Análise do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica em Recife-PE

Analysis of the Program for Access and Quality Improvement in Primary Care in Recife-PE

Fabiana Maria de Aguiar Bello Eduardo Freese de Carvalho Sidney Feitoza Farias Sobre os autores

Resumos

Neste artigo, analisa-se o Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica no município do Recife-PE, compreendendo e explicitando o contexto, o conteúdo, o processo e os atores envolvidos. Os resultados do contexto apontam para um alinhamento político existente entre os governos federal e municipal, dificuldades no período eleitoral municipal e subfinanciamento no setor saúde. O conteúdo fundamenta-se na garantia da ampliação do acesso e da melhoria da qualidade da Atenção Básica. Os atores cooperaram para implementação e viabilidade do Programa. Observaram-se mudanças significativas no trabalho das equipes. Os elementos avaliados indicam um potencial transformador do programa.

Políticas públicas de saúde; Atenção Primária à Saúde; Avaliação de programas e projetos de saúde


It is analyzed in this article the Improvement Program for Access and Quality Improvement in Primary Care in the municipality of Recife-PE, understanding and stating the context, the content, the process and the actors involved. The results of the context point to an existing political alignment between the federal and municipal governments, difficulties in the municipal election period and the underfinancing of the health sector. The content is based on the guarantee of expanding access and improving the quality of primary care. The actors cooperated to the implementation and feasibility of the program. Significant changes have been observed in the work of the teams. The elements assessed indicate a transforming potential of the program.

Health public policy; Primary Health Care; Program evaluation


Introdução

Nos últimos anos, tem-se verificado um crescente interesse por estudos da área de políticas públicas no Brasil, visto que o intenso processo de inovação e experimentação em programas governamentais, assim como as oportunidades abertas à participação nas mais diversas políticas setoriais despertaram não apenas uma enorme curiosidade sobre o funcionamento do Estado brasileiro, como também revelaram o grande desconhecimento sobre sua operação e seu impacto efetivo (ARRETCHE, 2003ARRETCHE, M. Dossiê Agenda de Pesquisa em Políticas Públicas. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 18, n. 51, p. 7-9, 2003.; SOUZA, 2006SOUZA, C. Políticas Públicas: uma revisão de literatura. Sociologias, Porto Alegre, ano 8, n. 16, p. 20-45, jul./dez. 2006.).

As políticas públicas são um conjunto de ações e decisões de governo voltadas para a solução (ou não) de problemas da sociedade (LOPES 2008LOPES, B.; AMARAL, J. N. Políticas Públicas: conceitos e práticas. Belo Horizonte: Sebrae (MG), 2008.). Para Viana e Baptista (2008)VIANA, A. L; BAPTISTA, T. W de F. Análise de Políticas de Saúde. In: GIOVANELLA et al. (Org). Políticas e Sistema de Saúde no Brasil. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz, 2008, p. 65-105., abordar uma política pública é falar do Estado em ação, do interesse público e, ainda, do processo de construção de uma ação governamental para um setor, o que, para tal, envolve atores, recursos, disputas e negociações.

A escolha do que fazer ou não fazer, por parte de um governo, está vinculada a fatores como o regime de governo ou o sistema político, além de outros, como: situações específicas, estruturais, culturais ou mesmo externos à localidade/país (WALT, 2006WALT, G. Health Policy. An introduction to process and power. 8. ed. Londres: Zed Books, 2006..).

Considerando a significativa expansão da Atenção Básica (AB) no Brasil, os desafios enfrentados para a institucionalização da cultura de avaliação e de ações voltadas para a melhoria do acesso e da qualidade na AB, além do caráter inovador e, consequentemente, das expectativas relacionadas ao Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB), buscou-se analisar o desenvolvimento do programa na cidade do Recife-PE.

O PMAQ-AB foi instituído pela portaria de nº 1.654 GM/MS, de 19 de julho de 2011, e é produto de um processo de negociação e pactuação das três esferas de gestão do Sistema Único de Saúde (SUS), que contou com vários momentos em que o Ministério da Saúde (MS) e os demais gestores traçaram um desenho de programa que pudesse permitir a ampliação do acesso e a melhoria da qualidade da AB em todo o Brasil e, ainda, garantir um padrão de qualidade comparável nacional, regional e localmente, de maneira a dar maior transparência e efetividade às ações governamentais direcionadas a esse nível de atenção.

Para tanto, o PMAQ-AB está organizado em quatro fases que se complementam e conformam um ciclo contínuo. São elas: Primeira fase – etapa de contratualização de compromissos e indicadores; Segunda fase – desenvolvimento do conjunto de ações (autoavaliação, monitoramento, educação permanente e apoio institucional); Terceira fase –correspondente à avaliação externa; e, finalmente, a Quarta fase – denominada recontratualização (BRASIL, 2011D;______. Secretaria de Atenção em Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saúde mais perto de você: Acesso e Qualidade do Programa Nacional do Acesso e da Melhoria (documento síntese para avaliação externa): manual instrutivo. Brasília, 2011d. Disponível em: <http://189.28.128.100/dab/docs/sistemas/pmaq/Documento_Sintese_Avaliacao_Externa_2012_04_25.pdf>. Acesso em: 20 jul. 2013.
http://189.28.128.100/dab/docs/sistemas/...
BRASIL, 2011E______. Ministério da Saúde. Decreto nº 7.508 de 28 de junho de 2011. Regulamenta a Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990. Diário Oficial [da] União, Brasília, DF, 28 jun. 2011e. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/decreto /D7508.htm>. Acesso em: 20 jul. 2013.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
).

O PMAQ-AB faz parte de movimentos mais amplos da saúde, que são: a valorização da AB como porta de entrada do sistema de saúde; o redesenho do financiamento do SUS; e, ainda, um modelo de avaliação por desempenho dos sistemas de saúde (PINTO 2012PINTO, H. A.; SOUSA, A.; FLORÊNCIO, A. M. O programa nacional de melhoria do acesso e da qualidade da atenção básica: reflexões sobre o seu desenho processo de implantação. RECIIS: Revista Eletrônica de Comunicação, Informação e Inovação em Saúde. Rio de Janeiro, v. 6, n. 2, supl., ago. 2012.).

Trata-se de um programa implantado em 2011, por isso existem, até o momento, poucos estudos sobre a temática (LOPES, 2013LOPES, E. A. A. O Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade na Atenção Básica e seu potencial de gerar mudanças no trabalho dos profissionais. 2013. Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva) – Universidade de Brasília, Brasília, DF, 2013.; MACHADO, 2013MACHADO, G. A. B. Organização do processo de trabalho vivenciada pelas Equipes de Saúde da Família do município de São Sebastião do Paraíso/MG, a partir da adesão ao Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB). 2013. TCC (Especialização) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2013.; PINTO; SOUSA; FLORÊNCIO, 2012PINTO, H. A.; SOUSA, A.; FLORÊNCIO, A. M. O programa nacional de melhoria do acesso e da qualidade da atenção básica: reflexões sobre o seu desenho processo de implantação. RECIIS: Revista Eletrônica de Comunicação, Informação e Inovação em Saúde. Rio de Janeiro, v. 6, n. 2, supl., ago. 2012.). Nestes, não estão enfatizados os aspectos do contexto e do processo político, que permitiram a formulação e a implementação do programa.

O PMAQ-AB foi implantado na Secretaria de Saúde do Recife-PE, no segundo semestre de 2011, período esse em que a AB estava inserida no Modelo de Atenção à Saúde Recife em Defesa da Vida, definida como a ordenadora do cuidado à saúde.

Diante do exposto, o presente estudo tem como objetivo analisar o PMAQ-AB no município do Recife-PE, compreendendo e buscando explicitar o contexto, o conteúdo, os atores e processos envolvidos na sua implantação/implementação.

Procedimentos metodológicos

Foi utilizada a abordagem qualitativa, exploratória e descritiva, buscando realizar uma análise abrangente do PMAQ-AB, no período de 2011 a 2012, a partir do estudo de caso.

A análise documental foi utilizada como técnica aliada às entrevistas na coleta de dados. Tais fontes de informação foram analisadas através da técnica de condensação de significados (KVALE, 1996KVALE, S. InterViews. An introduction to qualitative research interviewing. Thousand Oaks: SAGE, 1996.) e a partir do referencial teórico denominado Triângulo de Análise de Políticas de Saúde, de Walt e Gilson, operacionalizado por Araújo Jr. (2000)ARAÚJO Jr., J. L. C. Health Sector Reform in Brazil, 1995-1998. An Health Policy Analysis of a Developing Health System. 2000. Tese (PhD – Public Health) – Nuffield Institute for Health, Leeds, Reino Unido, 2000..

Foram entrevistados oito informantes-chave, entre eles: secretário municipal de saúde, Gerente de Atenção Básica (GAB), apoiadores institucionais do MS e da cidade do Recife ligados à GAB, representante do Conselho dos Secretários Municipais de Saúde de Pernambuco (Cosems/PE); profissional integrante da Estratégia Saúde da Família (ESF), representante do Conselho Municipal de Saúde (CMS) e da Instituição de Ensino e Pesquisa. Esses atores responderam a questões relativas aos objetivos da pesquisa (roteiro semiestruturado), resumidos no quadro 1, com as respectivas categorias de análise.

Quadro 1
Resumo dos objetivos da pesquisa e respectivas categorias de análise do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica, no período de 2011 a 2012, Recife-Pernambuco

O Triângulo de Análise de Políticas de Saúde é um modelo multicausal de análise de políticas e programas de saúde que objetiva estudar todo o processo, conteúdo e contexto em que está inserida a política, além dos atores e das correlações de forças relevantes para a sua implementação (ARAÚJO JR; MACIEL FILHO, 2001ARAÚJO Jr., J. L. C.; MACIEL FILHO, R. Developing an operational framework for health policy analysis. Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil, Recife, v. 1, n. 3, p. 203-221, 2001.).

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Pesquisa Aggeu Magalhães/Fundação Oswaldo Cruz (CPqAM/Fiocruz), cujo número do parecer é 341.572, e CAAE nº 17042013.6.0000.5190.

Resultados e discussão

Contexto

A análise do contexto do PMAQ-AB está apresentada a partir das duas dimensões: macrocontexto – compreendendo as três esferas: política, econômica e social; e microcontexto – que diz respeito às políticas setoriais, finanças setoriais e aos problemas e serviços de saúde (quadro 2). Neste, estão também sintetizados os principais elementos encontrados no contexto do programa.

Quadro 2
Síntese do contexto do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica, no período de 2011 a 2012, Recife-Pernambuco

Na categoria de análise macrocontexto foi possível observar, na esfera política: o alinhamento político existente em Recife entre os governos federal e municipal, ambos liderados pelo Partido dos Trabalhadores (PT); período eleitoral com expressiva disputa entre os partidos políticos, anteriormente aliados (PT e Partido Socialista Brasileiro – PSB); mudança do secretário de saúde e da equipe gestora do nível central no final do ano de 2011; regime democrático/gerencialista e políticas públicas de relevância social.

De acordo com as falas dos informantes-chave, foi possível identificar tais fatores do contexto, que facilitaram e limitaram o desenvolvimento do programa na cidade do Recife, tais como:

[...] macropoliticamente, é uma gestão nacional (que é do PT) para uma gestão municipal, que também é do PT, onde os ideais do partido são voltados para o trabalhador. E assim, tinha-se essa política de se fazer mais para o trabalhador do município [...].

[...] Houve um rompimento do PSB com o PT. O PSB acena com candidatura própria... O secretário de saúde e gestores do nível central saem da secretaria, ficando, de certa forma, acéfala... Portanto, há um rompimento do modelo que vinha de 11 anos. Antes disso, teve a briga enfraquecida dentro do PT para definição de quem seria o candidato [...].

Analisando a esfera econômica do macrocontexto, foi observado aumento do crescimento econômico/Produto Interno Bruto (PIB) e incremento dos gastos públicos na saúde.

Segundo Serrano e Summa (2011)SERRANO, F.; SUMMA, R. A desaceleração rudimentar da economia brasileira desde 2011. OIKOS. Rio de Janeiro, v. 11, n .2 2012. Disponível em: < http://revistaoikos.org/seer/index.php/oikos/article/viewFile/311/174 >. Acesso em: 10 jan. 2014.
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, estudos apontam que a economia brasileira experimentou, na segunda metade dos anos 2000, um período de crescimento mais rápido, inflação controlada, uma melhora da distribuição de renda e redução da pobreza, devido a uma grande mudança nas condições externas, aliada a uma mudança pequena, mas muito importante na orientação da política macroeconômica interna. A média de crescimento do PIB, no período 2004-2010, foi de 4,5%, pouco mais que o dobro do índice observado no período 1995-2003.

Observa-se, ainda, que o investimento do setor público ampliou nos últimos anos, passando de 2,6% do PIB, em 2003, para 4,4% em 2012. Contudo, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os gastos públicos em saúde representaram 3,6% do PIB, enquanto os gastos privados alcançaram 4,9%.

Analisando, ainda, a esfera social do macrocontexto, identificamos crescimento populacional aliado ao aumento da expectativa de vida para 66 Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis), disseminadas na área urbana. Ao se comparar com outras grandes capitais do Brasil, Recife possui precários Índices de Desenvolvimento Humano (IDH), ficando na 13ª posição, associados à elevada concentração de renda do Brasil (índice de Gini) (FREESE; CESSE, 2013FREESE, E.; CESSE, E. Análise da situação de saúde na região nordeste com foco nos determinantes sociais de saúde. Documento de discussão para I Conferência Regional sobre Determinantes Sociais da Saúde, 2013. Disponível em: <http://dssbr.org/site/wp-content/uploads/2013/07/Documento-de-Refer%C3%AAncia1.pdf>. Acesso em: 20 out. 2014.
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).

Com relação à dimensão microcontexto, foi possível identificar na categoria Política Setorial o processo de descentralização da gestão, atuando na ampliação da autonomia dos municípios e na tentativa de expandir a AB à saúde. Constam os seguintes elementos normativos: Normas Operacionais Básicas (dos anos 91, 92, 93 e 96) e de Assistência à Saúde (2001 e 2002); Pacto pela Saúde (2006); Decreto nº 7.508/2011; e respectivo Contrato Organizativo da Ação Pública da saúde (Coap).

Na análise da esfera das Finanças Setoriais, tem-se a Emenda Constitucional 29 e, posteriormente, a Lei Complementar 141/12, que estabelecem o patamar mínimo de recursos a serem aplicados pelas três esferas de governo (BRASIL, 2000BRASIL. Emenda Constitucional nº 29, de 13 de setembro de 2000. Altera os arts. 34, 35, 156, 160, 167 e 198 da Constituição Federal e acrescenta artigo ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para assegurar os recursos mínimos para o financiamento das ações e serviços públicos de saúde. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 13 set. 2000. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc29.htm>. Acesso em: 20 jul. 2013.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con...
; BRASIL, 2012A______. Lei Complementar nº 141, de 13 de janeiro de 2012. Regulamenta o § 3o do art. 198 da Constituição Federal para dispor sobre os valores mínimos a serem aplicados anualmente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios em ações e serviços públicos de saúde; estabelece os critérios de rateio dos recursos de transferências para a saúde e as normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas com saúde nas 3 (três) esferas de governo; revoga dispositivos das Leis nos 8.080, de 19 de setembro de 1990, e 8.689, de 27 de julho de 1993; e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil.Brasília, DF, 13 jan. 2012. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp141.htm>. Acesso em: 20 jul. 2013.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
). Apesar do aumento crescente dos recursos, especialmente do município, o subfinanciamento é um dos grandes questionamentos apontados pelos entrevistados para o avanço do SUS. Para eles, o PMAQ-AB constitui uma das estratégias federais indutoras da institucionalização da avaliação por desempenho na AB.

[...] a reclamação dos municípios, que é, geralmente, quem operacionaliza a Atenção Básica no País, era em relação ao financiamento. Os municípios ficavam com uma carga muito grande do financiamento dessas equipes, e precisava se discutir mais investimento na Atenção Básica [...].

E, por fim, analisando a categoria Problemas de Saúde e Serviços de Saúde, observam-se os processos de transição demográfica, epidemiológica e nutricional, resultando na superposição de Doenças Infectocontagiosas e Parasitárias (DIP) e Doenças Crônicas não Transmissíveis (DCNT) (FREESE; CESSE, 2013FREESE, E.; CESSE, E. Análise da situação de saúde na região nordeste com foco nos determinantes sociais de saúde. Documento de discussão para I Conferência Regional sobre Determinantes Sociais da Saúde, 2013. Disponível em: <http://dssbr.org/site/wp-content/uploads/2013/07/Documento-de-Refer%C3%AAncia1.pdf>. Acesso em: 20 out. 2014.
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). Ainda que avanços na expansão da AB tenham sido percebidos, a persistência de problemas, como integração, organização dos serviços e infraestrutura das Unidades Básicas de Saúde (UBS), é relatada pela maioria dos entrevistados.

Sendo assim, pode-se considerar que, com relação ao contexto que favoreceu a implantação/implementação do PMAQ-AB em Recife, o principal ponto a destacar foi o alinhamento político existente entre os governos federal e municipal. Esse é um dado que corrobora o estudo de Freese; Cesse; Machado (2004)FREESE, E.; MACHADO, E.; CESSE, E. Fatores limitantes e facilitadores de mudança nas organizações de saúde do SUS: dialogando com novos e velhos problemas. In: FREESE, E. organizador. Municípios: a gestão da mudança em saúde. Recife: Ed. da UFPE; 2004. p. 233-260., uma vez que revela a articulação ou dependência verificada em vários municípios com relação à instância federal do sistema, já que induz o município à implantação de programas definidos em outra instância de governo.

E quanto aos fatores que limitaram, ressaltamos a expressiva disputa no período eleitoral entre os partidos políticos, anteriormente aliados. Além disso, tal fato está associado à mudança do secretário de saúde e da equipe gestora no final do ano de 2011. Para os autores supracitados, num estudo realizado em vários outros municípios do estado de Pernambuco, a instabilidade da equipe gestora pode constituir uma dificuldade para a formulação, implementação e sustentabilidade de projetos de mudança (FREESE; CESSE; MACHADO, 2004FREESE, E.; MACHADO, E.; CESSE, E. Fatores limitantes e facilitadores de mudança nas organizações de saúde do SUS: dialogando com novos e velhos problemas. In: FREESE, E. organizador. Municípios: a gestão da mudança em saúde. Recife: Ed. da UFPE; 2004. p. 233-260.).

Conteúdo

Esta categoria de análise utilizou como referência portarias, manuais e documentos que se relacionam com o objetivo principal do programa, que é garantir a ampliação do acesso e da melhoria da qualidade da AB (quadro 3).

Quadro 3
Síntese do marco normativo/base legal do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica, no período de 2000 a 2012, Recife-Pernambuco

No que se refere ao conteúdo propriamente dito do programa, o PMAQ-AB compreende quatro fases: a primeira fase é a etapa de Adesão e Contratualização, considerada um dispositivo que convoca ao envolvimento e ao protagonismo os diversos atores e amplia as possibilidades de construção de ambientes participativos dialógicos, nos quais gestores, trabalhadores e usuários se mobilizam para se comprometerem com objetivos comuns (PINTO; SOUSA; FLORÊNCIO, 2012PINTO, H. A.; SOUSA, A.; FLORÊNCIO, A. M. O programa nacional de melhoria do acesso e da qualidade da atenção básica: reflexões sobre o seu desenho processo de implantação. RECIIS: Revista Eletrônica de Comunicação, Informação e Inovação em Saúde. Rio de Janeiro, v. 6, n. 2, supl., ago. 2012.).

A segunda fase, Desenvolvimento, consiste no conjunto de ações realizadas pelas equipes de AB e pelos gestores dos três entes federativos com o intuito de promover os movimentos de mudança da gestão, do cuidado e da gestão do cuidado, que produzirão a melhoria do acesso e da qualidade da AB (BRASIL, 2011C). Fazem parte desta fase as estratégias: Autoavaliação; Monitoramento dos indicadores; Apoio Institucional (AI); e Educação Permanente.

A terceira fase corresponde à Avaliação Externa, que tem a pretensão de viabilizar a certificação de todas as equipes de AB do PMAQ-AB; realizar o censo de todas as Unidades Básicas de Saúde do Brasil, aderidas ou não;

conhecer em escala e profundidade, inédita, as realidades e singularidades da AB no Brasil [...] contribuindo para o planejamento e elaboração de estratégias adequadas às diferenças dos territórios, promovendo maior equidade nos investimentos dos governos federal, estadual e municipal. (BRASIL, 2012B______. Secretaria de Atenção em Saúde. Departamento de Atenção Básica. Autoavaliação para Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica: manual instrutivo. Brasília, 2012. Disponível em: <http://189.28.128.100/dab/docs/sistemas/pmaq/amaq.pdf> Acesso em: 20 jul. 2013.
http://189.28.128.100/dab/docs/sistemas/...
).

Finalmente, a quarta fase, constituída por um processo de pactuação singular das equipes e dos municípios com o incremento de novos padrões e indicadores de qualidade, estimulando a institucionalização de um processo cíclico e sistemático a partir dos resultados alcançados pelos participantes do PMAQ-AB (BRASIL, 2011C; BRASIL, 2011D______. Secretaria de Atenção em Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saúde mais perto de você: Acesso e Qualidade do Programa Nacional do Acesso e da Melhoria (documento síntese para avaliação externa): manual instrutivo. Brasília, 2011d. Disponível em: <http://189.28.128.100/dab/docs/sistemas/pmaq/Documento_Sintese_Avaliacao_Externa_2012_04_25.pdf>. Acesso em: 20 jul. 2013.
http://189.28.128.100/dab/docs/sistemas/...
).

Deste modo, tais informações corroboram o estudo de Pinto, Sousa e Florêncio (2012)PINTO, H. A.; SOUSA, A.; FLORÊNCIO, A. M. O programa nacional de melhoria do acesso e da qualidade da atenção básica: reflexões sobre o seu desenho processo de implantação. RECIIS: Revista Eletrônica de Comunicação, Informação e Inovação em Saúde. Rio de Janeiro, v. 6, n. 2, supl., ago. 2012., que aponta o PMAQ-AB inserido e relacionado com o conjunto de estratégias prioritárias definidas pela Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) e com outras tentativas de reorientação do modo como se organiza o SUS, tais como o Decreto 7.508, de 29 de junho de 2011, a instituição de Redes de Atenção e o Programa de Avaliação para a Qualificação do SUS.

Atores

No que diz respeito à análise dos atores, foram consideradas todas as pessoas, instituições e organizações sociais que se relacionaram direta ou indiretamente com o programa, em todas as fases de seu processo.

Portanto, foram identificados os seguintes atores publicamente envolvidos no PMAQ-AB: o MS, as Comissões Intergestoras Regionais (CIR), o AI, a Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco (SES/PE), a Secretaria Municipal de Saúde do Recife (SMS/Recife), os Profissionais da ESF, os usuários e a Instituição de Ensino e Pesquisa da Fiocruz/PE.

Para a maioria dos entrevistados, o MS foi o ator mais envolvido no programa, afinal, trata-se de um programa de âmbito nacional, formulado e idealizado por essa esfera de governo. São os atores que possuem maior poder, pois ‘ditam as regras’ do programa.

Destacamos o trecho abaixo, onde um dos entrevistados menciona o envolvimento do MS no programa:

[...] do Ministério da Saúde, em geral, mas, principalmente, a atenção básica... a presidente acompanha diretamente alguns programas. O PMAQ é um deles... o ministro da saúde, o departamento de atenção básica e lá dentro do departamento da atenção básica, nas várias coordenações. É como se ele transversalizasse todas as ações da atenção básica. Temos várias coordenações e todas elas têm um pedacinho dentro do PMAQ [...].

De acordo com o manual instrutivo do PMAQ-AB, a participação é pontual e o poder da CIR é relativo, pois não impedirá a homologação da adesão do município ao PMAQ-AB, sendo apenas condição para a Avaliação Externa.

Segundo relato de um dos informantes- chave, não houve uma grande mobilização nos espaços colegiados, e o fluxo previsto no PMAQ-AB não foge à regra. É o mesmo estabelecido para outros programas de âmbito nacional.

Outro ator identificado pelos documentos e entrevistas foi a Secretaria Estadual de Saúde (SES). Porém, seu papel na gestão da AB, sua posição e mobilização no programa são aspectos questionados pelos entrevistados:

[...] Os estados vão caminhar com suas próprias pernas, suas próprias pautas. Percebe-se que houve uma resistência inicial e, depois, uma abertura, que permitiu que o governo federal atuasse mais próximo dos municípios. Então, o estado aceitou o PMAQ. Porém, ele só não tomou como pauta principal porque ele tem uma própria. Não posso dizer que o estado negou, ele aceitou. Agora, também não é o ator que mais nos ajuda no PMAQ [...].

Segundo dados das entrevistas, a SMS/Recife participou ativamente desde o momento de implantação e implementação do programa, expressamente interessada pelo recurso financeiro proveniente do mesmo, como demonstrado na fala a seguir:

[...] A secretaria municipal do Recife aceitou o PMAQ desde o começo. Senti, na realidade, que teve bem mais autonomia. O município teve uma autonomia construída de tal forma que ele foi tocando o PMAQ com as próprias pernas. O município foi favorável ao programa, foi um ator que se esforçou bastante e procurou implantar o programa. O município topou o PMAQ [...].

Em Recife, o AI estava diretamente ligado à GAB e desempenhou importante papel no desenvolvimento do PMAQ-AB. Percebe-se que seu envolvimento, participação e interesse no programa são elevados. E, ainda, sua posição é de cooperação na operacionalização do mesmo.

As equipes de AB tiveram papel fundamental no programa. Para os informantes-chave, a maioria das equipes de saúde da família do Recife estava mobilizada ativamente no programa. Apenas uma pequena parte não quis aderir no primeiro ciclo. Porém, o relato de um dos entrevistados acredita que a categoria médica não era favorável e que se opôs desde o momento de implantação.

[...] Entre os atores, do ponto de vista opositor, eu identifico a categoria médica. Os médicos não foram a favor do PMAQ e não são ainda. Não são todos, mas a grande maioria. Porque na hora que você adere ao PMAQ, você tem que discutir indicador, carga horária [...].

Além da participação dos Conselhos de Saúde na formulação, fiscalização e deliberação sobre as políticas de saúde, os usuários dos serviços de saúde da AB participaram de forma representativa (quatro usuários por equipe de saúde) do módulo III da avaliação externa do PMAQ-AB, sendo verificadas sua percepção e satisfação quanto ao acesso e à utilização dos serviços de saúde. Para a maioria dos entrevistados, os usuários participaram de forma incipiente e pontual, apesar de serem identificados como o principal ator.

A participação da Fiocruz/PE se deu, efetivamente, na terceira fase do programa, que é a de Avaliação Externa, sendo a instituição responsável pela organização e pelo desenvolvimento dos trabalhos de campo, incluindo seleção e capacitação das equipes de avaliadores da qualidade que aplicaram os instrumentos avaliativos.

Diante do exposto, acredita-se que o programa possui um conteúdo interessante e viável de ser aplicado. De uma forma geral, todos os atores cooperaram para a implementação do programa na cidade, uns mais ativamente, outros indiretamente, conforme detalhado no quadro 4.

Quadro 4
Síntese dos principais atores envolvidos e suas características relacionadas ao Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica, no período de 2011 a 2012, Recife-Pernambuco

Processo

Por fim, a análise do processo buscou identificar aspectos relativos às fases do ciclo da política: formação da agenda e formulação do programa, o processo de implementação e, ainda, o monitoramento e a avaliação do PMAQ-AB.

O quadro 5 apresenta a síntese do processo do PMAQ-AB.

Quadro 5
Síntese da análise do processo do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica, no período de 2011 a 2012, Recife-Pernambuco

Os dados sinalizam o desafio da qualidade da gestão e das práticas das equipes de AB. Assim, passam a assumir relevância na agenda dos gestores, estratégias que objetivassem a qualificação da AB. Entre elas: o PMAQ-AB.

A elaboração do programa ocorreu em âmbito federal, no Departamento de Atenção Básica do Ministério da Saúde (DAB/MS). Outros atores, como os colegiados gestores e as instituições de ensino e pesquisa participaram dos ajustes ao programa. De acordo com os relatos dos gestores municipais e profissionais da ESF do Recife, os mesmos não fizeram parte dessa formulação.

O processo de tomada de decisão foi compartilhado com outros atores, se caracterizando como um processo pluralista, tendo afetado diretamente as estruturas setoriais/micropolíticas. E, ainda, foram estabelecidas regras definidas apenas sobre interesses públicos (autorregulatórias).

Analisando o processo de implementação do PMAQ-AB, observamos que os gestores de primeiro escalão tiveram o poder decisório, e os demais são vistos como meros implementadores (Top-Down ou tradicional). O programa alterou a relação entre os níveis de governo, a partir de mecanismos de controle via normas e regulamentos. A concepção de políticas públicas seguiu um modelo misto ou estratégico, que buscou a viabilização da política através de propostas racionais, considerando as limitações que condicionam o processo da política e as mudanças incrementais, quando necessárias.

No que diz respeito à fase de monitoramento e avaliação do programa, foram observadas mudanças significativas no processo de trabalho das equipes de saúde da família, conforme relato dos entrevistados:

[...] Mexeu muito com o processo de trabalho. Unidade em que a médica corria atrás para construir o mapa da unidade. Unidades em que foram resgatar o diagnóstico de saúde do seu território. Eu não sei dizer se mudou qualitativamente em relação a atenção, mas o processo de trabalho... os trabalhadores se mobilizaram muito [...].

Esses dados corroboraram os resultados da pesquisa de Machado (2013)MACHADO, G. A. B. Organização do processo de trabalho vivenciada pelas Equipes de Saúde da Família do município de São Sebastião do Paraíso/MG, a partir da adesão ao Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB). 2013. TCC (Especialização) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2013., onde foram observadas mudanças na organização do sistema de apoio da AB municipal e o trabalho conjunto às equipes. Entre as ações realizadas, destacam-se: o estabelecimento de instrumentos de organização do processo de trabalho, como fichários rotativos, agendas programadas, atualização do Sistema de Informação da Atenção Básica (Siab), além do acompanhamento e da avaliação das metas e dos indicadores.

Por fim, foram relatados como aspectos que dificultaram o processo do programa, principalmente, o questionamento da sua capacidade de refletir a realidade e a transparência do uso dos recursos.

[...] A gente tem equipes que são muito boas, e a avaliação não foi tão boa assim. E equipes que têm o seu processo de trabalho truncado, complicado, e a nota foi boa. Então, a gente fica se perguntando se realmente essa avaliação conseguirá refletir a realidade.

[...] se tivesse normas claras do Ministério da Saúde para os municípios sobre a destinação dos recursos... quais seriam as destinações dos recursos do PMAQ? Entra como sugestão, né?

Fatores dificultadores como esses também foram citados no estudo de Lopes (2013)LOPES, E. A. A. O Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade na Atenção Básica e seu potencial de gerar mudanças no trabalho dos profissionais. 2013. Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva) – Universidade de Brasília, Brasília, DF, 2013., ao identificar precárias condições de infraestrutura das UBS e pouca interação com os âmbitos diretivos da SES. Segundo o autor, esses fatores limitam a capacidade da ESF de desenvolver com eficácia as estratégias indutoras de mudanças prescritas pelo PMAQ-AB. O mesmo também reconhece que as normas instituídas no programa não acontecem da forma como são prescritas, em função das limitações impostas.

Considerações finais

Por se tratar de um programa recente, existem poucos estudos avaliativos sobre o PMAQ-AB e, especialmente, sobre os aspectos do contexto e do processo político que facilitaram o desenvolvimento do programa. Neste artigo, além disso, estão identificados o conjunto de atores envolvidos e o conteúdo previsto no mesmo.

Foi possível observar fatores que facilitaram a implantação do programa, como o alinhamento político existente em Recife entre os governos federal e municipal. E fatores que a limitaram, como o período eleitoral e a expressiva disputa entre os partidos políticos, anteriormente aliados, além da mudança do secretário de saúde e da equipe gestora, no final do ano de 2011.

No tocante ao conteúdo do programa, a análise foi realizada tendo como referências as portarias que o regulamentaram, bem como os manuais que instruíram equipes e gestores sobre o programa e seus fundamentos programáticos. E, por fim, os documentos que se relacionaram com o objetivo principal do programa, que é garantir a ampliação do acesso e da melhoria da qualidade da AB.

De uma forma geral, todos os atores publicamente envolvidos cooperaram para a implementação do programa em Recife. Foi identificada a efetiva participação e o interesse dos gestores federal e municipal. Em contrapartida, foi observado pouco envolvimento e mobilização da SES/PE e uma resistência inicial de alguns profissionais de saúde em aderir voluntariamente ao programa, em especial, a categoria médica. Apesar disso, acredita-se que o programa possui um conteúdo interessante e viável de ser aplicado.

E, por fim, a análise do processo identificou baixa qualidade e financiamento da AB em Recife como elementos influenciadores na formação da agenda. O DAB/MS foi o ator responsável pela formulação do programa. O processo de tomada de decisão é compartilhado com outros atores (pluralista); a extensão da política tem implicações setoriais e o tipo da política estabelece regras definidas apenas sobre interesses públicos (autorregulatória), tendo como extensão da política setorial e tipo de política autorregulatória. O processo de implementação do PMAQ-AB se desenvolveu, predominantemente, de forma top-down. A razão da concepção do programa foi considerada estratégica e promoveu alterações na relação entre as diferentes esferas de governo através de mecanismos de controle, via normas e regulamentos. Quanto ao monitoramento e à avaliação do programa, foram observadas mudanças significativas no processo de trabalho das equipes.

Neste sentido, os elementos analisados no estudo indicam um potencial gerador de mudanças do programa. Porém, por se tratar de uma análise abrangente, recomenda-se a realização de estudos avaliativos mais específicos que possam aprofundar discussões no tocante às temáticas do acesso e da qualidade da AB, da institucionalização da avaliação nos serviços de saúde e, ainda, sobre aspectos relacionados às estratégias de indução de financiamento do SUS. ■

  • Suporte financeiro: não houve

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2014

Histórico

  • Recebido
    Abr 2014
  • Aceito
    Out 2014
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