COSTA, A.B. et al. O Direito achado na rua introdução crítica ao direito à saúde. Brasília: CEAD/UnB.2008.
O quarto volume da série Direito Achado na Rua é dedicado ao tema da saúde, aglutinando vários textos para mais um curso à distância na Universidade de Brasília, O Direito do Trabalho e o Direito Agrário já foram assunto nesta série, organizada para “capacitar assessorias jurídicas de movimentos sociais que possam reconhecer a atuação jurídica dos novos sujeitos coletivos e as experiências por eles desenvolvidas de criação de direito” (p. 17). Reconhecendo o quanto “o movimento social pela reforma sanitária se configurou como um dos mais fortes protagonistas durante o processo constituinte que desaguou na Constituição de 1988” e caracterizando-o como uma “experiência carregada de ampla participação política dos sujeitos sociais e presença ativa na esfera pública – a rua – para formar opiniões” (p. 17), os organizadores inscrevem o Direito à Saúde como parte de tais práticas sociais que enunciam direitos, fazendo-o ocupar um volume dividido em seis unidades. Cada uma delas com um número de módulos, os quais variam de três a sete, contabilizando 30 textos.
Esses módulos se ocupam de uma ampla diversidade de temas, desde os clássicos do Direito Sanitário – vigilância sanitária – até os emergentes – a bioética. Do mesmo modo que a coletânea sobre o assunto publicada pelo Ministério da Saúde (2003)BRASIL. Ministério da Saúde. Direito Sanitário e Saúde Público. Brasilia: Ministério da Saúde, 2003., este volume reúne temas relevantes para a consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS), atualizando alguns deles – ética sanitária e direito internacional sanitário – e acrescentando muitos outros – judicialização da saúde e biodiversidade, por exemplo.
Na primeira unidade, ‘Construindo as Bases da Discussão’, a relação entre as cidadanias local, nacional, regional e global, no contexto da formação da União Europeia, é assunto no primeiro módulo, afirmando que a perspectiva de consolidação de uma cidadania regional tem efeitos sobre a garantia do direito à saúde para as populações nacionais. Esta mesma consolidação estimulou a formação de ‘redes de saúde’, como as ‘redes do câncer’, constituídas por diversos sistemas de atores sociais com o intuito de colocar em comum os vários elementos do meio de atendimento médico e social, transmitindo e coordenando os recursos existentes e, assim, gerando estruturas fortemente conexas (p. 40), Não seria este um exemplo internacional do que esperase nacionalmente no contexto da implantação do SUS no Brasil, a efetivação do princípio da participação da comunidade? Por sinal, a participação da comunidade é um assunto que comparece em todas as unidades.
Na segunda unidade, ‘Evolução do Direito à Saúde’, o segundo módulo menciona que o direito à saúde é uma “obra nunca acabada”, de modo que “[...] sua concretização é permanente e dependente da participação de vários atores sociais e dos poderes estatais,” (p. 105), entre eles a sociedade civil e o Poder Legislativo. Assim, apresenta-se o Observatório da Saúde no Legislativo1, “[...] resultado da recomendação das instituições de saúde para maior transparência no acompanhamento das proposições legislativas em saúde no cenário nacional” (p. 107), considerado um potente instrumento de participação social no SUS.
Na terceira unidade, ‘A Saúde como instrumento de inclusão social’, os conselhos de saúde são abordados de uma perspectiva habermasiana em um dos módulos, no qual se afirma que cumprem melhor a sua competência fiscalizatória do que a deliberativa (p. 174), Na quarta unidade, ‘Do direito às ações concretas’, o controle social é incluído entre os grandes desafios que se colocam às políticas públicas, juntamente com a transversalidade e a descentralização (p. 277-278), Já na quinta, “Instituições e Saúde”, recuperam-se dois autores – Gohn e Gavronski – para tratar do funcionamento dos conselhos em um dos módulos. De um lado, ainda que os conselhos executassem mais sua competência deliberativa do que a fiscalizatória, isso “[...] não garante sua implementação efetiva [das decisões], pois não há estruturas jurídicas que dêem amparo legal e obriguem o executivo a acatar as decisões dos conselhos [...]” (p. 343). De outro lado, diz-se que “[...] os dispositivos que estabelecem o gestor como presidente nato dos conselhos de saúde são inconstitucionais [...]” (p. 342).
Em ‘Os Desafios Emergentes do Direito à Saúde’, a perspectiva que opõe direito à saúde e direito de propriedade intelectual na querela sobre as patentes farmacêuticas é colocada em questão no terceiro módulo, citando o exemplo dos medicamentos antirretrovirais para sublinhar uma modalidade de participação social, que articula o Estado e a Sociedade Civil de maneira diferenciada. Levando em conta
[...] a abertura de negociações com grandes laboratórios internacionais para licenciamento voluntário de seus medicamentos com o objetivo de diminuição dos gastos necessários ao Programa DST/AIDS,
nota-se que essa ‘luta’ do ‘Governo Brasileiro’ levou ao
[...] aprendizado de que o investimento na geração de parque tecnológico nacional [Complexo Tecnológico de Medicamentos de Farmanguinhos] é fundamental para viabilizar a plena extensão do direito à saúde, bem como para implementação da devida limitação dos direitos de propriedade intelectual (p. 406).
Assim, “[...] sem o investimento na institucionalização de meios para abertura das opções políticas, por mais que sejam abertos novos espaços de participação, eles serão cada dia menos valiosos para a sociedade” (p. 406).
Tal como a participação da comunidade, os princípios constitucionais da descentralização da gestão e do atendimento integral também comparecem no volume. No sexto módulo da quarta unidade, apresentam-se os efeitos da “burocratização da descentralização”: a “[...] baixa velocidade na implementação do SUS” e a “desresponsabilização” (p. 323). Defende-se que
o sistema de saúde foi feito ‘único’ pela Constituição para que o titular do direito pudesse exigir a sua totalidade de qualquer um dos seus integrantes [...], não sendo cabível que qualquer um deles se exima de seus deveres apontando a responsabilidade de outro. (p. 323).
No sétimo módulo da terceira unidade indica-se um dos impasses no alcance da integralidade em saúde, a situação das prisões, por meio de uma análise do Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário e da difícil “[...] superação dessa (falsa) tensão entre segurança e assistência [...]” (p. 249).
Finalizando, vale retomar os temas emergentes do Direito Sanitário elencados no terceiro módulo da primeira unidade (p. 74). Nota-se que, apesar de contar com tantos textos, ficaram algumas lacunas no volume: particularmente, a saúde suplementar. Além disso, nota-se que mais de um módulo trata do mesmo assunto, como é o caso da saúde mental (3 dos 30). Porém, isso pode ser redimensionado em uma futura publicação desse curso, que se tornou latino-americano em 2011 e que tem muito a oferecer para a formação de pessoas implicadas com a consolidação do direito à saúde, sejam eles sanitaristas ou juristas, entre muitos outros.
- 1Desenvolvido pelo Programa de Direito Sanitário da FIOCRUZ Brasília, em parceria com a Consultoria Legislativa do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, o Observatório pode ser acessado no site http://observatorio.fiocruz.br.
Referências
- BRASIL. Ministério da Saúde. Direito Sanitário e Saúde Público. Brasilia: Ministério da Saúde, 2003.
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
11 Ago 2023 - Data do Fascículo
Jan-Mar 2012