Resumos
Trata-se de estudo sobre a composição e gestão da força de trabalho na Atenção Básica no Paraná. Os dados foram coletados do Censo de Atenção Básica e da Avaliação Externa do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica, realizados entre julho e setembro de 2012. Destaca-se, no censo, a predominância (59,9%) de trabalhadores, cuja exigência de formação é o ensino fundamental ou médio. Entre os profissionais de nível superior que participaram da avaliação externa, 76% atuam há cinco anos ou menos; 82,7% ingressaram por concurso público; é quase nula a participação/utilização de mecanismos de ensino/atualização a distância, evidenciando a necessidade de ações voltadas ao fortalecimento de políticas de gestão do trabalho e da educação em saúde no estado.
Atenção Primária à Saúde; Recursos humanos em saúde; Avaliação em saúde; Gestão em saúde; Sistema Único de Saúde
This is a descriptive study with a quantitative approach related to concerning the composition and management of the workforce in Primary Care of the State of Paraná - Brasil. Data were collected from the Census of Primary Care and from external evaluation of the National Program for Improving Access and Quality of Primary Care (PMAQ-AB), between July and September 2012. It stands out in the census, the prevalence (59.9%) of workers whose training requirement is the elementary or middle school. Among those with higher education, who participated in the external evaluation, 76% of it have five years or less in primary care; 82, 7% of respondents have joined the basic health care through public tender; the use of distance learning mechanisms is almost null, highlighting the need to priorize actions aimed at strengthening the politics of work management and education in health.s
Primary Health Care; Human resources for health; Health evaluation; Work management; Unified Health System
Introdução
O grande desafio no processo de construção do Sistema Único de Saúde (SUS) tem sido transpor os princípios doutrinários da universalidade, igualdade e integralidade da atenção à saúde dos textos legais para a prática cotidiana dos serviços de saúde. Esses princípios e a qualidade do atendimento deveriam configurar-se como prioridades dos governos em todos os níveis de gestão, com a criação de mecanismos e de estratégias que superem os nós críticos da organização e gestão da atenção à saúde. Os obstáculos vão desde o estabelecimento excessivo e centralizado de normas que dificultam o funcionamento das unidades locais, como horário de funcionamento, localização, processos de trabalho e baixa autonomia das equipes; problemas de ordem estrutural do sistema de saúde, como o financiamento insuficiente para a alocação de recursos adequados à prestação de serviços de saúde universais, integrais e resolutivos; até a disponibilidade e gestão da força de trabalho em saúde, considerada fator decisivo e crítico para a consolidação do sistema.
Santos (2010)SANTOS, N. R. Sistema Único de Saúde - 2010: espaço para uma virada. O mundo da saúde [online], v.34, n.1, p. 8-19, 2010. Disponível em: <http://www.saocamilo-sp.br/pdf/mundo_saude/74/01_Sistema%20Unico%20de%20Saude.pdf>. Acesso em: 19 ago. 2011.
http://www.saocamilo-sp.br/pdf/mundo_sau... menciona algumas ‘mudanças funcionais’ no setor saúde, decorrentes da criação do SUS, como a grande inclusão social nos serviços públicos de saúde e a consequente elevação da produção, com ampliação do envolvimento dos municípios e participação de trabalhadores, gestores e representantes populares nas discussões políticas e técnicas do sistema, assumindo os seus valores e princípios doutrinários, delimitados no microprocesso de trabalho. No entanto, essas mudanças não conseguiram alterar substancialmente os interesses e estruturas do modelo hegemônico do ‘pré-SUS’, persistindo ainda a dependência do setor público em relação ao setor privado, no que se refere à oferta de serviços de média e alta complexidade, o subfinanciamento crônico do setor público e os problemas relativos à gestão do trabalho e da educação em saúde, ou seja, apesar dos esforços das últimas décadas, não se alterou significativamente o modelo de atenção de acordo com o proposto pelo Movimento de Reforma Sanitária.
Alguns estudos que analisaram a expansão da Atenção Básica (AB) na década seguinte à Constituição Federal de 1988 (SOARES, 2000SOARES, L. T. As atuais políticas de saúde: os riscos do desmonte neoliberal. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília, DF, v. 53. n. especial, p. 17-24, dez. 2000.; RIZZOTTO, 2000RIZZOTTO, M. L. F. O Banco Mundial e as políticas de saúde nos anos 90: um projeto de desmonte do SUS. 2000. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva). - Universidade Estadual de Campinas; 2000.; MARQUES; MENDES, 2002; GIL, 2006GIL, C. R. R. Práticas profissionais em Saúde da Família: expressões de um cotidiano em construção . 2006. Tese (Doutorado em Saúde Pública). - Fundação Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro, 2006.) evidenciam que isso se deu em concordância com orientações de organismos internacionais que defendiam a ideia de o País focalizar os gastos públicos em ações de saúde dirigidas aos grupos mais pobres, utilizando-se de tecnologias menos densas e complexas, a fim de reduzir os gastos do setor.
Nessa mesma direção, Santos (2010)SANTOS, N. R. Sistema Único de Saúde - 2010: espaço para uma virada. O mundo da saúde [online], v.34, n.1, p. 8-19, 2010. Disponível em: <http://www.saocamilo-sp.br/pdf/mundo_saude/74/01_Sistema%20Unico%20de%20Saude.pdf>. Acesso em: 19 ago. 2011.
http://www.saocamilo-sp.br/pdf/mundo_sau... afirma que a ampliação da AB não se pautou pela universalidade nem pela resolutividade do sistema e, sim, pela focalização em populações sem acesso aos planos e serviços privados de saúde. Não se efetivou como porta de entrada preferencial do sistema de saúde e, na maioria das vezes, em função da baixa resolutividade, contribuiu para ampliar as filas de espera nos níveis de média e alta complexidade, sob hegemonia do setor privado.
A consolidação da AB como estruturante do sistema de saúde, universal e com alto grau de resolutividade, requer o enfrentamento de desafios impostos historicamente ao SUS como um todo e que, por sua vez, não se desvinculam do modelo econômico vigente. As condições estruturais aliadas à falta de priorização da saúde no campo político governamental são fatores que contribuíram para o ‘desvio de rumo’ do SUS e, consequentemente, da AB como primeiro e essencial acesso ao sistema, que deveria resolver 85% dos problemas de saúde da população.
A insuficiência de recursos financeiros, com sobrecarga dos municípios em relação aos custos da assistência, bem como os limites impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal são fatores determinantes da baixa capacidade dos municípios na gestão da força de trabalho desde a contratação e, consequentemente, na composição e distribuição das equipes e fixação dos profissionais para cobrir as demandas dos serviços.
O Brasil, sob a influência das políticas neoliberais que defendem o Estado mínimo, dedicou décadas de esforços à gestão financeira do sistema como principal estratégia de redução de custos e resolução dos problemas da saúde. Deixou de investir e implementar inovações na organização dos serviços, na gestão do cuidado e, principalmente, na gestão da força de trabalho em saúde. Os resultados insatisfatórios dessa aposta única, associados à deterioração do trabalho em saúde que dela decorre, obrigaram os governos a admitir que a força de trabalho em saúde é central para a consolidação de um sistema de saúde de qualidade e deve ser regulada pelo Estado.
O próprio Ministério da Saúde reconhece que o SUS tem, atualmente, quatro grandes questões a resolver: o financiamento, a construção de uma base produtiva nacional de insumos e equipamentos para a saúde, a sua governança e os recursos humanos, envolvendo a formação e distribuição dos trabalhadores da saúde, condições essenciais para a melhoria da qualidade e resolutividade do cuidado.
Desde o final da década de 1990, o Ministério da Saúde vem induzindo a adesão dos municípios brasileiros a programas que visam ampliar a resolutividade da AB com a oferta de serviços por meio da Estratégia Saúde da Família (ESF), da Saúde Bucal (SB), dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF), entre outros.
Em 2011, o governo federal criou o Programa Nacional para Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB), por meio da Portaria GM/MS 1.654, com o objetivo de induzir à ampliação do acesso e à melhoria da qualidade da AB, com garantia de um padrão de qualidade comparável nacional, regional e localmente, de maneira a permitir maior transparência e efetividade das ações de governo direcionadas a este nível de atenção (BRASIL, 2011C______. Ministério da Saúde. Portaria nº no1654, de 19 de julho de 2011. Institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde, o Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB) e o Incentivo Financeiro do PMAQ-AB, denominado Componente de Qualidade do Piso de Atenção Básica Variável - PAB Variável. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 19 jun. 2011c. Disponível em: <http://www.brasilsus.com.br/legislacoes/gm/108814-1654.html>. Acesso em: 05 fev. 2014.
http://www.brasilsus.com.br/legislacoes/... ).
O PMAQ-AB compreende quatro fases: adesão e contratualização, desenvolvimento, avaliação externa e recontratualização. Na primeira chamada realizada em 2011 poderiam aderir até 50% das equipes de Saúde da Família de cada município, sendo a adesão voluntária e decidida pela equipe em conjunto com o gestor municipal.
A avaliação externa do PMAQ-AB, nessa primeira fase, foi composta por três módulos, sendo um deles aplicado à totalidade das unidades, independentemente do tipo de equipe e de terem ou não aderido ao Programa, caracterizando o Censo da Atenção Básica (CAB). Este levantou dados sobre 18 itens para identificar as condições de oferta dos serviços de AB em todo o território nacional. Os itens compreendiam desde a identificação da unidade de saúde, disponibilidade de materiais, equipamentos e medicamentos, infraestrutura para a realização das ações de saúde, acessibilidade, à composição das equipes.
Na primeira chamada do PMAQ-AB, dos 399 municípios paranaenses 303 (75,9%) aderiram ao programa, com um total de 998 equipes de Saúde da Família que corresponde a 44,4% das 2.249 equipes de Saúde da Família, então existentes no estado.
Partindo da premissa de que há insuficiência de dados sobre a dinâmica da força de trabalho em saúde no estado e que essa situação dificulta o planejamento e a formulação de políticas públicas de investimento, formação, qualificação e fixação de profissionais para o SUS, principalmente na AB, este estudo tem por objetivo analisar a composição da força de trabalho e aspectos da gestão do trabalho em saúde na AB no Estado do Paraná, a partir dos dados revelados pela Avaliação Externa do PMAQ-AB ciclo 1.
Materiais e método
A estratégia teórico-metodológica que orienta o trabalho está pautada no enfoque da avaliação, entendida como instrumento de gestão e organização de políticas públicas, visando contribuir para a formulação, implementação e ajuste de intervenções governamentais, e na abordagem quantitativa do objeto de estudo, sem se restringir a ela, dado que qualquer aspecto da saúde coletiva que se queira analisar exige a contribuição de outros campos disciplinares distintos, pois se trata de uma realidade social complexa, resultado de processos econômicos e políticos mais amplos.
Nesse sentido, se constituem em referentes conceituais de análise as noções de: (1) política pública, entendida como estratégias de governo para intervir na dinâmica social; (2) sistema universal de saúde, que deve garantir atenção integral, igualitária e de qualidade para toda a população e (3) gestão do trabalho e de educação na saúde, eixo da estrutura organizacional dos serviços de saúde, que trata da relação entre gestores e trabalhadores, de ações que visam valorizar o trabalho e o trabalhador, do planejamento, formação e qualificação do trabalhador, este visto como elemento central na implementação do SUS e como mediador do direito à saúde.
Os dados foram obtidos do Censo de Atenção Básica (Módulo I), realizado em todas as unidades de saúde de AB existentes no estado (3.020), e do processo de Avaliação Externa (Módulo II) do PMAQ-AB, respondido por um profissional de nível superior, integrante da equipe de Saúde da Família que tinha aderido ao Programa, correspondendo a uma amostra de 998 sujeitos.
A coleta de dados foi realizada por pesquisadores contratados pela Ensp/Fiocruz, no âmbito do projeto Avaliação da Atenção Básica nos estados do Espírito Santo, Rio de Janeiro, Paraná e Tocantins mediante acompanhamento de supervisores de campo. Para a coleta de dados utilizou-se de tablets com envio direto das informações online para o banco de dados do DAB/MS (Departamento de Atenção Básica/Ministério da Saúde) que, inicialmente, o disponibilizou para as instituições universitárias que participaram do processo de avaliação externa, sendo esta a fonte utilizada na presente pesquisa.
Os dados extraídos do banco do DAB/MS foram sistematizados e apresentados na forma de tabelas e os resultados organizados a partir de três temáticas: composição da força de trabalho na AB; perfil dos profissionais das ESF que responderam o questionário do PMAQ-AB (tempo de atuação na ESF e formação profissional) e gestão da força de trabalho na AB (tipo de vínculo, agente contratante, forma de ingresso, Plano de Cargo, Carreira e Salários e Educação Permanente). A análise descritiva foi complementada com discussões respaldadas pela literatura que trata da temática do estudo. A pesquisa seguiu as normas da Resolução 196/96 que regulamenta a pesquisa com seres humanos, com parecer favorável do CEP da Ensp/Fiocruz nº 32.012.
Resultados e discussão
A oferta de serviços de saúde de qualidade e resolutivos depende de múltiplos aspectos que extrapolam os observáveis em uma unidade de saúde. O que se verifica na ponta do sistema resulta de políticas públicas setoriais e macroestruturais definidas em outros níveis de gestão e de governo que não o nível local. No entanto, não se pode desconsiderar a importância das decisões tomadas na esfera municipal e de políticas de incentivo estadual no sentido de ampliar a resolutividade e desempenho da AB, coordenadora do cuidado no âmbito do sistema de saúde. Essa afirmação pode ser feita a partir da comparação de unidades de saúde de municípios limítrofes, que apresentam diferenças substanciais tanto no que se refere à infraestrutura das unidades de saúde, como aos processos de trabalho instituídos e à gestão da força de trabalho em saúde.
No Brasil, entre os problemas de gestão do trabalho no SUS destacam-se: a distribuição desigual de profissionais nas regiões do país, com escassez em algumas e sobreoferta em outras; o número insuficiente de médicos e outros profissionais, principalmente na AB; a oferta de determinadas especialidades médicas sem a necessária correspondência com as necessidades da população; a incipiente incorporação de outras categorias profissionais de saúde na rede; o perfil inadequado de formação dos profissionais para atuarem na AB, entre outros (CARVALHO, 2012CARVALHO, M. Contribuições ao planejamento da força de trabalho em saúde para a atenção básica. 2012. 277 f. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva). - Universidade Estudual de Campinas, Campinas, 2012.).
Em relação à composição da força de trabalho na AB, a ideia de trabalho em equipe multiprofissional ganhou destaque a partir da década de 1970, período de expansão dos serviços públicos de saúde no País, especialmente por meio da atenção primária em unidades de saúde e da atenção ambulatorial em hospitais privados, financiados pelo setor público. Ainda que até meados da década de 1980 a categoria médica predominasse quantitativamente, a incorporação de outros profissionais no campo do trabalho em saúde indicou novas possibilidades de composição das equipes a partir da década de 1990 (PEDUZZI; PALMA, 2000PEDUZZI, M.; PALMA, J. J. L. A equipe de saúde. In: SCHRAIBER, L. B. et al. (Org.) Saúde do adulto: programas e ações na unidade básica. São Paulo: Hucitec; 2000. p. 234-250.), com potencial para alterar os processos de trabalho e as relações entre os profissionais, desde que acompanhadas de uma mudança estrutural no modelo de atenção e de gestão.
No Paraná, os dados do CAB (tabela 1) revelam que no período de coleta de dados o estado contava com 31.732 profissionais inseridos na AB, destes, 34,8% eram Agentes Comunitários de Saúde (ACS) que, somados aos auxiliares e técnicos, totaliza 59,9% dos trabalhadores da AB, evidenciando que a maior parte da força de trabalho desse nível de atenção é composta por trabalhadores com exigência de formação em nível fundamental e médio. Esses dados conferem com o estudo de Girardi e Carvalho (2006)GIRARDI, S. N.; CARVALHO, C. L. Configurações do mercado de trabalho dos assalariados em saúde no Brasil. Rev Formação, Brasília, DF, n.6, p.15-36, 2006. em que os ACS constituem o segmento da força de trabalho mais numeroso na AB em função da ESF. Contudo, como o instrumento não pesquisou o grau de escolaridade dessa categoria, não é possível identificar se o nível de formação corresponde apenas ao exigido pelo posto de trabalho que ocupam, aspecto a ser considerado também no presente estudo.
Profissionais de saúde que atuam nas unidades de saúde de Atenção Básica e os que aderiram ao PMAQ-AB, Paraná 2012
Entre os trabalhadores vinculados às equipes que aderiram ao PMAQ-AB a relação praticamente não se alterou, com 58,3% do total dos trabalhadores sem exigência de formação de nível superior. O que se observou no caso da equipes que aderiram ao PMAQ-AB foi um leve aumento na quantidade de fisioterapeutas, nutricionistas e psicólogos (tabela 1).
Ainda na tabela 1, entre os profissionais de nível superior, observa-se o predomínio do profissional médico (15,7%), seguido do enfermeiro (8,2%) e do cirurgião dentista (6,7%). Nas equipes que aderiram ao PMAQ-AB, esses profissionais são, respectivamente, 14,8%, 7,1% e 5,3%. Em ambos os casos, a quantidade de médicos é o dobro ou mais quando comparado com os demais profissionais de nível superior. Isso pode ser explicado, em parte, pela carga horária que cada profissional dedica ao trabalho na AB, onde, em geral, o médico cumpre a metade ou menos da carga horária dos demais profissionais.
Em pesquisas realizadas para avaliar as diferenças entre as unidades de saúde tradicionais e as com ESF, uma das principais dificuldades apontadas foi em relação à contratação de médicos para a composição das equipes de Saúde da Família. Entre outras razões, o estudo encontrou que a carga horária exigida se constitui em um aspecto pouco atrativo para esses profissionais, por isso a baixa adesão à ESF (VAN STRALEN ET AL., 2008VAN STRALEN, C. J. et al. Percepção dos usuários e profissionais de saúde sobre atenção básica: comparação entre unidades com e sem saúde da família na Região Centro-Oeste do Brasil. Cad Saúde Pública [online]. v. 24, sup. 2, 2008. Disponível em: <http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2008001300019&lng=en>. Acesso em: 24 set. 2010.
http://www.scielosp.org/scielo.php?scrip... ).
Em resposta a esse problema, o Ministério da Saúde divulgou, em 2011, as Portarias nº 2.027 e nº 2.488 que dispõem sobre a carga horária da equipes de Saúde da Família e dos profissionais médicos que compõem estas equipes, estabelecendo como alternativa à jornada de 40 horas semanais a possibilidade de inserção de dois a quatro médicos em uma equipe em uma mesma unidade de saúde, cumprindo individualmente carga horária de 20 ou 30 horas semanais, com repasse do incentivo financeiro diferenciado para cada modalidade (BRASIL, 2011A______. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.027, de 25 de agosto de 2011. Altera a Portaria nº 648/GM/MS, de 28 de março de 2006, na parte que dispõe sobre a carga horária dos profissionais médicos que compõem as Equipes de Saúde da Família (ESF) e na parte que dispõe sobre a suspensão do Piso de Atenção Básica (PAB variável). Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 25 ago. 2010a. Disponível em: <//www.mp.pi.gov.br/internet/attachments/PT%20GM%20MS%202027-2011%20ALTERA%20CH-Pt%20648-2006%20%282%29.pdf >. Acesso em: 10 fev. 2014.
<//www.mp.pi.gov.br/internet/attachments... ; BRASIL, 2011B______. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.488, de 21 de outubro de 2011. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica, para a Estratégia Saúde da Família (ESF) e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 21 out. 2011b. Disponível em: <http://www.saude.mt.gov.br/upload/legislacao/2488-%5B5046-041111-SES-MT%5D.pdf>. Acesso em: 05 fev. 2014.
http://www.saude.mt.gov.br/upload/legisl... ).
Essa medida gerou críticas entre profissionais e gestores, pois retrocede em uma das condições necessárias à construção de vínculos com a equipe e com a população, ou seja, a permanência do profissional oito horas diárias na unidade. Por outro lado, na prática, essa exigência deixava muitas equipes sem o profissional médico, prejudicando o trabalho da equipe como um todo. O próprio acesso ao cuidado em saúde fica comprometido quando a equipe não dispõe de profissionais em quantidade e em tempo adequado para o atendimento (VAN STRALEN ET AL., 2008VAN STRALEN, C. J. et al. Percepção dos usuários e profissionais de saúde sobre atenção básica: comparação entre unidades com e sem saúde da família na Região Centro-Oeste do Brasil. Cad Saúde Pública [online]. v. 24, sup. 2, 2008. Disponível em: <http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2008001300019&lng=en>. Acesso em: 24 set. 2010.
http://www.scielosp.org/scielo.php?scrip... ).
A outra parte da explicação para a diferença entre a carga horária que cada categoria profissional cumpre e a própria quantidade dos diversos profissionais de nível superior na AB pode ser buscada na persistência do modelo de atenção hegemônico, centrado na atenção médico-curativa, que ambulatoriza a AB, dificultando a mudança para um modelo de atenção que tenha como pressuposto uma concepção ampliada do processo saúde- doença e o trabalho em equipe.
Embora se observem alguns avanços, as inúmeras medidas adotadas no sentido de constituir equipes multiprofissionais para realizar um trabalho integrado que aborde outros aspectos do cuidado em saúde, além do biológico, não têm sido suficientes para promover as mudanças necessárias nas práticas profissionais que continuam nucleadas pelo trabalho médico.
A composição das equipes de trabalho que atuam na AB ainda carece da inserção efetiva de outras categorias profissionais da área da saúde e da diminuição da distância quantitativa entre os trabalhadores de nível superior e os de nível fundamental e médio, visando atender às diretrizes da AB.
Ainda, considerando os dados levantados pelo censo e pela avaliação externa do PMAQAB no Paraná, há indicativos de que os trabalhadores da AB, sobretudo os que não pertencem às equipes da ESF, podem estar sobrecarregados, uma vez que 46% dos trabalhadores estão alocados em 998 equipes, que corresponde a 33%, do total de equipes de AB existentes no estado (3020). Isso reforçado pelo fato conhecido de as equipes convencionais serem responsáveis por territórios e populações muito superiores ao das equipes da ESF.
Perfil dos profissionais representantes das equipes de Saúde da Família que aderiram ao PMAQ-AB no Paraná
Para discutir o perfil dos profissionais e aspecto da gestão do trabalho na AB no Paraná utilizou-se dos dados do Módulo II do processo de avaliação externa do PMAQ-AB, instrumento respondido por um profissional de nível superior que atuava na equipe de Saúde da Família avaliada. Este profissional deveria ser escolhido pela equipe por deter o maior conhecimento sobre a comunidade e o processos e trabalho da unidade de saúde. Entre os 998 profissionais que responderam ao referido instrumento, 905 eram enfermeiros (90,7%), 53 médicos (5,3%) e 40 dentistas (4,0%), 87,9% dos respondentes era, também, coordenador da unidade. Estes dados mostram a participação do profissional enfermeiro na administração dos serviços e na liderança da equipe de saúde, podendo indicar, também, uma sobrecarga de trabalho deste profissional, conforme já apontado em estudo realizado por Gil (2006)GIL, C. R. R. Práticas profissionais em Saúde da Família: expressões de um cotidiano em construção . 2006. Tese (Doutorado em Saúde Pública). - Fundação Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro, 2006..
Ao se observar o tempo de atuação na equipe, viu-se que 76,0% dos sujeitos compõem a equipe há, no máximo, cinco anos (tabela 2). Em tese, considerando que o Ministério da Saúde vem aportando incentivos aos municípios que aderem à ESF desde 1998, portanto, há mais de uma década e meia, os dados demonstram uma temporalidade curta da inserção desses profissionais nas equipes. No entanto, ressalta-se a necessidade de outros estudos para avaliar a rotatividade e fixação de profissionais nos municípios do estado, ja que essas condições interferem no conhecimento da realidade de saúde da comunidade e no estabelecimento de vínculos entre os profissionais, usuários e a própria equipe.
No que se refere à formação complementar dos sujeitos da pesquisa, dos 998 profissionais que responderam ao módulo II, 848 (85%) afirmaram que possuíam ou estavam em formação complementar no momento da pesquisa. De modo geral, observa-se que os profissionais têm investido em sua qualificação profissional ao longo dos anos. A tabela 3 mostra que a maior parte dos cursos realizados pelos profissionais é de especialização, sendo que entre os dentistas, 91,4% fizeram pelo menos um curso na área de Saúde da Família, Saúde Pública, Comunitária e/ou Coletiva. Entre os médicos a porcentagem foi de 64,2% e entre os enfermeiros, 51,9% realizaram algum curso nestas áreas. Poucos são os profissionais que cursaram ou estão cursando pós-graduação stricto sensu.
Cursos de pós-graduação concluídos e em andamento, segundo a categoria profissional, Paraná 2012
Em relação à gestão da educação em saúde, Gil e Escorel (2006)GIL, C. R. R.; ESCOREL, S. M. Expressões das práticas dos médicos e enfermeiros em Saúde da Família. In: PIERANTONI, C. R.; VIANA, A. L. d'AVILA. (Org.). Educação & Saúde. São Paulo: HUCITEC, 2010. identificaram perfil semelhante e lacunas no processo de formação profissional. De acordo com os autores, entre as três categorias estruturantes da ESF, os enfermeiros são os que mais buscam qualificação. No entanto, a residência multiprofissional em Saúde da Família tem pouca representação na formação dos enfermeiros e dos cirurgiões dentistas, e as residências médicas nas áreas afins à AB ainda não fazem parte da formação dos médicos que nela atuam.
O Paraná tem um parque de universidades públicas constituído por sete estaduais e duas federais, sendo uma latino-americana, em região de fronteira com a Argentina e Paraguai. Além das universidades e seus campi, tem ainda a Escola de Saúde Pública vinculada à Secretaria Estadual de Saúde que oferta cursos de especialização aos profissionais do SUS. Entretanto, identifica-se a necessidade de fortalecimento de parcerias entre as instituições formadoras com a gestão do trabalho no SUS (estadual e municipal), com a finalidade de construção de mecanismos e estratégias que possibilitem melhor qualificar os profissionais que atuam na AB com referenciais da saúde pública e da saúde coletiva; o desenvolvimento de estudos e pesquisas que retratem quantitativa e qualitativamente os diferentes aspectos da AB; a ampliação dos programas de residências multiprofissionais para a AB e ESF, além da estruturação da pós-graduação strito sensu com acesso dos profissionais dos serviços a estes programas. Porém, não há como minimizar o papel determinante dos atuais critérios para a criação e manutenção dos programas de pós-graduação stricto sensu exigidos pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), que têm dificultado a abertura e expansão de novos cursos e, consequentemente, o acesso de muitos profissionais de saúde que atuam na rede básica a este nível de formação.
Gestão da força de trabalho na Atenção Básica no Paraná
A gestão do trabalho trata das relações de trabalho e parte da compreensão de que a participação do trabalhador é essencial para a consolidação do SUS, sendo aquele visto como sujeito e agente transformador da realidade e não um mero ‘recurso’ cumpridor de tarefas definidas em alguma outra instância, distante do ambiente de trabalho e da equipe local.
A política de gestão do trabalho em saúde pressupõe a necessidade de garantir condições que valorizem o trabalhador e suas atribuições, tais como: o Plano de Carreira, Cargos e Salários (PCCS), os vínculos de trabalho com proteção social, os espaços de discussão a respeito das relações e condições de trabalho, a capacitação e educação permanente dos trabalhadores, entre outros (BRASIL, 2014______. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.027, de 25 de agosto de 2011. Altera a Portaria nº 648/GM/MS, de 28 de março de 2006, na parte que dispõe sobre a carga horária dos profissionais médicos que compõem as Equipes de Saúde da Família (ESF) e na parte que dispõe sobre a suspensão do Piso de Atenção Básica (PAB variável). Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 25 ago. 2010a. Disponível em: <//www.mp.pi.gov.br/internet/attachments/PT%20GM%20MS%202027-2011%20ALTERA%20CH-Pt%20648-2006%20%282%29.pdf >. Acesso em: 10 fev. 2014.
<//www.mp.pi.gov.br/internet/attachments... ). No entanto, no Brasil, a mudança de visão das políticas de recursos humanos para as da gestão do trabalho em saúde ainda são bastante tímidas na maioria dos serviços.
Os dados da tabela 4 mostram que a principal forma de ingresso é por concurso público e seleção pública, com 82,7% e 4,9%, respectivamente, mas uma parcela importante de trabalhadores (11,4%) ingressou por outros mecanismos que não o mérito. Mais da metade (58,2%) dos trabalhadores entrevistados são do quadro próprio dos serviços municipais, com vínculo estável, os demais (42%) são contratados por vínculos que não dão estabilidade no trabalho, com destaque para o emprego público CLT (23,6%) ou contrato CLT (9,3%), embora esses formatos não caracterizem precariedade nas relações de trabalho. A precariedade está para 7,5% dos trabalhadores com cargo comissionado, contrato temporário pela administração pública regido por legislação especial, contrato temporário por prestação de serviço ou autônomo.
Estudos do Ministério da Saúde realizados entre 2001 e 2002 indicaram que entre 20% e 30% de todos os trabalhadores da ESF tinham vínculos precários de trabalho (BRASIL, 2006). Mais recentemente, os dados divulgados por Girardi (2010)GIRARDI, S. N.; CARVALHO, C. L. Configurações do mercado de trabalho dos assalariados em saúde no Brasil. Rev Formação, Brasília, DF, n.6, p.15-36, 2006. mostram uma diminuição da prática de contratação do trabalho precário na ESF para todas as ocupações. No entanto, segundo o autor, o predomínio de contratos protegidos foi observado apenas para contratos de Agentes Comunitários de Saúde e técnicos e auxiliares de saúde. O trabalho precário ainda predominou nos contratos de médicos em 76,3% municípios, de enfermeiros em 57,7% dos municípios e dentistas em 55,9% dos municípios.
Os dados relacionados à forma de ingresso e tipo de vínculo (tabela 4) podem indicar que apesar de o ingresso se dar por meio de concurso público, a quantidade e diversidade de agentes contratantes ainda é um indicativo de problemas na gestão do trabalho nos municípios parananenses. Além disso, como se viu na tabela 2, o tempo de serviço de 76% dos entrevistados era de até cinco anos e 27,4% tinham menos de um ano de atuação na equipe, o que pode indicar alta rotatividade de trabalhadores possivelmente relacionado com o tipo de vínculo de trabalho. De toda forma, fica evidente a necessidade de estudos que acompanhem a evolução da gestão do trabalho no estado, pois a ausência de dados anteriores impede comparações sobre a dinâmica da força de trabalho ao longo do tempo.
Forma de ingresso, tipo de vínculo, agente contratante e PCCS entre os trabalhadores entrevistados, Paraná 2012
Em nível nacional, os problemas em relação à gestão da força de trabalho se acentuaram a partir de meados da década de 1990, com a reestruturação do estado na perspectiva da reforma administrativa e do Estado mínimo. A carreira no setor público foi secundarizada, com repercussão na consolidação do SUS, pois, apesar de a Constituição Federal de 1988 expressar a “Saúde como direito de todos e dever do Estado”, as ações e serviços de saúde não foram consideradas como atividades exclusivas do Estado. Assim, a discussão sobre a importância dos PCCS na construção do sistema nacional de saúde foi esvaziada e uma das consequências foi a proliferação de inúmeras formas de inserção dos trabalhadores nos serviços públicos por meio de vínculos de trabalho destituídos de proteção social, independente do tipo de seleção realizada.
A partir de 2004, o Ministério da Saúde iniciou a discussão sobre a necessidade de elaboração de diretrizes para subsidiar a elaboração dos PCCS dos trabalhadores do SUS nas três esferas de governo, cujo pressuposto é a construção de carreiras semelhantes no âmbito do SUS, respeitando-se as especificidades regionais.
O plano de carreira é o conjunto de normas que disciplinam o ingresso e instituem oportunidades e estímulos ao desenvolvimento pessoal e profissional dos trabalhadores de forma a contribuir com a qualificação dos serviços prestados pelos órgãos e instituições, constituindo-se em instrumento de gestão da política de pessoal (BRASIL, 2006BRASIL. Ministério da Saúde. Departamento de Gestão da Educação na Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. PCCS - SUS: diretrizes nacionais para a instituição de planos de carreiras, cargos e salários no âmbito do Sistema Único de Saúde. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2006. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/pccs_diretrizes_nacionais_planos_carreiras_sus.pdf>. Acesso em: 15 fev. 2014.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe... ).
Os dados da tabela 4 apontam que, apesar das prerrogativas legais vigentes desde a criação da Lei Orgânica da Saúde, em 1990, 59,8% dos entrevistados informaram que não têm PCCS, portanto, não vislumbram a possibilidade de crescimento profissional na AB indicando um quadro desafiador para a política de gestão do trabalho em saúde também no estado do Paraná. Entre os que possuem PCCS, a progressão por titulação, formação profissional e antiguidade são as mais referidas como formas de ascensão.
Educação Permanente na Atenção Básica
As questões referentes à Educação Permanente evidenciam fragilidades no âmbito das equipes que aderiram ao PMAQ-AB no Paraná. Os dados da tabela 5 mostram que 80,4% dos entrevistados afirmam existir ações de Educação Permanente para os profissionais da AB, no entanto, só 58,1% dos trabalhadores afirmaram que as ações contemplam as demandas e necessidades da equipe. Esses dados são contraditórios com o pressuposto da própria Educação Permanente que deve ser constituída a partir das necessidades dos trabalhadores e, portanto, com a participação dos mesmos. Uma das possíveis explicações é a de que esses profissionais estão participando de capacitações convencionais, definidas centralmente, em que não se sentem protagonistas dos processos.
Por fim, ao se verificar as questões referentes ao acesso a ferramentas educacionais disponibilizadas pelo Ministério da Saúde aos profissionais da AB, observa-se que é quase nula a participação dos sujeitos da pesquisa no programa telessaúde, em que apenas 3,7% dos profissionais afirmaram ter acesso aos recursos dessa política que envolve segunda opinião formativa, telediagnóstico, teleconsultoria, cursos de ensino à distância pela Universidade Aberta do SUS (UNA-SUS) e curso pela Rede Universitária de Telemedicina (Rute).
Considerações finais
A criação tecnopolítica do espaço gestão do trabalho e da educação na saúde é recente no cenário dos serviços de saúde do país. Os gestores, quando optam pelos modos como estruturam e organizam a AB nos estados e municípios, fazem escolhas cuja racionalidade envolve diferentes projetos e interesses. De modo geral, o que predomina são as iniciativas voltadas à estrutura física, quase sempre em detrimento de ações voltadas para processos e resultados dos serviços. A falta de planejamento e adoção de tecnologias que fortaleçam mudanças nas condições e processos de trabalho aos quais os trabalhadores estarão submetidos contribuem para a baixa resolutividade e qualidade da AB e do próprio SUS.
A importância de conhecer e planejar a força de trabalho em saúde reside na necessidade de assegurar que, de fato, o sistema atenda às necessidades e aos direitos dos cidadãos de terem acesso às ações de promoção, proteção, atenção e recuperação da saúde de forma integrada, de acordo com os preceitos legais conquistados há mais de duas décadas. Para isso, é preciso investir nos trabalhadores de saúde qualificando-os e comprometendoos com a melhoria dos serviços de saúde no momento e lugar requeridos. O propósito do planejamento da força de trabalho em saúde é encontrar o equilíbrio entre a composição, distribuição e número de trabalhadores de saúde com processos adequados de formação e educação permanente.
No Brasil, a política de saúde herdada do sistema de saúde anterior apresenta diversas inadequações às pretensões do SUS, trazidas à tona pelos estudos que comprovam a dificuldade de ampliação da ESF, que levou à retomada do discurso da AB como prioridade na agenda nacional da política de saúde. A dificuldade de fixação de profissionais de saúde na rede básica e em algumas regiões do país, a alta rotatividade dos profissionais nas equipes de AB — em que mais de 70% dos profissionais não permanecem mais que dois anos em cada equipe — e a precarização de vínculos e contratos de trabalho para manter o serviço e, ao mesmo tempo, cumprir com a Lei de Responsabilidade Fiscal têm chamado a atenção de gestores e pesquisadores do campo do planejamento e da gestão do trabalho em saúde.
No Paraná, 76% dos municípios aderiram à iniciativa do PMAQ-AB. Considerando esta primeira grande aproximação à avaliação da AB no Estado como um todo, podese evidenciar, no recorte estudado, que a AB é feita predominantemente pelos ACS e trabalhadores do quadro técnico (auxiliares e técnicos de enfermagem e de saúde bucal). Eles respondem por 59,9% da força de trabalho no estado. Este dado mostra a necessidade de estudos e pesquisas dirigidos a esse grupo de trabalhadores para melhor conhecer as condições de trabalho, processos formativos, jornadas de trabalho e desempenho de suas ações, entre outros.
Da mesma forma, repete-se no estado o modelo centrado no médico, sendo esta a categoria que predomina entre os trabalhadores de nível superior. Cabe ressaltar que a coleta de dados foi anterior ao Programa Mais Médicos e que o estado do Paraná recebeu cerca de 800 médicos a mais. Portanto, aprofundar estudos sobre o provimento dos médicos no estado é outro desdobramento necessário. Os dentistas são os menos presentes, indicando que pode haver baixa oferta de serviços de odontologia na AB.
Em relação aos enfermeiros, são os que mais responderam às entrevistas, indicando que são os mais presentes nas unidades, reafirmando a condição de assalariamento da categoria. Estudar a existência de outras atividades paralelas e em contraturnos é uma necessidade para melhor conhecer a sua real situação das condições de trabalho.
Em se tratando da forma de ingresso dos trabalhadores, predominou o ingresso por concurso público, embora se observe que 11,4%% ingressaram por outros mecanismos. Estes dados evidenciam, em parte, uma trajetória histórica de luta pelo cumprimento da legislação. Ainda assim, estudos comparativos com outros estados brasileiros são importantes para corroborar (ou não) esta percepção.
Por fim, em que pese o Paraná ter uma condição interessante e favorável de integração ensino-serviços expressa pela rede de instituições de ensino públicas, esta é, sem dúvida, uma grande fragilidade a ser vencida. A maioria dos entrevistados afirmou a baixa resolutividade das ações de capacitação e educação permanente com pouco retorno à melhoria das suas necessidades de trabalho, assim como a quase total ausência de acesso às novas ferramentas educacionais para a atualização, como o telessaúde, ensino a distância, entre outras. Ressalta-se que dos estados da região sul, o Paraná continua sendo o único que permanece distante do telessaúde, programa já implantado e amplamente disseminado.
Os dados do PMAQ-AB sobre a gestão do trabalho e da educação na saúde evidenciaram a necessidade de priorização, no âmbito da gestão da AB e do SUS, de ações voltadas ao fortalecimento de políticas mais efetivas neste campo. A sensibilização para novas pesquisas, instalação do Observatório de Recursos Humanos e definição de instrumentos que permitam conhecer com maior profundidade a real situação da força de trabalho em saúde no Paraná são medidas essenciais para um melhor planejamento e avaliação da Atenção Básica.
Referências
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- Suporte financeiro: não houve
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
Out 2014
Histórico
- Recebido
Mar 2014 - Aceito
Set 2014