A sala de situação da dengue como ferramenta de gestão em saúde

Dengue situation room as a health management tool

Layza de Souza Chaves Deininger Kerle Dayana Tavares de Lucena Daniela Cristina Moreira Marculino de Figueiredo César Cavalcanti da Silva Ana Eloísa Cruz de Oliveira Ulisses Umbelino dos Anjos Sobre os autores

Resumos

Trata-se de estudo documental, retrospectivo e descritivo que utilizou os dados do primeiro semestre de 2012 do Sistema de Informação de Agravos de Notificação com o objetivo de apresentar a sala de situação da dengue do Distrito Sanitário IV (DSIV), João Pessoa -PB como ferramenta de apoio ao planejamento e à gestão. Como resultado do estudo, dos 2.732 casos de dengue notificados, confirmaram-se 1.645. No território do DSIV, notificaram-se 302 casos, com maior incidência nos bairros Centro (9,8%), Treze de Maio (7%) e Varadouro (6,1%). Aponta-se a importância do uso da informação para avaliação da situação de saúde e tomada de decisão com vistas a direcionar ações intersetoriais, educativas e de conscientização.

Indicadores básicos de saúde; Dengue; Saúde pública


This study is based on documents, and of retrospective and descriptive nature, applying data retrieved from the Information System of Reportable Diseases - 2012 first semester with the aim to present the dengue situation room from the IV Sanitary District-DSIV, in João Pessoa-PB, as a tool to support planning and management. As a result, from the 2,732 cases of dengue reported, 1,645 were confirmed. On DSIV territory, 302 cases were reported, with higher incidence of the disease in the neighborhoods of Centro (9.8%), Treze de Maio (7%) and Varadouro (6.1%). It is necessary the use of information for assessing health development and guiding educational, intersectorial and awareness actions.

Health status indicators; Dengue; Public health


Introdução

A dengue é um grave problema de saúde pública em países de clima tropical. Devido às condições ambientais favoráveis ao desenvolvimento e proliferação do principal vetor dessa enfermidade, o aedes aegypti, essas regiões têm a maior incidência da doença, necessitando de medidas de prevenção em caráter de urgência (FREITAS; RODRIGUES; ALMEIDA, 2011).

Atualmente, mais de 100 países apresentam casos de dengue, totalizando cerca de seis milhões de casos que expõem a risco de morte mais de 500 mil indivíduos que evoluem para a febre hemorrágica da dengue, o que faz com que essa doença seja considerada 'maldição urbana' da contemporaneidade (TEIXEIRA; COSTA; BARRETO, 2011).

Trata-se de uma doença infecciosa que causa febre alta e aguda, prostração, mialgia, cefaleia, dor retro orbicular, geralmente de evolução benigna em sua forma clássica e grave quando se apresenta na forma hemorrágica, ao que se somam, além dos sinais e sintomas citados, dores abdominais, hemorragia e choque resultante do aumento da permeabilidade vascular. Existem quatro sorotipos conhecidos do vírus da dengue: Den-1, Den-2, Den-3 e Den- 4, e os quatro circulam atualmente por todo o Brasil (DIAZ-QUIJANO, 2011).

Os pacientes que adquirem a doença pela primeira vez, infecção primária, desenvolvem imunidade homóloga ao sorotipo viral, sendo geralmente assintomáticos ou oligossintomáticos. Contudo, uma segunda infecção por outro sorotipo diferente é um fator predisponente para o desenvolvimento da forma grave da doença (DIAZ-QUIJANO, 2011; VILAS BOAS ET AL., 2011).

No Brasil, apesar dos avanços do Sistema Único de Saúde no campo da vigilância, promoção da saúde, prevenção das doenças infecciosas e do empenho de muitos gestores para controlar esse problema, ainda existe uma situação grave no campo da saúde coletiva, sobretudo a partir da introdução do vírus dengue-4, em 2010, visto que a população se encontra suscetível às infecções por esse sorotipo (TEIXEIRA; COSTA; BARRETO, 2011; BRASIL, 2007).

O processo de urbanização desordenado, grande aglomeração populacional, deficiências no suprimento e qualidade da água, tratamento de esgoto inexistente ou inadequado e destino inadequado do lixo, com acúmulo de recipientes não biodegradáveis, contribuem para o difícil controle da doença e para a ineficácia das ações de combate ao mosquito vetor (VILAS BOAS ET AL., 2011).

Nesse contexto, os profissionais de saúde e gestores podem contar com o apoio de instrumentos que auxiliem a visualização da situação de saúde dos diversos territórios, permitem a avaliação e norteiam a tomada de decisões em saúde. Um desses instrumentos é conhecido por Sala de Situação em Saúde, que pode ser compreendida como um conjunto de dados agrupados em uma determinada planilha e alimentados por diferentes sistemas de informação, permitindo, assim, conhecer a realidade, o perfil, as necessidades da população, bem como o trabalho realizado (oferta/demanda) pelo setor saúde e seu impacto em determinada abrangência populacional. Pode ser compreendida pelo território de uma unidade básica de saúde, de um distrito, município, estado ou até mesmo de um país (BUENO, 2010; SAMICO ET AL., 2002).

O município de João Pessoa é organizado territorialmente em cinco Distritos Sanitários, compreendidos como processo social de mudanças de práticas sanitárias envolvendo as dimensões política e ideológica na estruturação de uma nova lógica de atenção pautada no paradigma da concepção ampliada do processo saúde-adoecimento, o que implica mudança cultural da abordagem sanitária.

O Distrito Sanitário IV é responsável territorialmente por 26 equipes de saúde da família e três unidades básicas de saúde. Por ser a vigilância epidemiológica descentralizada, um distrito sanitário possui a responsabilidade de notificar doenças e agravos em seu território e investigar os casos. As notificações ocorrem semanalmente, de acordo com o número da semana epidemiológica correspondente. A partir das notificações, os dados são enviados ao setor responsável pela vigilância em saúde da Secretaria Municipal de Saúde para seu estudo e planejamento junto aos profissionais responsáveis pelo cuidado.

Nessa perspectiva, é importante ampliar discussões acerca da temática, dialogando sobre a construção de instrumentos tais como a Sala de Situação da Dengue (SSD) e o monitoramento dos indicadores de saúde do território, no sentido de tornar as ações mais eficazes no combate à doença, bem como nas medidas de prevenção. Nesse contexto, a pesquisa teve como objetivo apresentar a sala de situação da dengue como ferramenta de apoio ao planejamento e à gestão de saúde no Distrito Sanitário IV, em João Pessoa, Paraíba.

Materiais e métodos

Este estudo é documental, retrospectivo e descritivo. O cenário de estudo foi o Distrito Sanitário IV, pertencente ao Município de João Pessoa (PB). Utilizaram-se como fonte de dados secundários os relatórios do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) do referido Distrito para a construção da sala de situação do primeiro semestre de 2012, visto que esse recorte temporal foi considerado período de epidemia de dengue no Município, coincidindo também com o período das chuvas.

Entretanto, este tipo de estudo apresenta limitações inerentes aos estudos que utilizam dados secundários tais como impossibilidade de controlar ou garantir a qualidade dos dados. Ainda assim, vale salientar a importância da disponibilidade pública desses dados e sua utilização por pesquisadores e gestores a fim de ajudar no processo de planejamento das ações e serviços de saúde (CONASS, 2011).

O indicador de saúde utilizado neste estudo foi a incidência de casos de dengue por bairros no território do Distrito Sanitário IV, João Pessoa, Paraíba. Para análise de dados, calculou-se o indicador selecionado conforme quadro 1, descrevendo-se as incidências e elaborando as frequências das variáveis no programa estatístico do Epi Info versão 3.5.1, com apresentação dos resultados em formato de tabela, e relacionando os resultados com a literatura pertinente.

Quadro 1.
Cálculo da incidência de dengue por bairro, no território do Distrito Sanitário IV, João Pessoa, Paraíba, Brasil, no primeiro semestre de 2012

Resultados e discussão

A partir dos dados apresentados na sala de situação, observou-se, até o primeiro semestre de 2012, um total de 2.732 casos de dengue notificados, dos quais 1.645 foram confirmados, ou seja, cerca de 60% do total.

Segundo a Organização Pan-Americana de Saúde (2000), os casos de dengue são notificados conforme a situação, como suspeitos, prováveis ou confirmados. Os suspeitos apresentam doença febril aguda com duração de 2 a 7 dias com um ou mais dos seguintes sintomas: cefaleia, dor retro-orbital, mialgia, dor nas articulações, exantema, leucopenia, manifestações hemorrágicas. Casos prováveis são aqueles suspeitos, com uma ou mais das seguintes características: uma amostra sorológica positiva e aparecimento no mesmo local e ao mesmo tempo em que existem casos confirmados da doença. E, por fim, casos confirmados de dengue são os casos que se confirmam com resultados de laboratório, por meio de isolamentos virais, aumento de quatro vezes ou mais de títulos de IgG ou anticorpos IgM e detecção de vírus nos tecidos de autopsia ou soro.

Dessa forma, em regiões de clima tropical, muitas doenças ocasionam febre de início súbito e podem ser clinicamente classificadas como dengue, o que cria um grande número de falsos positivos, causando sobrecarga nos serviços de saúde e inadequada utilização dos recursos de diagnósticos (DIAZ-QUIJANO, 2011). Portanto, torna-se imperiosa a análise por parte dos trabalhadores e gestores dos casos notificados e do planejamento para o cuidado em saúde. E, nesse caso, a sala de situação possibilita tal exercício.

Quanto aos achados apresentados na sala de situação, dos 1.645 casos confirmados de dengue, 1.566 ocorreram na forma clássica, que representa mais de 95% dos casos; 49 apresentaram complicação, representando cerca de 3% das ocorrências; e 30 casos se confirmaram como febre hemorrágica da dengue, ou seja, menos de 2% de todos os episódios da doença no município até o primeiro semestre de 2012.

Conforme tabela 1, foram notificados 302 casos de suspeita de dengue no território do Distrito Sanitário IV. Os bairros com maior notificação de casos de dengue são o de Mandacaru, 70, que representa 23% das notificações; Treze de Maio, 55, apresentando 18%; e Padre Zé, 43, ou 14% das notificações, totalizando 55% das notificações da doença no território do Distrito. De acordo com os dados, o Centro, com 9,88% foi o bairro com maior incidência, seguido do Treze de Maio, com 7,09%, e do Varadouro, com 6,18% de incidência.

Tabela 1.
Número de casos notificados e incidência por bairro do Distrito Sanitário IV, de João Pessoa, Paraíba, Brasil, no primeiro semestre de 2012

A partir do estudo e tendo como instrumento de análise a sala de situação em saúde, gestores e profissionais de saúde, em decisão compartilhada, definiram como estratégia a atualização dos trabalhadores em saúde quanto à identificação, notificação e manejo dos casos suspeitos que, de fato, apresentassem os sinais e sintomas clássicos da doença. Além do acesso aos meios diagnósticos, sendo estes direcionados e coordenados pela rede de atenção municipal de saúde, com resultados em 24 horas, garantindo a oportunidade da informação e da tomada de decisão em saúde, minimizando as complicações decorrentes da doença.

Com a sala de situação no Distrito Sanitário IV, o monitoramento do número de notificações e a incidência por bairro, tornou-se possível avaliar os dados e, assim, subsidiar decisões de gestão, como realizar reuniões matriciais para apresentar e discutir os indicadores da dengue no território, criar grupos de trabalho para desenvolver planos de ação de combate ao mosquito vetor de forma integrada com os diversos atores sociais da área e desenvolver atividades educativas para conscientização da população, sendo esta a principal problemática para o controle da doença.

Faz-se mister destacar, também, que os bairros que apresentaram menores números de notificação não representam a ausência de casos da doença nos territórios, devendo ser analisada a possibilidade de subnotificação e consequente falha nos dispositivos de assistência à saúde dos usuários. Porém, é um importante sinalizador da incidência da doença, apresentando um alerta em torno dos números de notificações para determinados períodos do ano e climáticos.

A confirmação dos casos requer resultados de provas de sorologia e virologia que, muitas vezes, são concluídas apenas no decorrer da enfermidade. O tratamento e a notificação dos casos são baseados nas manifestações clínicas e nos resultados dos hemogramas (DIAZ-QUIJANO, 2011). A vigilância da doença se baseia na notificação e classificação dos casos suspeitos com fundamentos clínicos e epidemiológicos, já que mais de 90% dos casos notificados ficam sem provas etiológicas específicas, baseando-se apenas na vigilância febril. Sendo assim, é essencial ter a definição de caso suspeito baseada na clínica e no contexto epidemiológico.

A dengue se expressa principalmente no âmbito da saúde, embora não seja um problema exclusivo desse setor (LIMA; VILAS BOAS, 2011). As políticas públicas para controle da doença devem perpassar outras áreas, articulando-se de forma intersetorial, compartilhando saberes e experiências, sensibilizando a comunidade por meio do conselho local de saúde, associações de moradores, líderes religiosos e educadores.

Conclusões

O uso da informação em saúde possibilita aos gestores e profissionais de saúde a avaliação da situação de um determinado território e, a partir dessa avaliação, o planejamento e a implementação de estratégias de enfrentamento aos problemas encontrados ou a manutenção das ações que oportunizam resultados satisfatórios. Em se tratando de problema da magnitude e do impacto da dengue, o uso de ferramentas que facilitem a tomada de decisão são indispensáveis à prática em saúde, tanto em relação à redução de custos desnecessários como, principalmente, no tocante ao cuidado oportuno e eficiente.

Assim, a sala de situação em saúde utilizada no Distrito Sanitário IV pelos gestores e trabalhadores permitiu ultrapassar a prática usual de mera difusão de informação do problema, em períodos mais críticos, para uma lógica onde ocorra a análise específica da situação e, a partir daí, o diálogo entre trabalhadores de diversos níveis de atenção e usuários, dadas as mudanças efetivas em saúde.

Diversas ações já foram desencadeadas no tocante às estratégias de combate à dengue, como: capacitação das equipes de saúde da família na notificação e manejo clínico da doença, investimento em insumos e métodos de diagnóstico rápidos e eficazes, Apoio Matricial, articulação das ações e estímulo à divulgação e desencadeamento de boas práticas e estratégias.

No entanto, é preciso que o uso da informação seja fomentado com mais ênfase junto aos profissionais de saúde e à população, lançando mão de ferramentas tais como a sala de situação. Além disso, também se faz necessária a estruturação da rede de atenção à saúde que garanta a atenção oportuna e eficiente, de modo coordenado e seguro ao usuário, em suas diversas necessidades de saúde.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2014

Histórico

  • Recebido
    Abr 2013
  • Aceito
    Jan 2014
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde RJ - Brazil
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