RESUMO
Estudo descritivo, exploratório, qualitativo realizado em um Centro de Atenção Psicossocial para álcool e outras drogas em Campo Verde Camaragibe, uma cidade em Pernambuco, Brasil, com o objetivo de descrever a concepção dos familiares de usuários de crack acerca das políticas públicas antidrogas. A coleta se deu através de entrevista semiestruturada com familiares de usuários em tratamento para a dependência do crack, e a análise foi realizada através do software Analyse Lexicale par Contexte d’um Ensemble de Segments de Texte (ALCESTE). Entre os resultados, ressaltam-se as fragilidades das políticas públicas existentes quanto à efetividade de suas ações considerando as singularidades dos dependentes químicos. São necessárias investigações sobre a temática a fim de contribuir com a (re)formulação das políticas públicas.
PALAVRAS-CHAVE
Políticas Públicas, Cocaína; Crack; Família
ABSTRACT
This essay is a descriptive, exploratory, conducted accomplished in a Psychosocial Care Centre for alcohol and other Drugs, CAPS-ad, in Campo Verde Camaragibe, a city in Pernambuco, Brazil, it has as main objective to describe the conceptions of the family crack users about the public policy against drugs. The population was composed by family members of treatment users in addiction of crack. The collection was made through semi-structured interviews and analysis with the software Analyse Lexicale par Contexte d’um Ensemble de Segments de Texte (ALCESTE). As a main result, we point out the weaknesses of public polices prevailing regarding the effectiveness of their actions considering the singularities of addicted users. Investigations are needed around this subject, in order to contribute to the (re) formulation of public policies.
KEYWORDS
Public Policies; Crack; Cocaine; Family
Introdução
As políticas públicas compreendem a totalidade de ações, metas e planos que os governos (nacionais, estaduais ou municipais) traçam para alcançar o bem-estar da sociedade e o interesse público. É certo que as ações que os dirigentes públicos selecionam são aquelas que eles entendem serem as demandas ou expectativas da sociedade (SEBRAE, 2008, p. 5SERVIÇO BRASILEIRO DE APOIO ÀS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS (SEBRAE). Políticas Públicas: conceitos e práticas. Belo Horizonte: MG, 2008. p. 5.). Portanto, são instrumentos de execução de programas políticos baseados na intervenção estatal na sociedade com a finalidade de assegurar igualdade de oportunidades aos cidadãos (APPIO, 2004APPIO, E. D. Ocontrolejudicialdas políticas públicas no Brasil. 2004. 473 f. Tese (Doutorado em Direito) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2004. Disponível em: <http://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/87373/208502.pdf?sequence=1>. Acesso em: 23 abr. 2013.
http://repositorio.ufsc.br/bitstream/han... ).
Essas políticas, não previstas expressamente na Constituição Federal, são criadas após a identificação de problemas que apontam a necessidade da elaboração de alternativas viáveis às suas resoluções. Tais medidas são propostas com a finalidade comum de impulsionar o desenvolvimento da Nação, através da melhoria das condições gerais de vida de todos os cidadãos (APPIO, 2004APPIO, E. D. Ocontrolejudicialdas políticas públicas no Brasil. 2004. 473 f. Tese (Doutorado em Direito) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2004. Disponível em: <http://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/87373/208502.pdf?sequence=1>. Acesso em: 23 abr. 2013.
http://repositorio.ufsc.br/bitstream/han... ).
No que diz respeito ao uso de substâncias psicoativas, essas políticas inicialmente construíram seus discursos em dispositivos de criminalização e medicalização, onde o usuário de droga era de responsabilidade do sistema judiciário ou alvo de internações compulsórias, por meio da psiquiatrização do abuso (SANTOS; OLIVEIRA, 2013SANTOS, J. A. T.; OLIVEIRA, M. L. F. Políticas públicas sobre álcool e outras drogas: breve resgate histórico. Revista Saúde e Transformação Social, Florianópolis, v. 4, n. 1, p. 82-89, nov. 2013. Disponível em: <http://www.incubadora.ufsc.br/index.php/saudeetransformacao/article/view/1909/2482>. Acesso em: 22 abr. 2013.
http://www.incubadora.ufsc.br/index.php/... ).
Desde a pré-história, os homens têm feito uso de substâncias psicoativas, com diversas finalidades, sejam terapêuticas, recreativas ou rituais (ESCOHOTADO, 1998ESCOHOTADO, A. Historia de las drogas. Madrid: Alianza Editorial, 1998.). Atualmente, o uso indevido dessas substâncias traz prejuízos para os países e afeta todas as faixas etárias de diferentes grupos étnicos, independentemente de classe social e econômica, constituindo um sério problema de saúde pública para a sociedade (SCHEFFER; ANTUNES; BÜCHELE, 2011SCHEFFER, A. M.; ANTUNES, N.; BÜCHELE, F. Redução de danos como estratégia de trabalho junto aos usuários de drogas nas unidades locais de saúde do município de Florianópolis. Cadernos Brasileiros de Saúde Mental, Florianópolis, v, 3, n. 7, p. 73-92, dez. 2011. Disponível em: <http://stat.saudeetransformacao.incubadora.ufsc.br/index.php/cbsm/article/view/1906/2179>. Acesso em: 23 abr. 2013.
http://stat.saudeetransformacao.incubado... ).
No cenário atual, o crack aparece como droga de abuso bastante disseminada, sendo crescente sua utilização. Surgido no Brasil na década de 1990, essa substância é obtida a partir da mistura da pasta-base de coca ou cocaína refinada (feita com folhas da planta Erythroxylum coca) com bicarbonato de sódio e água. O baixo preço da droga e a possibilidade de fabricação caseira costumam atrair jovens, que veem no crack uma opção com efeitos rápidos e intensos, mas que leva o usuário rapidamente à dependência (BRASIL, 2013aBRASIL Ministério da Saúde. Crack, é possível Vencer. A droga: composição e ação no organismo. Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/crackepossivelvencer/a-droga/composicao-e-acao-no-organismo>. Acesso em: 23 abr. 2013a.
http://www.brasil.gov.br/crackepossivelv... ).
Tal fato, traz à realidade a necessidade de elaboração e execução de políticas públicas condizentes com a problemática de uso e abuso dessa droga. De acordo com a Constituição Federal e a Lei Orgânica da Saúde, é resguardado ao dependente químico o direito à saúde, devendo este ser acolhido, vinculado e assistido em sua singularidade, levando em conta as peculiaridades da assistência exigidas por esse grupo (SANTOS; OLIVEIRA, 2013SANTOS, J. A. T.; OLIVEIRA, M. L. F. Políticas públicas sobre álcool e outras drogas: breve resgate histórico. Revista Saúde e Transformação Social, Florianópolis, v. 4, n. 1, p. 82-89, nov. 2013. Disponível em: <http://www.incubadora.ufsc.br/index.php/saudeetransformacao/article/view/1909/2482>. Acesso em: 22 abr. 2013.
http://www.incubadora.ufsc.br/index.php/... ).
Com base nisso, entre outras políticas já existentes, no ano de 2010, o Ministério da Saúde instituiu o Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e Outras Drogas, ancorado nos seguintes eixos: Cuidado (ampliação da capacidade de atendimento e atenção ao usuário e familiares); Prevenção (fortalecimento da rede de proteção contra o uso de drogas); e Autoridade (enfrentamento ao tráfico de drogas e policiamento ostensivo de proximidade). O plano ainda inclui a criação de enfermarias especializadas em Hospitais Gerais, consultórios de rua e CAPSad de funcionamento 24 horas, Programas de Prevenção do Uso de Drogas na Escola e na Comunidade, além de ações conjuntas entre as polícias civil e federal (BRASIL, 2013bBRASIL Ministério da Saúde. Decreto-lei nº 7.179, de 20 de maio de 2010. Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas, Brasília: Ministério da Saúde, 20 maio 2010. Disponível em: <http://www2.planalto.gov.br/especiais/caderno-destaques/mar-co-2012/gestao-em-destaque/plano-integrado-de-enfrenta-mento-ao-crack-e-outras-drogas>. Acesso em: 23 abr. 2013b.
http://www2.planalto.gov.br/especiais/ca... ).
Adicionalmente, pode-se destacar a política de redução de danos, criada por meio da portaria nº 1028, de 04/07/2005, do Ministério da Saúde, que define diretrizes que orientam e subsidiam estados e municípios na manutenção ou implantação de ações voltadas para usuários de drogas. Essas ações realizadas particularmente nos casos em que o uso/abuso já se instalou e a abstinência não é a escolha do usuário, incluem reduzir os danos à saúde, considerando a exclusão social, as questões estruturais e o estabelecimento de referências e contrarreferências (SCHEFFER; ANTUNES; BÜCHELE, 2011SCHEFFER, A. M.; ANTUNES, N.; BÜCHELE, F. Redução de danos como estratégia de trabalho junto aos usuários de drogas nas unidades locais de saúde do município de Florianópolis. Cadernos Brasileiros de Saúde Mental, Florianópolis, v, 3, n. 7, p. 73-92, dez. 2011. Disponível em: <http://stat.saudeetransformacao.incubadora.ufsc.br/index.php/cbsm/article/view/1906/2179>. Acesso em: 23 abr. 2013.
http://stat.saudeetransformacao.incubado... ).
Apesar dos avanços e benefícios trazidos por essas e outras medidas, cabe ressaltar que muito ainda precisa ser melhorado. Principalmente, no que tange à prevenção do uso de drogas e a assistência à saúde dispensada a esses usuários. Faz-se necessária a contínua adoção de medidas que sejam aplicáveis às novas demandas do cuidar, visto que, a cada dia, é maior a velocidade com que novas drogas são postas em circulação.
A complexidade que envolve o fenômeno do uso de crack e o fato de suas consequências atingirem os usuários, as famílias e a sociedade indicam a necessidade de investigações nos múltiplos aspectos dessa temática, e, em especial, na perspectiva dos familiares, na tentativa de contribuir para a formulação de políticas públicas específicas para o seu controle e tratamento (OLIVEIRA, 2007OLIVEIRA, L. G. Avaliação da cultura do uso de crack após uma década de introdução da droga na cidade de São Paulo. 2007. Tese (Doutorado em Medicina) – Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, 2007. (no prelo).).
Diante dessa problemática, o presente estudo teve por objetivo descrever a concepção dos familiares de usuários de crack acerca das políticas públicas antidrogas.
Caminhos metodológicos
Este estudo é do tipo descritivo, exploratório e de abordagem qualitativa, centrado no sentido de tornar possível a objetivação de um tipo de conhecimento que tem como matéria-prima opiniões, crenças, valores, representações, relações e ações humanas e sociais sob a perspectiva dos atores em intersubjetividade. Desta forma, a análise qualitativa de um objeto de investigação concretiza a possibilidade de construção de conhecimento e possui todos os requisitos e instrumentos para ser considerada e valorizada como um construto científico (MINAYO, 2012MINAYO, M. C. S. . Análise qualitativa: teoria, passos e fidedignidade. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 3, n. 17, p. 621-626, out. 2012. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/csc/v17n3/v17n3a07.pdf>. Acesso em: 23 abr. 2013.
http://www.scielo.br/pdf/csc/v17n3/v17n3... ).
A presente pesquisa é um recorte do projeto ‘Repercussões do uso do crack na dinâmica familiar em Camaragibe’. Os sujeitos participantes desse projeto foram familiares de usuários de crack que estavam em tratamento de dependência da droga na referida instituição. Foram excluídos os familiares dos usuários menores de 18 anos. Para o artigo em questão, optou-se por trazer os resultados que emergiram da construção de uma classe que abordou a reflexão das políticas e projetos públicos.
O conjunto dos entrevistados do projeto de origem foi composto por seis entrevistas, que correspondem à totalidade de casos atendidos no CAPSad. Entretanto, o presente artigo se constrói a partir dos conteúdos elencados predominantemente por três sujeitos de pesquisa. Tal informação não diminui o valor dos achados, visto que em uma pesquisa social de abordagem qualitativa, a seleção dos participantes não está comprometida com a representatividade numérica e sim com a sua capacidade de representar a complexidade do objeto em estudo (MINAYO, 2004MINAYO, M. C. S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 8. ed. São Paulo: Hucitec, 2004. 269p.).
A pesquisa foi realizada no Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS-ad) de Campo Verde, situado na cidade de Camaragibe - PE, Região Metropolitana de Recife.
A coleta de dados foi realizada através de uma entrevista semiestruturada, que continha informações de caráter socioeconômico e a seguinte questão norteadora: ‘Fale sobre o dia a dia da sua família, considerando o antes e o depois de seu familiar começar a usar drogas’. A identidade dos participantes não será revelada, sendo adotados os graus de parentesco como pseudônimos.
Os dados foram analisados através do software Analyse Lexicale par Contexte d’um Ensemble de Segments de Texte (ALCESTE), versão 2010 para o Windows. Este programa permite realizar análise de dados textuais, ou as análises de estatística e matemática, verificando a principal informação presente no texto (CAMARGO, 2005CAMARGO, B. V. Alceste: um programa informático de análise quantitativa de dados textuais. In: MOREIRA, A. S. P.; JESUÍNO, J. C. (org.). Perspectivas teórico-metodológicas em representações sociais. João Pessoa: Editora Universitária, 2006. p. 511-539.).
A análise de um conjunto de segmentos de textos está baseada na identificação das palavras (o léxico) mais significativas. O objetivo da aplicação do software como técnica de análise de dados textuais permite quantificar o texto para extrair estruturas que apresentem significados mais representativos e acessar a informação essencial presente no mesmo. Isso possibilita descrever, classificar, assimilar, sintetizar e identificar a organização tópica de um texto, acessando as relações existentes entre os léxicos (SOUZA 2009SOUZA, E. S. et al. Guia de utilização do software Alceste: uma ferramenta de análise lexical aplicada à interpretação de discursos de atores na agricultura. Planaltina, DF: Embrapa Cerrados, 2009. p. 12-13; 32-33.).
O software categoriza como corpus de texto o banco de dados que será analisado. As Unidades de Contexto Inicial (UCI) são definidas como a unidade a partir da qual o programa efetuará a fragmentação inicial. No caso de entrevistas, as UCIs correspondem a cada entrevista realizada levando em consideração as respostas, isto é, o discurso do participante, desprezando as perguntas utilizadas. Como Unidade de Contexto Elementar (UCE) considera-se o menor fragmento do texto que apresenta sentido (SOUZA , 2009SOUZA, E. S. et al. Guia de utilização do software Alceste: uma ferramenta de análise lexical aplicada à interpretação de discursos de atores na agricultura. Planaltina, DF: Embrapa Cerrados, 2009. p. 12-13; 32-33.). É a partir da presença das UCEs que o programa vai estabelecer as matrizes para a classificação (REINERT, 1986REINERT, M. Un logiciel d’analyse lexicale: ALCESTE. Les cahiers de l’Analyse des Données, Paris, v. 4, p. 471-484, 1986.).
O presente estudo está de acordo com a Resolução nº 196/96, respeitando os referenciais básicos da bioética. Foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisas envolvendo Seres Humanos, da Universidade Federal de Pernambuco, com protocolo de aprovação no Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) de nº 0196.0.172.000-1.
Resultados e discussões
O grupo de familiares entrevistados era composto por mulheres na faixa etária entre 30 e 60 anos, com escolaridade variando entre ensino fundamental completo e pós-graduação.
Os resultados expressos neste artigo compreendem 54% do total de UCEs (121). A palavra ‘você’ apresenta a maior associação estatística (Khi2=29), seguida das palavras ‘jovem’ (khi2=13), ‘situação’ (khi2=10), ‘parer’ (parar; khi2=8) e ‘sociedade’ (khi2=7).
O desenvolvimento de políticas públicas voltadas para o dependente químico revela-se como destaque no panorama das organizações de saúde, com relação à promoção de programas sociais e assistenciais que visam prover as demandas dessa clientela.
No contexto dos usuários de drogas, em especial de crack, é imprescindível o conhecimento dos determinantes sociais e de saúde da população, visto que esses fatores incidirão e terão influência direta sobre a elaboração dessas políticas (SILVA JÚNIOR 2012SILVA JÚNIOR, F. J. G. S. et al. Reflections on the consumption of crack and its interface with the social determinants of health. Revista de Enfermagem da UFPI, Piauí, v. 2, n. 1, p. 139-42, ago. 2012. Disponível em: <http://www.ojs.ufpi.br/index.php/reufpi/article/view/746/pdf>. Acesso em: 24 abr. 2013.
http://www.ojs.ufpi.br/index.php/reufpi/... ).
O trecho a seguir apresenta uma reflexão das participantes do estudo acerca do público que as políticas tem como enfoque, questionando o perfil do usuário considerado para elaboração dessas políticas:
“Quem é o público [das políticas públicas]? São os jovens. Quem são os jovens? São jovens de periferia, negros, do sexo masculino e considerados ‘risco social’. Então, as políticas já são feitas com esse imaginário de jovem. Quem vai atuar nessas politicas, quem vai agir já tem essa concepção de jovem”. (Irmã).
No que se refere ao perfil dos usuários de crack, estudos mostram uma prevalência de adultos jovens, com idades variando entre 20 e 27 anos, do sexo masculino, com ensino médio incompleto, sem vínculo empregatício fixo e provenientes dos bairros menos favorecidos das grandes cidades (SILVA JÚNIOR 2012SILVA JÚNIOR, F. J. G. S. et al. Reflections on the consumption of crack and its interface with the social determinants of health. Revista de Enfermagem da UFPI, Piauí, v. 2, n. 1, p. 139-42, ago. 2012. Disponível em: <http://www.ojs.ufpi.br/index.php/reufpi/article/view/746/pdf>. Acesso em: 24 abr. 2013.
http://www.ojs.ufpi.br/index.php/reufpi/... ; SILVA, 2007SILVA, S. M. M. M. A questão das drogas no Brasil: Caso de polícia ou de política? Jornada Internacional de Políticas Públicas São Luís – MA, 3., São Luís, 2007. Disponível em: <http://www.joinpp.ufma.br/jornadas/joinpplll/html/Trabalhos/EixoTematicoC/0ecbab03f16aac7aeb50Selma%20Maria%20Muniz%20Marques%20da%20Silva.pdf>. Acesso em: 23 abr. 2013.
http://www.joinpp.ufma.br/jornadas/joinp... ; ANDRADE, 2011ANDRADE, T. M. Reflexões sobre políticas de drogas no Brasil. Ciência e saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 16, n. 12, p. 4665-74, out. 2011, Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/csc/v16n12/15.pdf>. Acesso em: 25 abr. 2013.
http://www.scielo.br/pdf/csc/v16n12/15.p... ).
A literatura, portanto, corrobora com a descrição feita pelos entrevistados, todavia a grande questão não é somente a determinação do perfil, visto que conhecer a população é fundamental para fazer o planejamento das ações. Entretanto, faz-se necessário considerar que as populações afetadas pelas consequências das drogas vão muito além de um perfil traçado, acometendo a todos os grupos etários, de todos os níveis sociais.
Apesar de a literatura delinear um perfil de usuários predominantemente formado por jovens mais pobres, é importante não perder de vista o fato de que a maior parte dos estudos é realizada em locais de serviços públicos de saúde ou educação, e que nem sempre esses locais são frequentados por grupos sociais mais abastados. Logo, é possível que isso possa provocar a criação de um perfil que não traduz a realidade da sociedade como um todo, passando a falsa impressão de que a droga é um problema apenas das classes sociais mais baixas.
É importante salientar também que a percepção de pertencer a grupos sociais excluídos ou de ser enquadrado como um jovem de risco social pode favorecer sentimentos de inferioridade, sofrimento e discriminação (SILVA JÚNIOR 2012SILVA JÚNIOR, F. J. G. S. et al. Reflections on the consumption of crack and its interface with the social determinants of health. Revista de Enfermagem da UFPI, Piauí, v. 2, n. 1, p. 139-42, ago. 2012. Disponível em: <http://www.ojs.ufpi.br/index.php/reufpi/article/view/746/pdf>. Acesso em: 24 abr. 2013.
http://www.ojs.ufpi.br/index.php/reufpi/... ). Tal fato é discutido pelas entrevistadas, como se percebe no trecho a seguir:
“Então, eu acho que as políticas deveriam ser um estudo mais profundo sobre a juventude, sobre o perfil do jovem, mais amplo. E não olhar o perfil micro, só o perfil de um jovem de risco social [...] De início, a gente já considera um jovem como risco social. Risco social pra quem? Pra eles mesmos? Ou pra uma determinada classe social?”. (Irmã).
Tão importantes quanto o aperfeiçoamento das práticas de saúde para as pessoas que têm problemas com o uso de drogas, sobretudo as socioeconomicamente mais desfavorecidas, são os suportes sociais, com destaque para os projetos de geração de renda. Estes últimos têm o objetivo de promover reais perspectivas de sustentabilidade através da inserção dos sujeitos no mercado, levando em conta as pautas culturais, os valores e as possibilidades das populações atendidas (ANDRADE, 2011ANDRADE, T. M. Reflexões sobre políticas de drogas no Brasil. Ciência e saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 16, n. 12, p. 4665-74, out. 2011, Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/csc/v16n12/15.pdf>. Acesso em: 25 abr. 2013.
http://www.scielo.br/pdf/csc/v16n12/15.p... ).
Sobre a temática, as entrevistadas a seguir discorrem sobre a discrepância entre projetos sociais que poderiam ter grandes possibilidades de sucesso, mas que tropeçam na sua execução, seja na vertente financeira, no processo de implementação ou até mesmo no atendimento à população em questão:
“Então, você quer dizer que um curso profissionalizante vai dar um retorno pra ele? Cursos profissionalizantes pra ensinar a fazer vassoura. O jovem hoje quer fazer vassoura, ou apenas isso sem nenhuma perspectiva? [...] Então, existem certos programas de juventude que são belíssimos no papel, mas o problema é a prática”. (Irmã).
As ações desenvolvidas para os usuários de drogas são, em muitos casos, heterogêneas e fragmentadas, realizadas de acordo com a ciência de cada profissional. Embora sejam reconhecidas as necessidades de intervenção para esses usuários, algumas vezes, os profissionais não realizam as ações adequadas em virtude de um despreparo – seja pela ausência de capacitações na temática, seja pela falta de interesse no assunto – ou da falta de subsídios didáticos, que deveriam ser disponibilizados pelas secretarias municipais competentes (SOUZA; PINTO, 2012SOUZA, L. M.; PINTO, M. G. Atuação do enfermeiro a usuários de álcool e de outras drogas na Saúde da Família. Revista Eletrônica de Enfermagem, Goiás, v. 2, n. 14, p. 374-383, jun. 2012. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.5216/ree.v14i2.11245>. Acesso em: 24 abr. 2013.
http://dx.doi.org/10.5216/ree.v14i2.1124... ).
“Muitos fazem as politicas, muitos atuam com isso já achando que não tem jeito. É como um paliativo, é como uma resposta para a sociedade: ‘Eu tô fazendo isso aqui, não tem jeito, mas a sociedade tá vendo’. Existem tantos programas por aí, ‘projovens’ da vida. Existem tantos programas aí, no entanto, o problema vai seguindo”. (Irmã).
Muitos profissionais de saúde – em especial, aqueles da Estratégia Saúde da Família – têm dificuldades para lidar com questões relacionadas ao uso de drogas, seja pelo desconhecimento dos fatores biopsicossociais relacionados ao seu consumo (reproduzindo preconceitos do senso comum), seja pelo medo de exposição profissional à violência do tráfico (ANDRADE, 2011ANDRADE, T. M. Reflexões sobre políticas de drogas no Brasil. Ciência e saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 16, n. 12, p. 4665-74, out. 2011, Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/csc/v16n12/15.pdf>. Acesso em: 25 abr. 2013.
http://www.scielo.br/pdf/csc/v16n12/15.p... ).
“Capacitar as pessoas para que aconteça, né? Tem que ser capacitado pessoas para que abra uma entidade, uma associação, vários CAPS da vida, que sirva realmente, né?. (Mãe 2).
“Eu acho legal mais projetos como o CAPS, e capacitar as pessoas, ajudar as famílias, educando sobre o assunto”. (Tia).
O CAPS não é o único recurso para cuidado em saúde mental na perspectiva da reforma psiquiátrica brasileira, mas, na fase em que esta se encontra, pode ser considerado como o seu carro-chefe. É principalmente para os CAPS que são encaminhadas as pessoas em sofrimento, nas grandes cidades do País. Entretanto, muitas famílias ainda não conseguem compreender exatamente o que vem a ser este serviço e, em alguns momentos, apontam o CAPS como sendo o próprio Estado. Em outras palavras, ele torna-se a materialização de uma política pública (FRAZÃO, 2007FRAZÃO, I. S. “Eu acho que a pessoa doente mental pode trabalhar; Eu trabalho e não sou doente mental?”: o processo de reinserção da pessoa com transtorno mental no mercado de trabalho. 2007. 277f. Tese (Doutorado em Serviço Social) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2007.).
É importante considerar que o consumo de drogas, por muitas vezes, é uma prática que extrapola as condições de decisão e escolha das pessoas, sendo realizado por uma determinação orgânica, pela existência de dependência físico-química e psíquica (SELEGHIM et al, 2011SELEGHIM, M. R. et al. Vínculo familiar de usuários de crack atendidos em uma unidade de emergência psiquiátrica. Revista Latino Americana de Enfermagem, São Paulo, v. 5, n. 19, out. 2011. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rlae/v19n5/pt_14.pdf> Acesso em: 23 abr. 2013.
http://www.scielo.br/pdf/rlae/v19n5/pt_1... ).
Faz-se necessário, também, que as políticas antidrogas rompam com a perspectiva exclusivamente repressiva e invistam maciçamente em ações preventivas com vistas à reinserção desses indivíduos na sociedade, já que a repressão, por si só, não é capaz de prevenir o uso indevido de drogas e de incentivar esses usuários a melhorarem.
“Políticas públicas existem, mas eu acho que ainda são muito falhas, muito perversas. A visão de jovens e adolescentes com que eu trabalho vai além das políticas públicas, que é essa coisa que é colocada pela sociedade”. (Irmã).
Portanto, é preciso considerar que a política de álcool e outras drogas trata-se de uma política intersetorial e inclusiva. Logo, suas ações devem estar pautadas nas várias áreas: saúde, justiça, educação e social. Por meio do estabelecimento desta rede de atenção integral ao usuário e tendo o CAPSad se articulado a outros níveis de atenção à saúde e setores da sociedade, é possível garantir a execução da política que preconiza uma assistência fundamentada em ações de prevenção, tratamento e reinserção social (MENDONÇA, 2010MENDONÇA, L. O. M. Crack, o refúgio dos desesperados, à luz do Programa Nacional de Combate às Drogas. Revista da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 17, n. 29, p. 289-308, dez. 2010. Disponível em: <http://www4.jfrj.jus.br/seer/index.php/revista_sjrj/article/viewFile/203/201>. Acesso em: 24 abr. 2013.
http://www4.jfrj.jus.br/seer/index.php/r... ).
Conclusão
A dependência química é um problema de saúde pública por suas consequências atingirem não somente os usuários, mas também as famílias e a sociedade. Com base em um pensamento holístico acerca de todos os fatores que se interligam no processo de drogadição, não se pode deixar de lado o importante papel da formulação e implementação de políticas públicas sobre drogas que correspondam, da melhor forma, às necessidades desses indivíduos, das famílias e da sociedade.
Vive-se hoje um processo de avanços e retrocessos na discussão, revisão e execução das atuais políticas na esfera das drogas, que precisa ser pautado na ampla prevenção dos direitos humanos, permanente e realista, de acordo com as condições biopsicossociais encontradas na população em questão.
É imprescindível que a atenção aos usuários de drogas busque reduzir danos à saúde do dependente químico e à sociedade. Diante disso, são necessárias investigações sobre a temática a fim de contribuir com a (re)formulação das políticas públicas.
- Suporte financeiro: pesquisa financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ).
Referências
- ANDRADE, T. M. Reflexões sobre políticas de drogas no Brasil. Ciência e saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 16, n. 12, p. 4665-74, out. 2011, Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/csc/v16n12/15.pdf>. Acesso em: 25 abr. 2013.
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
04 Ago 2023 - Data do Fascículo
Dez 2013
Histórico
- Recebido
01 Jun 2013 - Aceito
01 Jul 2013