Percepção dos usuários de crack e seus familiares quanto ao acesso e serviços oferecidos em hospitais gerais

Perception of crack users’ and their family members regarding the access and services offered at general hospitals

Jactiane Anzanello Miriam Thais Guterres Dias Bernadete Dalmolin Jaqueline da Rosa Monteiro Antonio Bolis Oliveira NetoSobre os autores

RESUMO

Artigo apresenta resultados de pesquisa com usuários de crack e seus familiares quanto a percepção sobre acesso e avaliação da qualidade dos serviços oferecidos em internação em hospital geral. Pesquisa realizada em onze hospitais conveniados com o SUS de municípios da região Macro Metropolitana do Rio Grande do Sul. Estudo de abordagem quantitativa, com a coleta dos dados através de entrevistas estruturadas com usuários e familiares. Os dados analisados através de estatística descritiva. Os resultados mostram satisfação de usuários e familiares sobre o acesso e serviços prestados na internação. Avaliação esta importante para subsidiar e direcionar as políticas públicas em desenvolvimento nos hospitais gerais, com o intuito de permanente qualificação da atenção aos usuários de crack.

PALAVRAS-CHAVES
Acesso; Hospitais gerais; Saúde mental; Crack

ABSTRACT

This article presents the results of a survey carried out with crack users and their families regarding their perception in relation to access and assessment of the quality of services offered in hospitalizations at General Hospitals. The survey was carried out in eleven hospitals under SUS (National Health Service) in the municipalities belonging to the macro metropolitan region of Rio Grande do Sul. A quantitative approach to data collection was used in this study as well as interviews with patients and their families. The data were analyzed through descriptive statistics. Results showed user and family satisfaction in relation to access and services provided in hospitals. Such evaluation is important to support and direct public policies being developed in general hospitals, with the aim of a continuing qualification of attention given to crack users.

KEYWORDS:
Access; General hospitals; Mental health; Crack

1. Introdução

A Política Nacional de enfrentamento ao crack e outras drogas coloca o hospital geral como integrante necessário na estruturação de uma rede de atenção integral em saúde mental no Sistema Único de Saúde. As diretrizes e fundamentos desta política são a integralidade, o respeito aos direitos dos sujeitos com uso de álcool e outras drogas, cuidado à saúde preferencialmente no território, num horizonte de superação da lógica manicomial, por muitas décadas, hegemônica na política pública de saúde mental (AMARANTE, 1995AMARANTE, P. (Coord.). Loucos pela Vida: a trajetória da reforma psiquiátrica no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1995.; DIAS, 2001DIAS, M T. G. Saúde Mental: é possível uma política de saúde pública, coletiva, integral e de cidadania. Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 23, p. 86-95, 2001.). A assistência em saúde mental foi modificada em diversos países no decorrer da história. Consolidaram-se legislação estadual e nacional a fim de avançar no campo das políticas públicas e que objetivaram acender as necessidades apoucadas pela Reforma Psiquiátrica, traduzida como a criação de novos serviços de atenção a saúde mental e principalmente pela produção e acúmulo de saberes e práticas caracterizados como uma ruptura com o modelo psiquiátrico tradicional (YASUI, 2010YASUI, S, Rupturas e encontros: desafios da Reforma Psiquiátrica brasileira. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2010.).

Para consolidar estes avanços, criaram-se redes de atenção integral em saúde meneai, constituídas por Centros de atenção psicossocial (CAPS), ambulatórios especializados, Serviços Residenciais Terapêuticos, leitos em hospitais gerais, bem como políticas de substituição progressiva do modelo manicomial (MONTEIRO, 2009MONTEIRO, J.R. Loucura é a falta de cuidado! O hospital geral como lugar possível na rede de saúde mental. 2009. Dissertação (Mestrado). Programa de Pós Graduação da Faculdade de Serviço Social Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009.).

A estratégia de internações em Hospitais Gerais vem se mostrando fundamental para a estruturação de uma rede de atenção integral em saúde mental no Sistema Único de Saúde, conforme determina a Lei Federal 10.216 (2001) e a Lei Estadual 9716 (1992).

No atual contexto ainda se faz necessário o enfrentamento da lógica manicomial, ainda muito presente nas concepções de gestores, profissionais de saúde e sociedade em geral, Um dos desafios para a efetivação da reforma psiquiátrica é a construção de uma referência para os momentos em que a situação da pessoa em sofrimento psíquico pelo uso da droga requer um cuidado intensivo da equipe de saúde, seja em municípios de pequeno, médio ou grande porte. Até pouco tempo, restava apenas a alternativa do hospital psiquiátrico para uma intervenção mais intensiva de cuidados em situações graves.

Atual e gradativamente, os hospitais gerais tem se inserido na rede de cuidados, constituindo-se numa alternativa terapêutica viável em diversos municípios. A orientação atual é de que, se necessário, as internações são prioritariamente em hospital geral e devem ser de curta permanência, conforme preconiza a Portaria n.º 3.088/2011:

“suporte hospitalar, por meio de internações de curta duração, para usuários de álcool el ou outras drogas, em situações assistenciais que evidenciarem indicativos de ocorrência de comorbidades de ordem clínica e/ou psíquica” (BRASIL, 2011BRASIL. Portaria nº 3.088, de 23 de dezembro de 2011. Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2012/prt3083_27_12_2012.html Acesso em: 20 mar 2013
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).

No Estado do Rio Grande do Sul a Secretaria Estadual da Saúde vem construindo desde o ano de 1999 uma proposta de fortalecimento de uma rede de cuidados hospitalares regionalizada, ampliando leitos, inserindo os hospitais nas ações de promoção, prevenção e recuperação da saúde dentro dos sistemas municipais, macrorregionais, microrregionais e regionais (RIO GRANDE DO SUL, 2008RIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Estado da Saúde. Politica de Saúde Mental. Porto Alegre, 2008. Disponível em: <http://www.saude.rs.gov.br>. Acesso em 12 mar. 2013.
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). A partir da mobilização da sociedade e do Conselho Estadual de Saúde, a SES criou nos anos de 2005 incentivos financeiros para ampliação do número de leitos psiquiátricos em hospitais gerais, aprovados pela Resolução nº 140, da Comissão Intergestores Bipartite (RIO GRANDE DO SUL, 2005RIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Estado da Saúde. Resolução CIB/RS nº 140. Estabelece o incentivo financeiro para leitos psiquiátricos em hospitais gerais. Porto Alegre, 2005.). Os incentivos de saúde mental para ampliação do acesso à internação em hospitais gerais com ênfase ao enfrentamento do crack colocou o Estado do RS como o de maior cobertura de leitos de saúde mental, se comparado com os demais estados da federação (BRASIL, 2010BRASIL. Saúde Mental em Dados. Ano VII, nº 10, março de 2012. Brasília: MS, 2010. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/mentaldados10.pdf. Acesso em: 20 mar 2013.
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). O Ministério da Saúde vem adotando esta política, e recentemente aprovou a Portaria Nº 1.615/2012, que define normas para o funcionamento, a habilitação e incentivo a leitos em hospital geral para atenção a pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas.

A qualidade do atendimento prestado pelos hospitais depende da satisfação de seus usuários. Para Oliveira (2007)OLIVEIRA, D.F. Qualidade do atendimento da clínica de oftalmologia: percepção de prestadores de serviço e satisfação de usuários. Hospital de Clínicas da Universidade Estadual de Campinas. 2007. Dissertação (Mestrado). Pós Graduação da Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2007., muitas estratégias para a melhoria de serviços estão baseadas na satisfação dos usuários, portanto, ouvir e observar é fundamental para a compreensão e melhoria da organização dos serviços e do próprio ambiente hospitalar, Sullivan (2003)SULLIVAN, M. The new subjective medicine: taking the patient’s point of view on health care and health. Social Science & Medicine, v. 56, n, 7, p. 1595-1604, 2003. destaca que o usuário não pode ser visto apenas como um objeto de trabalho, mas essencialmente como sujeito e deve participar do processo a que está submetido. Por isso o presente estudo objetivou conhecer a percepção e avaliação de usuários de crack e familiares quanto ao acesso e os serviços prestados pelos hospitais gerais. Estas categorias de investigação compõem a pesquisa A Atenção Clínica ao Usuário de Crack no Hospital Geral nas Regiões Metropolitana e Norte do Rio Grande do Sul, em execução pelas Universidades de Passo Fundo e Universidade Federal do Rio Grande do Sul com apoio CNPq11Pesquisa coordenada pela Profª. Dra. Bernadete Dalmolin, da UPF, RS. A pesquisa tem abordagem quantitativa e qualitativa, com variado conjunto de instrumentos de coleta de dados: entrevista estruturada com usuários, familiares e dirigentes dos hospitais gerais; análise dos prontuários; grupos focais com profissionais dos respectivos hospitais e grupos focais com familiares, gestores e controle social por macrorregião; sistema de informação das internações hospitalares; projetos terapêuticos sobre álcool e outras drogas dos hospitais, Essas duas regiões congregam 44,85 % dos leitos SUS em hospitais gerais do estado (DALMOLIN, 2011DALMOLIN, B. A Atenção Clínica ao Usuário de Crack no Hospital Geral nas Regiões Macro Metropolitana e Macro Norte do Rio Grande do Sul. Pesquisa aprovada no Edital 41/2010 CNPq - FAIXA II SAÚDE, 2011.), tornando-se relevante um estudo sobre os efeitos desta política de incentivo à participação dos hospitais gerais na rede de atenção à saúde mental.

2. Metodologia

A análise dos dados neste artigo foi do tipo quantitativo, com delineamento descritivo e transversal, do qual participaram usuários de crack internados nos hospitais gerais e familiares de onze hospitais gerais dos seguintes municípios: Sapucaia do Sul, Esteio, Porto Alegre, Novo Hamburgo, São Francisco de Paula, Três Coroas, Camaquã, Guaíba, Montenegro, Igrejinha, Taquara.

O material coletado e objeto de análise deste estudo foram os questionários aplicados em entrevistas com usuários e familiares. A elaboração dos roteiros dos questionários teve como parâmetro a legislação vigente em saúde mental22Adaptado do instrumento PNASH/PSIQUIATRIA 2003. e contemplou as seguintes dimensões, tanto para os usuários internados como para os familiares de usuários33Ressalta-se que obrigatoriamente não relação entre familiar entrevistado e usuário internado, pois as entrevistas foram realizadas com os participantes presentes no hospital na data da coleta.: dados de identificação dos usuários; tipo de acesso e internação; serviços oferecidos aos usuários/familiares no hospital; avaliação do serviço realizado no hospital; a disponibilidade para acesso ao telefone para os usuários; se há espaços de lazer dentro ou fora do hospital; se há o acompanhamento de familiares durante a internação; se houve esclarecimentos sobre a dependência química; se houve contenção física e se pretende continuar algum tratamento para dependência após a alta hospitalar,

A entrevista foi realizada após o devido aceite e assinatura do Termo de Autorização pelos seus dirigentes, E os usuários e familiares presentes nos horários das visitas e que concordaram em participar expressaram esta decisão com a assinatura no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido44Autorização do Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Passo Fundo/RS., tomando por base a resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.

Os dados das entrevistas foram armazenados em um banco de dados do programa SPSS 17.0 e analisados através de estatísticas descritivas, observando-se as frequências absolutas e relativas e percentagens nos itens das escalas Likert e as médias, desvio padrão, medianas e amplitude interquartílica em cada item do instrumento.

3. Resultados

Importante caracterizar os usuários de crack participantes da pesquisa: foram vinte e quatro (24) hospitalizados, predominantemente do sexo masculino (87,55) com idade média de 29 anos, solteiros (75%), com filhos (54,2%), e 833% residindo na mesma cidade onde estavam internados. Quanto à escolaridade a maioria com ensino fundamental incompleto (33,3%) e completo (20,8%), e a maioria dos usuários (95,8%) não estavam estudando atualmente. Quanto à renda, 70,8% trabalhava antes da internação, a maior concentração dos usuários pesquisados (41,7%) declararam receber em média dois salários mínimos, 25% recebiam até três salários mínimos, 20,8 recebiam até um salário mínimo mensal e 12,5% não possuíam renda.

Pesquisou-se sobre as drogas já utilizadas além do crack, e os resultados foram: 91,7% maconha, 75% cocaína, 66,7% uso de álcool, 29,2% tabaco, 16,7% solventes, e 16,7% relataram ter utilizado outras drogas (pitico, chá de fita, chá de cogumelos). Em relação a primeira droga utilizada, para 50% dos usuários foi a maconha, e para 16,7% foram o álcool e a cocaína as primeiras drogas.

Em relação aos familiares de usuários internados nos hospitais gerais foram entrevistados quarenta e um (41) familiares, a maioria do sexo feminino (70,7%), com média de idade de 45,29 anos. Em relação ao vínculo de parentesco, a maior parte eram mães (43,9%), cônjuges e filhos (14,6% para cada vínculo). Em relação à escolaridade, 36,6% dos familiares possuíam ensino fundamental incompleto, 24,4% possuíam ensino médio completo, e 12,2% possuíam ensino superior.

Neste estudo, os usuários de crack internados nos hospitais da região macro metropolitana do Rio Grande do Sul foram procedentes, na maior proporção, da cidade de Porto Alegre. Esses usuários são na maioria homens, solteiros, com média de vinte e nove anos de idade e tem filhos. Esses dados concordam com estudo de Horta e colaboradores (2011)HORTA, R.L. et al. Perfil dos usuários de crack que buscam atendimento em Centros de Atenção Psicossocial. Cadernos de Saúde Pública, v. 27, n. 11, p. 2263-2270, 2011., que avalia o perfil de usuários de crack que buscaram atendimento em CAPS da região metropolitana de Porto Alegre e também com pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Datafolha (2012)DATAFOLHA. PESQUISA sobre o perfil dos usuários de Crack do Centro de São Paulo. PERFIL DOS USUÁRIOS DE CRACK NO CENTRO DE SÃO PAULO, 2012., que descreveu o perfil dos usuários de crack do Centro de São Paulo.

Quanto a escolaridade, a maioria dos usuários entrevistados para este estudo tem baixa escolarização, sendo que a maior parte possui nível fundamental incompleto, e o tipo de emprego geralmente são de baixa remuneração, sendo que o salário da maioria dos usuários varia entre 1 e 2 salários mínimos. Os artigos de Horta (2011)HORTA, R.L. et al. Perfil dos usuários de crack que buscam atendimento em Centros de Atenção Psicossocial. Cadernos de Saúde Pública, v. 27, n. 11, p. 2263-2270, 2011., Oliveira e Nappo (2008)OLIVEIRA, G., NAPPO, S,A. Caracterização da cultura de crack na cidade de São Paulo: padrão de uso controlado. Revista de Saúde Pública, v. 42, n.4, p. 664-671, 2008., Guimarães et al (2008)GUIMARÃES, C.F. et al. Perfil do usuário de crack e fatores relacionados à criminalidade em unidade de internação para desintoxicação no Hospital Psiquiátrico São Pedro de Porto Alegre (RS). Revista de Psiquiatria do Rio Grande do Sul, n. 30, p. 101-108, 2008., Ferreira et al (2003)FERREIRA FILHO O.F. et al. Perfil sociodemográfico e de padrões de uso entre dependentes de cocaína hospitalizados. Revista de Saúde Pública, n. 37, p. 751-759, 2003., Sanchez e Nappo (2002)SANCHEZ, Z.M.; NAPPO, S.A. Sequencia de drogas consumidas por usuários de crack e fatores interferentes. Revista Saúde Pública, v. 36, n. 4, p. 420-430, 2002. e Fochi et al (2000)FOCHI, E. L. et al. Caracterização de 46 usuários de crack abordados pelo programa de redução de danos “Tá Limpo”. HB Científica, n. 7, p. 85-91, 2000. descrevem o perfil dos usuários muito próximos aos deste estudo.

4. Do percurso à efetivação da internação nos hospitais gerais: acesso e avaliação dos serviços ofertados

QUANTO AO ACESSO

Obter acesso aos serviços é a etapa iniciai a ser vencida pelos usuários quando partem em busca da satisfação de uma necessidade de saúde. Para Monteiro (2009)MONTEIRO, J.R. Loucura é a falta de cuidado! O hospital geral como lugar possível na rede de saúde mental. 2009. Dissertação (Mestrado). Programa de Pós Graduação da Faculdade de Serviço Social Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009., a existência por si só de serviços não é garantia de acesso aos mesmos. Conjugam-se a resolutividade dos serviços traduzida na maneira como as pessoas enfrentam dificuldades de acesso e como efetivamente utilizam os serviços de saúde.

A percepção e informação dos usuários quanto ao acesso e ao desenrolar da internação se expressa da seguinte maneira: 83,3% dos usuários relataram que a internação foi feita de forma voluntária, 70,8% conseguiram internação em hospital geral sempre que precisaram, e o motivo da internação para 62,5% foi devido à recaída, sendo que 91,7% tiveram acompanhamento familiar durante a internação.

Quanto ao tempo de espera, para 41,7% dos usuários esta internação foi imediata, mas para 29,2% dos usuários a espera foi de uma semana, e para 12,5% a espera foi de um dia. Sobre o tempo de internação atual, a média foi de 10,13 dias. Quanto à chegada e acolhida no hospital 91,7% dos usuários consideraram como boa, por terem sido bem atendidos e com recepção satisfatória da equipe.

Em relação ao número de internações dos usuários, a média é de 2,46 (DP± 2,32), apresentaram mediana de 2 (duas) internações (p25=1; p75=3), ou seja, a maioria dos usuários. Justifica-se o desvio padrão quase igual a média devido ao fato de alguns usuários terem um número elevado de internações (outliers), diferentemente da maioria dos usuários.

Em relação à realização de tratamentos por uso/abuso de drogas foi possível constatar que 70,8% dos usuários haviam realizado tratamentos anteriormente a atual internação. Os tipos de tratamentos citados pelos usuários foram: CAPS, Alcoólicos Anônimos (AA), Narcóticos Anônimos (Naranom), Comunidades terapêuticas e tratamento medicamentoso através das Unidades Básicas de Saúde (UBS).

Para 75,6% dos familiares a internação foi voluntária, a internação foi obtida sempre que necessária para 92,7% dos familiares, e a espera para conseguir leito foi imediata para 36,6% dos familiares, 24,4% relataram que precisaram esperar algumas horas para internar, e para 24,3% dos familiares foi preciso esperar por até cinco dias. A média de tempo de espera, em dias, para a internação segundo os familiares foi de 3,08 dias, e em relação ao tempo de internação atual, a média foi de 8,93.

Quanto ao número de internações por uso de drogas relatadas pelos familiares, a mediana de internações foi de uma (1) internação (P25 = 1; P75=2). Em relação à realização de outros tratamentos por uso de drogas, para 61% dos familiares os usuários realizaram outros tratamentos. Quanto ao acompanhamento aos usuários, 63,4% dos entrevistados informaram da presença de outros familiares durante a internação.

Em relação à internação nos hospitais gerais neste estudo, a maior parte dos usuários e familiares relatou que a procura pelos serviços ocorreu de forma voluntária, como também informaram já ter sido realizado outros tipos de tratamentos. Estes achados concordam com o estudo de Melotto (2009)MELOTTO, P. Trajetórias e usos de crack: estudo antropológico sobre trajetórias de usuários de crack no contexto de bairros populares de São Leopoldo-RS. 2009. Dissertação (Mestrado). Programa de Pós Graduação em Antropologia Social, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009., onde a maioria dos usuários já haviam realizado outros tratamentos para o uso abusivo de substâncias e na maioria dos casos a internação foi demandada pelos próprios usuários. Para Monteiro (2009)MONTEIRO, J.R. Loucura é a falta de cuidado! O hospital geral como lugar possível na rede de saúde mental. 2009. Dissertação (Mestrado). Programa de Pós Graduação da Faculdade de Serviço Social Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009., a internação como um último recurso no momento da crise, não é mais o fim, mas a continuidade de um processo de cuidado e acompanhamento dos usuários.

A média de tempo de internação nos hospitais gerais é menor do que a dos hospitais psiquiátricos, e com a mudança de configuração, onde antes o atendimento era centrado no momento da crise, agora é a rede de serviços que deve atuar junto aos hospitais gerais. Há assim, uma quebra no circulo vicioso da internação como única forma de atenção, promovendo a reinserção dos usuários (PITTA, 1996PITTA, A. Reabilitação psicossocial no Brasil. São Paulo: Hucitec, 1996.).

Em relação ao acolhimento por parte dos profissionais dos hospitais, para 75,6% dos familiares relataram que foram bem acolhidos, revelando que se estabelecem relações positivas entre usuários e profissionais no atendimento e está relacionado à utilização dos recursos disponíveis para a solução das demandas dos usuários durante a internação. Para Lima (2007)LIMA, M.A.D.S. et al. Acesso e acolhimento em unidades de saúde na visão dos usuários. Acta Paulista de Enfermagem, v. 20, n. 1, p. 12-17, 2007., o acolhimento evidencia as dinâmicas e os critérios de acessibilidade a que os usuários estão submetidos e pode constituir diretriz para o estabelecimento de um processo de trabalho centrado no interesse do usuário, tornando-se assim, tecnologia para a reorganização dos serviços com vistas a garantia de acesso universal, resolutividade e humanização do atendimento. Quanto ao acolhimento realizado pelos hospitais gerais, a maioria dos usuários e familiares relatou ter sido bem acolhidos pelos profissionais/equipe, demonstrando satisfação.

QUANTO AOS SERVIÇOS HOSPITALARES OFERTADOS

A avaliação pelos usuários, permitindo ouvir sua opinião sobre o atendimento em função de suas necessidades e expectativas, é uma das atividades que podem assegurar a qualidade dos serviços de saúde, o que para Ceccim e Feuerwerker (2004)CECIM, R.; FEUERWERKWER, L.. O Quadrilátero da Formação para a Área da Saúde: Ensino, Gestão, Atenção e Controle Social. PHYSIS: Revista de Saúde Coletiva, v. 14, n. 1, p. 41- 65, 2004. significa promover o controle social e o empoderamento dos usuários.

Quando esta avaliação está baseada na satisfação dos usuários, ela mostra a democratização e a participação popular determinada aos serviços de saúde desde a Reforma Sanitária (CONTRANDRIOPOULOS, 1997CONTRANDRIOPOULOS, A.P. A avaliação na área da saúde: conceitos e métodos. In: HARTZ, Z.M.A. Avaliação em saúde: dos modelos conceituais á pratica na análise da implantação de programas. Rio de Janeiro: Fiocruz. 1997, p. 29-47.). Para Lima et al (2007)LIMA, M.A.D.S. et al. Acesso e acolhimento em unidades de saúde na visão dos usuários. Acta Paulista de Enfermagem, v. 20, n. 1, p. 12-17, 2007., os elementos essenciais para intervir de forma positiva no estado de saúde dos indivíduos e da coletividade são o acesso aos serviços de saúde e o acolhimento, A satisfação dos usuários e familiares entrevistados sobre os serviços oferecidos durante a internação foi medida através da escala Likert (REA, 2002REA, Louis M.; PARKER, Richard A. Metodologia de pesquisa: do plane jamento à execução. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2002.), onde os usuários atribuíam notas que são equivalentes a conceitos aos seguintes serviços: limpeza, condições de instalações físicas, refeições, banho, troca das roupas de cama e banho e visitas.

Assim, os usuários e os familiares foram consultados sobre a avaliação que faziam sobre os serviços oferecidos pelo hospital durante a internação, cujos resultados estão na Tabela 1, através dos conceitos ‘Muito bom’, ‘Bom’, ‘Regular’, ‘Ruim’, ‘Muito ruim’ e a variável ‘não respondeu/não soube’.

Tabela 1.
Escala de satisfação dos usuários de crack e dos familiares em relação aos serviços oferecidos pelos hospitais durante a internação nos hospital geral

Quanto à satisfação dos familiares em relação aos serviços oferecidos pelo hospital geral, foram considerados como ‘muito bom’ pela maior parte dos familiares, os serviços de limpeza (34,1%), refeições (36,6%), banho (39%) e visitas (46,3%). Também os usuários se manifestaram de forma satisfatória. As atividades mais citadas pelos usuários foram: participação em grupos (66,7%), atividades variadas (66,7%), assistir televisão (50%) e leituras (20,8%). Em relação ao consumo de cigarro, 95,8% dos usuários relataram não poder fumar durante a internação. Já os familiares, na sua maioria (53,7%) relataram não ter conhecimento sobre as atividades destinadas aos usuários, mas um número significativo (43,9%) relatou ter conhecimento sobre as atividades/serviços.

O atendimento dos profissionais da equipe técnica dos hospitais também foi avaliado pelos usuários e familiares, a partir da mesma escala referida. Os profissionais avaliados foram: médicos, psicólogos, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, equipe de enfermagem, e outros.

Na Tabela 2 é possível visualizar a avaliação realizada pelos usuários e os familiares.

Tabela 2.
Avaliação dos usuários e familiares em relação ao atendimento dos profissionais na internação no hospital geral

Através desta tabela é possível constatar que o atendimento médico, psicológico e da equipe de enfermagem foi considerado satisfatório pela maioria dos usuários. Em relação aos serviços de terapia ocupacional, a maior parte dos usuários (75%), demonstrou desconhecer a função da referida profissão, e 41,7% dos usuários considerou o atendimento das assistentes sociais ‘muito bom’, mas 29,2% dos usuários demonstraram não ter conhecimento da função.

A maioria dos familiares entrevistados demonstrou satisfação com atendimento dos psicólogos (58,5%), equipe de enfermagem (48,8%), e médicos (39%), Quanto aos terapeutas ocupacionais e assistentes sociais, a maioria dos entrevistados não tinha conhecimento sobre a função dos profissionais e/ou não sabiam se estes prestavam atendimento nos hospitais.

A pesquisa também detectou informações sobre os profissionais que mantinham mais contato com o usuário durante a internação, sobre esclarecimentos recebidos sobre dependência química e sobre o tratamento que estavam realizando; sobre contenção física; visitas dos familiares e sua periodicidade na semana; uso do telefone; espaços de lazer e atividades externas; continuidade de tratamento após a alta e orientação do hospital sobre o local para seguimento.

Os usuários manifestaram que em relação aos profissionais com quem mantinham mais contato durante a internação, a equipe de enfermagem foi a mais citada, por 87,5% dos usuários. Quanto a esclarecimentos sobre dependência química e/ou tratamento, a maioria dos entrevistados (62,5%) afirmou não ter recebido explicações sobre o tratamento e dependência até o momento da realização da entrevista. Para 37,5% dos usuários, receberam explicações dos seguintes profissionais: médicos (12,5%), psicólogos (4,2%), equipe de enfermagem (4,2%), Assistente social (4,2%).

Sobre receber visitas de familiares, 87,5% dos usuários relataram receber visitas, sendo que 33,3% dos usuários recebem visitas uma vez por semana, 41,7% dos usuários recebem visitas duas vezes por semana, 8,3% recebem visitas três vezes por semana, e 12,5% dos usuários relataram não receber visitas.

Sobre a disponibilidade para o uso de telefone, 41,7% dos usuários referiram que podem acessar sozinhos ao telefone, 41,7% dos usuários referiram que podem utilizar o telefone, mas somente através da equipe, 12,5% relataram não poder fazer uso do telefone.

Em relação à existência de espaços de lazer dentro do hospital e atividades externas para os usuários, 62,5% dos usuários informaram o pátio interno é utilizado como espaço de lazer e em relação a atividades externas, 79,2% dos usuários relatou não poder sair das unidades de internação para realizar atividades.

Sobre a continuidade de tratamento após a internação, 91,7% dos usuários pretendem continuar o tratamento. Os locais apontados pelos usuários para dar continuidade ao tratamento foram: CAPS, Comunidade terapêutica, Alcoólicos anônimos (AA), Narcóticos anônimos (NARANON), tratamento medicamentoso através das Unidades Básicas de Saúde (UBS), sendo que a maior parte dos usuários pretende realizar o tratamento em CAPS (37,5%) e 8,3% dos usuários relataram que não pretendem continuar com o tratamento.

Em relação à orientação do hospital sobre a continuidade do tratamento, a maior parte dos usuários (66,7%) relataram que até o momento o hospital não havia sugerido local, e quanto aos locais sugeridos, foram citados pelos usuários CAPS (4,2%) e Comunidade terapêutica (20,8%).

Os familiares manifestaram que sobre o acompanhamento recebido pela equipe do hospital, 43,9% dos familiares informaram não receber este acompanhamento, 46,3% relataram receber acompanhamento profissional. Quanto ao tipo de acompanhamento, foram citados atendimentos em grupo (31,7%), atendimentos individuais (7,3%), não recebem acompanhamento (48,8%). Os profissionais envolvidos no acompanhamento citados pelos familiares foram psicólogos (17,1%), assistentes sociais (17,1%) e médicos (7,3%).

Em relação ao esclarecimento prestado sobre a dependência química, tratamento, efeitos colaterais e possíveis riscos, 61% dos familiares relataram ter recebido esclarecimentos e 39% ainda não haviam recebido informações. Os profissionais envolvidos no esclarecimento citados pelos familiares foram: psicólogos (31,7%), médicos (9,8%), assistentes sociais (9,8%), técnicos de enfermagem (4,9%) e 43,9% não souberam responder.

Quanto a contenção física, 65,9% dos familiares relataram que não havia ocorrido contenção, 19,5% dos familiares relataram que houve contenção e 14,6% dos familiares não souberam informar. Entre os familiares dos usuários que já haviam sido contidos, 12,2% relataram que foram contidos apenas uma vez durante a internação.

Quanto à disponibilidade para utilizar o telefone, 26,8% dos familiares relataram que os usuários podem fazer uso sem acompanhamento da equipe. A maioria dos familiares (39%) informou que os usuários tem acesso ao telefone através da equipe, 24,4% relataram que não é permitido o uso do telefone. Quanto aos espaços de lazer na parte interna dos hospitais, 51,2% dos familiares confirmaram a existência desse espaço, 19,5% relataram que não há espaço de lazer dentro dos hospitais, e 29,3% não souberam informar, Para a maioria dos familiares (80,5%), não são realizadas atividades externas pelos usuários.

Sobre a continuidade do tratamento dos usuários, 92,7% dos familiares pretendem dar continuidade ao tratamento. Entre estes familiares, os tratamentos citados foram: CAPS (46,3%), Comunidade terapêutica (22%), AA/NARANON (9,8%) e ainda não sabem qual tratamento (12,2%), Sobre a orientação da continuidade do tratamento, 53,7% dos familiares a receberam, e 43,9% dos familiares ainda não haviam recebido encaminhamentos dos hospitais. Os serviços sugeridos pelos hospitais foram: CAPS (29,3%), comunidades terapêuticas (19,5%) e AA/NARANON (2,4%).

O encaminhamento para continuidade do tratamento após a alta hospitalar é referido como ausente para a maioria dos usuários, ao contrário dos familiares, que informam receber através dos grupos por médicos, psicólogos e assistentes sociais. O local mais citado por ambos são os CAPS, tanto como indicação dos profissionais, como o planejado por usuários e familiares. Esta constatação indica que o dispositivo de cuidado da atual política de saúde mental, criado no âmbito da reforma psiquiátrica, é reconhecido pelos usuários e familiares pela razão de estarem presentes na oferta de serviços municipais para o cuidado de pessoas com transtornos mentais e sofrimento psíquico.

Uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no ano de 2003INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Acessos e Utilização de serviços de saúde, 2003. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2003/saude/>. Acesso em 12 mar. 2013.
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/...
. sobre Acessos e Utilização de serviços de saúde, revelou que 98% dos brasileiros que procuraram atendimento afirmaram que foram atendidos, e a avaliação da qualidade também foi positiva, quando 86% dos usuários classificaram como ‘muito bom’ e ‘bom’. Assim através deste estudo, foi possível constatar que há uma sintonia de satisfação entre usuários e familiares internados nos hospitais gerais desta pesquisa.

Registrar a satisfação ou insatisfação dos usuários de um serviço de saúde torna-se um indicador importante por revelar os aspectos que precisam ser melhorados, gerando, desta forma, aprimoramento institucional e profissional (TURRIS, 2005).

A mensuração da satisfação do usuário de um serviço de saúde torna-se complexa, uma vez que reflete opinião, percepção e subjetividade, bem como depende de sua expectativa. Todavia, os resultados encontrados podem fornecer subsídios para o melhoramento dos serviços, nos quais o usuário é o elemento central, impulsionando mudanças necessárias à dinâmica organizacional (BENAZZI, et al., 2008BENAZZI, L E. B.; FIGUEIREDO, A. C. L.; BASSANI, D. G.. Avaliação do usuário sobre o atendimento oftalmológico oferecido pelo SUS em um centro urbano no sul do Brasil. Ciência e saúde coletiva, v. 15, n.3, p. 861-868, 2010.).

Constata-se um alto grau de satisfação dos entrevistados quanto ao atendimento de modo geral, e que a satisfação dos familiares é menor quando comparada com a dos usuários. As condições necessárias para o atendimento como as atividades em pátio, abordagem grupai e individual devem fazer parte do projeto terapêutico dos hospitais gerais, conforme preconiza a legislação vigente na política de saúde mental, não estão presentes em todos os estabelecimentos pesquisados. Contudo, a satisfação está presente, podendo-se inferir a escolha dos entrevistados em não realizar crítica ao local. Esta posição remete à reflexão sobre o lugar que o sujeito ocupa na sociedade, como diz Cunda (2011)CUNDA, M. Tramas empedradas de uma psicopatologia juvenil. 2011. Dissertação (Mestrado). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2011., criminalizado pelo uso, num lugar de quem se contenta com pouco.

5. Conclusões

A pesquisa contribuiu com conhecimentos importantes referentes ao acesso e avaliação dos serviços prestados pelos hospitais gerais aos usuários em tratamento para os prejuízos decorrentes do uso de crack. Para a maioria dos usuários e familiares o acesso à internação em hospital geral ocorreu sempre que precisaram com um tempo de espera mínimo de tempo. O acolhimento foi considerado satisfatório, assim como os serviços prestados durante a internação. Destaca-se também que os CAPS já são uma referência de atendimento em saúde mental, tanto para os usuários como familiares.

A internação foi majoritariamente realizada de forma voluntária, revelando condições dos usuários de tomarem posição sobre sua necessidade de tratamento. Este aspecto é muito relevante sob a perspectiva dos direitos, contudo é preciso ser qualificado nesta dimensão o acesso ao telefone, que a maioria dos hospitais estabelece restrições. A liberdade de comunicação através do acesso aos serviços telefônicos compõe os Direitos e Condições de Vida em Estabelecimento de Saúde Mental, um dos princípios da Declaração da Organização das Nações Unidas (ONU, 1991)ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Princípios para a proteção de pessoas com enfermidade mental e para a melhoria da assistência à saúde mental. 17 de dezembro de 1991. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/deficiente/protec.htm>. Acesso em 12 mar. 2013.
http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu...
, referente à Proteção de Pessoas com Enfermidade Mental e para a Melhoria da Assistência à Saúde Mental.

O atendimento dos profissionais para a maioria dos usuários e familiares é satisfatório, mas a equipe de enfermagem é que mais contato realiza com os hospitalizados. Esta situação associada ao fato de os assistentes sociais e terapeutas ocupacionais serem identificados de forma reduzida caracteriza que há fragilidades no trabalho em equipe, uma condição essencial a um tratamento na direção da atenção integral e interdisciplinar. Também expressa uma precariedade na presença de todos os profissionais necessários para o atendimento, o que explica o fato da maioria dos usuários referirem não terem tido esclarecimentos sobre dependência química e/ou tratamento durante a internação.

Os resultados da pesquisa constituem um material relevante para subsidiar os gestores das políticas públicas referentes ao tema, nos aspectos da necessidade de investimentos para os hospitais gerais efetivarem os parâmetros existentes sobre o tratamento durante a internação, bem como em investimentos necessários para a capacitação de profissionais de saúde. O fenômeno da dependência química é de natureza multicausal, com dimensões de caráter moral e comportamental que afetam a sociedade. Esta peculiaridade requer permanente espaço de reflexão e de novas abordagens mais inclusivas e de respeito aos direitos dos usuários.

O SUS é uma política pública de alta relevância social pelo seu caráter universal e sua dimensão cidadã. Por tratar-se de um sistema de saúde formado por gestores das três esferas governamentais, e as consequências típicas desta relação plural num ambiente formado por uma rede hospitalar privada conveniada / contratada, a indução de novas políticas de cuidado vão requerer contínuos conhecimentos sobre a qualidade e capacidade assistencial. Deste modo, as contribuições da pesquisa viabilizam acúmulo na produção de tecnologias de cuidado, de organização do sistema e de educação permanente aos profissionais do setor.

  • Suporte financeiro: CNPq.
  • 1
    Pesquisa coordenada pela Profª. Dra. Bernadete Dalmolin, da UPF, RS. A pesquisa tem abordagem quantitativa e qualitativa, com variado conjunto de instrumentos de coleta de dados: entrevista estruturada com usuários, familiares e dirigentes dos hospitais gerais; análise dos prontuários; grupos focais com profissionais dos respectivos hospitais e grupos focais com familiares, gestores e controle social por macrorregião; sistema de informação das internações hospitalares; projetos terapêuticos sobre álcool e outras drogas dos hospitais
  • 2
    Adaptado do instrumento PNASH/PSIQUIATRIA 2003.
  • 3
    Ressalta-se que obrigatoriamente não relação entre familiar entrevistado e usuário internado, pois as entrevistas foram realizadas com os participantes presentes no hospital na data da coleta.
  • 4
    Autorização do Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Passo Fundo/RS.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Ago 2023
  • Data do Fascículo
    Dez 2013

Histórico

  • Recebido
    01 Abr 2013
  • Aceito
    01 Jun 2013
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