Apresentação
Crack! Este foi o termo mais utilizado pela mídia nos últimos tempos. De uma hora para a outra, o crack foi considerado como a causa de todos os males, de todas as formas de violência e miséria social, de todas as precariedades e falências das políticas públicas.
As cenas de uso, demonizadas pela mídia como as ‘cracolândias’, passaram a ser sistemática e repetidamente exibidas pelos canais de TV como se fossem reality shows, produzindo a impressão de que toda a sociedade era tão somente uma grande área de consumo da droga.
Não demoraram a aparecer inúmeras igrejas ofertando milhares de vagas em instituições para tratamento moral e espiritual de drogados, instituições estas fraudulentamente autodenominadas de ‘comunidades terapêuticas’. Da mesma forma, passaram a proliferar clínicas e cursos rápidos de formação de terapeutas de dependência química. Os mercados da fé e da doença se alinharam em um só propósito.
Os avanços construídos ao longo de muitos anos e duras batalhas no campo das reformas sanitária e psiquiátrica passaram a ser absolutamente ameaçados, como em um toque de mágica. O furor intervencionista, clamando por internações compulsórias plantadas pela mídia e pelos mercados construídos em torno da questão da droga, trouxe à baila outro mercado: o da especulação imobiliária sob a justificativa da necessidade de uma política antidrogas!
Na verdade, esta política vem mascarando um violento processo de higienização dos espaços urbanos, fazendo-nos atualizar as reflexões de Michel Foucault sobre o nascimento da medicina social na Alemanha e na França.
Para agravar ainda mais o quadro geral, na Câmara dos Deputados foi apresentado o projeto de lei nº 7.663/10, que propõe aumentar a criminalização e a penalização relacionadas à questão das drogas, e que, por incrível que possa parecer, determina que os estabelecimentos de ensino assumam um papel de delação de crianças e adolescentes suspeitos do uso de drogas. Enfim, o projeto de lei reforça a política de ‘guerra às drogas’, política esta absolutamente fracassada e, como tal, rejeitada na maioria dos países que a adotaram e que, por sua causa, tiveram agravada a situação de violência social.
O Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), juntamente com inúmeras outras entidades e movimentos sociais, posicionou-se fortemente contrário a tal projeto de lei, mas a iniciativa segue em frente, inclusive com a decisão do governo de apoiá-lo, inserindo-o no regime de votação de urgência.
Por outro lado, no que diz respeito ao campo assistencial direcionado para a dependência química, o investimento público é ainda muito tímido e indefinido. Enquanto a rendência oficial aponta prioritariamente para a ampliação e o financiamento das instituições religiosas, em resposta aos interesses e pressões da bancada religiosa – predominantemente evangélica –, as experiências assistenciais moldadas sob os princípios da Atenção Psicossocial e da Redução de Danos, centrados no vínculo e na adesão do usuário, embora tenham resultados muito importantes. ainda estão em uma espécie de limbo das políticas públicas.
O presente número de Saúde em Debate tem como propósito trazer à tona as ricas experiências e reflexões que vêm ocorrendo no Brasil, e que demonstram que é possível construir uma polírica no campo da dependência química que seja fundada em outros princípios científicos, e que tenham na solidariedade, na escuta, na inclusão, na defesa dos direitos humanos e da cidadania as suas bases éticas e políticas.
Diretoria Nacional do Cebes
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
04 Ago 2023 - Data do Fascículo
Dez 2013