Resumo
Este artigo apresenta trecho de uma pesquisa realizada a partir de experiência cartográfica no Laboratório Procomum, em Santos-SP, e procura estruturar uma reflexão sobre as práticas de cuidado integral para a construção do Comum. O texto apresenta um recorte bibliográfico e teórico sobre o Comum, discute o que são os Laboratórios de Inovação Cidadã e traz uma perspectiva teórica sobre corpo e cuidado. A metodologia utilizada foi uma cartografia, construída a partir de experiências, vivências, relatos, memórias, conversas e narrativas. O material foi organizado em eixos do que seria um “dispositivo-sonho” para o cuidado: feminino, gestão, práticas, território e emergência. Como resultado, a pesquisa encontra o cuidado corporificado como uma prática coletiva de escuta, troca, redes, gesto menor e presença.
Palavras-chave:
Comum; Corpo; Cuidado; Práticas de Cuidado; Laboratórios Cidadãos
Abstract
This study describes an excerpt from a research carried out from a cartographic experience at the Procomum Laboratory in Santos and seeks to structure a reflection on comprehensive care practices to construct the Common. It offers a bibliographic and theoretical excerpt about the Common, characterizes Citizen Innovation Laboratories, and brings a theoretical perspective on Body and Care. A cartography built from experiences, reports, memories, conversations, and narratives was used as its methodology. The material was organized into axes of what would be a “dream device” for care: the feminine, management, practices, territory, and emergency. As its result, this research finds care as embodied as a collective practice of listening, exchange, networks, minor gestures, and presence.
Keywords:
Common; Body; Care; Care Practices; Citizen Labs
Introdução
Este artigo apresenta relato de pesquisa realizada a partir de uma metodologia qualitativa, baseada na experiência cartográfica em um laboratório de inovação cidadã, o Lab Procomum, na Baixada Santista. A pesquisa se deu no contexto do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências da Saúde da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e teve como resultado a publicação da dissertação intitulada “O cuidado na construção do Comum”, defendida em agosto de 2021 (Guarita, 2021GUARITA, M. R. O cuidado na construção do Comum. 2021. Dissertação (Mestrado Interdisciplinar em Ciências da Saúde) - Instituto Saúde e Sociedade, Universidade Federal de São Paulo, Santos, 2021. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.unifesp.br/server/api/core/bitstreams/e640f2ae-1714-4be1-ad4c-1314365f1ceb/content . Acesso em: 6 jun. 2024.
https://repositorio.unifesp.br/server/ap... ). Observamos durante dois anos (2018-2020) como o cuidado pavimenta as práticas do Comum, à medida que o materializam e o corporificam. Assim, por meio de uma conceituação convergente dentro da bibliografia produzida sobre as temáticas estruturantes (Comum, Laboratório de Inovação Cidadã, Corpo e Cuidado) e da cartografia de experiências, vivências, entrevistas, relatos e narrativas ocorridas no Lab Procomum11O Laboratório Procomum é um laboratório de inovação cidadã e um centro cultural de 1200m2, localizado na Baixada Santista, onde são desenvolvidos projetos e atividades dentro dos seguintes eixos temáticos: arte e cultura, novas economias, direito cívico e mitigação da crise climática., sistematizamos uma metodologia de cuidados para que espaços coletivos que se propiciam a praticar o Comum possam operar “a partir de” e “para” o cuidado.
A essa sistematização nomeamos “dispositivo-sonho”, expressão que sintetiza a ideia de um aparato ideal, inacabado e infinito. Ideal, por sugerir que as práticas de cuidado atravessam toda a concepção de outro modelo político socioeconômico; inacabado, por pressupor ser algo vivo e em movimento, que preencha os “entres” (que aqui vislumbramos como aquilo que entremeia), encontrando-se, assim, no intervalo do que já existe e do que pode ser vislumbrado infinitamente.
A cartografia aqui apresentada considera que sujeito e objeto estão juntos na mesma experiência. O conhecimento é tido como criação e a pesquisa é compreendida sempre como intervenção (Romagnoli, 2009ROMAGNOLI, R. C. A cartografia e a relação pesquisa e vida. Psicologia & Sociedade, Porto Alegre, v. 21, n. 2, p. 166-173, 2009. DOI: 10.1590/S0102-71822009000200003
https://doi.org/10.1590/S0102-7182200900... ), o que a diferencia dos métodos tradicionais, que defendem a neutralidade na pesquisa e a separação e distanciamento entre pesquisador e objeto. A cartografia, como modo de representar encontros e complexidades, pode ser interessante justamente para criar um registro desses corpos que se propõe a pesquisar de maneira encarnada. A micropolítica atencional cartográfica parte da experiência prática da vivência em um Laboratório Cidadão, pois a atenção “é como um músculo que se exercita”, “se configura, encorpa e adquire tônus com a prática regular”. Kastrup (2019KASTRUP, V. A atenção cartográfica e o gosto pelos problemas. Revista Polis e Psique, Porto Alegre, v. 9, n. especial, p. 99-106, 2019. DOI: 10.22456/2238-152X.97450.
https://doi.org/10.22456/2238-152X.97450... ) propõe um fazer junto “por contágio” enquanto prática cartográfica. E, para isso, é necessário habitar o território de pesquisa enquanto processo de aprendizagem. Desde esse ponto de vista, este artigo entrelaça uma série de experiências para contextualizar o cuidado na perspectiva do Comum. É a partir desse método que se entrelaçam conceitos, experiências e sonhos, para criar uma proposta de inovação e cuidado.
Sobre o Comum
O Comum, conceito que permeia a pesquisa, pode ser compreendido ao se perceber o que existe “entre” os membros de uma comunidade, os recursos utilizados por ela e os protocolos de governança desses recursos. Ao mesmo tempo, o Comum surge como alternativa possível para aquilo que se encontra “entre” o fim do mundo que conhecíamos e o (re)começo de um novo mundo.
Assumindo a condição do “entre” no que se refere ao Comum, fomos, aos poucos, entendendo por que o cuidado seria premissa condicionante para qualquer construção de um laboratório de inovação cidadã, ou Laboratório do Comum, visto que o direito de nos cuidarmos e de recebermos cuidado nos espaços organizados é também um passo importante para a expansão do conceito e de práticas mais abrangentes do Comum. Os Laboratórios de Inovação Cidadã (ou Labs, como são chamados) se constituem a partir da crença de que muitas das soluções dos problemas do cotidiano podem ser criadas a partir da organização da sociedade civil. Para isso, agregam-se em seus espaços (físicos ou não) diferentes pessoas, com diferentes saberes, para que aprendam a viver juntas, de forma aberta, sustentável, democrática e autogestionária, produzindo e compartilhando as mais variadas tecnologias.
Muitas das ideias defendidas por Parra (2018PARRA, H. Políticas do comum: alianças entre o sensível e o intangível. Pimentalab, [s. l.], 16 de julho de 2018. Disponível em: Disponível em: https://pimentalab.milharal.org/2018/07/16/politicas-do-comum-aliancas-entre-o-sensivel-e-o-intangivel/ . Acesso em: 6 jun. 2024.
https://pimentalab.milharal.org/2018/07/... ), bem como os elementos por ele sintetizados, foram as mesmas que, em 2016, contribuíram para a formulação do Laboratório Procomum, que se propunha a reconhecer, fortalecer e proteger os bens comuns, criar novos arranjos comunitários e evitar que ocorressem processos de cerceamento, tanto pela ação privada como pela estatal.
Também nos parece relevante, para o recorte deste artigo, trazer Elinor Ostrom (1990OSTROM, E. Governing the Commons: the evolution of institutions for collective action. Cambridge: Cambridge University Press, 1990.), economista norte-americana que, para rebater as ideias de cerceamento em A Tragédia dos Comuns (1968HARDIN, G. The Tragedy of the Commons. Science, Chicago, v. 162, n. 3859, p. 1243-1248, 1968. ), de Garret Hardin - ecologista também norte-americano -, sistematizou iniciativas bem-sucedidas do Comum, concluindo que um de seus principais elementos é a autogestão dos recursos pela comunidade que deles usufrui.
Vale aqui ressaltar que um dos maiores aprendizados das vivências do Lab Procomum é que a autogestão defendida por Ostrom (1990OSTROM, E. Governing the Commons: the evolution of institutions for collective action. Cambridge: Cambridge University Press, 1990.) se mostra como um ponto de chegada e não de partida. Ao compreender que se trata de um percurso, e não de um comando impositivo, entende-se a razão de as práticas de cuidado que evocamos serem movimentos permanentes.
David Bollier (2016BOLLIER, D. Pensar desde los comunes. Tradução: Guerrilla Translation. Chiapas: Sursiendo, 2016. Disponivel em Disponivel em https://sursiendo.com/docs/Pensar_desde_los_comunes_web.pdf . Acesso em: 6 jun. 2024.
https://sursiendo.com/docs/Pensar_desde_... ), ativista e escritor norte-americano, assim como Ostrom (1990OSTROM, E. Governing the Commons: the evolution of institutions for collective action. Cambridge: Cambridge University Press, 1990.), desenvolveu ferramentas didáticas para que se compreenda o Comum por intermédio de uma simples equação com caráter teórico e prático dos atores que o constituem: recursos, comunidades e protocolos. Devemos dizer que o caráter prático que esses autores pontuam muito dialoga com a concepção deste trabalho, perpassando as formas e lugares que ele habitará. Isso porque nos conectamos muito mais com o fazer, com a ação, com o experimentar (e com o errar) do que propriamente com as formulações e conceituações mais teóricas que essa construção também demanda.
Said Vieira, pesquisador brasileiro, aborda em sua tese de doutorado os bens comuns intelectuais e formula o conceito de que os bens comuns são “coisas compartilhadas por uma comunidade” e uma “prática social”:
[...] comum não é apenas um conjunto de recursos, de coisas; é também um produto social, uma prática. Dito de outra forma, não é só a coisa compartilhada, mas também o seu compartilhamento por uma comunidade; ou, nas palavras de Massimo De Angelis, ‘there is no commons without commoning’: um Comum é simultaneamente um “substantivo” (o conjunto de bens compartilhados) e um “verbo” (a ação de compartilhar; o commoning, o “fazer comum”). (Vieira, 2013VIEIRA, M. S. Os bens comuns intelectuais e a mercantilização. 2013. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013., p. 77)
Ao ser verbo e substantivo, fica evidente que qualquer aprofundamento nas diversas lentes do Comum demanda um caráter prático, vivo e orgânico, integrado às premissas e formulações: “[…] o Comum é, ao mesmo tempo, uma forma de gestão de um determinado bem, mas também seu processo social e político de governança” (Silveira; Savazoni, 2018SILVEIRA, S. A.; SAVAZONI, R. T. O conceito do comum: apontamentos introdutórios. Liinc em Revista, Rio de Janeiro, v. 14, n. 1, p. 5-18, 2018. DOI: 10.18617/liinc.v14i1.4150
https://doi.org/10.18617/liinc.v14i1.415... , p. 12). Assim, entendendo o Comum como esse produto social e político de governança que depende de uma comunidade, ao analisá-lo e praticá-lo, entendemos também como dele são indissociáveis as práticas de cuidado que intermedeiam as relações entre as pessoas e os bens comuns (materiais e imateriais).
Michael Hardt, filósofo norte-americano, e Antonio Negri, filósofo e militante italiano, trazem uma perspectiva mais contemporânea da ação política e social que o Comum propõe e de como podem ser introduzidos conceitos, até então não acessados, de disputas políticas (Hardt; Negri, 2005HARDT, M.; NEGRI, A. Multidão: guerra e democracia na era do Império. Tradução: Clóvis Marques. Rio de Janeiro: Record, 2005.). Essa perspectiva dialoga com as evidências observadas no Lab Procomum de que o cuidado, o afeto e o amor podem e devem ser um viés das disputas e resoluções.
Vozes, espaços e métodos
Ao sistematizar uma metodologia para um dispositivo de cuidados, autogestionado, escalável e sustentável, conseguimos não apenas disputar e fazer “reemergir” outros modelos de cuidado em ambientes coletivos, mas também refletir sobre a interdependência entre o Comum e o cuidado; não haverá Comum possível sem cuidado.
Durante todo o processo cartográfico, foram misturados os conteúdos teóricos e práticos da nossa percepção (e transformação) como pesquisadoras, gestora e parceira do Lab Procomum, o espaço onde as experiências aqui narradas ocorrem.
Neste artigo apresentamos dois momentos da pesquisa: o primeiro deles traz uma revisão bibliográfica apoiada na investigação das possíveis conexões entre os conceitos estruturantes da pesquisa - Comum, Laboratório de Inovação Cidadã, Saúde e Cuidados -; o outro traz um relato de vivências corporificadas de experiências no Lab Procomum desde 2017. Em ambos os momentos, a ideia é trazer o Comum como elemento onipresente que seja uma convergência entre o ponto de onde se partiu (passado) e o ponto para onde se caminha (futuro).
Se o Comum e o Cuidado partem das comunidades que os constituem, era preciso que alguns “comuneros” pudessem falar de suas experiências, de suas práticas e de suas visões teóricas do viver, fazer e pesquisar o Comum. Assim, entrevistamos, por e-mail, integrantes da comunidade do Lab Procomum que se relacionam com o Lab e com o Comum de diferentes formas, como diretores, integrantes da equipe, participantes de projetos atuais e anteriores, mentores e oficineiros, conselheiros, apoiadores e financiadores. A partir dessas outras vozes, pudemos circundar melhor as percepções do que se vive e do que se observa no Lab Procomum. Cartografar os “causos” e histórias do Lab Procomum possibilitou observar as aproximações e convergências e suas correlações com os conceitos teóricos e saberes diversos que permearam toda a pesquisa. Nem todos cabem neste artigo, já que a opção aqui é apresentar a sistematização final da proposta, mas o método cartográfico (Kastrup, 2019KASTRUP, V. A atenção cartográfica e o gosto pelos problemas. Revista Polis e Psique, Porto Alegre, v. 9, n. especial, p. 99-106, 2019. DOI: 10.22456/2238-152X.97450.
https://doi.org/10.22456/2238-152X.97450... ) possibilitou desenhar e ter atenção à rede de forças à qual se encontram conectados o cuidado, o Lab Procomum e o Comum, dando conta de suas variações e modulações de acordo com as experiências narradas, e captando a vivacidade dos conceitos, a profundidade das vivências e o quanto essas intersecções de fato respaldaram o desenvolvimento de uma proposta metodológica que refletisse essa trajetória entrelaçada.
É importante entender que apresentamos aqui um protótipo, uma tentativa de imaginação do que seria uma estruturação de cuidado a partir da experiência em um Laboratório Cidadão. Moraes e Parra (2020MORAES, A.; PARRA, H. Z. M. Laboratórios do Comum: experimentações políticas de uma ciência implicada. Revista do Centro de Pesquisa e Formação do Sesc, São Paulo, n. 10, p. 113-139, 2020., p. 134) definem “prototipar como forma de conhecer” que, ao mesmo tempo que desvenda o mundo, intervém nesse mesmo pedaço de mundo. Também o definem como “ação coletiva provisória, tentativa, inacabada, mas que proponha experimentar no aqui-agora outra forma de ‘habitar’ o território” (Moraes; Parra, 2020MORAES, A.; PARRA, H. Z. M. Laboratórios do Comum: experimentações políticas de uma ciência implicada. Revista do Centro de Pesquisa e Formação do Sesc, São Paulo, n. 10, p. 113-139, 2020., p. 134). O protótipo é constitutivo da prática empenhada nos “laboratórios do comum”, ou seja, práticas de ciência (ou arte) aberta, produzindo conhecimento a partir de pressupostos democráticos para participação e elaboração conjunta de conceitos teórico-práticos que servem como infraestrutura de engajamentos coletivos e absorção de uma realidade.
O laboratório do comum fundamenta-se a partir da noção do Comum. Um conceito que reorienta o pensamento e o exercício de poder, identificando a corrosão das forças democráticas e progressistas, e o avanço de tendências neoliberais, em que a política privatista opera-se por tecnologias securitárias na produção de medo e isolamento contemporâneo, e tecnologias mercadológicas de deterioração das relações trabalhistas, impulsionando a precarização dos vínculos e direitos entre trabalhador e empregador (sendo este uma instituição estatal ou privada) para investir numa lógica de empreender para si e por si só, fortalecendo o que é particular e retroalimentando uma cadeia de indivíduos, e não uma rede comum de partilha dos bens produzidos pelas forças humanas empenhadas na construção do social (Guzzo; Alves, 2021GUZZO, M. S. L.; ALVES, K. R. Dança menor : políticas para criar o corpo e o comum. Arte da Cena, Goiânia, v. 7, n. 1, p. 376-397, 2021. DOI: 10.5216/ac.v7i1.65652
https://doi.org/10.5216/ac.v7i1.65652... ).
Ponto de partida: o Comum e o cuidado
Omwana takulila nju emoi é um provérbio Bantu que, traduzido literalmente, significa: “uma criança não se cria num único lar”. Essa frase foi difundida como “é preciso uma vila para criar uma criança” (it takes a village to raise a child), e nós partimos dessa sabedoria para pensar que o cuidado, desde que nascemos, é uma prática coletiva. Entretanto, o capitalismo patriarcal e o regime de trabalho ao qual somos submetidas fazem crer que o cuidado é algo individual e feminino, e nos fazem esquecer do fato que o cuidado é o que torna nossa vida vivível.
Cuidar e ser cuidado são elementos vitais para sustentação da vida coletiva. É o cuidado que nos diferencia da barbárie, ensinando que dependemos do outro, que o outro depende de nós e que podemos cuidar não só de nós mesmos, mas da terra, da água, das plantas, dos bichos, do ar e de toda rede emaranhada, visível e invisível, que trama a existência terrestre.
Cuidar é sempre relação. No entanto, a noção de cuidado tem sido identificada como algo que se relaciona principalmente aos profissionais de saúde. Enquanto pessoas, comunidades e instituições, nós não aprendemos a cuidar de maneira sistematizada. Faz-se necessária a produção e a organização de conhecimentos, assim como pesquisas, práticas e experimentações para ampliar os caminhos de formação do cuidado, de modo que se desconstrua essa espécie de cisão entre o saber, o fazer e o sentir. Pensar o cuidado, o amor, o toque e os movimentos a partir da prática operada por esta perspectiva do Comum não só amplia o olhar para a vida, mas também se contrapõe às políticas e biopoderes hegemônicos contemporâneos, impostos ao sistema de saúde e à atenção ao corpo e à subjetividade (Guzzo, 2023GUZZO, M. S. L. “Se não posso dançar, não é minha revolução”: autocuidado e hapticalidade como práticas políticas. Quaderns de Psicologia, Barcelona, v. 25, n. 1, e1778, 2023. DOI: 10.5565/rev/qpsicologia.1778
https://doi.org/10.5565/rev/qpsicologia.... ).
Silvia Federici (2014FEDERICI, S. O feminismo e as políticas do comum em uma era de acumulação primitiva. In: MORENO, R. (Org.). Feminismo, economia e política: debates para a construção da igualdade e autonomia das mulheres. São Paulo: Sempreviva Organização Feminista, 2014. p. 145-158. Disponível em: Disponível em: http://www.sof.org.br/wp-content/uploads/2015/08/Economia-e-poli%CC%81tica-web.pdf . Acesso em: 6 jun. 2024.
http://www.sof.org.br/wp-content/uploads... , 2017FEDERICI, S. Calibã e a bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva. São Paulo: Elefante, 2017.), filósofa italiana, contribui com uma visão feminina e feminista que estabelece uma interrelação fundamental entre o Comum e o cuidado. Em O feminismo e as políticas do comum em uma era de acumulação primitiva (2014), Federici aponta que o Comum só existe quando nos conscientizamos da necessidade de um modelo cooperativo de reprodução, em que comunidades partilhem efetivamente os cuidados com o viver, eliminando as fronteiras entre o pessoal e o social, entre o ativismo político e a reprodução da vida cotidiana.
Se o centro da discussão sobre o Comum está na busca por formas de vida mais justas, partilhadas e colaborativas, o cuidado precisa obrigatoriamente vir antes, devendo agir transversalmente sobre qualquer iniciativa; não haverá Comum sem cuidado.
Podemos adicionar a essa composição de noção de cuidado do Comum a reflexão de Almeida e Trevisan (2011ALMEIDA, D. T.; TREVISAN, E. R.. Estratégias de intervenção da Terapia Ocupacional em consonância com as transformações da assistência em saúde mental no Brasil. Interface, Botucatu, v. 15, n. 36, p. 299-307, 2011., p. 301), que argumentam que cuidado consiste em “projetos de vida que aumentam as possibilidades de trocas de recursos e afetos em uma rede de relações articuladas e flexíveis, aumentando a participação real dos sujeitos na sociedade”.
Essas abordagens trazem um viés também político ao cuidado do Comum, visto que, ao mesmo tempo que o inserem numa prática, desenvolvem seu potencial de cuidar tanto na esfera individual quanto coletiva. Segundo Rodrigo Savazoni, fundador e diretor executivo do Lab Procomum,
A ideia de que não há comum sem o processo de produzi-lo merece nossa atenção porque ela reforça que o Comum é um caminho, em constante movimento. (2018SAVAZONI, R. O comum entre nós: da cultura digital à democracia do século XXI. São Paulo: Edições Sesc, 2018., p. 39)
Assim, o cuidado vai se desenhando como um recurso estratégico resultante de um processo contínuo de socialização, uma prática pessoal coletivamente construída através de experiências e de convivências. Pires entende o cuidado
como manejo reconstrutivo da relação dialética entre ajuda e poder para a construção de autonomia dos sujeitos, sejam estes gestores, técnicos, profissionais de saúde, família, comunidade, enfim, cidadãos. (2005PIRES, M. R. G. M. Politicidade do cuidado e processo de trabalho em saúde: conhecer para cuidar melhor, cuidar para confrontar, cuidar para emancipar. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 10, n. 4, p. 1025-1035, 2005., p. 1026)
Pires defende que o cuidado pode se tornar emancipatório para que, assim, as pessoas possam ser capazes de reelaborar a tutela e exigir cidadania. Tanto a autonomia quanto a emancipação são elementares para a discussão da experiência do Comum, e o cuidado pode se tornar elemento-chave em direção à libertação dos mecanismos de controle e dependência da política atual, pois busca romper com a máxima neoliberal de que seria possível uma solução individual, terceirizada, para um problema coletivo como a falta de saúde e de práticas de cuidado acessíveis. É necessária, portanto, a construção de alternativas possíveis, considerando a coletivização dos arranjos de cuidado, em que todos em uma comunidade podem se tornar agentes ativos de cuidado, o que torna essa comunidade apta a cuidar e a ser cuidada, possibilitando uma menor dependência dos processos de saúde e cuidado formais. Trata-se de uma nova ordem que coloca o cuidado como centro das relações, consigo, com os outros e com o meio.
O conceito de cuidado, além de amplo, varia bastante entre as regiões do mundo e no modo como tal conceito pode influenciar as políticas públicas. Na América Latina há diferenças como os avanços pelos direitos de remuneração ao trabalho “invisível” reprodutivo de cuidados (Argentina), a garantia de serviços que auxiliam nos cuidados de idosos e crianças (Uruguai), ou as Manzanas de Cuidado de Bogotá que pretendem garantir o cuidado de quem cuida. Todas essas ações falam sobre cuidado. Entretanto, o cuidado que evocamos nesta pesquisa, para a construção do Comum, é o que o colombiano Bernardo Toro (2009) chama de “paradigma ético para nova civilização” para que os bens comuns sejam preservados. Para Toro, é o paradigma do cuidado que pode sustentar uma mudança da mentalidade do acúmulo, poder e êxito para transações que operam a partir do “ganha/ganha”, nas quais absolutamente tudo converge em prol da vida humana e planetária, ou do que podemos chamar de “Devir Comum”.
Esse “Devir Comum” pode, muitas vezes, soar distante ou não palpável, mas se aproxima da simplicidade de cuidar uns dos outros, vivendo e produzindo a vida coletivamente. O conceito do Comum, embora inovador, é bastante antigo e remete às terras comunais existentes na Idade Média europeia, onde as comunidades produziam coletivamente para usufruto próprio. Atualmente é possível identificá-lo em práticas comunitárias cotidianas como ocupações urbanas e rurais, nas cozinhas coletivas, nas hortas urbanas, nas ocupações de praças e parques. No artigo “Mulheres negras e o comum: memória, redes sociais e táticas cotidianas”, Bianca Santana aborda as soluções coletivas que mulheres negras inventam para a manutenção de suas vidas e comunidades, com táticas que fazem parte das memórias dessas mulheres, que são compartilhadas oralmente e pelas redes, que estão presentes “nos quilombos, nas ações cotidianas de sabotagem e recusa, no candomblé, no samba, essas mulheres forjam soluções culturais para os problemas econômicos” (Santana; Almeida, 2017SANTANA, B.; ALMEIDA, M. A. Mulheres negras e o comum: memória, redes sociais e táticas cotidianas. Revista Brasileira de Biblioteconomia e Documentação, São Paulo, v. 13, n. esp., p. 57-61, 2017. Disponível em: Disponível em: https://rbbd.febab.org.br/rbbd/article/view/755 . Acesso em: 6 jun. 2024.
https://rbbd.febab.org.br/rbbd/article/v... , p. 58), e que são consideradas práticas do Comum. Trata-se de uma proposta que geralmente desafia estruturas fundamentais de consciência, do comportamento humano, da organização social econômica e política e que se manifesta de muitas formas diferentes.
É importante salientar que a luta e a produção do Comum está alinhada a outras lutas que rejeitam o progresso e o etnocentrismo a ele associado, como o bem viver, o decrescimento, a luta dos povos indígenas por território e afirmação cultural, a permacultura, os direitos animais e dos não-humanos, entre outras que apontam para a existência de outras economias e práticas de valor fora do capital. (Tonucci, 2017)
De uma perspectiva mais ao sul, remete à forma como os povos ameríndios e originários sempre lidaram com a natureza como um bem coletivo, a ser gerido e cuidado por todas e todos. É, portanto, um conceito também ancestral; é de onde viemos e precede as práticas neoliberais de (des)cuidado que nos foram impostas.
Federici (2022)FEDERICI, S. Reencantando o mundo: feminismo e a política dos comuns. São Paulo: Elefante , 2022. aponta que não há comuns sem comunidade e que não há comunidade sem mulheres. As mulheres são as guardiãs da terra e da riqueza comunitária. E, nesse sentido, produzem também a capacidade de encantamento frente à vida, a partir do cuidado. Para a autora, o “encantamento” se refere ao futuro e é parte principal dos comuns, além de estar sempre presente neles. E é a partir deles, nos propósitos de luta para a transformação, que também é possível reencantar o mundo.
Trazemos, assim, para este artigo, uma perspectiva contracolonial de cuidado, que tange ao reencantamento e à mudança de paradigma para que o cuidado também possa ser entendido como um bem comum a ser compartilhado por uma comunidade.
Eixos do dispositivo-sonho: portas de entrada e de saída onde se escuta e se testa
Ao aprofundar-nos nos conceitos (acadêmicos e não acadêmicos), na observação das dinâmicas das diferentes comunidades que experimentam o Comum e nas relações de governabilidade que constituem o espaço, compreendemos que o Laboratório Procomum era, antes de tudo e em toda sua integralidade, um espaço de cuidado.
Por isso, conforme seu adensamento, a pesquisa deixa de ser “o cuidado sob a perspectiva do Comum”, na qual o cuidado seria observado em um único projeto específico, para tornar-se “o cuidado na construção do Comum”, visto que se mostrou transversal a projetos diversos, pessoas e processos dentro desse espaço onde a ação coletiva é um verdadeiro laboratório de soluções para outras possibilidades de vida.
Cartografar os “causos” e histórias do Lab Procomum possibilitou observar as aproximações e convergências e suas correlações com os conceitos teóricos e saberes diversos, indicando eixos estruturantes do dispositivo-sonho que funcionam como portas de entrada e saída do cuidado. À medida que pautam as práticas de cuidado dentro de ambientes coletivos que experimentam o Comum, eles dão vazão aos encaminhamentos de cuidado e servem como indicadores para execução, avaliação, testes e ajustes.
Os eixos da pesquisa não se propõem a avaliar o tempo e o espaço dos acontecimentos nem traçam uma linha cronológica da cartografia. Entretanto, é possível perceber valores e padrões permanentes, que subsidiam as forças propositivas para a estruturação do dispositivo-sonho. Assim, a partir das vivências relatadas, foram delineados cinco eixos:
Feminino: mulheres, no plural; um jeito de se fazer as coisas; necessidades percebidas e soluções propostas para todas as formas de existir-se mulher;
Território: espaço e pessoas; onde, quem e o quê; de onde se escuta e para quem se faz; parceiros e aliados;
Gestão: de dentro para dentro; fluxos internos; processos, protocolos e indicadores que garantam um funcionamento, neste caso, a partir do cuidado;
Práticas: de dentro para fora; métodos e metodologias que apontam para um certo jeito de se fazer, neste caso, a partir do cuidado;
Emergência: quando o tempo urge; quando planos e prioridades são capturados; quando o cuidado é vital, mas pode ser facilmente omitido.
Tais eixos funcionam como vetores vivos que garantem uma interconexão entre o cuidado e o Comum para estabelecer uma prática corpórea, tangendo a dimensão do cotidiano, da não dissociação entre micro e macro, com deslocamentos significativos através de forças recorrentes nos eixos observados.
O eixo Feminino refere-se às táticas coletivas - e por vezes invisíveis - de cuidado, desenvolvidas ao longo da história pelas mulheres, aquilo que Silvia Federici (2017FEDERICI, S. Calibã e a bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva. São Paulo: Elefante, 2017.) considerou trabalho invisível, que vem antes da produção; é um trabalho invisibilizado, mas que está no centro da reprodução da vida e sem o qual ela não seria possível.
Trazer a dimensão da potência feminina e da ancestralidade para estruturar outras formas de organização e de execução das demandas em geral (não apenas do cuidado) perpassa pelo eixo Feminino.
“Mulheres e o Comum” foi um percurso de quatro encontros, liderado por Bianca Santana e Lia Rangel (respectivamente, conselheira e fundadora do Instituto Procomum) ao longo de 2017 dentro do Lab Procomum, em que exploramos, em rodas de mulheres, como seria um mundo e uma organização construídos a partir do feminino e do feminismo. Nessa experiência, vivenciamos uma proposta diferente de estruturar, realizar e celebrar passagens essenciais e perenes da constituição tanto de indivíduos e de coletivos quanto dos mais variados fluxos e processos.
O eixo Gestão se refere às camadas do cotidiano para dentro do espaço e/ou da instituição, impactando especialmente na(s) equipe(s), projetos e processos internos. Observamos como as práticas e políticas de cuidado, que aos poucos foram (e continuam) sendo tecidas no Lab Procomum, partem das experiências internas, do dia a dia da equipe do Lab, atentando-se ao “como” se faz, capturando desafios expostos, pactuações, repactuações e novas tentativas em direção à assertividade cuidadosa junto à equipe, comunidade, parceiros e financiadores, ao longo de seus cinco anos de existência.
Práticas é o eixo que se relaciona às principais atividades desenvolvidas no espaço coletivo do qual se pretende cuidar. No caso do Lab Procomum, essas atividades são, em sua maioria, passagens da colaboradora - a escola aberta, livre e gratuita - e dos Grupos de Trabalho e Estudo, com encontros formativos e de desenvolvimento de protótipos nos quais o cuidado se tornou começo, meio e fim experimental para os participantes. De nada adiantaria fomentar uma estrutura propositiva a partir do cuidado se as atividades finais não reverberassem sua intenção.
O eixo Territórios se refere à costura ampla e ininterrupta que deve ser feita entre o que o território e os parceiros demandam e oferecem, perpassando por pessoas, lideranças, recursos, equipamentos públicos, instituições, legislações e políticas públicas. Jamais no sentido de limitar a ação, mas, sim, de alinhar-se à potência translocal e mitigar as possíveis adversidades e frustrações a partir da compreensão dos limites da instituição, ao mesmo tempo que se entende a necessidade de ir além, em termos de cuidado, se queremos de fato vivenciar o Comum no dia a dia. Além disso, é fundamental constatar como as parcerias institucionais e territoriais são vitais para o passo adiante.
E, por fim, Emergência trata de situações extremas, nas quais o cuidado tende a ser desconsiderado em função da demanda por agilidade e prontidão, com ações estruturadas a partir de metodologias improvisadas, urgentes e elementares, demonstrando como o cuidado, em situações emergenciais, pode ser o principal bem comum de uma comunidade e o demonstrativo de como ela precisa agir.
Proposições: as forças do dispositivo-sonho
A partir dos eixos que emergiram da cartografia das experiências do Lab Procomum - feminino, território, gestão, práticas e emergência -, diagnosticam-se cinco principais forças que transpassam todas as experiências. Por isso, a esses eixos denominaremos “proposições”, e as apresentaremos na sequência.
Essas proposições consolidam-se pela observação das experiências junto às formulações, especialmente a partir de diferentes obras dos seguintes pesquisadores: Bianca Santana, Lia Rangel, Mario Rodrigues, Erin Manning, Alana Moraes, Luciane Ramos, Marina Guzzo, Conrado Federici, Flavia Liberman, Omoloji Àgbára, Gayatri Spivak e Guacira Oliveira. A ideia de apresentar as forças através de proposições foi inspirada no livro Thought in the Act. Passages in the Ecology of Experience (2014MANNING, E.; MASSUMI, B. Thought in the act: passages in the ecology of experience. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2014.), que Erin Manning escreveu em parceria com Brian Massumi.
Proposição 1: Escuta - de si e do outro
Comunicação não violenta, Democracia Radical, Ontologia da Linguagem, Rodas, Escuta Ativa e ou Reflexiva, Produção de Narrativas, entre outras. Muitas são as metodologias de aperfeiçoamento da comunicação e da escuta disponíveis nos dias de hoje. Como consequência, fica cada vez mais evidente que é possível instrumentalizar-se para qualificar a escuta e que o Comum se organiza a partir do fundamento da diferença e da possível tensão dessa construção entre os diferentes. A vivência dos conflitos como via de transformação e mudança demanda buscar as resistências e afastar a falsa ou superficial harmonia. É pela capacidade de acolhimento e diálogo que se extrai a potência inovadora dos conflitos. É fundamental entender que acolher não é pacificar, contemporizar e homogeneizar, mas permitir a existência de todas as partes, inclusive as mais sombrias, que negamos ou que gostaríamos que não existissem. É assumir radicalmente a pluralidade, a diferença e todas as suas consequências, inclusive a consequência de construirmos um Comum. E a predisposição em acolher e escutar o outro é também um movimento para autoescuta e autoacolhimento. Tal proposição não impede a ocorrência de resistências e embates, mas garante que possam ser superados pela convivência amorosa, emergindo com maior impulso a dimensão de alteridade, de respeito, tão vital para construção de ambientes coletivos. Investir na escuta e no acolhimento é um investimento no mais humano do ser.
Proposição e prática: a escuta para o cuidado é ativada quando permite que mulheres tão diversas compartilhem dores e aprendizados nas rodas de “Mulheres e o Comum”; quando cremos que, dentro da gestão, aprender a comunicar-se bem é um movimento de cuidado em direção a si e ao outro; quando concebemos nossas práticas sob a premissa da escuta de saberes diversos; quando vislumbramos a escuta também como cura para um território; quando abrimos espaço para acolhimento e diálogo ainda que pareça não haver tempo dentro da urgência.
Proposição 2: Redes e comunidades - não há cura que não seja coletiva
O encontro com o coletivo, a constituição de comunidades e a formação de redes apresentam-se como possibilidade de cura ao produzir implicações, interdependências e deslocamentos, que têm a ver com o pertencer a algo, ter responsabilidades com um grupo. Ao coletivizar radicalmente, rompe-se com o caráter meramente representativo para também existir a partir dos encontros, da produção colaborativa de saberes. Assim, a dinâmica de interação que o Comum implica para se realizar desperta, ensina e encarna uma outra forma de viver, com subjetividades articuladas ao coletivo que possibilitam desvencilhar-se de camadas estruturais individualistas e caminhar em direção àquilo que não é de ninguém porque é de todo mundo. Garantir o cuidado em espaços coletivos significa coletivizar os cuidados em todas as instâncias; investir e fortalecer as mais variadas comunidades para que, ao final, além de todos os seus fazeres, também sejam tecidas redes de cuidado.
Proposição e prática: as redes e comunidades de cuidado são forjadas quando as mulheres participantes das oficinas do “Mulheres e o Comum” se percebem tão diferentes entre si e, ainda assim, se conectam para cuidar-se; quando prezamos pelas singularidades para a gestão do coletivo; quando reafirmamos em nossas práticas o fomento e fortalecimento de redes de apoio; quando dependemos da colaboração em rede para criar soluções para uma vida em comum e para sermos fortes o suficiente para enfrentarmos uma pandemia.
Proposição 3: Troca - recuperando a inteligência coletiva
Dar, receber e retribuir. As relações, os encontros e o fazer como caminhos de via dupla, nos quais o cuidado instaura-se a partir da lógica da reciprocidade. Uma disponibilidade permanente em fazer parte de uma engrenagem que depende da complementaridade de saberes e da colaboração, e que não perpetua papéis; pelo contrário, convida para que todos possam ser aprendizes, professores, avaliadores, narradores etc. Não apenas se produz coletivamente, mas todos são instigados a participar da produção, colocando um pouco de si no todo e tirando um pouco do todo para si. É a partir das relações interdisciplinares de trocas que são construídos espaços qualificados de escuta e de experimentação, com disponibilidade de tempo e recursos, abertos ao erro e ao equívoco, inerentes aos processos coletivos. Assim, podemos sonhar com a construção de um ecossistema saudável, cuidadoso, que reproduza um sistema apropriado ao território, impulsionando e fortalecendo a lógica da colaboração.
Proposição e prática: as trocas permeiam o cuidado ao promover encontros entre os diferentes como acontecia quando as participantes do “Mulheres e o Comum” eram convidadas a trazer seus saberes para roda; ao prezar pelo deslocamento de protagonismos para gerir e compor o Comum; ao reforçamos o convite à autonomia e emancipação dentro de nossas práticas; ao estabelecer as trocas com o território e com a comunidade como fundamentais para tecer os processos de cuidado em situações emergenciais ou não.
Proposição 4: Gesto menor - fissuras ininterruptas
Desenvolver e investir nas micropolíticas e gestos menores como estratégias de ativismo e resistência para o cuidado, entendendo que esses conceitos não se resumem a um gesto pequeno. Tal caracterização não é necessariamente marginal ou vinculada às minorias; essas estratégias podem passar despercebidas ou ser confundidas com sutilezas, mas sua possibilidade reside nas microfissuras ininterruptas. Justamente por serem menores, esses gestos ainda não estão totalmente constituídos, abrem-se para novas possibilidades e ativações, geralmente com menor resistência, já que os processos costumam ser mais relevantes do que a relação de causa e efeito de cada gesto. Pequenas coreografias cotidianas que mudam posições de corpos, tempos e espaços (Guzzo; Alves, 2021GUZZO, M. S. L.; ALVES, K. R. Dança menor : políticas para criar o corpo e o comum. Arte da Cena, Goiânia, v. 7, n. 1, p. 376-397, 2021. DOI: 10.5216/ac.v7i1.65652
https://doi.org/10.5216/ac.v7i1.65652... ).
Proposição e prática: um lab de inovação cidadã é feito de gestos menores para o cuidado. É estar em roda, cozinhar e limpar juntos, compartilhar comida, criar fissuras nos enfrentamentos de gestão, ir a lugares distantes para que pessoas distantes possam também experimentar o “comunhar”, dançar e performar para o território e com o território; é perguntar, antes de começar uma reunião “como você está hoje?” ou “posso fazer algo por você?”.
Proposição 5: Presença - do ordinário ao extraordinário
“Entende-se por presença a capacidade movida pelo desejo de se estar simultaneamente no mesmo tempo e espaço em que se está. No presente, com atenção e vontade” (Federici; Guzzo, 2020FEDERICI, C.; GUZZO, M. Como reinventar o estar presente, em quarentena. Outras Palavras, [s. l.], 5 de junho de 2020. Disponível em: Disponível em: https://outraspalavras.net/descolonizacoes/como-reinventar-o-estar-presente-em-quarentena/ . Acesso em: 30 nov. 2022.
https://outraspalavras.net/descolonizaco... ). As proposições acima citadas podem ser consideradas como ativadoras de ser e estar presente na medida em que demandam um estado de presença. Todas podem ser ativadas em diferentes estados; entretanto, evocar a presença qualificada como um fenômeno linear, intermitente e contínuo em um contexto coletivo, com tantas distrações, talvez seja o maior ato de cuidado consigo e com o outro. E como vimos ao longo desta cartografia, estar presente não necessariamente significa ter controle dos desdobramentos da presença; é sob o efeito daquilo que não se pode medir - a presença - que se produzem as subjetividades para instituir o Comum.
Proposição e prática: a presença qualificada possibilita escutar para além de ouvir; entender as trocas como dar, receber e retribuir; perceber o feminino também como um fazer-existir; vislumbrar redes e comunidades como redes e comunidades de cuidado; tornar coisas ordinárias extraordinárias em um processo contínuo, construído diariamente.
O Comum como cuidado e o cuidado como um Comum
Este artigo é um relato de investigação que apresenta as diferentes camadas que permeiam a relação entre o Comum e a ética de cuidados, entendendo o cuidado e o autocuidado como possíveis dispositivos para saúde integral do ser. Está alicerçada pelo embasamento e acompanhamento teórico e acadêmico que uma universidade oferece, e foi aplicada em uma iniciativa já existente, o Lab Procomum.
Sabemos que a saúde muitas vezes é tratada de forma fragmentada, ignorando a integralidade do ser, em que o cuidado e o autocuidado não são recíprocos e se tornaram mercadorias vendidas para quem possa pagar o preço e esteja disposto a consumir o que vendam as grandes empresas do ramo farmacêutico e médico-hospitalar, sejam terapias convencionais ou alternativas.
O fato de o conceito de saúde ser impreciso, dinâmico e abrangente não impede que seja possível tomá-lo como eixo para a reorientação das práticas de saúde. Pelo contrário: sua importância é fundamental para a superação de um modelo de atenção biologicista, medicalizante e prescritivo. (Fonseca; Corbo, 2007FONSECA, A. F.; CORBO, A. D. (Org.). O território e o processo saúde-doença . Rio de Janeiro: EPSJV; Fiocruz , 2007., p. 11)
No manifesto “Juntxs pelo Comum”, publicado pelo Instituto Procomum (Instituto Procomum, 2018INSTITUTO PROCOMUM. Juntxs pelo Comum: por que e como organizações brasileiras e de todo o mundo podem atuar juntas na defesa do comum - um manifesto propositivo do Instituto Procomum. Santos: Instituto Procomum, 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.procomum.org/wp-content/uploads/2018/09/JUNTXS_PELO_COMUM_WEB_SIMPLES.pdf . Acesso em: 6 jun. 2024.
https://www.procomum.org/wp-content/uplo... ), existe um importante apontamento sobre saúde:
As subjetividades estão sufocadas e subjugadas à cultura excludente, o que afeta negativamente nosso modo de vida - individual e social. Num ambiente marcado pela competição, super exploração e opressão, é difícil manter vivas as subjetividades. O adoecimento social reforça o adoecimento individual - segundo a Organização Mundial de Saúde, os índices de suicídio cresceram 60% nos últimos 40 anos, e esta é a segunda causa de morte entre crianças e jovens entre 10 e 24 anos. De um lado, vivem-se os efeitos da hipercompetição, subsalário, aumento de jornada e exclusão social promovidos pelo ethos neoliberal. Por outro, há um claro processo de aceleração, reorganização da sociabilidade e isolamento psíquico fruto da mediatização comunicacional das relações sociais e interpessoais. Franco Berardi chama atenção para o efeito de fragilização psíquica que tem a estimulação e frustração contínua provocada pelas redes sociais. O adoecimento efetivo é explorado pela indústria farmacêutica: só no Brasil o uso de anti-depressivos cresceu 74% e o de ansiolíticos 110% entre 2010 e 2016, segundo a OMS. (Instituto Procomum, 2018INSTITUTO PROCOMUM. Juntxs pelo Comum: por que e como organizações brasileiras e de todo o mundo podem atuar juntas na defesa do comum - um manifesto propositivo do Instituto Procomum. Santos: Instituto Procomum, 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.procomum.org/wp-content/uploads/2018/09/JUNTXS_PELO_COMUM_WEB_SIMPLES.pdf . Acesso em: 6 jun. 2024.
https://www.procomum.org/wp-content/uplo... )
Cuidar e ser cuidado torna-se um ato político e existem várias camadas sobre o que significa cuidar e colocar o autocuidado no centro de muitas disputas. Uma coisa é dada: não há uma perspectiva ou maneira definitiva e correta de fazê-lo, é um exercício diário e contínuo para toda vida, uma ferramenta de afeto consigo. “O autocuidado é um ato político, é algo revolucionário para nós e perigoso para aqueles que querem nos oprimir […]” (Oliveira; Dordevic, 2015OLIVEIRA, G.; DORDEVIC, J. Cuidado entre ativistas: tecendo redes para a resistência feminista. Brasília, DF: CFEMEA, 2015., p. 35).
O direito de nos cuidarmos e de recebermos cuidado nos espaços organizados é também um passo importante para expansão do conceito e de práticas mais abrangentes sobre saúde. Ao investigar a experimentação dos cuidados a partir da perspectiva do Comum, dentro de um laboratório de inovação cidadã, serão levados em conta saberes modernos e tradicionais, reconhecidos pela indústria farmacêutica ou não, profissionais ou não, doentes diagnosticados ou não, já que as práticas de cuidado se diferenciam de tratamentos prescritos para doenças fragmentadas. Dentro de um laboratório de inovação cidadã, o cuidado e a cura podem vir através da dança ou de quaisquer outras manifestações artísticas, de plantas medicinais cultivadas no jardim, do fazer político comunitário.
Diferentemente da relação médico-paciente, nas relações de cuidado o afeto é imperativo; busca-se o reconhecimento mútuo das relações, além da maior consistência dos laços, reafirmando o desejo comum de viver bem e do bem viver. Todos os membros de uma comunidade podem se tornar agentes ativos de cuidado.
Ao sistematizar práticas de cuidados autogestionadas, escalonáveis e sustentáveis, nas quais indivíduos são observados e tratados a partir do Comum e da saúde integrada, conseguimos disputar novos modelos de saúde com maior protagonismo da sociedade civil e menor dependência do Estado e do mercado.
No mesmo manifesto já citado (Instituto Procomum, 2018INSTITUTO PROCOMUM. Juntxs pelo Comum: por que e como organizações brasileiras e de todo o mundo podem atuar juntas na defesa do comum - um manifesto propositivo do Instituto Procomum. Santos: Instituto Procomum, 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.procomum.org/wp-content/uploads/2018/09/JUNTXS_PELO_COMUM_WEB_SIMPLES.pdf . Acesso em: 6 jun. 2024.
https://www.procomum.org/wp-content/uplo... ), reforça-se que “o comum representa a aposta numa dimensão coletiva sem depender de uma instituição forte e vertical de mediação para gestão e uso de todos os bens”.
James B. Quilligan (2013QUILLIGAN, J. B. Toward a Common Theory of Value: Part Five Common Development. Kosmos Journal, [s. l.], 2013. Disponível em: Disponível em: https://www.kosmosjournal.org/article/toward-a-common-theory-of-value-part-five-common-development/ . Acesso em: 6 jun. 2024.
https://www.kosmosjournal.org/article/to... ), em artigo para o jornal Kosmos, afirma que o movimento humanitário e o ativismo pelo comum fortalecem os agentes locais e o desenvolvimento de regras de atuação comunitária, de baixo para cima, como forma de solucionar problemas concretos.
Ou seja, é também na vida em comum que o cuidado e a cura podem se dar. A dinâmica de troca e interação que o Comum implica (e que já acontece há muito tempo), para se realizar, desperta, ensina e aposta em uma outra forma de viver, com subjetividades a serem encaradas coletivamente, o que é muito diferente das disputas de tempo e recursos que o capitalismo impõe. O manifesto “Juntxs pelo Comum” (Instituto Procomum, 2018INSTITUTO PROCOMUM. Juntxs pelo Comum: por que e como organizações brasileiras e de todo o mundo podem atuar juntas na defesa do comum - um manifesto propositivo do Instituto Procomum. Santos: Instituto Procomum, 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.procomum.org/wp-content/uploads/2018/09/JUNTXS_PELO_COMUM_WEB_SIMPLES.pdf . Acesso em: 6 jun. 2024.
https://www.procomum.org/wp-content/uplo... ) enfatiza:
Ao mesmo tempo, o comum depende do reconhecimento do outro, o que diminui a fragilização e o isolamento psíquico. O fato de ser muito limitado o campo que se reconhece como parte do comum não significa que não haja milhares de experiências vivas baseadas nessa lógica. Há um novo mundo sendo inventado todo dia pelos ‘de baixo’. Cozinhar junto, dançar junto, ocupar juntos, etc. (Instituto Procomum, 2018INSTITUTO PROCOMUM. Juntxs pelo Comum: por que e como organizações brasileiras e de todo o mundo podem atuar juntas na defesa do comum - um manifesto propositivo do Instituto Procomum. Santos: Instituto Procomum, 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.procomum.org/wp-content/uploads/2018/09/JUNTXS_PELO_COMUM_WEB_SIMPLES.pdf . Acesso em: 6 jun. 2024.
https://www.procomum.org/wp-content/uplo... , p. 21)
Assim, a partir do entendimento de que não há prática do comum/commoning sem cuidado, a justificativa dessa pesquisa é apresentar como isso acontece dentro de um Lab Inovação Cidadã e quais são as dimensões, práticas e aplicações de cuidado nos ambientes coletivos de ativismo e inovação.
Considerações finais
Ao entrelaçar, nessa cartografia, os conceitos acadêmicos revisados e os dispositivos de diferentes interlocutores do commoning, ou do “fazer o Comum”, foi possível identificar eixos instituintes e suas respectivas forças propulsoras, capazes de propor um dispositivo de cuidados, sendo que toda essa construção se dá “a partir de” e “para” o Comum. Entender e incorporar tal conceito é urgente.
Conclui-se, assim, que o cuidado (de si, do outro e de nós) é a base que organiza as comunidades e os protocolos geridos por essa comunidade. Se não há Comum sem comunidade e protocolos, também não há comunidade sadia e protocolos eficazes sem cuidado. A partir das vivências de dentro do Lab Procomum, levamos tempo para entender e formular uma premissa divisora de águas: ainda que o cuidado seja o ponto de partida que pavimenta essa construção do Comum, não somos uma clínica, mas um laboratório de inovação cidadã.
Todos os acontecimentos observados no Lab Procomum são permeadas de encontros potentes, sutilezas poéticas e motivos para continuar trabalhando para que o mundo, o território da Bacia do Mercado, em Santos-SP, e a nossa comunidade Lab Procomum sejam capazes de produzir soluções para uma nova forma de viver à medida que cuidam e são cuidadas.
As experiências que sustentam esta pesquisa também revelaram erros, enganos, remorsos, angústias, frustrações e fracassos ao longo dessa jornada. Se o Comum é um conceito em aberto, em disputa permanente e que corre o risco de ser capturado justamente por aquilo que combate, vivenciá-lo com seus paradoxos e encruzilhadas é o que nos permite entender como o cuidado dá materialidade às suas práticas.
Assim, o dispositivo-sonho aqui proposto se delineou com a premissa de ser algo vivo e inacabado, e com o entendimento de qual lugar ocupamos, quais são nossas forças propulsoras e como tudo isso se conecta com o Comum.
Dentro do processo do fazer Comum, em que as subjetividades são tão constituintes quanto o domínio instrumental, uma concepção mais limitada de cuidado não nos é suficiente. É necessária uma perspectiva emancipadora, na qual o cuidado apareça como aquilo que torna possível as muitas existências para criar novas normatividades. Cecílio (2009CECÍLIO, L. C. de O. A morte de Ivan Ilitch, de Leon Tolstói: elementos para se pensar as múltiplas dimensões da gestão do cuidado. Interface , Botucatu, v. 13, n. 1, p. 545-555, 2009., p. 545-555) complementa, afirmando que a gestão do cuidado pode ser entendida como
Provimento ou a disponibilização das tecnologias de saúde, de acordo com as necessidades singulares de cada pessoa, em diferentes momentos da vida, visando ao bem-estar, segurança e autonomia para seguir com uma vida produtiva e feliz. (Cecílio, 2009CECÍLIO, L. C. de O. A morte de Ivan Ilitch, de Leon Tolstói: elementos para se pensar as múltiplas dimensões da gestão do cuidado. Interface , Botucatu, v. 13, n. 1, p. 545-555, 2009., p. 545-555)
Ao definir essa conceituação de cuidado, encontramos consonância com as palavras de Massimo De Angelis (2006)DE ANGELIS, Massimo. Introduction. The Commoner, [s. l.], n. 11, p. 1-6, 2006. Disponível em: Disponível em: https://thecommoner.org/wp-content/uploads/2020/06/issue-11-spring-summer-2006-introduction.pdf . Acesso em: 6 jun. 2024.
https://thecommoner.org/wp-content/uploa... , “there is no commons without commoning”: um bem comum é simultaneamente um “substantivo” - o bem compartilhado (cuidado) -, e um “verbo” - a ação de compartilhar; o commoning, o “fazer comum” (cuidar).
E, ao sistematizar essa metodologia na qual espaços coletivos são observados para e a partir do feminino, do território, da sua prática e gestão e das possíveis emergências, conseguimos disputar novos modelos de cuidado com a possibilidade de uma alternativa autônoma e, ao mesmo tempo, compartilhada, individual e coletiva, descentralizada, mas totalmente conectada ao local, àquilo que o território demanda e oferece. Uma nova ordem que corporifica o cuidado como centro das relações, por meio de um corpo que se abre para trocas, presença, comunidade, escuta e gestos menores consigo, com outros.
Esta pesquisa evidencia que o cuidado é um eixo que atravessa todos os aspectos do fazer comum: da gestão ao sonho, dos encontros aos desencontros, da comunicação ao toque, do território à utopia. Cuidar é premissa de um corpo que está engajado. Um corpo que se envolve e se alegra no encontro com o outro, que celebra e aprende a partir do fracasso e das dificuldades de estarmos juntos diante das nossas diferenças.
Esta é uma proposta que nos ajuda a forjar gestos menores, com foco na potência dos pequenos movimentos que funcionam como redes de resistência e modos possíveis de agir coletivamente frente aos processos de adoecimento, exclusão, racismo e domesticação dos modos de vida contemporâneos. Ela nos faz pensar que não basta olhar o cuidado somente no momento da prática do cuidado em si, mas em toda prática relacional que se dá para que os corpos possam estar presentes, atentos ao que lhes acontece também em outros momentos.
Pensar o cuidado, o amor, o toque e os movimentos a partir da prática operada por esta perspectiva não só amplia o olhar para a vida, mas também se contrapõe às políticas e aos biopoderes hegemônicos contemporâneos impostos ao sistema de saúde e à atenção ao corpo e à subjetividade.
Se a saúde pela lente do Comum é um saber-fazer coletivo, diverso e processual, não basta nascer e sobreviver: queremos viver mais e melhor a potência do sonho de uma vida interessante.
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- Contribuição dos autoresO artigo é resultado da pesquisa de mestrado de Marília Reis Guarita, sob orientação de Marina Guzzo.
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
26 Ago 2024 - Data do Fascículo
2024
Histórico
- Recebido
06 Dez 2022 - Revisado
03 Jul 2023 - Aceito
09 Abr 2024