Modelo preditivo ao abandono do tratamento da tuberculose

Predictive model to the tuberculosis treatment abandonment

Eveline de Almeida Silva Ulisses Umbelino dos Anjos Jordana de Almeida Nogueira Sobre os autores

Resumos

Objetivou-se construir um modelo preditivo tomando como variáveis explicativas as características dos indivíduos com tuberculose para definir o tratamento mais adequado. Pesquisa do tipo observacional descritiva, de abordagem quantitativa. A população alvo (n=1925) foi retirada do Sistema de Informação de Agravos de Notificação de João Pessoa- PB, entre 2001 e 2008. No modelo final a razão de chances (OR) das variáveis para o risco ao abandono foram: escolaridade em ensino médio (OR=1,56) e em ensino superior (OR=42,99), cor (OR=2,29) e reingresso após abandono (OR=2,71). A tomada de decisão deverá ser direcionada ao modelo de melhor adequação para se identificar os indivíduos passíveis de abandonar o tratamento.

Epidemiologia; Tuberculose; Modelos logísticos


This study aimed to build a predictive model taking as explanatory variables the characteristics of individuals with tuberculosis so to define the most appropriate treatment. A descriptive observational research of quantitative approach was applied. The target population (n=1925) was collected from the Reportable Diseases Information System of João Pessoa-PB, Brazil, between 2001 and 2008. In the final model odds ratio (OR) the following quitting treatment risk variables were considered: education in high school (OR=1.56) and in college (OR=42.99), race (OR=2.29) and re-entry after quitting (OR=2.71). The decision-making process should be directed to the best fit model in order to identify likely-to-quit-treatment individuals.

Epidemiology; Tuberculosis; Logistic models


Introdução

A tuberculose (TB) é um agravo associado às condições de miséria e a cuidados inadequados de saúde, apresentando incremento nos indicadores de morbidade e mortalidade em países pouco desenvolvidos ou em desenvolvimento onde essas condições são desfavoráveis (MENDES; FENSTERSEIFER, 2004MENDES, A.M.; FENSTERSEIFER, L.M. Tuberculose: porque os pacientes abandonam o tratamento? Bol Pneumol Sanit, Rio de Janeiro, v. 12, n. 1, abr. 2004. p. 25-36.). Caso não haja melhoria no seu controle, no período que compreende os anos de 2000 e 2020, cerca de um bilhão de pessoas serão infectadas pelo bacilo de Koch, 200 milhões adoecerão e 35 milhões poderão ir a óbito. (WHO, 2010WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). World health statistics 2008. Geneva: WHO; 2010.)

O Brasil ocupa o 19º lugar no ranking dos 22 países que concentram 80% dos casos de TB e o 14º lugar quando se trata de casos com baciloscopia positiva, sendo responsável por 31% de todos os casos de TB na região da América Latina (WHO, 2010WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). World health statistics 2008. Geneva: WHO; 2010.). Em 2010, foram notificados 71 mil casos novos da doença, com incidência de 37,9 casos por 100.000 habitantes e prevalência de 50 casos por 100.000 habitantes. O percentual de cura alcançou 77% e a taxa de abandono foi de 9%. A TB foi, ainda, a terceira causa de mortalidade por doenças infecciosas, com 4,8 mil óbitos por ano (BRASIL, 2009BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Guia de vigilância epidemiológica: tuberculose. 7. ed. Brasília: Ministério da Saúde 2009. (Boletim n. 2/2009).).

O Estado da Paraíba notificou, em 2010, 1.065 casos novos de TB, apresentando uma taxa de incidência de 28,3/100.000 habitantes, com percentual de coinfecção com HIV de 7,2%. Nota-se que, nos últimos 10 anos, a taxa de incidência vem apresentando tendência de queda, assemelhando-se aos dados nacionais. Quanto à taxa de mortalidade, em 2009, o Estado apresentou 2,1/100.000 habitantes. No mesmo período, avaliando o encerramento dos casos, obteve-se 63,4% de cura e 8% de abandono entre os casos novos de TB. Em João Pessoa, capital do Estado, no ano de 2009, houve 399 casos novos da doença, com 56% de cura e 8,5% de abandono, divergindo das metas do Programa Nacional de Controle da Tuberculose (PNCT), que é atingir um percentual de cura superior a 85% dos casos detectados e reduzir o de abandono a menos de 5% dos casos (PARAÍBA, 2010PARAÍBA. Secretaria de Estado da Saúde. Relatório de Gestão. João Pessoa: Secretária de Estado da Saúde, 2010.).

Há evidências de que a permanência da TB no território nacional reflete o estágio de desenvolvimento social do País, cujos determinantes da pobreza, a fragilidade das organizações dos serviços de saúde e as deficiências quanti-qualitativas da gestão limitam as ações de controle da TB.

Embora venha sendo intensificada a descentralização das ações de diagnóstico e tratamento para as unidades de atenção básica, observa-se que fragilidades na produção do cuidado ao doente de TB têm contribuído para a ocorrência da interrupção do tratamento. O abandono do tratamento da TB e a terapia irregular repercutem na persistência da morbidade e mortalidade, favorecem a resistência medicamentosa e constituem fator de impacto negativo no controle da doença (PAIXÃO; GONTIJO, 2007PAIXÃO, L.; GONTIJO, E. Perfil de casos de tuberculose notificados e fatores associados ao abandono, Belo Horizonte, Minas Gerais. Rev. Saúde Pública, São Paulo, v.41, n. 2, abr. 2007, 2007.; SOUZA, 2008SOUZA, K.M.J. Abandono do tratamento da tuberculose na Atenção Primária à Saúde: uma análise segundo o enfoque familiar do cuidado. 114f. 2008. Dissertação (Mestrado em Enfermagem). - Universidade Federal da Paraíba. João Pessoa, Paraíba, 2008.).

Experiências em nível nacional e internacional mostram redução nas incidências de abandono com a estruturação da modalidade supervisionada para o tratamento. A vantagem do tratamento diretamente observado assenta-se na prerrogativa do cuidado continuado, potencialmente capaz de assegurar a adesão e momento oportuno para fortalecer a comunicação, estabelecer vínculo, compartilhar saberes e angústias, problemas e necessidades e esclarecer dúvidas, permitindo, dessa forma, a ampliação do foco terapêutico para além do diagnóstico médico (QUEIROZ 2012QUEIROZ, R. Diferenças na adesão ao tratamento da tuberculose em relação ao sexo. 97f. 2008. Dissertação (Mestrado em Medicina). - Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2008.; TERRA, BERTOLOZZI, 2008TERRA, M.F.; BERTOLOZZI, M.R. Tratamento diretamente supervisionado (DOTS) contribui para a adesão ao tratamento da tuberculose? Rev. Latino-am Enfermagem, Ribeirão Preto, v. 16, n. 4, jul./ago, 2008, p. 659-664.). Caracteriza-se, portanto, como uma ação que vai além da vigilância isolada da tomada das medicações. Por sua vez, na modalidade terapêutica auto administrada, o abandono se torna aparente somente quando o paciente se ausenta dos retornos médicos e falha em retirar as medicações (FERREIRA; SILVA; BOTELHO, 2005FERREIRA, S.; SILVA, A.M.; BOTELHO, C. Abandono do tratamento da tuberculose pulmonar em Cuiabá-MT-Brasil. J Bras Pneumol, São Paulo, v. 31, n. 5, set./out. 2005. p. 427-35).

Ainda que venha sendo recomendada a adoção da modalidade supervisionada para todos os casos diagnosticados, nem sempre os serviços dispõem de recursos humanos e estruturais suficientes para atender toda a demanda. Nessa circunstância, sugere-se que, prioritariamente, sejam selecionados os doentes bacilíferos; etilistas; casos de retratamento após abandono; moradores em situação de rua; doentes apenados e institucionalizados (de longa permanência e psiquiátricos) (BRASIL, 2009BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Guia de vigilância epidemiológica: tuberculose. 7. ed. Brasília: Ministério da Saúde 2009. (Boletim n. 2/2009).).

Contudo, estudos apontam que, comumente, outros fatores podem estar associados ao abandono do tratamento, influenciados por características peculiares aos doentes - idade, sexo, cor, ocupação, estado civil, renda, escolaridade, entendimento do processo saúde-doença, comportamentos, crenças e valores; e relacionados aos serviços de saúde - pouca valorização do contexto sociocultural do doente para o desenvolvimento de projetos terapêuticos singularizados, debilidade do vínculo com os profissionais de saúde e pouca produção de acolhimento (FERREIRA; SILVA; BOTELHO, 2005FERREIRA, S.; SILVA, A.M.; BOTELHO, C. Abandono do tratamento da tuberculose pulmonar em Cuiabá-MT-Brasil. J Bras Pneumol, São Paulo, v. 31, n. 5, set./out. 2005. p. 427-35).

Se, por um lado, já são conhecidas as características próprias dos serviços de saúde que propiciam o abandono, ainda é incipiente o emprego de modelos de predição com a perspectiva de aprimorar a abordagem do paciente que apresenta elevado risco de abandono. É presumível que o reconhecimento de pacientes com elevado risco de abandono do tratamento, pelo uso de modelos de predição, possa beneficiar o manejo mais adequado desses indivíduos.

Portanto, considerando-se que o conhecimento da dinâmica relacionada ao abandono seja imprescindível para o efetivo controle da tuberculose. Este estudo objetivou construir um modelo preditivo tomando como variáveis explicativas as características sociodemográficas dos indivíduos com tuberculose para definir o tratamento mais adequado - se o supervisionado ou o auto administrado.

Método

Estudo descritivo, de abordagem quantitativa, com base nos registros de casos de tuberculose notificados no banco de dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) referente ao município de João Pessoa-PB, no período compreendido entre janeiro de 2001 e dezembro de 2008.

Inicialmente, fez-se um refinamento dos dados identificando erros e inconsistências existentes: campos não preenchidos ou sem informação e duplicidade de notificações. Do total de 5.164 observações, excluíram-se os registros duplicados e missings values, obtendo-se 4.763 registros. Realizou-se pré-processamento para escolha das variáveis a serem utilizadas no estudo: sexo, idade, cor, escolaridade, tipo de entrada, tipo de tratamento e situação de encerramento. Os 4.763 registros continham como categorias de situação de encerramento: cura, abandono, óbito por TB, óbito por outras causas, transferência, mudança de diagnóstico, e TB multirresistente.

A variável de interesse 'situação de encerramento' foi reclassificada em cura e abandono, totalizando 2.548 registros. Considerando a intenção do estudo, de propor uma modalidade terapêutica - supervisionado ou auto administrado -, optou-se pela exclusão da variável 'tipo de tratamento', resultando em uma população de 1.925 casos.

Para obtenção e adequação do modelo preditivo, realizou-se análise estatística inferencial por meio da regressão logística binária com nível de significância de 5%, i.e, a um p-valor inferior a 5% rejeita-se a hipótese de independência. Para o modelo de regressão logística, assumiram-se dois possíveis valores, 'y=0' quando o indivíduo teve a cura como situação de encerramento, e 'y=1' quando o indivíduo abandonou o tratamento.

No modelo de regressão logística binária, todas as variáveis disponíveis são incluídas ou apenas um subconjunto delas. Após a primeira etapa, o segundo passo foi o ajuste do modelo, para o que, dentre os procedimentos existentes, optou-se pelo método Backward, pelo qual, mediante a não eliminação de variáveis durante as etapas, o processo é interrompido e as variáveis restantes definem o modelo final.

Por fim, no ajuste do modelo de regressão logística, deu-se a calibração mediante a formação da matriz de confusão e o gráfico ROC (Receiver Operating Characteristic)(PAGANO; GAUVREAU, 2008PAGANO, M.; GAUVREAU, K. Princípios de Bioestatística. 2. ed. São Paulo: Thomson Learning, 2008.).

O interesse está no acerto verdadeiro positivo, que será o sucesso da resposta à pesquisa, ou seja, no fato de o resultado predizer que o indivíduo é passível de abandonar o tratamento e realmente ocorrer o abandono do tratamento.

Para obtenção dos resultados deste estudo, utilizou-se o software R versão 2.11.1 (R DEVELOPMENT CORE TEAM, 2009R DEVELOPMENT CORE TEAM. R: a language and environment for statistical computing. Vienna: R Foundation for Statistical Computing, c2009. Disponível em: <http://www.r-project.org>. Acesso em: 02 abr 2014.
http://www.r-project.org...
).

Inicialmente, ajustou-se um modelo com todas as variáveis incluídas e, a partir daí, utilizou-se o procedimento stepwise para seleção das variáveis importantes para o modelo, por meio da remoção das variáveis não significativas, obtendo-se, ao final, um modelo que explicasse a variável situação de encerramento.

Aplicou-se o modelo logístico utilizando as seguintes variáveis explicativas: idade, sexo, cor, tipo de entrada, escolaridade. Observe-se que, no último passo apenas, as variáveis com pelo menos um fator significativo (p-valor < 0,05) foram mantidas no modelo.

Com base na Resolução no 196/96 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), a presente pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Lauro Wanderley (CEP/HULW) n.o 498/10, Folha de rosto nº 368778, da Universidade Federal da Paraíba em 28/09/2010.

Resultados

A tabela 1 contém a odds ratio do modelo ajustado, exibindo as variáveis significativas selecionadas a partir do modelo de regressão logística e explicitando os coeficientes, p-valores, odds-ratio e intervalo de confiança.

Tabela 1
Variáveis significantes do modelo ajustado

A qualidade do ajuste da regressão logística é avaliada pela função desvio, também chamada de deviance, que apresentou o valor de 1.417,2, 1920 graus de liberdade, p-valor maior que 0,999, chegando, assim, a um bom ajuste.

Observa-se que os indivíduos com escolaridade em nível de ensino médio apresentaram 1,56 mais chances de abandonar o tratamento, e aqueles com ensino superior, 42,99 vezes mais chances de abandono. Indivíduos de outras cores, por sua vez, apresentaram 2,29 vezes mais chances de abandonar o tratamento que os brancos e pardos. Com relação ao tipo de entrada, indivíduos que reingressaram após abandono tiveram 2,71 vezes mais chances de abandonar do que os casos novos e recidivos.

A figura 1 apresenta a curva ROC, produzida pelo modelo de regressão logística ajustado. Após análise gráfica da curva ROC, o modelo pode ser considerado conservador, pois está próximo ao canto esquerdo inferior da figura e apresenta área sob a curva ROC igual a 0,722, significando que o ajuste encontra-se na zona razoável.

Figura 1
Curva ROC do modelo ajustado

Na tabela 2, construiu-se uma matriz de contingência de acordo com o critério de Youden. Para tanto, adotou-se como ponto de corte a coordenada 0,20104 determinado pelo critério de Youden. Assim, para cada ponto de corte, somando-se sensibilidade e especificidade, foi possível localizar o ponto de máximo na coordenada (0,201040, 1,378096). Para esse ponto de corte, verificou-se uma especificidade de quase o dobro da sensibilidade.

Tabela 2
Tabela de adequação do modelo: Índice de Youd

Na tabela 3, outro ponto de corte foi determinado pelo critério da mínima distância.Logo, a coordenada 0,1465228 foi adotada segundo o critério da mínima distância ao ponto (0,1). O ponto de corte de mínimo ficou determinado na coordenada (0,1465228, 0,2717528). Nesse ponto, verificou-se especificidade ligeiramente superior à sensibilidade.

Tabela 3
Tabela de adequação do modelo: critério do mínimo

A figura 2 permite visualizar a situação de encerramento, dicotomizada em cura=0 e abandono=1, e os pontos referentes às probabilidades existentes no estudo. Ao final do ajuste do modelo, encontraram-se as seguintes variáveis preditoras do abandono: escolaridade (ensino médio e ensino superior), cores (outras) e tipo de entrada (reingresso após abandono). Com esses resultados, doze combinações foram possíveis, de forma a que cada ponto do gráfico reflita vários elementos da população alvo.

Figura 2
Apresentação gráfica das probabilidades de abandono

Ao se traçar visualmente linha imaginária no ponto de corte mencionado, calculado mediante critério de Youden (ponto de corte: 0,20104), nota-se que os pontos na categoria '1' se dividem por igual, ou seja, o modelo está ajustado para detectar quase 50% dos indivíduos que devem ser indicados ao tratamento supervisionado. Um modelo de adequação com ponto ótimo seria aquele que todos os pontos referentes à categoria '1' estivessem após o ponto de corte e que todos os pontos na categoria '0' se encontrassem antes do ponto de corte, validando, dessa forma, o conceito de um ajuste perfeito, ou seja, predizendo todos que deveriam ou não fazer o tratamento supervisionado.

Dessa forma, vê-se que o deslocamento do ponto de corte poderia elevar o custo desnecessariamente, uma vez que o tratamento supervisionado seria indicado a indivíduos de modalidade desnecessária.

Discussão

O método de análise de regressão logística binária objetivou correlacionar as variáveis, a partir da interação de cada uma com a variável situação de encerramento, sendo considerado preditivo o ajuste final.

O uso desses modelos preditivos para auxílio nos problemas na área de saúde já foram descritos para diagnóstico e avaliação prognóstica de enfermidades, sendo gerados com o intuito de decidir sobre intervenções e orientações de medidas diagnósticas (MELLO, 2001MELLO, F.C.Q. Modelos Preditivos para o diagnóstico da Tuberculose Pulmonar Paucibacilar. 2001. Tese (Doutorado em Medicina). - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Medicina, 2001.).

Pesquisa realizada na cidade de São Paulo por Perrechi e Ribeiro (2009)PERRECHI, M.C.T.; RIBEIRO, S.A. Tratamento de Tuberculose: integração entre assistência hospitalar e rede básica na cidade de São Paulo. J Bras Pneumol, São Paulo, v.35, n.11, p.1100-1106, 2009. mostrou associação positiva entre internação por TB e retratamento de TB (OR=2,66) corroborando os achados deste estudo, onde indivíduos com reingresso após abandono (OR=2,71) tiveram 2,71 vezes mais chances de reincidência de abandono ao tratamento.

Estudo utilizando o método de análise multivariada, em seu modelo final ajustado, mostrou que permaneceram as seguintes variáveis significativas com o desfecho: hábito de ingerir bebida alcoólica, teste anti-HIV positivo, retratamento para tuberculose e resistência antimicrobiana a duas os mais drogas (ALBUQUERQUE ., 2001ALBUQUERQUE, M.F.M. et al. Fatores prognósticos para o desfecho do tratamento da tuberculose pulmonar em Recife, Pernambuco, Brasil. Rev Panam Salud Publica, Washington (DC), v.9, n.6, jun. 2001, p. 368-374.). Nesta pesquisa, há convergência com a variável retratamento para tuberculose, aqui denominada como reingresso após abandono. As demais variáveis não foram incluídas pela indisponibilidade de informações na base do SINAN.

Os doentes inseridos na categoria de retratamento ou reingresso ao tratamento após o abandono estão sujeitos a maior risco de resistência bacteriana no reingresso durante a continuação do tratamento ou, mais tarde, por recidiva (OLIVEIRA; MOREIRA FILHO, 2000OLIVEIRA, H.B.; MOREIRA FILHO, D.C. Abandono de tratamento e recidiva da tuberculose: aspectos de episódios prévios, Campinas, SP, Brasil, 1993-1994. Rev Saúde Pública, São Paulo, v.34, n.5, out. 2000, p.437-443.).

Estudo caso controle envolvendo 50 participantes na cidade de Belo Horizonte-MG, com o objetivo de comparar pacientes que abandonaram o tratamento com aqueles que evoluíram para a cura, mostrou que não houve diferença quanto ao gênero, cor, escolaridade, renda, ocupação, apoio familiar, associação com AIDS e etilismo. O uso de drogas (OR: 6,11, IC: 1,38-6,81), interesse em se tratar (OR: 0,22, IC: 0,02-0,69) e informação sobre a doença (OR: 0,05, IC: 0,00-0,30), mostraram-se independentes do abandono. O cálculo de poder estatístico das variáveis não significativas, mas de relevância epidemiológica, indicou que a ausência de associação com outras variáveis pode ter ocorrido devido ao tamanho amostral, à exemplo da escolaridade, que não se constituiu fator de risco para o abandono do tratamento (PAIXÃO; GONTIJO, 2007PAIXÃO, L.; GONTIJO, E. Perfil de casos de tuberculose notificados e fatores associados ao abandono, Belo Horizonte, Minas Gerais. Rev. Saúde Pública, São Paulo, v.41, n. 2, abr. 2007, 2007.). Difere desta pesquisa, em que o modelo preditivo proposto apresentou dois níveis de escolaridade no modelo de regressão ajustado, sendo estes de maior nível de escolaridade (ensino médio OR 1,56, IC 1,10-2,20; e ensino superior OR 42,99, IC 26,41-69,98).

Poder-se-ia especular que indivíduos com maior nível de escolaridade recorreriam às instituições públicas para ter acesso às medicações específicas para o tratamento da TB, entretanto recorreriam ao setor privado para acompanhamento médico. Nesses casos, o desfecho terapêutico a ser notificado pelo serviço público ficaria sem informação ou caracterizado como abandono.

Pesquisa realizada com 481 pacientes de 1998 a 2000 em Cuiabá-MT, aplicou modelo de regressão logística multivariada visando à identificação das variáveis mais relevantes como preditoras da variável resposta abandono, tendo sido o modelo final composto por: tratamento não supervisionado (OR 2,58, IC 1,64-4,06, p<0,001); tratamento no ano de 98 e 99 (OR 1,43, IC 1,14-1,80, p=0,002); sexo masculino (OR 1,39, IC 1,10-1,76, p=0,005); ter abandonado previamente o tratamento anterior (OR 1,37, IC 1,06-1,78, p=0,017). (FERREIRA; SILVA; BOTELHO, 2005FERREIRA, S.; SILVA, A.M.; BOTELHO, C. Abandono do tratamento da tuberculose pulmonar em Cuiabá-MT-Brasil. J Bras Pneumol, São Paulo, v. 31, n. 5, set./out. 2005. p. 427-35)

O estudo descrito acima corrobora o método desenvolvido e difere quanto às variáveis preditoras do modelo final, já que o objetivo foi decidir o tratamento mais adequado. A variável tratamento supervisionado foi excluída, ficando o banco de dados constituído de todos em tratamento não supervisionado, pretendendo-se um modelo com os dados de 2001 a 2008, no qual não foi formada uma variável do ano de tratamento. A variável sexo não foi importante no modelo.

No estudo, a área apresentada sob a curva ROC foi de 0,722, estando dentro do conceito de um modelo razoável, permitindo, assim, dizer que um indivíduo que abandonou o tratamento terá um escore mais elevado que um indivíduo que não abandonou, em 70% dos casos. Isso não significa dizer que a predição de abandono ocorra com probabilidade de 70%. (MELLO, 2001MELLO, F.C.Q. Modelos Preditivos para o diagnóstico da Tuberculose Pulmonar Paucibacilar. 2001. Tese (Doutorado em Medicina). - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Medicina, 2001.).

A indicação de tratamento supervisionado aos indivíduos que não precisam dessa terapêutica inclui o apoio financeiro da estratégia DOTS (Directly Observed Treatment, Short-course), facilidades, incentivos, medicamentos, acompanhamento, e, a fim de evitar os custos desnecessários com a indicação de um tratamento 100% supervisionado, os pontos de corte devem ser analisados pelo pesquisador de forma a decidir que modelo seguir.

Com o cálculo dos dois pontos de corte, a melhor decisão parte do critério de capturar o máximo de indivíduos que abandonarão o tratamento, ou seja, o critério de uma maior sensibilidade (61,65%), apesar de tal decisão diminuir o valor preditivo positivo, mas, de preferência, podendo identificar melhor a questão exposta, e, assim, decidir pelo tratamento supervisionado.

A escolha de um ponto de corte que permita maior sensibilidade, por outro lado, envolve custos. Porém, essa decisão parte do conhecimento de como está sendo operacionalizada a estratégia DOTS e da incorporação em diversas partes do mundo do Agente Comunitário de Saúde (ACS) para o controle da tuberculose, já que pouco se conhece sobre a atuação do PNCT de nosso País. Assim, os custos para um tratamento supervisionado já existem, embora precise ser mais bem implementada na cidade de João Pessoa.

Elevadas taxas de abandono implicam queda na manutenção da cobertura da estratégia supervisionada. Ao se falar nessa estratégia, cabe mencionar a importância dos ACS que são facilitadores da vigilância e da promoção da saúde, exercendo elo cultural ao unir saber cientifico e saber popular(MACIEL 2008MACIEL, E.L.N. et al. O agente comunitário de saúde no controle da tuberculose: conhecimentos e percepções. Cad Saúde Pública, Rio de Janeiro, v.24, n.6, jun. 2008, p.1377-1386.).

De maneira geral, um fator problema é que esses facilitadores têm capacitação insuficiente, visto o conhecimento limitado da sintomatologia da TB, em especial no que se refere à tosse prolongada. Em estudo que objetivou analisar o conhecimento dos trabalhadores de saúde no controle da TB, em Vitória, ES, três de 105 ACS souberam apresentar uma descrição correta do termo 'tosse prolongada', ou seja, não há fidedignidade em suas atribuições (MACIEL 2008MACIEL, E.L.N. et al. O agente comunitário de saúde no controle da tuberculose: conhecimentos e percepções. Cad Saúde Pública, Rio de Janeiro, v.24, n.6, jun. 2008, p.1377-1386.).

A formulação de um modelo que melhor discrimine o desfecho do tratamento deve subsidiar a política pública com aspectos da sustentabilidade e efetividade das ações e melhoria da estratégia supervisionada, observando-se que, frente à estratégia DOTS, a inclusão ao tratamento supervisionado deve compreender principalmente os que não estão na área de cobertura ou se recusaram ao tratamento supervisionado e apresentam características para o desfecho abandono. Assim, a incorporação já existe. O que acontece é que, junto à descentralização, há uma má operacionalização do sistema.

Quanto ao critério de retratamento objetivado pela DOTS, o modelo também inclui uma visão mais criteriosa àqueles com reingresso ao tratamento, merecendo atenção os indivíduos de maior nível de escolaridade e cor negra, indígena ou amarela.

Diante do tratamento estatístico e com os dados utilizados, pode-se criar uma ferramenta com capacidade decisória, contribuindo para afirmar que a melhoria da adesão ao tratamento da TB deverá considerar determinantes sociodemográficos, além das variáveis relativas ao tratamento.

Conclusão

Ressaltou-se, neste estudo, a associação das variáveis: escolaridade, cor e tipo de entrada com a situação de encerramento. Isso implica dizer que um modelo preditivo foi encontrado para, então, definir o tratamento mais adequado (supervisionado ou auto administrado).

Considerando que, para existência desse melhor ajuste, maior responsabilidade das equipes de saúde em registrar e atualizar informações deve ser exigida, de maneira a amenizar a perda de dados, possibilitando que as pesquisas desenvolvam modelos com a totalidade dos dados, pois, a partir dos dados utilizados, foi possível verificar negligência nas notificações.

A partir dos resultados analisados com a identificação do início do tratamento, procedimentos de acompanhamento diferenciados podem ser implementados, tais como o tratamento diretamente supervisionado, evidenciado, nos estudos, baixo percentual de abandono com adoção da estratégia supervisionada.

As inconsistências dos registros da base de dados do SINAN constituem uma dificuldade para visualização da estratégia DOTS, necessitando de precisão e fidedignidade na atualização, uma vez que se constitui numa ferramenta importante para o planejamento, coordenação, supervisão, bem como para a decisão estratégica da intervenção.

As estratégias para controle da doença necessitam considerar os fatores de abandono relacionados com os hábitos, o conhecimento sobre sua doença e a motivação para complementar o tratamento. Ignorar as diferenças de perfil dos pacientes significa distanciar-se de bons resultados no tratamento e de um efetivo controle no desfecho ao tratamento.

Com identificação e quantificação das variáveis que influenciam a situação de encerramento, a tomada de decisão deverá ser direcionada ao modelo, com melhor identificação dos indivíduos passíveis de abandonar o tratamento, para direcionamento do tratamento supervisionado, sem que essa decisão envolva custos desnecessários.

Assim, o estudo gerou um modelo como resposta a seus objetivos iniciais, tornando possível a identificação dos indivíduos mais vulneráveis ao abandono do tratamento da TB, contribuindo com o processo decisório de saúde e objetivando implementar uma prática mais eficiente para controle do abandono ao tratamento.

Referências

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  • BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Guia de vigilância epidemiológica: tuberculose. 7. ed. Brasília: Ministério da Saúde 2009. (Boletim n. 2/2009).
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  • MACIEL, E.L.N. et al O agente comunitário de saúde no controle da tuberculose: conhecimentos e percepções. Cad Saúde Pública, Rio de Janeiro, v.24, n.6, jun. 2008, p.1377-1386.
  • MELLO, F.C.Q. Modelos Preditivos para o diagnóstico da Tuberculose Pulmonar Paucibacilar 2001. Tese (Doutorado em Medicina). - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Medicina, 2001.
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  • Suporte financeiro: não houve

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2014

Histórico

  • Recebido
    Abr 2014
  • Aceito
    Jun 2014
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