local onde nasceu, ela cresceu junto a vários irmãos e irmãs, todos atualmente casados e vivendo “na roça” - sendo a única a se mudar para a sede do município.
Seus pais estudaram até a quarta série e trabalhavam com agricultura familiar. A relação de Betina com a mãe é descrita como positiva, já com o pai há algumas tensões, sendo destacado o problema dele com o uso abusivo de álcool. A jovem sinaliza enfaticamente como suas irmãs (mulheres) atualmente dedicam-se exclusivamente ao trabalho doméstico, de modo a chamar atenção para o fato de sua trajetória ter tomado caminhos distintos. Aliás, ela faz essa distinção em relação aos demais membros da comunidade de onde veio: “eu me formei [no ensino médio], eu sempre saí de casa pra ir pra outros lugares, conhecer outras pessoas, buscar informação, coisas que a maioria dos jovens lá da minha comunidade não fazem, né?”. Betina sublinha a importância, em sua trajetória, do contato com esse “mundo social externo” composto por “outros lugares”, pela escola,44Especialmente o ensino médio tem lugar nessa socialização que rompe as fronteiras da comunidade em que Betina vivia, a saber, um distrito da zona rural deste município. Para poder prosseguir no processo de escolarização além do ensino fundamental, os.as estudantes precisam se deslocar diariamente para a sede do município através de transporte disponibilizado para tal. pelas informações que buscou e pelos espaços que pode conhecer, dado o seu envolvimento desde cedo com movimentos sociais.
Em sua entrevista, ela discute, de forma crítica, as complexas relações entre o que identifica como “o campo e a cidade”, refletindo como dificuldades estruturais (como a falta da internet e oportunidades de emprego) acabam empurrando os.as jovens para as periferias das cidades. Ela sente-se frustrada pela impossibilidade de poder viver no local onde nasceu e cresceu (zona rural), devido às precárias condições materiais de lá (equipamentos públicos, opções de lazer etc.).
Betina foi criada na religião evangélica (Assembleia de Deus), com a qual se envolveu até determinado período da vida. Posteriormente, ela se afastou da religião e, embora tenha conhecido outras possibilidades de inserção religiosa, diz que atualmente não professa e nem se identifica com nenhuma. Concluiu o ensino médio, tendo estudado sempre em escolas públicas; ao longo de sua trajetória educacional, ela fez vários cursos livres relacionados à sua área de atuação com forte conexão com movimentos sociais.55Não podemos detalhar esta dimensão por motivos de sigilo e proteção da identidade da entrevistada. No momento da entrevista, Betina namorava com o mesmo parceiro de sua iniciação sexual, mas chegou a ter relações sexuais com outra pessoa num período em que o atual relacionamento estava suspenso. Ela relata nunca ter engravidado e deseja ter filhos num futuro mais distante, pois espera cumprir objetivos profissionais e acadêmicos antes de iniciar uma trajetória reprodutiva.
A aproximação de Betina ao tema sexualidade é permeada por diferentes agentes de socialização, que parecem conformar um cenário restritivo de diálogo e expressão de dúvidas sobre o assunto, permeado pela forte influência da religiosidade da família. Quando tinha aproximadamente 12 anos, ela levou para casa um “livro de ciências” oferecido pela professora, no qual era abordado o tema sexualidade. Ao perceber o conteúdo do livro, sua avó o rasgou. Chateada, Betina não sabia como explicar a situação na escola. Assim, ela concluiu que a família não era uma boa fonte de informações nem um espaço de diálogo possível; o tema da sexualidade era ausente em seu ambiente familiar. Ela reflete que foi importante o que aprendeu sobre sexualidade na escola, mas percebia, naquele momento, que não tinha sido suficiente.
Aos 16 anos, Betina teve experimentações em termos de exploração de desejo e sensações corporais “mais quentes” com um rapaz de sua comunidade, no contexto de uma relação que “não foi pra frente”. Porém, não considera que essas experimentações tenham sido sua iniciação sexual. A jovem não gostava de certos comportamentos desse “ficante” que ela identifica como “estereotipias de gênero”: o rapaz a proibia de fazer certas coisas e não gostava da forma como ele conversava com ela, o que a fez sair daquela relação.
Afirma que sua iniciação sexual foi aos 18 anos, com um rapaz mais velho (21 anos, preto) e que já trabalhava. A “primeira vez” aconteceu enquanto o casal ainda “ficava”, em um período de 4 a 5 meses após terem se conhecido. A relação sexual aconteceu no período de consolidação do relacionamento, que somente é identificado como “namoro” posteriormente por ambos. Betina explica que houve um planejamento sobre “a primeira vez” e que ambos resolveram ter essa relação sexual. É frequente na entrevista de Betina a referência a processos decisórios sexuais e reprodutivos compartilhados com o companheiro. Ela conta que se sentiu motivada a ter a experiência porque queria viver aquele momento ainda não experimentado. Diz que gostou da forma como ele a tratou, como conversaram sobre o assunto, transparecendo confiança. Ela não menciona se o parceiro já era experiente sexualmente. Houve uma programação do casal, que envolveu a reserva de uma pousada feita pelo rapaz, que tinha recursos financeiros próprios, pois já trabalhava. Além de conversa prévia sobre métodos contraceptivos, que os levou à decisão conjunta pelo uso do preservativo masculino na primeira relação sexual. Segundo Betina, a preocupação era apenas com o risco de gravidez, não tendo sido abordada a questão das IST - algo comumente observado no contexto das relações heterossexuais, especialmente as mais estáveis. Ela diz que gostou de sua IS, que incluiu sexo penetrativo, designando-o como “o sexo normal”.
Betina teve relações sexuais apenas com dois homens, o parceiro da IS e um outro rapaz que conheceu durante um período em que o seu namoro havia terminado. Pondera que não gostou tanto da experiência com essa outra pessoa por falta de “química”, e que está satisfeita com a sua vida sexual atual. Betina considera que teve uma iniciação em idade mais tardia em relação ao que acontece comumente com outras garotas. A análise de sua trajetória revela um emaranhado de mediadores nesse complexo processo de socialização que, na percepção da própria jovem, a levou para um caminho distinto do que seria esperado para ela, dado o seu núcleo de origem familiar e territorial: além de uma iniciação sexual que pode ser considerada “tardia”, sua trajetória não culmina na constituição de um núcleo familiar próprio, aspecto que ela vê acontecer de forma corriqueira com seus irmãos (irmãs principalmente) e outros.as jovens de sua comunidade. Ela consegue postergar tudo isso em função de objetivos educacionais e profissionais.
Desde pequenininha eu sempre saí de casa pra ir pra outros lugares, conhecer outras pessoas, buscar informação, coisas que a maioria dos jovens lá da minha comunidade não fazem, né? Então, tem relações com primo ou com a prima, e aí, acaba sendo só essas pessoas que eles conhecem, então, só essas pessoas que eles vão ter esse vínculo e acabam tendo filho, né? Não tem essa oportunidade de conhecer métodos contraceptivos, né? (…) Eu consegui finalizar o estudo, o ensino médio, consegui vencer essa bolha de sair da comunidade, buscar estudos fora, experiências fora, viajar, conhecer as pessoas e me inserir em várias outras coisas, né? E isso fez com que eu visse com outros olhos, me deu a oportunidade de conhecer outras coisas, aí, eles não, né? (Betina)
O script da impulsividade como norma do início da vida sexual juvenil
A observação e a análise das narrativas sobre iniciação sexual da maior parte dos.as jovens entrevistados.as alude a um contexto de impulsividade e espontaneidade, comumente descrito na literatura. Estas relações costumam se desenrolar na casa de uma das duas pessoas envolvidas no ato sexual, o que vem sendo denominado por alguns autores como uma “sexualidade domesticada” da geração atual (Bozon, 2023JUVENTUDE na era digital: socialização, sociabilidade, sexualidade. Intérprete: Michel Bozon. [S. l.: s. n.] . 2023. 1 vídeo (3h 43 min). Publicado pelo canal Faculdade de Saúde Pública da USP, nov. 2023. Disponível em: <Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=lLVIG2d-iUQ > Acesso em: 24 abr. 2024.
https://www.youtube.com/watch?v=lLVIG2d-... ). Outros locais que também abrigaram a primeira vez dos.as jovens foram: no banheiro de uma festa, na rua, em um parque, na casa de uma amiga, na quadra da escola, na escada do prédio entre outros.
Tomamos o caso de Pedro, jovem entrevistado de Salvador, para ilustrar o roteiro (script)66A teoria dos “roteiros sexuais” (sexual scripts) foi proposta por Gagnon e Simon na primorosa obra “Sexual Conduct” de 1972. Trata-se de importante trabalho que busca situar as discussões sobre sexualidade no plano do que identificamos por construtivismo ou construcionismo social, antepondo-se às noções de instinto e impulso (naturais) como eixos de compreensão sobre comportamentos e condutas sexuais. Para os autores, a sexualidade é uma dimensão aprendida, que envolve aspectos culturais, intrapsíquicos e interpessoais (Gagnon; Simon, 1972). A dimensão da impulsividade/espontaneísmo tem sido descrita como uma característica que organiza os repertórios de gênero e sexualidade no contexto brasileiro (Bozon; Heilborn, 2006). que grande parte das iniciações sexuais descritas neste estudo apresenta. Ele tinha 19 anos no momento da entrevista; identifica-se como homem cisgênero preto. Vivia com a mãe, o pai, a madrinha e a avó em um apartamento (o mesmo desde que nasceu), localizado em um bairro de classe média baixa de Salvador. Os pais, com quem relata ter uma relação tensa, têm ensino superior completo. Pedro foi criado no catolicismo e considera-se ainda católico, demonstrando também gostar do protestantismo pelas músicas que ouve - “eu gosto de sempre escutar a palavra”. Naquele momento, Pedro cursava “dependência” (uma disciplina na qual havia sido reprovado) para terminar o ensino médio em uma escola privada.
Ele recorda que as primeiras informações que teve sobre sexo aconteceram na escola quando ele era “bem novo”, por volta da quarta ou quinta série do ensino fundamental. Avalia que as informações foram boas, mas não suficientes. Refere conversar atualmente sobre o tema com as amigas (meninas), mas não com os amigos. Recorre à internet, em plataformas como o Youtube, quando tem dúvidas e curiosidades sobre sexo e cuidados relacionados.
Pedro apresentou resistência para falar sobre sua iniciação sexual, por vezes identificada como “primeira vez”, por outras como “brincadeira de criança”. Tudo aconteceu no condomínio em que vivia, aos seus 13 anos de idade, envolvendo uma garota um ano mais velha, preta, amiga de infância, e outro amigo, de 12 anos. A experiência envolveu os três. Depois dessa “primeira vez”, ele diz que só foi ter outra relação sexual por volta dos seus 16 anos de idade.
“Não foi nada planejado”, sua descrição remete a um contexto em que ele foi pego de surpresa, “eu não tinha a malícia que eu tenho hoje, eu não tinha essa mente maldosa, acho que eu nem pensava ainda nessas coisas, na época, e aí do nada apareceu essa oportunidade assim, eu só fui”. A garota teria “aliciado”, induzido e convencido Pedro a participar da relação sexual enquanto jogavam bola e se divertiam. Ela mostrou um vídeo dela com conteúdo sexual para os meninos. Ele explica que até aquele momento não havia experimentado práticas sexuais como a masturbação e que “do nada” essa garota fez o convite e ele embarcou na oportunidade. Embora um outro garoto tenha participado desta experiência, Pedro explica que não “ficou” com ele, porque é heterossexual e não tinha esse interesse. Não houve uso de métodos contraceptivos ou para prevenção de IST, tampouco o tópico surgiu em conversas que antecederam o ato - “na época eu nem sabia o que era isso, pra falar a verdade”.
Há uma ambivalência na narrativa de Pedro quanto ao ocorrido. Ele afirma ter sentido desejo e prazer, e gostado quando “aquilo” ocorreu; no entanto, diz ter certo arrependimento porque acha que sua “primeira vez” não deveria ter ocorrido com aquela pessoa, naquele momento. Há uma reiteração insistente na ideia de que ele foi induzido por aquela garota a participar da “brincadeira”, que segundo ele se repetiu ao longo de uma semana: “aí ela mostrou o vídeo dela assim, e tal e a gente começou a brincar de esconde-esconde, e aí a brincadeira [o sexo] aconteceu, ficamos uma semana só assim, brincando e pá”.
Em nenhum momento, contudo, ele dá a entender que houve uma falta de consentimento de sua parte77Adiante discutiremos a noção de “idade de consentimento” e questões sobre abuso e violência sexual.. Pelo contrário, ainda que surpreso, e sem “malícia”, a oportunidade de participar daqueles “jogos” de sedução e experimentação sexual parecem ter tido algum apelo para Pedro. A avaliação negativa da experiência e o arrependimento surgem a posteriori e de modo associado a uma percepção de “erro”, se referindo a “pessoa errada”, “momento errado”. Por um lado, Pedro, que se considera católico e com aproximações ao protestantismo, vê como inadequada a sua iniciação sexual. Por outro lado, algum interesse, motivação ou desejo (como ele mesmo cita) atuaram naquele ato entendido como espontâneo e inesperado. O sexo penetrativo fez parte das práticas experimentadas naquela semana de brincadeiras, aproximações e aprendizado. Ao final, ele avalia aquele período como uma semana “boa”, mas depois não teve mais contato com a garota. Somente algum tempo após essa iniciação (pelo menos 2 anos depois), ele começou a ter experiências com masturbação e contatos sexuais mais íntimos com outras pessoas, tendo tido relações sexuais com cerca de 20 garotas até o momento em que concedeu a entrevista.
Esse contexto de surpresa, experimentação “sem malícia” e aprendizado sexual, seguido de um longo intervalo até reinício de novas experimentações sexuais, permite suscitar algumas ponderações sobre o significado da iniciação sexual, sobretudo para rapazes. É possível fazer uma leitura da representação de Pedro sobre o acontecido circunscrita às normas de masculinidades hegemônicas (Connell, 2003CONNELL, R. W. Gender and power: society, the person and sexual politics. Cambridge: Polity Press, 2003.; Connell, Messerschmidt, 2013CONNELL, R. W.; MESSERSCHMIDT, J. W. Masculinidade hegemônica: repensando o conceito. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 21, n. 1, p. 241-282, 2013.): diante de uma oportunidade relevante para a afirmação de sua identidade masculina cisheteronormativa, ele sente-se impelido a “aproveitá-la”, ainda que não tivesse necessariamente (como ele relata) desperto para a experimentação sexual em parceria. Parece haver certa contradição na existência do espaço temporal de pelo menos 2 anos até o seu retorno às práticas sexuais (incluindo a masturbação) após ter vivenciado uma iniciação sexual supostamente satisfatória, ainda que inesperada. Mas, ao mesmo tempo em que as noções e normas sobre masculinidades podem ter tido importância no desenrolar de sua trajetória, certo pudor e moralismo parecem tê-lo guiado na construção de suas representações sobre as suas primeiras experiências sexuais: a iniciação ocorre de modo induzido por uma garota e somente anos depois, quando julga como mais oportuno para tal, ele parte para experimentações sexuais de forma mais “intencional”.
Múltiplas iniciações sexuais: reiteração da aprendizagem da sexualidade como processo
O caso de Leonardo traz perspectivas que suscitam uma discussão sobre múltiplas iniciações sexuais. Homem cis gay, autodeclara-se como preto (“uma cor um pouco menos retinta do que o normal mas sou preto”) e pertencente à “classe C”: “eu tenho um padrão de vida muito bom (…), nunca me faltou nada, mas também, tipo, não tenho um padrão de vida que me permita esbanjar”. Leonardo nasceu e foi criado na zona sul de Porto Alegre pelo pai e pela tia, uma região que congrega tanto bairros com melhor infraestrutura quanto outros com populações mais empobrecidas e vulneráveis. Tendo perdido a mãe muito jovem, aos 12 anos, vivia em um terreno onde foram construídas duas casas, consideradas pequenas por Leonardo, uma para o jovem, seu pai e sua irmã, e outra para a tia, que considera sua figura materna. Ressalta ter uma relação instável com o pai (servidor público aposentado), caracterizada por “altos e baixos” e um distanciamento: “a gente não conversa, a gente não é muito próximo”. Leonardo cresceu na religião católica, tendo tido a experiência de ser “coroinha”, e conta que atualmente tem se identificado com os princípios da umbanda, relacionando a religião às suas origens.
Não comenta muito sobre sua infância além da criação compartilhada, mas relata com muito orgulho a aprovação no ensino superior, em uma universidade federal; sente que “esse é o caminho” que vai promover diversas conquistas futuras em sua vida. Concomitante à graduação, Leonardo trabalha há quatro anos em um escritório de advocacia na capital gaúcha, onde ingressou aos 18 anos como jovem aprendiz, sendo efetivado próximo ao fim do contrato. Afirma ter uma relação “tumultuada” com seu pai, mas o considera como fonte de sustento, pois recebe um pouco mais que o salário mínimo em seu trabalho. Em sua concepção, seus gastos com coisas mais “superficiais” - como “roupa, viagens, celulares e computadores” - devem ser assumidos por ele, deixando o auxílio do pai para contas fixas ou ações pontuais.
Além do trabalho, ele adora seus momentos de lazer com grupos de amigos, se entende enquanto “no auge da jovialidade”, fazendo “tudo que os jovens fazem” como “curtir, beijar na boca, sair, [ir em] festas”. Pondera que, ao passo em que amadurece e fica mais velho, surge a necessidade de ser mais “responsável, mais evoluído”, citando o exemplo da irmã, doze anos mais velha, que precisou “virar adulta” rapidamente para dar conta dos seus três filhos.
Os primeiros contatos com o tema sexualidade foram na escola, durante palestras que teve nas aulas de “ciências” com temáticas sobre proteção e prevenção à saúde. Sua primeira relação sexual foi aos 15 anos de idade, com um homem cisgênero que conheceu por meio do Facebook, de forma “aleatória”. Entretanto, Leonardo nos traz uma noção da “primeira vez” não como um evento único, mas composto por três experiências que se complementam e se diferenciam nas suas práticas sexuais. Em suas palavras:
Então, foi um homem a primeira… primeira… eu costumo dizer que eu tive três primeiras vezes, né. Mas eu tive… iniciações de várias formas, assim. A primeira vez com mulher, a primeira vez com um homem sendo ativo, a primeira vez com homem sendo passivo. Então, eu costumo dizer que eu tenho três… que eu tive três primeiras vezes. (Leonardo)
Leonardo considerou esta relação “decepcionante”: “esperava uma primeira vez mais… mais empolgante”. Segundo conta, não houve outros encontros com esse rapaz após a primeira transa. O jovem fala sobre o uso de aplicativos de relacionamento/encontro, citando o Grindr, o Inner Circle e o Tinder (que usa com menos frequência) como meios de encontrar outros contatos sexuais, mesmo que na maioria dos casos não resulte em encontros presenciais, pois tais eventos, segundo ele, são muito raros.
Escapando da ideia hegemônica de iniciação sexual como evento marcado pela prática da penetração, o jovem traz a importância do beijo como forma de iniciação e materialização do desejo na época da adolescência: “começa, na verdade, eu acho que… o sexo em si, a iniciação sexual pra quem é adolescente, começa com beijos, né. Ficar com outra pessoa, antes de ter o ato em si, acho que tudo começa… quando tu fica com outras pessoas, né”. Pontua ainda sobre o início da vida sexual a partir de experimentações com o próprio corpo: “obviamente, né, eu comecei conhecendo o meu próprio corpo, me masturbando, enfim… como todo adolescente faz, né, antes de ter essas… de me iniciar sexualmente”.
As três iniciações sexuais que ele refere ter tido aconteceram entre seus 15 e 16 anos, motivado por uma “curiosidade” a respeito do que seria o sexo. Refletindo retrospectivamente sobre suas “primeiras vezes”, Leonardo comenta que se pudesse voltar no tempo, teria esperado um pouco mais, escolhido alguém com quem sentisse uma ligação romântica maior, caracterizando como um momento “mais oportuno”, mas não invalidando a importância que suas iniciações sexuais tiveram no momento em que ocorreram. Ele estima na entrevista ter tido relações sexuais com aproximadamente 40 pessoas, destacando a preferência por homens, ao mesmo tempo que explicita experiência mais diversa em relação ao gênero de suas parcerias sexuais e uma postura de abertura aos seus desejos e vontades: “acho que a gente tem sempre que ter experiências novas no sexo”.
Nos seus termos, a partir de “experiências [sexuais] completamente diferentes” que teve com “pessoas completamente diferentes”, vislumbra de forma positiva sua trajetória sexual, entendendo ser o sexo uma “necessidade” e algo que faz parte “do ser humano”, ainda que esta seja uma perspectiva que, de certo modo, naturaliza suas vontades e desejos.
Discussão
Em primeiro lugar, cabe a ponderação sobre formas de definir a noção de iniciação sexual, seja em estudos de natureza qualitativa em que a narrativa do.a entrevistado.a é mais livre (ou menos estruturada - fazendo uma alusão aos instrumentos comumente utilizados na produção de dados quantitativos), seja em investigações de natureza quantitativa em que se faz uma operacionalização “simples” sobre esta “variável”, a partir na normatização do tempo. Tradicionalmente, os estudos costumam inquirir sobre a “idade na primeira relação sexual”, a qual, na maioria das vezes, é entendida como quando foi tida a primeira relação sexual com penetração e sob o vigor de uma lógica heteronormativa das relações entre parceiros.as afetivo-sexuais. Todavia, estudos recentes junto a adolescentes e jovens, em consonância com os relatos abordados neste trabalho, mostram, por um lado, a vitalidade dessa representação hegemônica sobre o tema e, por outro, indicam também possibilidades que articulam a iniciação sexual com outras lógicas sociais de interpretação, comportamentos e interações entre parceiros.as, expectativas sociais e/ou dimensões identitárias (Calvès et al., 2006CALVÈS, A. E.; BOZON, M.; DIAGNE, A.; KUÉPIÉ, M. 2006. Le passage à l’âge adulte: repenser la définition et l’analyse des ‘premières fois’. In: ANTOINE, P. & LELIEVRE, E. (Dir.). États flous et trajectoires complexes. Observation, modélisation, interprétation. Paris: Ined Éditions. p. 137-156.).
Em contexto de crescente experimentação sexual, de enfraquecimento de determinadas normas e valores, de ampliação de possibilidades identitárias, de diversificação de percursos e/ou scripts sexuais (Gagnon; Simon, 1972GAGNON, J. H.; SIMON, W. Sexual conduct: The social sources of human sexuality. New York: Routledge , 1972.) etc., devemos colocar indagações como: O sexo não penetrativo com parceiro.a pode ser considerado marcador do início da vida sexual? Qual é o marcador da entrada na vida sexual para mulheres cis lésbicas e homens trans? Pode-se falar em diferentes primeiras vezes, a depender do sexo do.a parceiro e/ou das práticas sexuais? Em que medida é pertinente o tipo de classificação da iniciação sexual em termos de relação “heterossexual” ou “homossexual”, por exemplo, tendo em vista as concepções bem mais fluidas (e/ou transitórias) dos.as atuais jovens sobre a conformação de sua identidade sexual ou de gênero? Indo além, a iniciação sexual é aquela que se dá com ou sem consentimento? Qual o lugar/estatuto da primeira relação sexual mediante coerção? Então, de quantas e/ou de quais iniciações estaríamos falando?
Claro que a perspectiva de “sexo como risco” preside muitas das definições e operacionalizações sobre iniciação sexual feitas em diversos estudos e nas políticas públicas (Brasil, 1989BRASIL. Portaria nº 980, 21 de dezembro de 1989. Define objetivos, diretrizes e estratégias para o programa saúde do adolescente - PROSAD (ementa elaborada pelo CD/MS). Brasília, DF: Poder Executivo, 26 dez. 1989.; Rubin, 1984RUBIN, G. Thinking sex: notes for a radical theory of the politics of Sexuality. In: VANCE, C. S. (Ed.). Pleasure and Danger: Exploring Female Sexuality. Abingdon: Routledge & Kegan Paul, 1984. p. 143-178.; Laumann et al., 1994LAUMANN, E. O. et al. The social organization of sexuality: sexual practices in the United States. Chicago: University of Chicago Press, 1994.; Vance, 1995VANCE, C. S. A antropologia redescobre a sexualidade: um comentário teórico. Physis, Rio de Janeiro, v. 5, n. 1, 1995. DOI: 10.1590/S0103-73311995000100001
https://doi.org/10.1590/S0103-7331199500... ; Lagrange, Lhomond, 1997LAGRANGE, H.; LHOMOND, B. L’entrée dans la sexualité. Paris: La Découverte, 1997.). Argumentamos que os percursos juvenis abarcam uma diversidade mais ampla em termos do que pode ser compreendido por “iniciação sexual”, o que sem dúvida amplia a concepção frequentemente veiculada pelas políticas públicas e subjacente à produção de pânicos morais relativos à sexualidade juvenil. Ao trazer de forma mais detida estes três tipos/possibilidades de scripts de iniciação sexual através dos casos empíricos reportados, os quais comportam cenários, enredos e elementos distintos, procuramos complexificar a noção hegemônica que se ancora na mensuração da idade de uma determinada “primeira relação sexual”, majoritariamente pensada a partir de relações sexuais penetrativas heterossexuais e, com alguma “sorte”, protegidas. Esta concepção produz desdobramentos políticos, morais, normativos e valorativos. Argumentamos a favor da noção de processo e de aprendizado da experimentação juvenil, aspecto que confere um outro grau de complexidade às discussões sobre o exercício da sexualidade e ao processo de construção de si. Compreender a iniciação sexual juvenil como evento esperado (e provável) do processo de transição para a vida adulta implica a elaboração de ações e políticas públicas que deem suporte afetivo, material, reflexivo e compreensivo às.aos jovens (Santelli et al., 2017SANTELLI, J. S. et al. Abstinence-only-until-marriage: an updated review of U.S. Policies and Programs and their impact. Journal of Adolescent Health, Chicago, v. 61, p. 273-280, 2017.).
É fundamental ponderar sobre a ideia de consentimento relativa às negociações entre parceiros.as e às relações sexuais. Esta categoria vem ganhando destaque sobremaneira nas discussões sobre abusos e violências sexuais a partir da noção de “idade do consentimento”, ou seja, um limite mínimo tolerável para haver relações sexuais com uma pessoa. No Brasil, a relação sexual com menor de 14 anos é tipificada como crime desde o código penal de 1940. Mais recentemente, o arcabouço jurídico-legal introduz o conceito de “estupro de vulnerável” pela Lei 12.015, de 7 de agosto de 2009 (Brasil, 2009BRASIL. Lei nº 12.015, de 7 de agosto de 2009. Altera o Título VI da Parte Especial do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, e o art. 1o da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, que dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos do inciso XLIII do art. 5o da Constituição Federal e revoga a Lei no 2.252, de 1o de julho de 1954, que trata de corrupção de menores. Brasília, DF: Presidência da República, 2009.), aspecto fundamental para a garantia de aborto legal em casos de gravidez. A “idade do consentimento” varia segundo períodos históricos e contextos sociais, bem como em termos de sexo ou identidade sexual dos envolvidos, o tipo de ato sexual, entre outros fatores (Waites, 2005WAITES, M. The Age of Consent: young people, sexuality and citizenship. New York: Palgrave Macmillan, 2005.).
Por um lado, a “idade do consentimento” é claramente uma tentativa ou busca de regulação por instâncias do Estado (seja pelo prisma do poder judiciário, legislativo ou, mais recentemente, pelo poder executivo no Brasil (Cabral, Brandão, 2020CABRAL, C. S.; BRANDÃO, E. R. Gravidez na adolescência, iniciação sexual e gênero: perspectivas em disputa. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 36, n. 8, 2020. DOI: 10.1590/0102-311X00029420
https://doi.org/10.1590/0102-311X0002942... )) acerca da possibilidade de exercício da sexualidade a partir do critério etário. Mas essa normatização não dá conta da diversidade de possibilidades que presidem as trocas/interações entre pessoas, e apenas a idade (menor de 14 anos) não é elemento lógico suficiente (ainda que necessário) para jogar, definir ou identificar pessoas em situação de abuso ou coerção. Em um dos casos relatados neste trabalho, o início da vida sexual é entendido como processo de acumulação sucessiva de experiências, que começa a se desenrolar antes do que é legalmente permitido.
É importante dizer, no entanto, que reconhecemos a existência de percursos afetivo-sexuais marcados por coerções e admoestações sexuais e que culminam em relações sexuais não consentidas, inclusive pelo prisma do viés etário. Além disso, a disparidade de poderes (seja por classe, raça/etnia, idade ou sexo/gênero) entre parceiros.as afetivos-sexuais acarreta episódios de impossibilidades de uso de medidas preventivas, mesmo quando escolhidas por uma das partes, tal como a retirada do preservativo durante o sexo sem que haja anuência de ambas as partes. Esse é um tema complexo e que carece de muito cuidado e delicadeza para ser devidamente abordado. Esse tipo de experiência integra alguns percursos juvenis, mais de moças do que de rapazes, e será oportunamente abordado em futuras produções, a partir dos dados empíricos desta pesquisa.
Ainda, devemos ponderar a respeito das experiências de iniciação sexual que simplesmente “acontecem” de forma “inesperada”, como nos casos de Pedro e de Leonardo. A ideia de “imprevisibilidade” das relações sexuais guarda outras camadas de problematização, as quais aludem: à expectativa social de disponibilidade para o sexo atrelada às masculinidades; à maior dificuldade de declarar (sobretudo entre as moças) que a relação sexual estava sendo esperada, cogitada, ou mesmo desejada; à exigência moderna de forte racionalidade e cálculos, sobretudo em relação aos comportamentos sexuais e seus correlatos em termos de prevenção (seja de IST ou de gravidez).
É preciso compreender a noção de “aconteceu” enquanto uma forma de exercício da sexualidade, mas que não atende totalmente às expectativas modernas de sujeito racional cognoscente e autônomo. Ela é totalmente inteligível no âmbito da chave analítica que argumenta que meninas e meninos vão aprendendo, assimilando e desenvolvendo comportamentos e relacionamentos durante a adolescência e juventude às vezes mais, às vezes menos equitativos, ou seguros. Os variados graus de planejamento ou de espontaneísmo na iniciação sexual derivam de um conjunto complexo de elementos, tendo forte influência das normas de sexualidade e gênero, das filiações religiosas, das (im)possibilidades de diálogo nos ambientes familiares etc. As instâncias de socialização para a sexualidade apresentam-se de formas diversas nas trajetórias dos.as jovens, havendo maior flexibilidade dessas incidências com o aumento da escolarização experimentado no país e com o alargamento das fronteiras da informação na era digital. Importante destacar que a escola é uma importante instituição socializadora e bastante presente nas narrativas juvenis apresentadas, mas sempre é retratada com tom de queixa e de insuficiência quanto a suas ações e conteúdo abordados.
Indo além, é possível atingir patamares de previsibilidade e preparação para o exercício da sexualidade através da explicitação do assunto no âmbito de diversas instâncias de socialização, e não através de seu silenciamento ou vinculação à ideia de sexo enquanto algo perigoso. Entre o prazer e o perigo, há um vasto campo de possibilidades de intervenção no processo de construção de autonomia juvenil, em direção ao exercício da sexualidade livre dos constrangimentos associados ao sexo, como gravidez imprevista e aquisição de IST.
O horizonte político e normativo das políticas públicas e das instâncias de socialização deveria ser o de viabilizar que adolescentes e jovens possam/saibam fazer escolhas sobre quando e como se envolver em sexo, de modo que se sintam confortáveis com o outro, que saibam se proteger de coerção e violências e, caso esses atos aconteçam, tenham acesso a instâncias de confiança para comunicar tais acontecimentos e obter algum tipo de apoio (Schalet, 2011aSCHALET, A. T. Beyond Abstinence and Risk: a new paradigm for adolescent sexual health. Women’s Health Issues, v. 21, n. 3, p. S5-S7, 2011a. DOI: 10.1016/j.whi.2011.01.007
https://doi.org/10.1016/j.whi.2011.01.00... , 2011bSCHALET, A. T. Not under my roof: parents, teens, and the culture of sex. Chicago: Chicago Press, 2011b.). Na pesquisa “Jovens da era digital”, observamos a figuração ainda preponderante da sexualidade como tabu nas famílias, um assunto que não teria espaço para ser questionado/pensado/problematizado em casa. Na escola, importante campo de socialização e de sociabilidade para a juventude, há dificuldades em se trabalhar com o tema de uma forma abrangente para além do paradigma do risco e da abstinência que tem sido difundido entre pais/responsáveis e professores nos últimos anos (Paiva, Silva, 2015PAIVA, V.; SILVA, V. N. Facing negative reactions to sexuality education through a Multicultural Human Rights framework. Reproductive Health Matters, v. 23, n. 46, p. 96-106, 2015.). Os serviços públicos de saúde, que deveriam ser locais protegidos pelo sigilo dos.as profissionais para com os.as jovens, se mostram hostis para dúvidas e questionamentos que fujam do escopo da prevenção de IST e gravidez (Guimarães, Cabral, 2022GUIMARÃES, J.; CABRAL, C. S. Pedagogias da sexualidade: discursos, práticas e (des)encontros na atenção integral à saúde de adolescentes. Pro-Posições, Campinas, v. 33, p. 1-19, 2022.). A autonomia sexual auxilia os.as jovens nas dinâmicas afetivo-sexuais, nas interações que podem levar às práticas sexuais, permitindo maior conhecimento e articulação de desejos, do prazer e, também, da preparação para essas experiências (Schalet, 2011aSCHALET, A. T. Beyond Abstinence and Risk: a new paradigm for adolescent sexual health. Women’s Health Issues, v. 21, n. 3, p. S5-S7, 2011a. DOI: 10.1016/j.whi.2011.01.007
https://doi.org/10.1016/j.whi.2011.01.00... ). Esse é não apenas um fecundo caminho que favorece a vivência da sexualidade de forma dissociada da reprodução mas, sobretudo, permitirá a percepção e o discernimento, assim como facilitará a revelação de relações abusivas que envolvam violação e coerção (Schalet, 2011aSCHALET, A. T. Beyond Abstinence and Risk: a new paradigm for adolescent sexual health. Women’s Health Issues, v. 21, n. 3, p. S5-S7, 2011a. DOI: 10.1016/j.whi.2011.01.007
https://doi.org/10.1016/j.whi.2011.01.00... ; 2011bSCHALET, A. T. Not under my roof: parents, teens, and the culture of sex. Chicago: Chicago Press, 2011b.).
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- 1A linguagem é uma importante dimensão política. Assim, optamos por utilizar a grafia os.as em palavras que necessitam de flexão de gênero com o intuito de romper (ao menos) no plano textual com a universalização dos sujeitos pela linguagem no masculino (Loison; Perrier; Noûs, 2020LOISON, M.; PERRIER, G.; NOÛS, C. Le langage inclusif est politique: une spécificité française? Cahiers du Genre, Paris, n. 69, p. 5-29, 2020.).
- 2A pesquisa “Jovens da era digital: sexualidade, reprodução, redes sociais e prevenção às IST/HIV/Aids” foi coordenada por Cristiane Cabral (coordenadora geral; de São Paulo/Universidade de São Paulo - USP), Ana Paula dos Reis (Salvador/Universidade Federal da Bahia - UFBA); Daniela Riva Knauth (Porto Alegre/Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS); Elaine Reis Brandão (Rio de Janeiro/Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ), Flávia Bulegon Pilecco (Conceição do Mato Dentro/Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG); José Miguel Nieto Olivar (São Gabriel da Cachoeira/USP). O estudo contou com apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (Processo 442878/2019-2; Processo 431393/2018-4). Agradecimentos especiais às(aos) coordenadoras(es) e às equipes de trabalho de campo de cada localidade, bem como às(aos) jovens que compartilharam parte de suas experiências de vida conosco.
- 3O detalhamento metodológico da pesquisa “Jovens da era digital” pode ser consultado no artigo de Cabral (2024) que compõe este dossiê.
- 4Especialmente o ensino médio tem lugar nessa socialização que rompe as fronteiras da comunidade em que Betina vivia, a saber, um distrito da zona rural deste município. Para poder prosseguir no processo de escolarização além do ensino fundamental, os.as estudantes precisam se deslocar diariamente para a sede do município através de transporte disponibilizado para tal.
- 5Não podemos detalhar esta dimensão por motivos de sigilo e proteção da identidade da entrevistada.
- 6A teoria dos “roteiros sexuais” (sexual scripts) foi proposta por Gagnon e Simon na primorosa obra “Sexual Conduct” de 1972. Trata-se de importante trabalho que busca situar as discussões sobre sexualidade no plano do que identificamos por construtivismo ou construcionismo social, antepondo-se às noções de instinto e impulso (naturais) como eixos de compreensão sobre comportamentos e condutas sexuais. Para os autores, a sexualidade é uma dimensão aprendida, que envolve aspectos culturais, intrapsíquicos e interpessoais (Gagnon; Simon, 1972GAGNON, J. H.; SIMON, W. Sexual conduct: The social sources of human sexuality. New York: Routledge , 1972.). A dimensão da impulsividade/espontaneísmo tem sido descrita como uma característica que organiza os repertórios de gênero e sexualidade no contexto brasileiro (Bozon; Heilborn, 2006BOZON, M.; HEILBORN, M. L. Iniciação à sexualidade: modos de socialização, interações de gênero e trajetórias individuais. In: HEILBORN, M. L. et al. (Org.). O aprendizado da sexualidade: reprodução e trajetórias sociais de jovens brasileiros. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz: Garamond, 2006. p. 155-206.).
- 7Adiante discutiremos a noção de “idade de consentimento” e questões sobre abuso e violência sexual.
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
15 Jul 2024 - Data do Fascículo
2024
Histórico
- Recebido
26 Mar 2024 - Aceito
10 Abr 2024