Resumo
A saúde materno-infantil configura um subsetor da gestão pública que é responsável por indicadores de desenvolvimento social e humano, tais como as taxas de fecundidade, de mortalidade infantil e de mortalidade materna. Neste artigo, dialogamos sobre informações oriundas do primeiro desfecho de uma pesquisa qualitativa com trabalhadoras de saúde que atuam no Sistema Único de Saúde (SUS), nos cenários da atenção primária e terciária no estado de Alagoas. Convidamos essas sujeitas para estarem como parceiras na identificação de desafios e potencialidades que marcam seus cotidianos profissionais a fim de construirmos estratégias de educação permanente em saúde que possibilitem a aproximação entre a divulgação científica e o exercício de uma prática interprofissional e humanizada em saúde materno-infantil. Refletimos aqui sobre dois aspectos que nos inquietaram nas histórias que escutamos: a educação permanente focada na educação continuada e os desafios frente a práticas de racismo cotidiano. Essas primeiras análises nos guiaram a refletir os resultados da pesquisa, fazendo-nos imaginar a construção de uma estratégia experimental que contribua com o desenvolvimento de práticas exitosas no cuidado em saúde de pessoas que vivenciam o ciclo gravídico-puerperal no nosso território.
Palavras-chave:
Saúde Materno-Infantil; Educação Permanente em Saúde; Alagoas; Racismo; Racismo Obstétrico
Seja forte como meu Gonguê
Essa luta é de viver
Os tambores irão nos defender
Nessa guerra, flores irão nascer11Trecho da música “Meu Maracatu é Arma”, da cantora e compositora alagoana Fernanda Guimarães.
A “saúde materno-infantil”22As aspas aqui expressam algumas das controvérsias que envolvem o uso do termo saúde materno-infantil nas políticas públicas, debate fomentado por estudos de gênero e sexualidade, movimentos feministas e de mulheres ao longo do tempo. Por um lado, destacamos a centralização no ciclo gravídico-puerperal com enfoque na mãe, que retira de cena o protagonismo e autonomia da mulher enquanto sujeita - e de outros corpos que vivenciam o ciclo -, reduzindo-a a um corpo que gesta. O foco aqui parece ser no cuidado com o feto e com a criança, mesmo quando o acompanhamento se dá por meio de intervenções no corpo da mulher. Por outro lado, nos convocam à oferta de um cuidado em saúde integral das mulheres e de outras pessoas que vivenciam o ciclo, que considera outras necessidades para além da saúde reprodutiva. De modo a demandar que a assistência em saúde fomente e garanta o protagonismo do “sujeito-mulher-cidadã da saúde […] que tem direitos sobre o seu corpo, sobre si” (Medeiros; Guareschi, 2009, p. 41). configura um subsetor da gestão pública, responsável por indicadores de desenvolvimento social e humano como as taxas de fecundidade e mortalidade infantil e materna. O termo também designa áreas de pesquisa das ciências da vida, humanas e sociais, com muitas atualizações nas últimas décadas. A despeito da sua importância para a vida das mulheres33Priorizaremos o termo mulheres e o gênero feminino ainda que consideremos que outros corpos com útero, para além das mulheres cisgêneras, também vivenciam experiências de gestar, parir, puerperar e abortar, demandando um cuidado integral e equitativo que reconheça suas singularidades e necessidades. e de outras pessoas com útero, essa produção científica está relativamente restrita à esfera acadêmica, pouco operando como aporte de evidências científicas para formação e atuação das trabalhadoras da saúde. Ao vislumbrarmos os programas governamentais voltados ao planejamento familiar, acompanhamento pré-natal, humanização do parto e saúde do binômio mãe/bebê após o nascimento, a prática baseada em evidências aparece em destaque.
Neste artigo, apresentamos uma reflexão sobre essa problemática a partir de uma investigação com trabalhadoras de saúde no estado de Alagoas44Partes deste projeto de pesquisa foram contempladas pelo financiamento do Edital Pró-Humanidades do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), integrando a Rede REMA - Maternidades destituídas, violadas e violentadas: construção de redes de pesquisa, acolhimento e formação em torno do direito às maternidades(2023-2024) e pelo Edital de Auxílio à Pesquisa - Ciências Humanas; Ciências Sociais e Aplicadas; Linguística, Letras e Artes da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas FAPEAL(2022). Esta pesquisa também é parte do projeto desenvolvido pela autora Débora Allebrandt, financiado por uma Bolsas de Produtividade em Pesquisa - PQ pelo CNPq.. São informações oriundas do primeiro desfecho de uma abordagem qualitativa, organizada a partir do convite a essas sujeitas para atuarem como parceiras na identificação de desafios e estratégias de Educação Permanente em Saúde (EPS) nos cenários da atenção primária e hospitalar. Dialogamos sobre alternativas para ampliação do acesso aos resultados de pesquisas científicas, bem como dos fóruns de discussão sobre o tema em face às condições precárias de universalização do serviço em nosso território.
As histórias apresentadas são situações vividas pelas trabalhadoras entrevistadas55Realizamos até o momento 34 entrevistas, dialogando no interior dos seguintes eixos temáticos: decisões reprodutivas, acompanhamento pré-natal, atenção ao parto, puerpério, amamentação e cuidados com o/a bebê até os 2 anos de idade.. Em primeiro plano, destacamos a intersecção de marca-dores sociais66Usamos a expressão marca-dores escrita com hífen para enfatizar que as questões de gênero, cor, raça, etnia, classe, deficiência, sexualidade, território, geração, entre outras, em uma sociedade estruturada pelo racismo, capitalismo, cis-heteropatriarcado, etarismo e adultocentrismo, capacitismo, marcam com dores os corpos, a subjetividade e as vidas dos sujeitos e sujeitas consideradas subalternas, marginalizadas, dissidentes. No campo da saúde, é comum o uso de “determinantes sociais de saúde e/ou determinação social de saúde”, que podem ser considerados sinônimos ou não a depender da concepção teórica que se parte. Há críticas sobre o modo como a Organização Mundial de Saúde (OMS), em 2010, usou o termo determinantes sociais de saúde, muito articulado à ideia de desigualdade. De acordo com Carolina Borghi, Rosely Oliveira e Gil Sevalho (2018, p. 886), essa concepção “[…] não considera a historicidade e, consequentemente, o caráter de processo em que se situam as questões sociais; e ao fragmentar contextos em fatores, impõe uma ordenação linear aos determinantes.” de gênero, raça e classe nas situações apresentadas. Em segundo, algumas reflexões acerca das condições e dos limites da assistência que se colocam para cada uma das atrizes envolvidas no cuidado: trabalhadoras de saúde, gestoras públicas e mulheres em idade reprodutiva suscitadas nas entrevistas. Refletimos aqui sobre dois aspectos que nos inquietaram nas histórias que escutamos, que são a EPS focada na educação continuada e os desafios frente ao racismo no cotidiano dos serviços.
Empregamos a primeira pessoa do plural ao demarcar uma autoria coletiva, que agrupa posições ético-políticas compartilhadas e investimentos científicos e afetivos heterogêneos. Somos todas mulheres cisgêneras mães e não mães, brancas e pesquisadoras vivendo momentos singulares das trajetórias profissionais. Nossa coalizão principia na resistência à violência obstétrica que perpassa nossos corpos e que mobiliza o ativismo pelos direitos das mulheres em nosso território, avançando com o engajamento em estratégias de formação para boas práticas de atenção ao ciclo gravídico-puerperal e às transformações na vida e na subjetividade das mulheres mães. Inspiramo-nos no conceito de interseccionalidade, que na definição de Patricia Hill Collins e Sirma Bilge (2021)HILL-COLLINS, P.; BILGE, S. Interseccionalidade. São Paulo: Boitempo, 2021., opera uma sinergia entre pesquisa e práxis crítica, postulando a interdependência entre o conhecimento científico e a assistência à “saúde materno-infantil”.
Somos: Débora Allebrandt, uma mulher branca, cis/hetero, mãe de Olívia e da bebê Íris. Olívia nasceu em 2019 e, mesmo com meus muitos privilégios de classe e raça, o cenário hostil do atendimento ao parto e o nascimento que encontrei naquela época me fez viver na pele a desassistência e a violência obstétrica. A partir dessa experiência, conjuguei meus interesses de pesquisas voltados para governança reprodutiva para um diálogo feminista sobre tecnologias de gênero que mobilizam e inviabilizam direitos sexuais e reprodutivos. Telma Low Silva Junqueira, feminista, bi, recifense/nordestina, professora e mãe de petz, que escolheu não gestar e maternidade. Dedico-me a pesquisas que pensam a formação e a práxis em saúde no contexto do SUS sustentadas por estudos feministas de gênero, em especial o feminismo negro. Nádia Meinerz, mulher branca cisgênera, não me defino a partir da sexualidade e sou uma antropóloga feminista. Também me tornei mãe de duas crianças nascidas nesse cenário hostil descrito por Débora, mais especificamente na rede privada de assistência em Alagoas. A atuação como doula é um dos caminhos que percorro para me reconectar com a experiência do parto (oferecendo informações, acolhimento e amparo para outras mulheres) e para responder à violência de gênero. Vivyan Amorim, uma mulher branca, cis, bissexual, alagoana e bacharel em Ciências Sociais. Tenho me interessado em estudar/pesquisar sobre estudos feministas de gênero, direitos humanos, saúde e pessoas com deficiência com intersecção de raça e classe.
A assinatura do texto não esgota a responsabilidade pela produção dos dados apresentados. Destacamos a contribuição de um grupo mais amplo de professoras, estudantes e egressas da graduação e pós-graduação e trabalhadoras de saúde que atuaram como pesquisadoras voluntárias77Contribuíram com a pesquisa as docentes Andrea Marques Fregadolli e Maria de Lourdes Fonseca Vieira e as estudantes Bruna Campelo, Izabella Carvalho e Pedro Santos Matheus Soares da Faculdade de Medicina da UFAL; as estudantes Pietra Gonzalez, Geane Lima, Maria Beatriz Alencar, Maria Daniella Souza, Marielle Teixeira, Gabriela Borguetti e Kemilly Jacinto do curso de Psicologia da UFAL; as estudantes Yrla Silva e Giovanna Corrêa do curso de Ciências Sociais e as pesquisadoras voluntárias: Bárbara Oliveira; Débora Brandão, Rayane Oliveira, Melissa Moura Saraiva, Yara Lima da Costa, Thaísa Ferreira Cerqueira, Thaysa Guedes, Lousanny Caires Rocha, José Carlos S. Freitas, Izabella Regina Almeida Santos Carvalho, Ana Cecilia Silvestre Silva e Jacymara Teixeira da Silva Pinheiro.. A mobilização para a participação na pesquisa aconteceu no segundo semestre de 2021 a partir das redes sociais das pesquisadoras (incluindo as voluntárias) e também das gestoras da Secretaria Estadual de Saúde de Alagoas (que atuam na Rede Cegonha e na Integração Ensino Serviço)88Produzimos uma animação de apresentação da pesquisa, cartazes informativos sobre os diferentes tipos de participação (instituição e equipe responsável, caráter voluntário, anonimato das participantes, abrangência estadual, encontro online etc.), incluídos no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).. Ressaltamos que, apesar desse apoio institucional, a pesquisa não foi realizada diretamente nos serviços, nem no horário de trabalho das participantes. Em sua maioria, foram feitas através de plataformas digitais no momento em que as trabalhadoras estavam em suas casas.
Fazer a pesquisa diretamente no serviço demandaria uma autorização centralizada na figura do Secretário Estadual de Saúde, transferida a partir dessa relação hierárquica para as chefias dos serviços. Buscamos nos afastar dessa tutela, iniciando uma relação de compartilhamento com as trabalhadoras interessadas não apenas em relatar as suas vivências, mas também em se engajar nas atividades de EPS. O resultado desse engajamento é que muitas das entrevistas foram feitas à noite depois de uma jornada completa de trabalho, e negociadas com plantões e responsabilidades familiares. Embora esses sejam fatores que dificultaram a execução, tomamos como emblemático o comprometimento dessas trabalhadoras para o tema da nossa investigação e potencialmente a melhora do cenário de capacitação de profissionais que atuam na saúde materna e infantil em Alagoas, além de apontar para uma questão há tempo denunciada por estudos e movimentos feministas e de mulheres: a sobrecarga do trabalho feminino com atividades remuneradas e não remuneradas, sendo essas últimas muito voltadas para o cuidado com a casa e com a família, resultando na dupla e tripla jornada laboral.
Anna Bárbara Araújo (2019), em sua análise do cuidado como trabalho, contrapõe uma das teses do feminismo da diferença (Carol Gilligan, 1982GILLIGAN, C. In a different voice. Cambridge: Harvard University Press, 1982.), segundo o qual as mulheres têm uma perspectiva particular e privilegiada focada nas relações e na preocupação com o/a outro/a; facilmente reconhecida como habilidade de cuidar. Esse argumento faz com que naturalizemos as triplas jornadas como um atributo moral positivo tanto nas relações pessoais como nas dinâmicas políticas institucionais mais amplas. A autora direciona sua crítica à noção de “necessidade” como orientadora das políticas públicas, explicando que o histórico de privação material faz com que muitas trabalhadoras do cuidado encarem essa realidade com resignação, não tendo parâmetro de comparação para a construção de políticas populacionalmente equitativas99Destacamos também o trabalho de Helena Hirata (2016), que aborda a dimensão do gênero e da sexualidade no trabalho do cuidado e como essa relação se faz presente desde a subjetividade de cuidadoras e cuidados num trabalho comparativo no contexto da gerontologia entre Brasil, França e Japão. Para Hirata (2014), que dialoga com o feminismo francês, o trabalho do cuidado deve ser examinado a partir de noções de consubstancialidade e interseccionalidade entre gênero, classe e raça. Nos resultados de sua pesquisa comparativa, nota-se que o que une as trabalhadoras do cuidado nos três países é a vulnerabilidade social e a precarização do itinerário de trabalho..
Essa crítica importa para essa empreitada à medida que nosso convite ao exercício da EPS busca se distanciar de um uso politicamente oportuno da agência das sujeitas em situação de desvantagem social, no campo da saúde. A naturalização da exploração das mulheres trabalhadoras de classes médias e baixas (especialmente negras) faz com que pessoas gestoras, usuárias e trabalhadoras reivindiquem em suas trocas com elas outros tipos de recompensa, como se o valor moral suprisse a desvalorização material do trabalho em saúde.
O cenário da Saúde Materno-Infantil em Alagoas
Situamos Alagoas, um dos nove estados que compõem o nordeste do Brasil e o 19o mais populoso do país (1,54%), formado por 102 municípios, com média geral de 100 mulheres para 99,1 homem e uma população predominantemente negra (69,91%), sendo o 6o estado com maior população quilombola e o 16o com maior população indígena. Alagoas tem pouco mais de três milhões de habitantes, com um terço dessa população vivendo na capital e dois terços se autodeclarando de cor parda ou preta. Em 2021, ocupava a 18ª posição no número de matrículas no ensino fundamental e 19ª no ensino médio; tinha uma renda per capita de R$ 1.110,00, sendo a 25ª pior do país e o 26º no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,684 (IBGE, 2022).
O estado é dividido em 10 regiões de saúde e nossa pesquisa pretendia abarcar a participação de trabalhadoras de todas elas. Porém, a maior parte das 34 protagonistas trabalha e/ou reside na 1ª região de saúde - formada por Maceió (capital do estado) e mais 11 municípios da região metropolitana −, e na 7ª, que engloba Arapiraca (2º maior município de Alagoas) e mais 16 municípios circunvizinhos1010Disponível em: Disponível em: https://egestorab.saude.gov.br/paginas/acessoPublico/relatorios/relHistoricoCoberturaAB.xhtml .
Das 34 pessoas entrevistadas, 31 são mulheres e 3 são homens, sendo das mais diferentes áreas de formação e atuação, com especial representatividade para a enfermagem, com 15 entrevistadas. Quanto à autodefinição de raça/cor, 13 se autodeclararam brancas, 6 pretas, 6 pardas e 1 amarela. Abaixo, apresentamos dois gráficos que expressam essa caracterização.
Em relação à saúde materna e infantil, um estudo local desenvolvido por Elena Duarte et. al. (2020DUARTE, E. M. da S. et al. Mortalidade materna e vulnerabilidade social no Estado de Alagoas no Nordeste brasileiro: uma abordagem espaço-temporal. Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil, Recife, v. 20, n. 2, p. 587-598, 2020. https://doi.org/10.1590/1806-93042020000200014.
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/... , p. 590), destaca que “No período de 1996 a 2016, foram registrados 586 óbitos maternos de Alagoas, resultando em uma taxa de mortalidade de 47,63 óbitos para cada 100 mil NV”. Esses dados ressaltam que as mulheres pretas e pardas foram as que mais morreram, as que não tinham nenhum nível de escolaridade e as viúvas. A capital Maceió abarcou 142 óbitos registrados (Duarte et al, 2020DUARTE, E. M. da S. et al. Mortalidade materna e vulnerabilidade social no Estado de Alagoas no Nordeste brasileiro: uma abordagem espaço-temporal. Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil, Recife, v. 20, n. 2, p. 587-598, 2020. https://doi.org/10.1590/1806-93042020000200014.
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/... ).
Outras informações que nos possibilitam contextualizar a geopolítica do local que falamos se referem à centralização dos equipamentos que compõem a Rede Cegonha na capital do estado. De acordo com o Plano Estadual de Saúde 2020-2023, há “[…] insuficiência de oferta de pré-natal de alto risco, de leitos de UTI [unidade de tratamento intensivo] Neonatal, de serviços de alto risco obstétrico” (SESAU, 2020, p. 169), de modo que muitas mulheres ficam desassistidas e, dependendo da situação, precisam se deslocar para Maceió a fim de serem cuidadas, ficando longe de suas famílias e dos seus territórios, sem rede de apoio.
O observatório obstétrico, mais especificamente o Painel de vigilância da saúde materna, apresenta dados de séries históricas correspondentes ao período de 2012 a 2022. As informações de Alagoas acerca da assistência ao parto em 2022 apontam que 55,8% das vias de parto corresponderam à cirurgia cesariana, índice muito superior à meta recomendada pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), de 15%, e àquela ajustada para o Brasil, de 25%.
Quando esses dados são comparados com os dados nacionais, Alagoas teve mais partos cesáreos do que a média brasileira em 2022, correspondente a 54,5%. Em relação à mortalidade e à morbidade materna, apenas em 2022 foram 30 óbitos maternos, com uma Razão de Mortalidade Materna (RMM) por 100.000 nascidos vivos de 65,6, quando os ODS tinham como meta 30 óbitos por 100.000 nascidos vivos, mais do que o dobro. Ao avaliarmos os óbitos por causas obstétricas diretas, fruto de complicações existentes no ciclo gravídico-puerperal e que apontam também para a qualidade da assistência recebida, identificamos que 73,3% dos óbitos em Alagoas foram por causas obstétricas diretas, quando a média nacional foi de 67,5%1111Fonte: https://observatorioobstetricobr.org/paineis/ .
Esses dados, do modo como estão apresentados, nos permitem compreender quem são as mulheres que estão morrendo no nosso país por negligência e violação do direito à saúde no ciclo gravídico puerperal. Assim como os diálogos construídos com as trabalhadoras de saúde, a partir das histórias relatadas indagaram se o quesito cor/raça e etnia eram por elas identificados, problematizados e considerados em suas práxis. Mais adiante voltaremos a esse tema.
A própria configuração do perfil das protagonistas aponta para a relevância de gênero e cor/raça, visto que os visibilizar nos nossos saberes-fazeres, em especial no contexto da saúde, é uma demanda que os movimentos feministas e negros reivindicam há tempo. Pois além de contribuir com a visualização de quem são as principais pessoas que trabalham e/ou usam diretamente o SUS, em grande maioria mulheres e negras, também possibilita uma análise complexa e situada acerca dos dados epidemiológicos e situações de saúde-doença da população.
É nessa perspectiva que o feminismo negro considera a interseccionalidade uma ferramenta teórica, metodológica e política nas várias áreas do conhecimento como forma de identificar e enfrentar desigualdades e opressões que marcam as vivências, especialmente de pessoas negras, indígenas, com deficiência, trans, travestis etc. que parecem “escapar” da ideia de sujeito universal ocidental - branco, cis, hetero, cristão. De acordo com Kimberlé Crenshaw (2002CRENSHAW, K. Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 10, n. 1, p. 171-188, 2002. https://doi.org/10.1590/S0104-026X2002000100011.
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/... , p. 177)
A interseccionalidade […] trata especificamente da forma pela qual o racismo, o patriarcalismo, a opressão de classe e outros sistemas discriminatórios criam desigualdades básicas que estruturam as posições relativas de mulheres, raças, etnias, classes e outras. Além disso, […] trata da forma como ações e políticas específicas geram opressões que fluem ao longo de tais eixos, constituindo aspectos dinâmicos ou ativos do desempoderamento.
Nossa pesquisa se dedicou a pensar o debate sobre saúde materna e infantil a partir do tripé teórico-metodológico da interseccionalidade, EPS e interprofissionalidade. Essa aproximação se deu justamente por considerarmos que o SUS tem se constituído como lugar de opressão e desempoderamento para muitas das mulheres que gestam, parem, puerperam e abortam, em especial negras, indígenas, com deficiência, pobres, quilombolas etc. Uma análise interseccional da situação de saúde do país nos permite identificar e denunciar o racismo obstétrico e a violência obstétrica como expressões dessas estruturas e eixos de dominação que Crenshaw (2002CRENSHAW, K. Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 10, n. 1, p. 171-188, 2002. https://doi.org/10.1590/S0104-026X2002000100011.
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/... ) nos convida a pensar.
O observatório obstétrico chama a atenção para o fato de que
No Brasil, a mortalidade materna é duas vezes maior em mulheres pretas e indígenas do que em mulheres brancas. Mulheres de menor escolaridade e nos extremos etários também apresentam mortalidade materna maior. […] No mundo, entre 2015-2019, cerca de 48% de todas as gestações não foram planejadas. No Brasil, em 2011/2012, esse valor foi de 54%, o que indica dificuldades no acesso a serviços de planejamento reprodutivo.1212Disponível em: https://observatorioobstetricobr.org/a-historia-de-aparecida/
Esse cenário nos convida a pensar acerca de como o racismo no Brasil incide sobre o processo de cuidado em saúde no ciclo gravídico-puerperal e como essa vulnerabilidade é intensificada frente a negras e indígenas com baixa escolaridade, que não ou pouco acessam a educação em saúde e o planejamento reprodutivo. O conceito de vulnerabilidade está orientado aqui pelas ideias de Ilana G. Ambrogi, Luciana Brito e Débora Diniz (2020)AMBROGI, I. G.; BRITO, L.; DINIZ, D. The vulnerabilities of lives: Zika, women and children in Alagoas State, Brazil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 36, n. 12, p. 1-12, 2020. https://doi.org/10.1590/0102-311X00032020.
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/... , e tem a ver com o contexto e as relações. As autoras consideram as desigualdades de gênero, econômicas e sociais como atenuantes das camadas de vulnerabilidades, em especial em contextos historicamente marcados pelo colonialismo patriarcal, opressivo, subdesenvolvido e, acrescentamos, racista, capacitista e cis-heteronormativo. Na pesquisa que realizaram com 54 mulheres mães de crianças afetadas pelo Zika vírus em Alagoas entre dezembro de 2016 e março de 2017, apontou-se que a grande maioria era afrodescendente (80%) e adolescentes (apenas 3 tinham mais de 20 anos) e não recebiam uma assistência em saúde satisfatória.
No DATASUS, os dados mais atuais de iniquidade em saúde reprodutiva apresentam que, somente em 2022, foram notificados 1.370 óbitos maternos no Brasil, sendo 430 no nordeste e mais especificamente 30 óbitos em Alagoas. Ao analisarmos esses índices a partir da cor/raça, identificamos que: I) 397 dos óbitos maternos foram de mulheres brancas - 77 no nordeste e 2 em Alagoas; II) 926 foram referentes a mulheres negras (188 pretas e 738 pardas), sendo 341 no nordeste e em Alagoas, 26 das 30 mulheres eram negras (3 pretas e 23 pardas); III) 20 mulheres indígenas, sendo 3 no nordeste, dentre elas 1 em Alagoas; IV) 4 amarelas, sendo 1 no nordeste, justamente em Alagoas; e V) 23 dos óbitos tiveram a cor/raça ignorada, sendo 8 no nordeste- maior número entre todas as regiões do país - e nenhum em Alagoas.1313Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sim/cnv/mat10al.def
Esse panorama denuncia as inúmeras violações de direitos que assolam a vida das mulheres em idade reprodutiva no nosso país, em especial negras, indígenas e pobres. Logo, nos perguntamos: o que temos feito para que o racismo obstétrico, que parece caracterizar a atenção em saúde no Brasil, seja discutido, denunciado e combatido na formação e prática em saúde? E como o racismo obstétrico se articula com a violência obstétrica no cotidiano do SUS?
Uma pesquisa realizada em Pernambuco com mulheres autodeclaradas negras e usuárias do SUS, em 2017, debate a questão das iniquidades em saúde da população negra, elencando algumas das tantas situações de opressão que marcaram seus processos de cuidado em saúde. Kelly Lima, Camila Pimentel e Tereza Lyra (2021LIMA, K. D. DE et al. Disparidades raciais: uma análise da violência obstétrica em mulheres negras. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 26, Supl. 3), p. 4909-4918, 2021. https://doi.org/10.1590/1413-812320212611.3.24242019.
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/... , p. 4914) evidenciam, a partir da análise interseccional, diferentes expressões de violência obstétrica as quais as mulheres negras foram submetidas, destacando que:
As incertezas sobre o local de parto e a peregrinação recaem de forma particular sobre as mulheres negras, gerando condições de vulnerabilidade. Estudos revelam que as negras, quando comparadas às brancas, recebem menos orientações e são menos vinculadas à maternidade de referência, gerando um maior risco de peregrinação na hora do parto. Por estarem menos vinculadas à maternidade e por receberem menos informações no pré-natal, os riscos obstétricos são maiores para as mulheres negras.
Talita Rodrigues (2023RODRIGUES, T. Gestar, parir, morrer: mulheres negras, morte materna e o racismo na saúde. Recife: SOS Corpo, 2023. Disponível em: https://soscorpo.org/?p=18977.
https://soscorpo.org/?p=18977... ) lança uma análise interseccional sobre os dados de mortalidade materna por raça/cor em Pernambuco entre os anos de 2016 e 2021, apontando que 79,5% das mortes maternas eram de mulheres negras e 20,5% de mulheres brancas.
Em Alagoas, retomamos a pesquisa em que Duarte et al. (2020DUARTE, E. M. da S. et al. Mortalidade materna e vulnerabilidade social no Estado de Alagoas no Nordeste brasileiro: uma abordagem espaço-temporal. Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil, Recife, v. 20, n. 2, p. 587-598, 2020. https://doi.org/10.1590/1806-93042020000200014.
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/... ) analisaram os dados produzidos entre os anos de 1996 e 2016, que também apontam para a relevância da cor/raça como um quesito importante na identificação e superação das iniquidades em saúde. O estudo conclui que “O perfil observado em Alagoas está em consonância com a literatura, caracterizado pelo predomínio da faixa etária 20-29 anos (em números e percentuais), raça/cor preta e parda e baixa escolaridade.” (Duarte et al, 2020DUARTE, E. M. da S. et al. Mortalidade materna e vulnerabilidade social no Estado de Alagoas no Nordeste brasileiro: uma abordagem espaço-temporal. Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil, Recife, v. 20, n. 2, p. 587-598, 2020. https://doi.org/10.1590/1806-93042020000200014.
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/... , p. 596)
A pesquisa “Nascer no Brasil” (2014LEAL, M. DO C.; DA GAMA, S. G. N. Nascer no Brasil. Cadernos de Saúde Pública , Rio de Janeiro, v. 30, Supl. 1, 2014. https://doi.org/10.1590/0102-311XED01S114.
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/... ; 2023LEAL, M. do C. et al. Nascer no Brasil II: pesquisa nacional sobre aborto, parto e nascimento 2022-2023. Rio de Janeiro: ENSP/Fiocruz, 2023. Disponível em: Disponível em: https://nascernobrasil.ensp.fiocruz.br/wp-content/uploads/2023/11/Dados-preliminares-da-pesquisa-Nascer-no-Brasil-2.pdf . Acesso em: 2 mai. 2024.
https://nascernobrasil.ensp.fiocruz.br/w... ), é uma grande referência para pensarmos as iniquidades raciais no atendimento ao pré-natal, parto e nascimento. No artigo “A cor da dor: iniquidades raciais na atenção pré-natal e ao parto no Brasil”, Maria do Carmo Leal et al. (2017LEAL, M. DO C. et al. The color of pain: Racial iniquities in prenatal care and childbirth in Brazil, Cadernos de Saúde Pública , Rio de Janeiro, v. 33, Sup. 1, p. 1-17, 2017. https://doi.org/10.1590/0102-311X00078816.
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/... ), destacam como mulheres pretas e pardas terão seu ciclo gravídico puerperal marcado pela desassistência. Numa primeira impressão, a menor exposição de mulheres pretas e pardas ao uso de intervenções como ocitocina, episiotomia e cesariana poderia significar um cuidado em melhor consonância com as evidências científicas recomendadas pelo Ministério da Saúde. No entanto, “[…] na prática, o modelo de assistência obstétrica adotado no Brasil é intervencionista e os profissionais de saúde em larga medida não somente identificam essas práticas como adequadas, mas também como indicativas de um “bom cuidado”. (Leal et al, 2017LEAL, M. DO C. et al. The color of pain: Racial iniquities in prenatal care and childbirth in Brazil, Cadernos de Saúde Pública , Rio de Janeiro, v. 33, Sup. 1, p. 1-17, 2017. https://doi.org/10.1590/0102-311X00078816.
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/... p. 10)
Esses são alguns dos estudos que apostam na importância da análise interseccional para os vários campos do conhecimento, em especial para a saúde, que ainda parece tão apartada desse debate no contexto da formação, assistência e gestão. Uma das autoras deste artigo realizou uma pesquisa em uma maternidade de um hospital-escola juntamente com outras pesquisadoras, e ficou nítido como as paredes brancas, as imagens de mulheres e os bebês brancos em banners e nos livros de registro dos postos de enfermagem pareciam não corresponder ao perfil de mulheres e bebês usuárias. Telma Low, Ana Clara Oliveira, Lanna Silva, Lívia da Silva e Roberta Crispim (2020LOW, T. S. J. et al. Educação, saúde e feminismos no cotidiano de um hospital-escola. In: OLIVEIRA, É. C. S., MESQUITA, M. R.; SOUZA, T. M. C. (Orgs.). Feminismos, psicologia e resistências contemporâneas. Maceió: EDUFAL, 2020. p.67-92.), ao pensarem sobre essas imagens em diálogo com a proposta da ambiência como uma das diretrizes da Política Nacional de Humanização (Brasil, 2004), se davam conta de que os banners pareciam focados em
[…] uma noção de saúde fundamentada na lógica da branquitude como padrão universal e dominante, tão distante do cotidiano de muitas das mulheres usuárias do SUS, embora tão predominante nos espaços de saber-poder institucionalizados, como no caso dos hospitais. (Low et al, 2020LOW, T. S. J. et al. Educação, saúde e feminismos no cotidiano de um hospital-escola. In: OLIVEIRA, É. C. S., MESQUITA, M. R.; SOUZA, T. M. C. (Orgs.). Feminismos, psicologia e resistências contemporâneas. Maceió: EDUFAL, 2020. p.67-92., p. 73)
Considerar e se perguntar acerca desses temas, muitas vezes lidos como “sem importância”, é uma forma de denunciar a falsa democracia racial, ainda tão presente nas práticas de cuidado e nas políticas de saúde do Brasil. Bem como é também uma convocação para nos colocarmos de modo técnico, ético e político como responsáveis pela construção de formas de cuidado em saúde que de fato atendam aos princípios de equidade, integralidade e universalidade do SUS.
Histórias Compartilhadas1414As histórias compartilhadas serão empregadas na construção de episódios de podcast que, enquanto insumos para ações de educação permanente, conformam uma estratégia de aproximação entre as situações concretas (identificadas pelas trabalhadoras como desafiadoras para a assistência à saúde materno-infantil), resultados de pesquisas científicas e reflexão sobre as boas práticas.
No processo de análise dos dados, refletimos sobre o modo como costumamos trabalhar academicamente com narrativas orais e os desafios de tradução da oralidade para a linguagem escrita. Destacamos que há na narrativa em primeira pessoa das nossas interlocutoras uma escolha de quais histórias narrar e o como contá-las. Para além de salientar esse protagonismo, sublinhamos que se trata de vivências que marcaram sua práxis e que reverberam situações recorrentes - exemplos práticos de mudanças positivas no atendimento e nas situações que não podem ser normalizadas.
É importante destacar que elas são fruto do reconhecimento pelas trabalhadoras citadas da importância das estratégias de educação permanente - incluindo iniciativas de formação continuada1515A educação/formação continuada é uma das expressões da EPS, segundo a Portaria MS/GM nº 1.996, de 20 de agosto de 2007. Refere-se ao processo de formação, geralmente disciplinar, que a própria pessoa trabalhadora realiza no intuito de se atualizar sobre determinada temática, que não necessariamente corresponde aos conhecimentos necessários para o desempenho das funções que realiza no serviço. Já a EPS visa a melhoria do processo de trabalho dentro dos serviços, sendo considerada educação para o trabalho, pelo trabalho e no trabalho, construída de modo coletivo com/entre as equipes, que se movimentam para identificarem os desafios que encontram nos cotidianos de trabalho e, ao refletirem e dialogarem sobre eles coletivamente, buscam estratégias de superação de modo colaborativo. (Brasil, 2009) - para a melhoria da assistência, em especial da efetividade das ações da Rede Cegonha.
Então as coisas começaram a chegar e aí a mudança de conduta ia sendo gradativa. Até quando eu fui pro Sofia [Feldman] no aprimoramento da Rede Cegonha. E eu passei 15 dias lá, e aí para mim foi realmente um divisor de águas, então a algumas coisas que eu ainda estava resistente, né? […] depois que eu fui pro Sofia, eu me libertei completamente. Então, quando eu voltei do Sofia pra mim zerou episio. Então desde 2014 que eu não realizo nenhuma episio. Mesmo quando eu tô com estudante, quando acontece um parto, mesmo quando eu estou em alguns plantões esporádicos que eu dou lá no hospital universitário também, desde 2014 que eu não realizei episio. […] que eu respeito a autonomia da mulher, o querer da mulher deitar, o querer da mulher de ficar em pé, o direito da mulher comer, não comer, é… todas essas coisas. Então assim, foi um divisor de águas e tudo isso refletiu na residência como preceptora, né? Então eu tenho residentes que me viram fazer episio. Eu tenho residentes que pouco me viram fazer episio e tenho residentes que nunca me viram fazer episio, porque variava da época, do meu processo de evolução, vamos dizer assim… da obstetrícia. Então hoje com os residentes eu discuto muito as evidências científicas. Eu discuto muito violência obstétrica, discuto muito autonomia da mulher, né? Discuto muito essas coisas, porque agora realmente é tudo baseado em evidência, né? Então, as intervenções desnecessárias, o que não tem embasamento isso daí é… me libertei completamente já. (Jane, enfermeira obstetra, negra)
Em todas as nossas entrevistas, perguntamos sobre atualização profissional, ações de capacitação e modos alternativos encontrados pelas trabalhadoras para continuarem sua formação. O relato dessa interlocutora expressa a forma decisiva como a formação continuada alterou suas práticas. Para Jane, essa vivência no hospital maternidade de referência para humanização e boas práticas no Brasil, o Sofia Feldman, localizado em Belo Horizonte, foi um divisor de águas. Ela reconhece sua resistência, antes dessa formação, em “abandonar” práticas que não têm embasamento científico, como a episiotomia. Destacamos que ela admite saber que a episiotomia era desaconselhada, para dizer o mínimo. Então, não se trata de “acesso” à informação, mas de uma mudança que permita à profissional transformar essa informação em prática. Depois dessa vivência, ela não realizou mais episiotomias.
Podemos imaginar que trabalhar por duas semanas num hospital como o Sofia seja mesmo uma experiência transformadora. Mas, infelizmente, a maioria das ações de formação/capacitação e atualização profissional não serão realizadas em práticas de imersão num novo contexto, mas no local de atuação das profissionais, com todos os seus limites e vícios. Ou seja, a maioria das profissionais precisa aprender ou quase ser convencida de que a episiotomia não é necessária e potencialmente negativa num contexto em que ela ainda é praticada e sua não realização pode ser tomada como negativa.
Ademais, uma prática de imersão leva a profissional diretamente para o contexto de prática. Embora os serviços sejam práticos, muitas das atividades de formação são palestras e cursos - que oferecem uma informação que as profissionais já têm. Acreditamos que oferecer hoje uma capacitação informando que não há evidências da eficácia da episiotomia não será novidade para as profissionais que atuam nas maternidades. Mas por que é tão difícil converter essa informação em prática?
O trânsito das evidências científicas e das boas práticas nos serviços de saúde passa pela construção de diretrizes, cartilhas e protocolos. Muitas vezes, as trabalhadoras recebem essas informações a partir de palestras, eventos e materiais para a leitura. Precisamos considerar ainda a grande circulação de profissionais nesses serviços. O desafio que se apresenta é que sem o engajamento em mudanças ativas, ou se houver “resistência”, como reflete Jane, nenhuma informação de qualidade irá se transformar em prática nos serviços
As interlocutoras demonstraram muito interesse em aperfeiçoarem sua formação e atuação. E cabe lembrar que essas interlocutoras foram aquelas que desejaram espontaneamente participar da pesquisa. Elas elencaram iniciativas individuais como cursos online e presenciais, leitura de artigos científicos e participação em atividades promovidas institucionalmente. Ao mesmo tempo, se decidem cursar uma pós-graduação, não têm apoio da gestão nem em relação à subvenção econômica, quando é o caso, e nem à liberação para assistir as aulas no horário de trabalho.
A existência de um calendário de atividades de formação, de reuniões periódicas e de capacitação foi mencionada pela maioria das interlocutoras. Embora parte das ações institucionais fossem voltadas para todas as profissionais envolvidas no atendimento e esses treinamentos envolvessem temas do atendimento de situações críticas - Reanimação Cardiopulmonar (CPR) em neonatos; controle de hemorragias etc. -, muitas dessas formações eram voltadas, principalmente, para equipes uniprofissionais. Formações que valorizam a humanização do atendimento e versam, por exemplo, em como manejar o luto entre puérperas, oferecidas às doulas do hospital mas abertas para outras profissionais interessadas, não eram parte obrigatória da formação institucional. Essas iniciativas parecem ir contra o princípio da interprofissionalidade, que é um dos fundamentos da equidade da assistência no SUS segundo Márcia Ogata et al (2021OGATA, M. N. et al. Interfaces between permanent education and interprofessional education in health. Revista da Escola de Enfermagem da USP, São Paulo, n. 55, e03733, 2021. https://doi.org/10.1590/S1980-220X2020018903733.
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/... , p. 6)
O movimento da EIP [Educação interprofissional] também expressa o compromisso com a transformação das práticas de saúde no contexto do SUS quando ressalta a ênfase no propósito explícito em promover a colaboração interprofissional e o aprendizado para o efetivo trabalho em equipe. Essa ênfase pode ser vista como uma distinção importante entre EPS [Educação Permanente em Saúde] e EIP. Historicamente a ideia de juntar estudantes ou profissionais de diferentes áreas em um mesmo espaço já se constituía como interprofissional, como se a inserção na dinâmica de trabalho em saúde - considerando o seu caráter eminentemente coletivo - fosse suficiente para estimular a colaboração interprofissional.
Se a máxima da interprofissionalidade é o fazer juntas, treinamentos separados não parecem dar conta da necessidade de atualização profissional. Além disso, parece haver uma divisão temática: temas voltados para a humanização fazem parte da formação de áreas específicas, enquanto a formação voltada para aquisição de técnicas é oferecida para todas. Essa estratégia parece reduzir a EPS à educação continuada, bem como ser uma forma de fugir da resistência de muitas profissionais em dialogar sobre temas como a violência e o racismo obstétrico, que é o foco da próxima situação.
Desafios frente ao racismo no cotidiano dos serviços
Segundo os dados da pesquisa Nascer no Brasil 1, que investigou em profundidade variados contextos de parto e nascimento, puérperas de cor preta possuíram maior risco de terem um pré-natal inadequado, tendo menos orientação sobre o início do trabalho de parto e possíveis complicações, falta de vinculação à maternidade, ausência de acompanhante e peregrinação para o parto. Ademais, elas têm menor chance de cesariana e episiotomia, mas recebem menos anestesia local quando a episiotomia é realizada (Carmem Leal et al, 2017LEAL, M. DO C. et al. The color of pain: Racial iniquities in prenatal care and childbirth in Brazil, Cadernos de Saúde Pública , Rio de Janeiro, v. 33, Sup. 1, p. 1-17, 2017. https://doi.org/10.1590/0102-311X00078816.
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/... ). Esse é um exemplo contundente do que vem sendo definido como “racismo obstétrico” por Daná-Ain Davis.
[…] a intersecção entre a violência obstétrica e o racismo médico. Violência obstétrica é uma forma de violência baseada em gênero experimentada por pessoas que dão à luz e que são submetidas a atos de violência que resultam em sua subordinação porque são pacientes obstétricas. O termo sugere que a violência institucional e a violência contra as mulheres se fundem durante a gestação, o parto e o pós-parto (Women’s Global Network for Reproductive Rights 2017). Violência obstétrica abrange tratamento desumano, abuso médico e violações (birth rape) durante a gravidez. […] O termo racismo obstétrico é uma extensão da estratificação racial e está inscrito tanto na estigmatização historicamente construída das mulheres negras como nas lembranças de suas interações com médicos, enfermeiras e outros profissionais médicos durante e após a gestação. O racismo obstétrico é uma ameaça para a vida das mães e para os desfechos neonatais. O termo inclui, mas não se limita a, lacunas críticas de diagnóstico; negligência, desdém e desrespeito; causar dor; e exercer abuso médico por meio de coerção à realização de procedimentos ou de realização de procedimentos sem consentimento. Um fluxo de racismo, segregação e policiamento historicamente constituído informa as interpretações das mulheres sobre esses encontros. O racismo obstétrico emerge especificamente no cuidado obstétrico e coloca as mulheres negras e seus filhos em risco. (Davis, 2020DAVIS, D.-A. Racismo Obstétrico: A Política Racial Da Gravidez, Do Parto E Do Nascimento. Amazônica - Revista de Antropologia, Pará, v. 12, n. 2, p. 751-778, 2020. http://dx.doi.org/10.18542/amazonica.v12i2.9194.
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.185... , p. 753-755)
Nas nossas entrevistas, a maioria das profissionais relatou não ver na sua prática e no seu serviço situações de violência e racismo obstétrico, embora reconhecessem que essas práticas existem.
[…] Nesse tempo todinho de plantão, eu nunca percebi no serviço que eu trabalhei uma mudança na atitude em relação a mulher em questão de cor, né, raça e cor, nunca percebi. Eu sei que a estatística mostra que mulheres negras elas morrem mais. Elas recebem menos métodos não farmacológicos para alívio da dor, elas acabam sofrendo mais violências obstétricas. E eu sei que as evidências mostram isso, mas no serviço eu não tenho percebido isso. Até porque como mulher negra, eu tenho tratado até todas do mesmo jeito, então assim. Eu não percebi dos colegas postura diferente ou inadequada por relação de raça e cor. Mas eu sei que, estatisticamente, isso tem acontecido, né? (Jane, enfermeira obstetra, negra)
Na prática de Jane, além de não reconhecer o racismo no cotidiano, ela revela que não costuma marcar raça nos dados epidemiológicos. Desse modo, esse apagamento da cor/raça inviabiliza a identificação e o enfrentamento do racismo na prática1616Estudos socioantropológicos sobre o racismo no Brasil demonstram as múltiplas facetas dele desde suas transformações históricas, seus aspectos estruturais (Almeida, 2019), recreativos (Moreira, 2020) e o grande papel que o colorismo exerce (Devulsky, 2021). Especialmente o colorismo atua na criação de uma “passabilidade parda” e opera possibilitando ascensão social das pessoas pardas e pretas por meio do seu silenciamento e da expectativa de uma cumplicidade em práticas de branqueamento. Segundo Ana Cláudia Rodrigues da Silva (2022), há uma divisão sociossexual do trabalho do cuidado que leva mulheres negras que atuam no campo da saúde a um papel de servidão. Segundo a autora, “[as] linhas de frente da saúde no Brasil têm cor e gênero, porém, apesar de maioria, as mulheres negras ocupam os cargos mais baixos na hierarquia das profissões assim como nos cargos de decisão política e de gestão” (Silva, 2022 p. 4).. Cabe salientar aqui que as profissionais de saúde estão enfrentando formas de racismo e discriminação. Segundo Ana Cláudia Rodrigues da Silva:
O cuidado em saúde passa pelo crivo da raça e quanto maior a hierarquia nessas profissões mais esse cuidado é questionado, e quanto menos valorizada é a ocupação mais se naturaliza esse cuidado/servidão. Por exemplo: médicas e enfermeiras negras são questionadas quanto à sua competência para estar no lugar de cuidar dos/das pacientes, já auxiliares e técnicas em enfermagem e as que compõem o chamado serviço geral e que fazem o “trabalho indesejado, sujo” não são questionadas quanto ao lugar que ocupam, pois na estrutura da Casa Grande elas estão onde deveriam estar, na cozinha. (Silva, 2022SILVA, A. C. R. da. O Cuidado Negro: mulheres negras profissionais da/na saúde no contexto da Pandemia da covid-19. Novos Debates, Brasília, DF, v. 8, n. 1, e8103, 2022. https://doi.org/10.48006/2358-0097/v8n1.e8103.
https://doi.org/https://doi.org/10.48006... , p. 9)
Outra interlocutora demonstra como tenta dirimir as desigualdades raciais na sua prática:
[…] Então eu nunca presenciei, mas eu sei desses dados e eu tenho certeza que isso acontece! Certeza absoluta. Ali nem tanto porque é isso: por mais que o hospital tenha os seus problemas, ele tem essa vertente de ser mais humanizada […] como geralmente são as enfermeiras obstétricas que acompanham essa mulher e a maioria são mulheres […] eu sinto que tem esse acolhimento. Inclusive eu não vou mentir para você, se tiver duas mulheres no trabalho de parto, uma delas for branca e outra for negra eu vou optar pela mulher negra. Desculpa aí, gente… Mas eu eu opto por esses fatores e outros fatores, né? A gente sabe que são pessoas historicamente [discriminadas], né? Que já não tem nada assim, de afeto, de informação, não estou generalizando, claro, né? Mas assim eu prefiro estar com elas e, sei lá, me entregar e fazer o melhor trabalho possível assim, sabe? […]. Me julguem. [risos] […] Mas eu sei desses dados, são dados reais, […] é muito triste, né, e deprimente você pensar que uma mulher vai receber menos apoio, que esses profissionais vão ser mais violentos, né? Não vão cuidar dela pelo simples fato dessa mulher ser negra. (Comigo-ninguém-pode, doula, branca)
Jane e Comigo-ninguém-pode afirmam saber que existem diferenças relatadas na literatura, apesar de não as terem presenciado na prática. Já Liana traz uma perspectiva contrária:
[…] lá na maternidade a maioria das mulheres que a gente vai atender se declaram pardas ou negras, com escolaridade de ensino fundamental incompleto, muitas vezes analfabetas, poucas vezes a gente vê um ensino médio completo, o ensino superior é bem raro. O que a gente percebe, pelo menos enquanto doulas do SUS, é que há mesmo racismo obstétrico, falo isso sem dados e estatística, mas com a experiência de 3 anos do SUS e pelos partos que já acompanhei, então se percebe um atendimento mais acolhedor e respeitoso à mulher branca, não que elas não passem por violência, passam também, mas com mulheres pretas se percebe, muitas vezes, “uma necessidade” de episiotomia que a gente foi percebendo que eram sempre oferecidas a mulheres negras, que hoje já se tem uma gama de ginecologista obstetras defendendo a sua não utilização e a sua não necessidade no corpo feminino, inclusive denunciando como mutilação genital. Então, quanto a essa questão racial e de escolaridade a gente percebe que o fato delas terem pouca escolaridade faz com que elas se coloquem num lugar de mais subserviência, de não entenderem o processo que está acontecendo, de muitas vezes sofrerem a violência e a gente conversar com elas, explicar que podem ir na ouvidoria, mas não ter o entendimento completo sobre a situação. (Liana, Doula, Branca)
A fala de Liana demonstra a aparente sutileza de como as condutas são diferentes de acordo com a raça/cor das parturientes e nos dá pistas para entender como essas microagressões cotidianas não são percebidas como formas de racismo obstétrico por suas colegas. Portanto, precisamos nos perguntar que ferramentas são necessárias para que os dados epidemiológicos se tornem parte do olhar das profissionais para seu cotidiano de trabalho e como podemos, através da educação permanente e interprofissional, fomentar o letramento racial. A pesquisa tem apontado o que estudiosas e estudiosos sobre o racismo no Brasil denunciam: o desafio de identificar e nomear o racismo e das pessoas se perceberem como racistas (Almeida, 2019ALMEIDA, S. L. De. Racismo estrutural. São Paulo: Pólen, 2019.; Gonzalez, 2020GONZALEZ, L. Por um feminismo afro-latino-americano: ensaios, intervenções e diálogos. Rio de Janeiro: Zahar, 2020.; Bento, 2022BENTO, C. O Pacto da Branquitude. São Paulo: Companhia das Letras, 2022.). As narrativas que apresentamos nos convidam a pensar que trabalhadoras negras, e não somente brancas, podem não identificar o racismo em seus cotidianos, em especial o obstétrico, de modo que nos perguntamos como esse e outros debates vêm sendo inseridos não somente nos serviços, mas também na formação em saúde.
Considerações finais
A socióloga estadunidense Ruha Benjamin aborda como a gravidez e a gestação expõem as mulheres negras. Na contextualização dos dados epidemiológicos deste artigo, trouxemos que das 30 mortes maternas do ano de 2022 em Alagoas, 26 foram de mulheres negras. Esse indicador demonstra o quão mais fortemente as mulheres negras morreram nesse estado em que a maioria das profissionais de saúde não reconheciam práticas de racismo obstétrico. Para Benjamin (2022)BENJAMIN, R. Viral Justice: How we grow the world we want. New Jersey: Princeton University Press,. 2022., a população negra está exposta a julgamentos sociais, tratamento cruel e indiferença, e é essa exposição que produz a mortalidade materna e o racismo obstétrico. A autora ainda nos lembra que, sobretudo no contexto do parto e do nascimento, a vulnerabilidade é uma condição da vida humana. Isso posto, ela pergunta: o que precisamos para criar um mundo em que possamos ser vulneráveis, mas não expostas? Questionamo-nos, ademais, se os podcasts que estamos produzindo poderiam atuar como uma estratégia de EPS capaz de fomentar o enfrentamento do racismo e violência obstétrica no nosso estado. Que outras ferramentas podem sensibilizar/formar/convocar estudantes, docentes, trabalhadoras e gestoras à transformação efetiva de/nas suas práxis?
Nas próximas etapas do projeto, buscaremos avaliar como e se os podcasts impactam as profissionais nas suas práticas. Ao longo do projeto, temos aprendido muito sobre como a EPS nos desafia como pesquisadoras e professoras. Não se trata apenas de criar e formatar novas diretrizes em conformidade com as últimas evidências científicas no campo ou divulgá-las. As profissionais que entrevistamos conhecem os dados e sabem da existência de condutas nocivas como a violência e o racismo obstétrico. A mudança na saúde materna e infantil depende de uma transformação no modo de compreender e agir para com as mulheres, pois cada uma delas importa e precisa ser tratada com respeito e dignidade a partir das melhores evidências científicas de cuidado disponível.
Referências
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- MEDEIROS, P. F. de; GUARESCHI, N. M. de F. Políticas públicas de saúde da mulher: a integralidade em questão. Revista Estudos Feministas , Florianópolis, v. 17, n. 1, p. 31-48, 2009. https://doi.org/10.1590/S0104-026X2009000100003.
» https://doi.org/https://doi.org/10.1590/S0104-026X2009000100003 - MOREIRA, A. Racismo Recreativo. São Paulo: Pólen Livros, 2020.
- OGATA, M. N. et al. Interfaces between permanent education and interprofessional education in health. Revista da Escola de Enfermagem da USP, São Paulo, n. 55, e03733, 2021. https://doi.org/10.1590/S1980-220X2020018903733.
» https://doi.org/https://doi.org/10.1590/S1980-220X2020018903733 - ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). Redução das desigualdades no período de uma geração: Igualdade na saúde através da acção sobre os seus determinantes sociais− Relatório Final da Comissão para os Determinantes Sociais da Saúde. Lisboa: OMS, 2010. Disponível em: Disponível em: https://iris.who.int/bitstream/handle/10665/43943/9789248563706_por_contents.pdf?sequence=8&isAllowed=y Acesso em: 2 mai. 2024.
» https://iris.who.int/bitstream/handle/10665/43943/9789248563706_por_contents.pdf?sequence=8&isAllowed=y - OBSERVATÓRIO OBSTÉTRICO BRASILEIRO (OOBr). Painel de Vigilância da Saúde Materna. 2024. Disponível em: Disponível em: https://observatorioobstetrico.shinyapps.io/painel-vigilancia-saude-materna/ Acesso em: 15 mai. 2024.
» https://observatorioobstetrico.shinyapps.io/painel-vigilancia-saude-materna/ - RODRIGUES, T. Gestar, parir, morrer: mulheres negras, morte materna e o racismo na saúde. Recife: SOS Corpo, 2023. Disponível em: https://soscorpo.org/?p=18977
» https://soscorpo.org/?p=18977 - SECRETARIA DE ESTADO DA SAÚDE DE ALAGOAS (SESAU). Plano Estadual de Saúde de Alagoas 2020-2023. Disponível em https://www.saude.al.gov.br/wp-content/uploads/2020/09/PES-2020-2023.pdf (2021)
» https://www.saude.al.gov.br/wp-content/uploads/2020/09/PES-2020-2023.pdf - SILVA, A. C. R. da. O Cuidado Negro: mulheres negras profissionais da/na saúde no contexto da Pandemia da covid-19. Novos Debates, Brasília, DF, v. 8, n. 1, e8103, 2022. https://doi.org/10.48006/2358-0097/v8n1.e8103.
» https://doi.org/https://doi.org/10.48006/2358-0097/v8n1.e8103
- 1Trecho da música “Meu Maracatu é Arma”, da cantora e compositora alagoana Fernanda Guimarães.
- 2As aspas aqui expressam algumas das controvérsias que envolvem o uso do termo saúde materno-infantil nas políticas públicas, debate fomentado por estudos de gênero e sexualidade, movimentos feministas e de mulheres ao longo do tempo. Por um lado, destacamos a centralização no ciclo gravídico-puerperal com enfoque na mãe, que retira de cena o protagonismo e autonomia da mulher enquanto sujeita - e de outros corpos que vivenciam o ciclo -, reduzindo-a a um corpo que gesta. O foco aqui parece ser no cuidado com o feto e com a criança, mesmo quando o acompanhamento se dá por meio de intervenções no corpo da mulher. Por outro lado, nos convocam à oferta de um cuidado em saúde integral das mulheres e de outras pessoas que vivenciam o ciclo, que considera outras necessidades para além da saúde reprodutiva. De modo a demandar que a assistência em saúde fomente e garanta o protagonismo do “sujeito-mulher-cidadã da saúde […] que tem direitos sobre o seu corpo, sobre si” (Medeiros; Guareschi, 2009MEDEIROS, P. F. de; GUARESCHI, N. M. de F. Políticas públicas de saúde da mulher: a integralidade em questão. Revista Estudos Feministas , Florianópolis, v. 17, n. 1, p. 31-48, 2009. https://doi.org/10.1590/S0104-026X2009000100003.
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/... , p. 41). - 3Priorizaremos o termo mulheres e o gênero feminino ainda que consideremos que outros corpos com útero, para além das mulheres cisgêneras, também vivenciam experiências de gestar, parir, puerperar e abortar, demandando um cuidado integral e equitativo que reconheça suas singularidades e necessidades.
- 4Partes deste projeto de pesquisa foram contempladas pelo financiamento do Edital Pró-Humanidades do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), integrando a Rede REMA - Maternidades destituídas, violadas e violentadas: construção de redes de pesquisa, acolhimento e formação em torno do direito às maternidades(2023-2024) e pelo Edital de Auxílio à Pesquisa - Ciências Humanas; Ciências Sociais e Aplicadas; Linguística, Letras e Artes da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas FAPEAL(2022). Esta pesquisa também é parte do projeto desenvolvido pela autora Débora Allebrandt, financiado por uma Bolsas de Produtividade em Pesquisa - PQ pelo CNPq.
- 5Realizamos até o momento 34 entrevistas, dialogando no interior dos seguintes eixos temáticos: decisões reprodutivas, acompanhamento pré-natal, atenção ao parto, puerpério, amamentação e cuidados com o/a bebê até os 2 anos de idade.
- 6Usamos a expressão marca-dores escrita com hífen para enfatizar que as questões de gênero, cor, raça, etnia, classe, deficiência, sexualidade, território, geração, entre outras, em uma sociedade estruturada pelo racismo, capitalismo, cis-heteropatriarcado, etarismo e adultocentrismo, capacitismo, marcam com dores os corpos, a subjetividade e as vidas dos sujeitos e sujeitas consideradas subalternas, marginalizadas, dissidentes. No campo da saúde, é comum o uso de “determinantes sociais de saúde e/ou determinação social de saúde”, que podem ser considerados sinônimos ou não a depender da concepção teórica que se parte. Há críticas sobre o modo como a Organização Mundial de Saúde (OMS), em 2010ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). Redução das desigualdades no período de uma geração: Igualdade na saúde através da acção sobre os seus determinantes sociais− Relatório Final da Comissão para os Determinantes Sociais da Saúde. Lisboa: OMS, 2010. Disponível em: Disponível em: https://iris.who.int/bitstream/handle/10665/43943/9789248563706_por_contents.pdf?sequence=8&isAllowed=y . Acesso em: 2 mai. 2024.
https://iris.who.int/bitstream/handle/10... , usou o termo determinantes sociais de saúde, muito articulado à ideia de desigualdade. De acordo com Carolina Borghi, Rosely Oliveira e Gil Sevalho (2018BORGHI, C. M. S. DE O.; OLIVEIRA, R. M. DE; SEVALHO, G. Determinação ou determinantes sociais da saúde: texto e contexto na américa latina. Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v. 16 n. 3, p. 869-897, 2018. Disponível em: https://www.scielo.br/j/tes/a/jJpLdWtYsCMVV8YQm6PqMFk/#. Acesso em: 10 mai. 2024., p. 886), essa concepção “[…] não considera a historicidade e, consequentemente, o caráter de processo em que se situam as questões sociais; e ao fragmentar contextos em fatores, impõe uma ordenação linear aos determinantes.” - 7Contribuíram com a pesquisa as docentes Andrea Marques Fregadolli e Maria de Lourdes Fonseca Vieira e as estudantes Bruna Campelo, Izabella Carvalho e Pedro Santos Matheus Soares da Faculdade de Medicina da UFAL; as estudantes Pietra Gonzalez, Geane Lima, Maria Beatriz Alencar, Maria Daniella Souza, Marielle Teixeira, Gabriela Borguetti e Kemilly Jacinto do curso de Psicologia da UFAL; as estudantes Yrla Silva e Giovanna Corrêa do curso de Ciências Sociais e as pesquisadoras voluntárias: Bárbara Oliveira; Débora Brandão, Rayane Oliveira, Melissa Moura Saraiva, Yara Lima da Costa, Thaísa Ferreira Cerqueira, Thaysa Guedes, Lousanny Caires Rocha, José Carlos S. Freitas, Izabella Regina Almeida Santos Carvalho, Ana Cecilia Silvestre Silva e Jacymara Teixeira da Silva Pinheiro.
- 8Produzimos uma animação de apresentação da pesquisa, cartazes informativos sobre os diferentes tipos de participação (instituição e equipe responsável, caráter voluntário, anonimato das participantes, abrangência estadual, encontro online etc.), incluídos no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
- 9Destacamos também o trabalho de Helena Hirata (2016)HIRATA, H. Subjetividade e sexualidade no trabalho de cuidado. Cadernos Pagu, Campinas, n. 46, p. 151-163, 2016. https://doi.org/10.1590/18094449201600460151.
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/... , que aborda a dimensão do gênero e da sexualidade no trabalho do cuidado e como essa relação se faz presente desde a subjetividade de cuidadoras e cuidados num trabalho comparativo no contexto da gerontologia entre Brasil, França e Japão. Para Hirata (2014)HIRATA, H. Gênero, classe e raça: interseccionalidade e consubstancialidade das relações sociais. Tempo Social, São Paulo, v. 26, n. 1, p. 61-73, 2014. https://doi.org/10.1590/S0103-20702014000100005.
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/... , que dialoga com o feminismo francês, o trabalho do cuidado deve ser examinado a partir de noções de consubstancialidade e interseccionalidade entre gênero, classe e raça. Nos resultados de sua pesquisa comparativa, nota-se que o que une as trabalhadoras do cuidado nos três países é a vulnerabilidade social e a precarização do itinerário de trabalho. - 10Disponível em: Disponível em: https://egestorab.saude.gov.br/paginas/acessoPublico/relatorios/relHistoricoCoberturaAB.xhtml
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- 14As histórias compartilhadas serão empregadas na construção de episódios de podcast que, enquanto insumos para ações de educação permanente, conformam uma estratégia de aproximação entre as situações concretas (identificadas pelas trabalhadoras como desafiadoras para a assistência à saúde materno-infantil), resultados de pesquisas científicas e reflexão sobre as boas práticas.
- 15A educação/formação continuada é uma das expressões da EPS, segundo a Portaria MS/GM nº 1.996, de 20 de agosto de 2007. Refere-se ao processo de formação, geralmente disciplinar, que a própria pessoa trabalhadora realiza no intuito de se atualizar sobre determinada temática, que não necessariamente corresponde aos conhecimentos necessários para o desempenho das funções que realiza no serviço. Já a EPS visa a melhoria do processo de trabalho dentro dos serviços, sendo considerada educação para o trabalho, pelo trabalho e no trabalho, construída de modo coletivo com/entre as equipes, que se movimentam para identificarem os desafios que encontram nos cotidianos de trabalho e, ao refletirem e dialogarem sobre eles coletivamente, buscam estratégias de superação de modo colaborativo. (Brasil, 2009BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Departamento de Gestão da Educação em Saúde . Política Nacional de Educação Permanente em Saúde. Brasília, DF: Ministério da Saúde , 2009. Disponível em: Disponível em: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/centraisdeconteudo/publicacoes/educacao-e-pesquisa/qualificacao-profissional-em-vigilancia-sanitaria/politica-nacional-de-educacao-permanente-em-saude.pdf/view . Acesso em: 2 mai. 2024.
https://www.gov.br/anvisa/pt-br/centrais... ) - 16Estudos socioantropológicos sobre o racismo no Brasil demonstram as múltiplas facetas dele desde suas transformações históricas, seus aspectos estruturais (Almeida, 2019ALMEIDA, S. L. De. Racismo estrutural. São Paulo: Pólen, 2019.), recreativos (Moreira, 2020MOREIRA, A. Racismo Recreativo. São Paulo: Pólen Livros, 2020.) e o grande papel que o colorismo exerce (Devulsky, 2021DEVULSKY, A. Colorismo. São Paulo: Jandaíra, 2021.). Especialmente o colorismo atua na criação de uma “passabilidade parda” e opera possibilitando ascensão social das pessoas pardas e pretas por meio do seu silenciamento e da expectativa de uma cumplicidade em práticas de branqueamento. Segundo Ana Cláudia Rodrigues da Silva (2022)SILVA, A. C. R. da. O Cuidado Negro: mulheres negras profissionais da/na saúde no contexto da Pandemia da covid-19. Novos Debates, Brasília, DF, v. 8, n. 1, e8103, 2022. https://doi.org/10.48006/2358-0097/v8n1.e8103.
https://doi.org/https://doi.org/10.48006... , há uma divisão sociossexual do trabalho do cuidado que leva mulheres negras que atuam no campo da saúde a um papel de servidão. Segundo a autora, “[as] linhas de frente da saúde no Brasil têm cor e gênero, porém, apesar de maioria, as mulheres negras ocupam os cargos mais baixos na hierarquia das profissões assim como nos cargos de decisão política e de gestão” (Silva, 2022SILVA, A. C. R. da. O Cuidado Negro: mulheres negras profissionais da/na saúde no contexto da Pandemia da covid-19. Novos Debates, Brasília, DF, v. 8, n. 1, e8103, 2022. https://doi.org/10.48006/2358-0097/v8n1.e8103.
https://doi.org/https://doi.org/10.48006... p. 4).
- 1Excerpt from the song “Meu Maracatu é Arma” by singer and composer Fernanda Guimarães from Alagoas.
- 2The quotation marks here express some controversies surrounding using the term maternal and child health in public policies, a debate fostered by gender and sexuality studies and feminist and women’s movements over time. On the one hand, we highlight the centralization of the pregnancy-puerperal cycle with a focus on the mother, which removes the woman’s protagonism and autonomy as a subject—and of other bodies that experience the cycle—from the scene, reducing her to a body that gestates. The focus here seems to be on the care of the fetus and the child, even when the monitoring is done via interventions on the woman’s body. On the other hand, they call on us to offer comprehensive health care to women and other people who experience the cycle, which considers needs other than reproductive health. To demand that health care promotes and guarantees the protagonism of the “subject-woman-citizen of health […] who has rights over her body, over herself” (Medeiros; Guareschi, 2009MEDEIROS, P. F. de; GUARESCHI, N. M. de F. Políticas públicas de saúde da mulher: a integralidade em questão. Revista Estudos Feministas , Florianópolis, v. 17, n. 1, p. 31-48, 2009. https://doi.org/10.1590/S0104-026X2009000100003.
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/... , p. 41, free translation). - 3We will prioritize the term women and the feminine gender even though we consider that other bodies with uteruses, in addition to cisgender women, also experience experiences of gestation, birth, puerperium, and abortion, demanding comprehensive and equitable care that recognizes their singularities and needs.
- 4Parts of this research project were supported by funding from the Pro-Humanities Call for Proposals from the National Council for Scientific and Technological Development (CNPq), as part of the REMA Network - Maternities destitute, violated and abused: construction of research, support and training networks around the right to maternity (2023-2024) and by the Call for Research Support - Human Sciences; Social and Applied Sciences; Linguistics, Literature, and Arts from the Alagoas Research Foundation - FAPEAL (2022). This research is also part of the project developed by the author Débora Allebrandt, funded by a Research Productivity Grant - PQ from CNPq.
- 5So far, we have conducted 34 interviews discussing the following thematic axes: reproductive decisions, prenatal monitoring, childbirth care, postpartum care, breastfeeding, and care for babies up to 2 years of age.
- 6We use the term pain-markers instead of markers to emphasize that issues of gender, color, race, ethnicity, class, disability, sexuality, territory, and generation, among others, in a society structured by racism, capitalism, cis-heteropatriarchy, ageism, and adult-centrism, ableism, mark with pain the bodies, subjectivity, and lives of subjects considered subordinate, marginalized, and dissident. In the health field, it is common to use “social determinants of health and/or social determination of health,” which may or may not be synonyms depending on the theoretical conception used. There is criticism about how the World Health Organization (WHO), in 2010ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). Redução das desigualdades no período de uma geração: Igualdade na saúde através da acção sobre os seus determinantes sociais− Relatório Final da Comissão para os Determinantes Sociais da Saúde. Lisboa: OMS, 2010. Disponível em: Disponível em: https://iris.who.int/bitstream/handle/10665/43943/9789248563706_por_contents.pdf?sequence=8&isAllowed=y . Acesso em: 2 mai. 2024.
https://iris.who.int/bitstream/handle/10... , used the term social determinants of health, which is very much linked to the idea of inequality. According to Carolina Borghi, Rosely Oliveira, and Gil Sevalho (2018BORGHI, C. M. S. DE O.; OLIVEIRA, R. M. DE; SEVALHO, G. Determinação ou determinantes sociais da saúde: texto e contexto na américa latina. Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v. 16 n. 3, p. 869-897, 2018. Disponível em: https://www.scielo.br/j/tes/a/jJpLdWtYsCMVV8YQm6PqMFk/#. Acesso em: 10 mai. 2024., p. 886), this conception “[…] does not consider the historicity and, consequently, the processual nature in which social issues are situated; and by fragmenting contexts into factors, it imposes a linear ordering on the determinants.” - 7The following people contributed to the research: professors Andrea Marques Fregadolli and Maria de Lourdes Fonseca Vieira and students Bruna Campelo, Izabella Carvalho, and Pedro Santos Matheus Soares from the School of Medicine at UFAL; the students Pietra Gonzalez, Geane Lima, Maria Beatriz Alencar, Maria Daniella Souza, Marielle Teixeira, Gabriela Borguetti, and Kemilly Jacinto from the Psychology course at UFAL; the students Yrla Silva and Giovanna Corrêa from the Social Sciences course and volunteer researchers Bárbara Oliveira; Débora Brandão, Rayane Oliveira, Melissa Moura Saraiva, Yara Lima da Costa, Thaísa Ferreira Cerqueira, Thaysa Guedes, Lousanny Caires Rocha, José Carlos S. Freitas, Izabella Regina Almeida Santos Carvalho, Ana Cecilia Silvestre Silva, and Jacymara Teixeira da Silva Pinheiro.
- 8We produced an animation presenting the research and informative posters about the different types of participation (institution and responsible team, voluntary nature, anonymity of participants, state coverage, online meeting, etc.) included in the Informed Consent Form (ICF).
- 9We also highlight the work of Helena Hirata (2016)HIRATA, H. Subjetividade e sexualidade no trabalho de cuidado. Cadernos Pagu, Campinas, n. 46, p. 151-163, 2016. https://doi.org/10.1590/18094449201600460151.
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/... , who addresses the dimension of gender and sexuality in care work and how this relationship is present from the subjectivity of caregivers and those receiving care in a comparative study of gerontology between Brazil, France, and Japan. For Hirata (2014)HIRATA, H. Gênero, classe e raça: interseccionalidade e consubstancialidade das relações sociais. Tempo Social, São Paulo, v. 26, n. 1, p. 61-73, 2014. https://doi.org/10.1590/S0103-20702014000100005.
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/... , who dialogues with French feminism, care work should be examined based on notions of consubstantiality and intersectionality between gender, class, and race. The results of her comparative research show that what unites care workers in the three countries is social vulnerability and the precariousness of the work itinerary. - 10
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- 14The shared stories will be used to create podcast episodes that, as inputs for ongoing education actions, form a strategy for bringing together concrete situations (identified by workers as challenging for maternal and child health care), scientific research results, and reflection on good practices.
- 15Continuing education/training is one of the expressions of EPS, according to Ordinance MS/GM No. 1,996 of August 20, 2007. It refers to the training process, usually disciplinary, that the workers themselves undertake to update themselves on a certain topic, which does not necessarily correspond to the knowledge necessary to perform the functions they perform in the service. EPS, on the other hand, aims to improve the work process within the services, being considered education for work, through work, and at work, constructed collectively with/among teams, which move to identify the challenges they encounter in their daily work and, by reflecting and discussing them collectively, seek strategies for overcoming them collaboratively. (Brasil, 2009BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Departamento de Gestão da Educação em Saúde . Política Nacional de Educação Permanente em Saúde. Brasília, DF: Ministério da Saúde , 2009. Disponível em: Disponível em: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/centraisdeconteudo/publicacoes/educacao-e-pesquisa/qualificacao-profissional-em-vigilancia-sanitaria/politica-nacional-de-educacao-permanente-em-saude.pdf/view . Acesso em: 2 mai. 2024.
https://www.gov.br/anvisa/pt-br/centrais... )
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
10 Jan 2025 - Data do Fascículo
2024
Histórico
- Recebido
15 Maio 2024 - Revisado
15 Maio 2024 - Aceito
28 Maio 2024