Editorial

Diretoria Nacional do Cebes

O MOVIMENTO DA REFORMA SANITÁRIA BRASILEIRO (MRS), desde os debates iniciais sobre a conformação de um sistema nacional de saúde, tratou de forma crítica as propostas de um primeiro nível de atenção simplificado e restrito. A revista Saúde em Debate, como órgão de divulgação do pensamento sanitário, já em seu primeiro número, de outubro de 1976, publicou diversos artigos que tratavam dessa temática. Destacamos dois textos que apresentam elementos que ainda hoje ajudam a refletir sobre as práticas nesse nível de atenção e sobre problemas enfrentados pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Jairnilson Paim, no texto Medicina comunitária: introdução a uma análise crítica, dentre outras coisas, chama a atenção sobre a relação entre os subsistemas de produção de serviços público e privado. Anamaria Tambellini, com o texto Medicina de comunidade: implicações de uma teoria, salienta a pretensão dos serviços de estabelecer uma intervenção normativa e institucionalizada sobre a vida, defendendo a necessidade de as práticas em saúde contribuírem para "libertar o homem em sua 'experiência', o que significa fornecer-lhe os meios para compreender e controlar o seu 'modo de andar a vida' e, portanto, libertar o conhecimento sobre esta experiência que se encontra profissionalmente monopolizada".

Neste número especial, que tem como tema central a avaliação da Atenção Básica em Saúde, parece oportuno recuperar reflexões que o MRS vem fazendo desde as suas origens e que contribuíram para a constituição do SUS como um projeto que não se restringe ao setor saúde nem a um nível de atenção, mas pretende-se integral e aponta para a necessidade de uma nova forma de organização política e social.

A discussão que o Movimento fazia sobre a relação entre os setores público e privado e a proposta de estatização da saúde anunciava os problemas que enfrentaríamos posteriormente. As políticas neoliberais, implementadas na década de 1990, contribuíram para o avanço do setor privado, que, longe de ser complementar, como prevê a Constituição, passou a hegemonizar a oferta de serviços, sobretudo os de média e alta complexidade, como os Serviços de Apoio à Diagnose e Terapia (SADT) e a atenção hospitalar, sem esquecer o enorme avanço dos planos de saúde na atenção ambulatorial.

Essas mesmas políticas empobreceram a Atencão Básica com a adoção de programas seletivos e focalizados, protelando a implementação de um modelo pautado em princípios, como da integralidade e da igualdade de acesso e de tratamento, em que o primeiro nível de atenção tem papel destacado na conformação de redes, na responsabilização pelo cuidado e como principal forma de acesso ao SUS. Os efeitos das políticas restritivas ainda se fazem sentir, apesar de avanços conseguidos, como a universalização da Atenção Básica, mas que por si só é insuficiente para uma atenção integral.

No campo das relações entre profissionais e usuários, deve-se recuperar a crítica do monopólio do saber pelas profissões da saúde sobre o processo saúde-doença e das consequentes intervenções prescritivas, pois estamos longe de instituir práticas que favoreçam a autonomia das pessoas para decidirem sobre o "modo de andar a vida".

Na última década, entidades que compõe o MRS brasileiro, entre elas o Cebes, têm retomado o papel de articulação dos movimentos em defesa do SUS e de crítica às políticas que impedem maiores avanços do sistema, como o baixo financiamento do setor, decorrente em grande medida da subordinação das políticas sociais às econômicas. Destacamos a luta pela ampliação do orçamento federal para a saúde, com o Movimento Nacional em Defesa da Saúde Pública (Saúde + 10), que coletou 2,2 milhões de assinaturas para o Projeto de Lei de Iniciativa Popular que propunha 10% das Receitas Correntes Brutas para a saúde.

O atual momento político-eleitoral é favorável à exposição de problemas e de possíveis soluções para o setor de saúde brasileiro. O MRS tem se apresentado como porta-voz das demandas dos trabalhadores e usuários, apresentando propostas que devem compor um projeto de desenvolvimento nacional, no qual a saúde tenha papel central na melhoria das condições de vida de todos os brasileiros, recolocando, assim, a saúde na agenda nacional.

Diretoria Nacional do Cebes

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Out 2014
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde RJ - Brazil
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