X Conferência Municipal de Saúde Conselheiro Evaristo Garcia: a experiência democrática de Belo Horizonte

10th Municipal Conference of Health of Belo Horizonte Evaristo Garcia Counselor: the democratic experience in Belo Horizonte

Ana Maria Caldeira Oliveira Paulo César Machado Pereira Sueli Gandolfi Dallari Sobre os autores

RESUMO

Este artigo analisou a dinâmica do processo conferencista adotado na X Conferência Municipal de Saúde de Belo Horizonte. A metodologia utilizada foi a qualitativa, com o uso da técnica de análise de conteúdo. A X Conferência cumpriu a etapa local, realizando cerca de 150 conferências locais, e a distrital, com a realização de nove conferências distritais. Como insumo, as conferências contaram com os documentos apresentados pela: Gestão, Plenária de Usuários e dos Trabalhadores. O processo conferencista, ao transitar documentos para discussão e formulação das políticas, pode ser tomado como referência na construção coletiva das políticas municipais de saúde.

PALAVRAS-CHAVE:
Participação da comunidade; Conselhos de saúde; Conferências de saúde; Política de saúde

ABSTRACT

This study has analyzed the dynamics of the conference process adopted during the 10th Municipal Conference of Health of Belo Horizonte. The methodology used was the qualitative method, with the analysis technique of the contents of the documents. The 10th Conference accomplished the local phase, performing 150 local conferences and the regional one, with the completion of 9 district conferences. As an input, the conferences used documents presented by the administration, the User’s and the Worker’s Plenary. The process of accomplishing the 10th Conference, offering documents for discussion and formulation of policies, can be taken as a reference for the collective creation of health policies.

KEYWORDS:
Consumer participation; Health councils; Health conferences; Health policy

Introdução

Mais de 20 anos se passaram desde a promulgação da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988BRASIL. Ministério da Saúde. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.), que, sob influência da abertura democrática e da necessidade de promover justiça social para os cidadãos brasileiros, trazia a diretriz da participação da comunidade como uma das premissas para a democratização do país.

Na área da saúde, essa diretriz constitucional foi regulamentada pela Lei Federal n.º 8.142/90, que instituiu instâncias colegiadas – as conferências de saúde e os conselhos de saúde. De acordo com essa lei, os conselhos são órgãos permanentes e possuem caráter deliberativo, devendo atuar na “formulação de estratégias e no controle da execução da política de saúde” (BRASIL, 1990BRASIL. Ministério da Saúde. Lei n.º 8.142, de 28 de dezembro de 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil-03/leis/L8142.htm>. Acesso em: 6 nov. 2010.
http://www.planalto.gov.br/ccivil-03/lei...
, art 1º, § 2º), Por sua vez, as conferências devem se reunir a cada quatro anos, ordinariamente, com o objetivo de “avaliar a situação de saúde e propor diretrizes para a formulação da política de saúde” (BRASIL, 1990BRASIL. Ministério da Saúde. Lei n.º 8.142, de 28 de dezembro de 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil-03/leis/L8142.htm>. Acesso em: 6 nov. 2010.
http://www.planalto.gov.br/ccivil-03/lei...
, art 1º, § 1º).

Cortes (2009, p. 118) esclarece que “as conferências são fóruns complexos e eventuais”, cabendo aos conselhos de saúde a definição da dinâmica de trabalho a ser adotada em cada processo conferencista, Ainda, segundo a autora, a maneira como os atores societais e estatais participam nas conferências está relacionada à definição das regras de funcionamento de cada processo.

O município de Belo Horizonte realizou sua I Conferência Municipal de Saúde, intitulada ‘Préconferência’, no primeiro semestre de 1986, com a finalidade de eleger delegados visando à participação do município na Pré-conferência Estadual e, em seguida, na histórica VIII Conferência Nacional de Saúde (LUCAS; CAMPOMIZZI, 1998LUCAS, S.D.; CAMPOMIZZI, J.B. A participação cidadã no controle do Sistema Único de Saúde em Belo Horizonte. In: REIS, A.T.; CAMPOS, C. (Org). Sistema Único de Saúde em BH: reescrevendo o público. São Paulo: Xamã, 1998. p. 51-80.), também conhecida como Pré-Constituinte. Escorei e Moreira (2009)ESCOREL, S.; MOREIRA, M.R. Desafios da participação social em saúde na nova agenda da reforma sanitária: democracia deliberativa e efetividade. In: FLEURY, S.; LOBATO, L.V.C. (Org). Participação, democracia e saúde. Rio de Janeiro: CEBES, 2009. p. 229-247. observaram que a VIII Conferência alterou a composição tradicional das conferências, até então restritas aos setores técnicos e à burocracia governamental.

A II Conferência Municipal de Saúde foi realizada em novembro de 1990, com o objetivo de discutir as políticas de saúde do município e, principalmente, constituir um conselho de saúde. Lucas e Campomizzi (1998)LUCAS, S.D.; CAMPOMIZZI, J.B. A participação cidadã no controle do Sistema Único de Saúde em Belo Horizonte. In: REIS, A.T.; CAMPOS, C. (Org). Sistema Único de Saúde em BH: reescrevendo o público. São Paulo: Xamã, 1998. p. 51-80. relataram que, nessa conferência, aprovou-se o estaturo propondo a organização, a atuação e o funcionamento do Conselho Municipal de Saúde de Belo Horizonte (CMSBH).

Oliveira (2010)OLIVEIRA, A.M.C. Vigilância sanitária, participação social e cidadania. São Paulo, 2010. 198f. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública) – Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, 2010. observou que o movimento desencadeado para a criação do CMSBH antecede a própria legislação federal, que institucionalizou essas instâncias colegiadas. Dessa forma, evidencia-se que a criação do CMSBH, ao contrário da grande maioria dos conselhos de saúde, teve como motivação não a exigência legal de sua existência, vinculada à transferência de recursos financeiros da esfera federal, mas a real possibilidade de participação e controle das ações do Estado.

Além disso, comprova-se, na prática, a afirmação de Carvalho (1997)CARVALHO, A.I. Conselhos de saúde, responsabilidade pública e cidadania: a reforma sanitária como reforma do Estado. In: FLEURY, S. (Org). Saúde e democracia: a luta do Cebes. Rio de Janeiro: Lemos Editorial, 1997. p. 93-111., para quem os conselhos e conferências se constituem em um objeto indivisível e, dessa maneira, uma instância é acionada para dar origem à outra, ou seja, a conferência de saúde é convocada para criar o conselho de saúde.

X Conferência Municipal de Saúde de Belo Horizonte Conselheiro Evaristo Garcia

A X Conferência Municipal de Saúde Conselheiro Evaristo Garcia, realizada em Belo Horizonte, em dezembro de 2009, teve como mote “Sistema Único de Saúde (SUS): o desafio de uma cidade saudável” (BELO HORIZONTE, 2009c, p. 4BELO HORIZONTE. Secretaria Municipal de Saúdede Belo Horizonte [Internet]. X Conferência Municipal de Saúde Conselheiro Evaristo Garcia. SUS: o desafio de uma cidade saudável. Relatório final, 2009c. Disponivel em: <http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/noticia.do?evento=portlet&pAc=not&idConteudo=35816&pldPlc=&app=salanoticiasx Acesso em: 5 nov. 2010.
http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/noti...
). Essa conferência foi fruto de um chamamento conjunto da Secretaria Municipal de Saúde (SMSA) e do CMSBH. Tratava-se de uma conferência extraordinária, sem a realização das etapas estadual e nacional.

Dessa maneira, a X Conferência foi convocada para debater, exclusivamente, a agenda política de ação e luta em defesa do SUS e as diretrizes fundamentais para a formatação do Plano Municipal de Saúde de Belo Horizonte, referente ao período de 2010 a 2013 (BELO HORIZONTE, 2009cBELO HORIZONTE. Secretaria Municipal de Saúdede Belo Horizonte [Internet]. X Conferência Municipal de Saúde Conselheiro Evaristo Garcia. SUS: o desafio de uma cidade saudável. Relatório final, 2009c. Disponivel em: <http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/noticia.do?evento=portlet&pAc=not&idConteudo=35816&pldPlc=&app=salanoticiasx Acesso em: 5 nov. 2010.
http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/noti...
).

O Plano Municipal de Saúde 2005-2008 teve sua vigência prorrogada até 2009 pelo CMSBH, em maio de 2008. Tal fato visava a atender as orientações do Sistema de Planejamento do SUS – PlanejaSUS (BRASIL, 2007BRASIL. Ministério da Saúde. Sistema de planejamento do SUS: uma construção coletiva - Instrumentos básicos. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2007.), fazendo com que haja coincidência do próximo Plano de Saúde com o período de validade do Plano Plurianual de Ações Governamentais – PPAG (BELO HORIZONTE, 2009aBELO HORIZONTE. Secretaria Municipal de Saúdede Belo Horizonte [Internet]. Sistema Único de Saúde, relatório de gestão 2008, 2009a. Disponível em: <http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/comunidade.do?evento=portlet&pldPlc=ecpTaxonomiaMenuPortal&app=saude&tax=15393&lang=pt_BR&pg=5571&taxp=0&>. Acesso em: 14 nov. 2010.
http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/comu...
).

A X Conferência cumpriu a etapa local, realizando cerca de 150 conferências locais de saúde e a etapa distrital, com a realização das nove conferências distritais de saúde, referentes aos nove distritos sanitários existentes em Belo Horizonte. Para tanto, utilizou-se de uma dinâmica processual de priorização ascendente de proposições, a partir de uma matriz comum de relatório final para cada etapa realizada.

Adotar uma matriz para os relatórios significava a garantia mínima de um processo uniforme na X Conferência e facilitação na elaboração dos consolidados locais, que subiram a cada uma das nove conferências distritais e, no mesmo sentido, dos nove relatórios distritais que foram consolidados num único, que foi objeto de debate na X Conferência.

Como insumo para as discussões, as conferências contaram com três documentos, a saber: o Plano Macroestratégico da SMSA 2009-2012, apresentado pela Gestão; Atenção Básica, Urgência e Emergência produzido pela Plenária de Usuários e a Contribuição dos Trabalhadores para Discussão da Atenção Básica, construído pela Plenária dos Trabalhadores, ambas plenárias ligadas ao Conselho Municipal de Saúde.

A matriz comum de relatório foi formatada a partir da observância dos quatro eixos temáticos propostos pelo Plano Macroestratégico da SMSA. Gestão e regionalização da saúde: os distritos sanitários; Atenção Primária: saúde da família; Redes: complementar, urgência e hospitalar; Educação e gestão do trabalho: ética e compromisso dos gestores e trabalhadores na construção do SUS de Belo Horizonte. Esses eixos foram complementados pelo quinto eixo, ‘Pacto em Defesa do SUS’, que foi construído durante o processo conferencista.

Deve-se destacar que o modelo conferencista adotado na X Conferencia, bastante diferenciado das dinâmicas comuns presentes no cenário brasileiro, partiu de uma matriz específica para cada etapa – local, distrital e municipal –, embora as mesmas fossem semelhantes, confirmando-se o processo unificado para sua realização.

No intuito de fugir dos maçantes e longuíssimos relatórios finais de conferências, de pouca ou nenhuma utilização posterior ao evento e, propiciar opções efetivas de escolha, com priorização e votações em situações de não consenso, as matrizes locais e distritais solicitavam, em cada eixo, com base nos documentos e no acúmulo técnico político existente, ‘cinco pontos fundamentais e prioritários que comporão um novo pacto de realizações na saúde da nossa cidade’ e ‘dois pontos fundamentais e prioritários, que não deverão acontecer na saúde da nossa cidade’, hierarquicamente classificados.

Na etapa municipal, a matriz utilizada nos grupos de trabalho, confluindo para a proposta de relatório que seria deliberada pela plenária final, categorizava, no mesmo sentido anterior, ‘dcz pontos fundamentais de realizações e três de não-realizações’, aumentando-se o escopo de escolha das prioridades pelos delegados. Em caso de não-cumprimento dessa orientação, as proposições excedentes seriam remetidas ao Conselho Municipal de Saúde para posterior apreciação.

AX Conferência Municipal de Saúde Conselheiro Evaristo Garcia contou com a participação de 617 delegados e 136 convidados, totalizando-se 753 presentes, embora a previsão inicial fosse de 892 participantes (BELO HORIZONTE, 2009cBELO HORIZONTE. Secretaria Municipal de Saúdede Belo Horizonte [Internet]. X Conferência Municipal de Saúde Conselheiro Evaristo Garcia. SUS: o desafio de uma cidade saudável. Relatório final, 2009c. Disponivel em: <http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/noticia.do?evento=portlet&pAc=not&idConteudo=35816&pldPlc=&app=salanoticiasx Acesso em: 5 nov. 2010.
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).

O presente trabalho analisou a dinâmica do processo conferencista adotado na realização da X Conferência Municipal de Saúde Conselheiro Evaristo Garcia, tendo como pressuposto a diretriz constitucional da participação da comunidade na gestão do SUS.

Métodos

A metodologia utilizada na realização desta pesquisa foi a qualitativa, com adoção da técnica de análise de conteúdo de documentos. Bardin (1997, p. 42)BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1997. conceitua a análise de conteúdo como “um conjunto de técnicas de análise das comunicações que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens”.

Dessa maneira, foram analisados os conteúdos dos seguintes documentos: Plano Macroestratégico da SMSA 2009-2012; Atenção Básica, Urgência e Emergência produzida pelos Usuários; Contribuição dos Trabalhadores para Discussão da Atenção Básica e o Relatório Final da X Conferência Municipal de Saúde.

Buscou-se identificar, a partir do Plano Macroestratégico, propostas de pautas em comum com os outros dois documentos. Essas pautas foram agrupadas, observando-se os quatro eixos temáticos propostos por este plano, acrescidos do eixo Pacto em Defesa do SUS, construído durante o processo conferencista. Após a identificação e o agrupamento, essas pautas semelhantes foram então procuradas no Relatório Final da X Conferência Municipal de Saúde.

Resultados e discussão

Plano macroestratégico

O Plano Macroestratégico da SMSA 2009-2012 traz uma análise da situação de saúde do município e é originalmente dividido em quatro eixos de planejamento. Cada eixo apresenta seu objetivo geral, suas diretrizes e metas e seus respectivos objetivos específicos. Desse modo, constata-se que o Plano Macroestratégico obedece a estrutura básica de formatação de um Plano de Saúde, conforme as orientações postas pelo PlanejaSUS (BRASIL, 2007BRASIL. Ministério da Saúde. Sistema de planejamento do SUS: uma construção coletiva - Instrumentos básicos. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2007.).

Entre os objetivos específicos do eixo ‘Gestão e Regionalização da Saúde’, na terceira diretriz, identificou-se: elaborar e implementar o Plano Municipal de Saúde para o período de 2010-2013. Este plano deve ser construído em consonância com o Planejamento Macroestratégico e ser submetido à aprovação do CMSBH.

Assim sendo, percebe-se que, a rigor, o Plano Macroestratégico se apresentava como uma prévia do Plano Municipal de Saúde elaborado pela gestão e, como de praxe, teria sua versão final submetida após aprovação na X Conferência, à apreciação do CMSBH, conforme previsto no próprio Plano Macroestratégico e em consonância com a Lei Municipal n.º 7536/98. Esta definiu novas competências para o Conselho Municipal de Saúde, entre clas, aprovar, controlar e avaliar o Plano Municipal de Saúde (BELO HORIZONTE, 1998BELO HORIZONTE. Lei n.º 7.536, de 19 de junho de 1998. Altera a Lei n.º 5903/91 que cria, na área da saúde, o conselho municipal, a conferência municipal, os conselhos distritais e as comissões locais. Diário Oficial do Município, Belo Horizonte, 20 de jun. 1998., art. 2º, VII).

Cabe ressaltar que o Plano Macroestratégico foi objeto de debate nas unidades de saúde e nos distritos sanitários, sendo posteriormente finalizado.

Contribuição dos trabalhadores para a discussão da atenção básica

A análise de conteúdo realizada por meio da comparação dos documentos ‘Contribuição dos Trabalhadores para a Discussão da Atenção Básica’ e o ‘Plano Macroestratégico da SMSA’ mostrou que a grande maioria das propostas dos trabalhadores estava contemplada no plano apresentado pela gestão. Dessa forma, foram identificadas 30 pautas em comum no primeiro documento em relação ao segundo.

O documento produzido pelo segmento trabalhador tem como tema central a discussão da Atenção Básica, o que justifica a prevalência de pautas relacionadas à Atenção Primária, Ainda, por se tratar do segmento trabalhador, é também natural que as pautas relacionadas à educação e gestão do trabalho sejam destacadas (Gráfico 1).

Gráfico 1
Análise das pautas comuns entre a Contribuição dos Trabalhadores e o Plano Macroestratégico.

As pautas relacionadas aos eixos de gestão e regionalização e redes aparecem porque estão associadas à percepção da Atenção Primária como eixo estruturador do SUS-BH e, portanto, necessitam de alguns ajustes para propiciar um melhor desempenho ao eixo estruturador.

A pauta ‘Controle Social’, referente ao eixo Pacto pelo SUS, é contemplada por uma proposta global de

Fortalecimento do controle social com caráter participativo em todas as instâncias gestoras do SUS, estimulando processos de educação permanente. (CONSELHO MUNICIPAL DE SAÚDE DE BELO HORIZONTE, 2009b, p. 7CONSELHO MUNICIPAL DE SAÚDE DE BELO HORIZONTE. Contribuição dos trabalhadores para a Discussão da Atenção Básica. Belo Horizonte, 2009b.).

O documento apresentado pelos trabalhadores caracteriza o SUS como

Proposta ambiciosa, transformadora, revolucionária, referenciada na inclusão social e na democratização plena. (CONSELHO MUNICIPAL DE SAÚDE DE BELO HORIZONTE, 2009b p. 1CONSELHO MUNICIPAL DE SAÚDE DE BELO HORIZONTE. Contribuição dos trabalhadores para a Discussão da Atenção Básica. Belo Horizonte, 2009b.).

Nesse sentido, o SUS é reafirmado como Patrimônio Social, Cultural e Imaterial da sociedade. Entretanto, esse mesmo documento também vem carregado de outras bandeiras político-ideológicas.

As 30 pautas comuns entre os documentos dos trabalhadores e da gestão foram deliberadas pela plenária final como pontos fundamentais e prioritários, sendo as mesmas identificadas no relatório final da X Conferência Municipal de Saúde.

Atenção Básica, Urgência e Emergência

A comparação dos documentos Plano Macroestratégico com Atenção Básica, Urgência e Emergência indicou, também, uma grande semelhança na maioria das proposições, totalizando 29 pautas em comum.

A avaliação feita pelos usuários apontou para uma divisão mais equilibrada entre os eixos. Dessa maneira, os eixos Atenção Primária e Redes, com destaque para a Urgência e Emergência, constituem-se no ponto central da avaliação. Os eixos Gestão e Regionalização, assim como o eixo Educação e Gestão do trabalho aparecem por meio de proposições que identificam deficiências relativas a cada um desses eixos de planejamento (Gráfico 2).

Gráfico 2
Pautas em comum entre o Plano Macroestratégico e a Atenção Básica, Urgência e Emergência.

O documento construído pelos usuários foi baseado em:

Elementos colhidos junto aos usuários, informações recebidas em palestras, dados colhidos nos centros de saúde, distritos sanitários, nos conselhos locais e distritais além de subsídios contidos no compendio Avanços e Desafios na Organização da Atenção Básica em Belo Horizonte e nas Leis 8080/90 e 8142/90. (CONSELHO MUNICIPAL DE SAÚDE DE BELO HORIZONTE, 2009a, p. 1CONSELHO MUNICIPAL DE SAÚDE DE BELO HORIZONTE. Atenção Básica, Urgência e Emergência. Belo Horizonte, 2009a.).

Dessa forma, este documento se apresenta mais próximo do Plano Macroestratégico, pois utilizou, em sua construção, argumentos da própria SMSA. O documento dos usuários destacou aspectos conceituais e foi enfático ao reafirmar os princípios do SUS e como esses devem se refletir na conformação da Atenção Básica. Todavia, verifica-se, também, a existência de ruídos que apontam para um sentimento de insatisfação em relação aos trabalhadores e gestores.

A pauta ‘Controle Social’ é contemplada com um chamamento de gestores e trabalhadores para que se integrem ao controle social.

Que gestores, trabalhadores e usuários se fortaleçam no controle social, que todos tenham uma participação mais efetiva, principalmente, os gestores e trabalhadores. (CONSELHO MUNICIPAL DE SAÚDE DE BELO HORIZONTE, 2009a, p. 7CONSELHO MUNICIPAL DE SAÚDE DE BELO HORIZONTE. Atenção Básica, Urgência e Emergência. Belo Horizonte, 2009a.).

Destaca-se, também, a necessidade de divulgação da Carta de Direitos dos Usuários do SUS.

As 29 pautas comuns entre o documento dos usuários e o da gestão foram deliberadas pela plenária final como pontos fundamentais e prioritários, sendo identificadas no Relatório Final da X Conferencia Municipal de Saúde.

É importante ressaltar que a grande coincidência nas pautas abordadas, tanto pelo Plano Macroestratégico da SMSA, quanto pela contribuição dos trabalhadores e pela avaliação dos usuários, não implica necessariamente em uma uniformidade de entendimento sobre essas pautas. Por vezes, as mesmas pautas, abordadas pelos três segmentos: gestor, trabalhador e usuário, têm posições contrárias indicando a existência de divergências e conflitos. Tatagiba (2002)TATAGIBA, L. Os conselhos gestores e a democratização das políticas públicas no Brasil. In: DAGNINO, E. (Org). Sociedade civile espaços públicos no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2002. p. 47-103. explica essa constatação esclarecendo que os segmentos presentes nesse espaço público possuem interesses e valores não apenas distintos, mas, às vezes, antagônicos.

O processo conferencista

Segundo Cortes (2009, p. 120),

O papel que cada processo conferencista exerce depende, ao menos em parte, do tema central e da dinâmica de trabalho do processo, ambos previamente definidos.

Como citado, a X Conferência foi convocada para debater a agenda política e as diretrizes fundamentais para a formatação do Plano Municipal de Saúde de Belo Horizonte. A dinâmica de trabalho adotada privilegiou a construção participativa, por meio de um processo de discussão, que se inicia pela primeira vez no nível local, ascendendo aos níveis distrital e municipal.

Entretanto, uma construção participativa, que tem no referencial indutor de suas discussõe uma proposta de planejamento apresentada pela gestão, poderia ressaltar a preponderância do executivo em apresentar seus critérios e prioridades para a formatação do Plano Municipal de Saúde.

Escorei e Moreira (2009)ESCOREL, S.; MOREIRA, M.R. Desafios da participação social em saúde na nova agenda da reforma sanitária: democracia deliberativa e efetividade. In: FLEURY, S.; LOBATO, L.V.C. (Org). Participação, democracia e saúde. Rio de Janeiro: CEBES, 2009. p. 229-247. argumentam que a tendência da preponderância da lógica da gestão tem como consequência a:

Diminuição ou perda de ênfase naquilo que seria o papel mais importante dos conselhos e das conferêneias: a definição e deliberação das políticas de saúde com observação das necessidades da população e promoção de justiça social (p. 242).

Paralelamente, faz-se oportuno observar que o fato de a gestão apresentar uma proposta não implica necessariamente que o Conselho Municipal de Saúde (CMS) e a conferência tenham diminuído ou perdido seus papéis definidor e deliberativo. Não só porque a gestão é parte integrante desses espaços e, portanto, com pleno direito de apresentar proposições, além de exercer um papel de proatividade, inevitável e desejável, que ela, a executora da política e das ações de saúde, dê curso e sequenciamento ao que, porventura, j á esteja ocorrendo ou apresente novas proposições à saúde da cidade.

Portanto, seria pouco plausível que os segmentos de usuários e/ou dos trabalhadores da saúde fossem os protagonistas da apresentação de uma proposta do Plano Municipal de Saúde, embora legítimo, pois também são membros integrantes do CMSBH.

Ainda, o fato de que uma proposta da gestão seja apresentada não significa, em si, a proposta final. Com efeito, verificou-se que algumas propostas da gestão apresentadas pelo Plano Macroestratégico não foram priorizadas e nem aprovadas pelos fóruns de discussões.

Côrtes (2009)CÔRTES, S.M.V. Conselhos e conferências de saúde: papel institucional e mudança nas relações entre Estado e sociedade. In: FlEURY, S.; LOBATO, L.V.C. (Org). Participação, democracia e saúde. Rio de Janeiro: CEBES, 2009. p. 102-128. também chama a atenção para a capacidade de que gozam os atores estatais, em especial os gestores de saúde, em influírem nas negociações que afetam a definição do processo conferencista.

Então, o gestor do SUS de Belo Horizonte, ao propor que as discussões temáticas local, distrital e municipal fossem realizadas baseando-se não só no documento apresentado pela própria gestão, mas também nos documentos apresentados pela Plenária de Usuários e pela dos Trabalhadores do Conselho Municipal de Saúde, proporcionou que houvesse uma compatibilização no estabelecimento de prioridades, a partir de uma discussão democrática na cidade, realizada por meio de seus representantes delegados em todos os níveis do processo conferencista.

Se a estrutura da configuração das relações sociais entre os segmentos gestor, trabalhador e usuário encontrava-se fragilizada, em função dos conflitos que afligem esses segmentos (OLIVEIRA, 2010OLIVEIRA, A.M.C. Vigilância sanitária, participação social e cidadania. São Paulo, 2010. 198f. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública) – Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, 2010.), verificou-se a real possibilidade de que essas relações se reconfigurem.

A conferência abriu e ampliou tanto o meu conhecimento, quanto o de várias outras pessoas, favorecendo a participação dos conselheiros locais e distritais (segmento usuário). (CONSELHO MUNICIPAL DE SAÚDE DE BELO HORIZONTE, 2010, p. 1CONSELHO MUNICIPAL DE SAÚDE DE BELO HORIZONTE. Conferência reforça a importância da participação popular na saúde. Informativo do Conselho Municipal de Saúde. Belo Horizonte, p. 1, jan./fev. 2010.).

As etapas da conferência foram um processo de construção das políticas de saúde, que valorizaram a participação individual, resultando em um aprendizado coletivo (segmento trabalhador). (CONSELHO MUNICIPAL DE SAÚDE DE BELO HORIZONTE, 2010, p. 1CONSELHO MUNICIPAL DE SAÚDE DE BELO HORIZONTE. Conferência reforça a importância da participação popular na saúde. Informativo do Conselho Municipal de Saúde. Belo Horizonte, p. 1, jan./fev. 2010.)

Durante a conferência pude perceber que este momento é essencial para o envolvimento direto dos trabalhadores e dos usuários em prol da saúde (segmento gestor). (CONSELHO MUNICIPAL DE SAÚDE DE BELO HORIZONTE, 2010, p. 1CONSELHO MUNICIPAL DE SAÚDE DE BELO HORIZONTE. Conferência reforça a importância da participação popular na saúde. Informativo do Conselho Municipal de Saúde. Belo Horizonte, p. 1, jan./fev. 2010.).

Considerações finais

O processo de realização da X Conferência realizada em Belo Horizonte, Minas Gerais, pode ser tomado como referência para a construção coletiva das políticas de saúde. Transitar documentos para discussão e formulação das políticas de saúde com a participação dos usuários da ponta do sistema é algo inovador e de extrema relevância.

Parte das proposições apresentadas pela gestão do SUS de Belo Horizonte foi confrontada com os documentos de trabalhadores e usuários e confirmada pelo plenário final da X Conferência, em um debate ascendente, passando por nove plenárias distritais. É importante notar que nem todas as propostas da gestão foram vencedoras, e que todas as decisões foram tomadas por maioria de votos.

O Relatório Final da X Conferência foi consagrado na proposição do Plano Municipal de Saúde 2010-2013, submetida, em agosto de 2010, ao Plenário do Conselho Municipal de Saúde, que é o fórum do controle social competente para aprová-lo. Evidentemente, essa consagração, que traduz uma efetiva pactuação política para a saúde na cidade de Belo Horizonte, apenas se realizará se a ação prática da gestão implementar o plano aprovado.

A experiência relatada apresenta uma proposta real de superação do modelo tradicional de realização de conferências. Mais que superar a formatação dos maçantes e longuíssimos relatórios finais, a adoção do ‘novo modelo conferencista’ propiciou a participação dos usuários locais em um debate ascendente e com proposições construídas pelos três segmentos do Conselho Municipal de Saúde. As opções para a escolha de pontos fundamentais de realizações foram priorizadas, com a observação das necessidades da população e com votações em situações de não-consenso.

Complementando-se o processo, a realização das conferências passa a ser, no mínimo, bianual, com a realização de uma Conferência Municipal específica à elaboração das diretrizes fundamentais, visando à formatação do Plano Municipal de Saúde, sendo alternada com a Conferência Municipal, etapa da Conferência Nacional de Saúde.

Finalmente, pode-se concluir que, no espaço concreto do município, local privilegiado para o exercício da cidadania e do controle social, somente a proposição e o debate de ideias poderão tomar o lugar de polêmicas segmentares, muitas vezes estéreis, referentes ao justo desejo de que o SUS deva prover tudo a todos. Há ainda muito ainda a ser conquistado pelo povo brasileiro. O SUS, a maior política inclusiva implantada no país, carece de avanços, os quais somente a democracia será capaz de promover.

  • Suporte financeiro: Não houve

Referências

  • BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1997.
  • BELO HORIZONTE. Secretaria Municipal de Saúdede Belo Horizonte [Internet]. Sistema Único de Saúde, relatório de gestão 2008, 2009a. Disponível em: <http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/comunidade.do?evento=portlet&pldPlc=ecpTaxonomiaMenuPortal&app=saude&tax=15393&lang=pt_BR&pg=5571&taxp=0&>. Acesso em: 14 nov. 2010.
    » http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/comunidade.do?evento=portlet&pldPlc=ecpTaxonomiaMenuPortal&app=saude&tax=15393&lang=pt_BR&pg=5571&taxp=0&
  • BELO HORIZONTE. Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte. SUS-BH: Cidade Saudável. Plano Macro-estratégico Secretaria Municipal de Saúde Belo Horizonte 2009-2012. Belo Horizonte, 2009b.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Ago 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2012

Histórico

  • Recebido
    Maio 2011
  • Aceito
    Mar 2012
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