DESDE MEADOS DA DÉCADA DE 1990, o Ministério da Saúde vem induzindo fortemente a adesão à Estratégia Saúde da Família (ESF) como uma nova abordagem em Atenção Primária à Saúde (APS). Ao longo de mais de vinte anos de implantação, sua abrangência foi ampliada, passando a incorporar na normativa da Política Nacional de Atenção Básica os atributos de uma APS integral, e assumida como estratégia prioritária para a reorientação do modelo assistencial no Sistema Único de Saúde (SUS).
Esse processo de importante expansão da APS no país, ainda que não tenha sido sistemática e uniformemente monitorado ao longo de todo o período, foi acompanhado por diversas iniciativas esparsas de avaliação e de processos de indução da institucionalização da avaliação da Atenção Básica no SUS.
Em 2011, o Ministério da Saúde propôs mudanças nas diretrizes da Política Nacional de Atenção Básica e, como estratégia indutora de um processo permanente e progressivo de ampliação do acesso e de qualificação das práticas de gestão, cuidado e participação na Atenção Básica, implementou o Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB), a partir de 2012.
No primeiro ciclo de implementação do PMAQ-AB, 70% dos municípios brasileiros aderiram e muitos deles contratualizaram pelo menos 50% de suas equipes de Atenção Básica à Avaliação Externa, conforme previa o programa. Em todo o País, 17.202 equipes participaram da Avaliação Externa nesse ano. O instrumento aplicado captou informações sobre o processo de trabalho das equipes, a organização do cuidado e a articulação da Atenção Básica à rede de serviços de saúde. Gerou informações sobre as condições de infraestrutura, materiais, insumos e medicamentos, recenseando 38.812 unidades básicas. Foram entrevistados 65.391 cidadãos brasileiros, que relataram suas experiências e emitiram suas opiniões sobre o acesso e utilização dos serviços de Atenção Básica em 3.944 municípios brasileiros.
Para a realização da Avaliação Externa em todo o território nacional, o Ministério da Saúde, a partir do apoio da Rede de Pesquisa em Atenção Primária à Saúde, desenvolveu parceria com instituições de ensino e pesquisa em todo o País: Universidade Federal de Pelotas, Universidade Federal de Minas Gerais, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Universidade Federal da Bahia e a Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca/Fundação Oswaldo Cruz articularam-se a outras universidades nos estados, com participação de pesquisadores de mais de 40 instituições de ensino e pesquisa Brasil afora.
A avaliação da Atenção Básica, no âmbito do PMAQ-AB, possibilita reconhecer de que forma e com quais características estão organizadas as ações nesse nível de atenção. Os dados coletados para a realização da certificação das equipes que aderiram ao Programa contemplam uma ampla variedade de dimensões sobre a oferta e a atenção prestada. A análise desses dados, ainda que reconhecidos seus limites por se tratar de coleta para fins de transferências financeiras, é muito promissora. São inúmeras as possibilidades de abordagens e desenhos analíticos que podem ser construídos a partir da base de dados produzida nos inquéritos realizados.
A análise aprofundada das informações resultantes do PMAQ-AB bem como do acúmulo de estudos avaliativos sobre a Atenção Básica realizados ao longo dos últimos anos têm amplo potencial para subsidiar a tomada de decisão e dar direcionalidade à política de APS no país para garantia de atenção integral e universal.
A revista Saúde em Debate v. 38, n. especial apresenta artigos com algumas dessas possibilidades de análises de dados do banco do PMAQ-AB, elaborados por pesquisadores participantes da Avaliação Externa. Outros artigos apresentam resultados de pesquisas a partir de diferentes modelos avaliativos, como estudos das Internações por Condições Sensíveis à Atenção Primária e aplicação de Avaliação Rápida dos Serviços de Atenção Básica em Nível Local (Primary Care Assessment Tools - PCATool). São trabalhos realizados no Brasil com análises de base nacional, regional e municipal.
O conjunto de artigos publicados neste número apresenta resultados que indicam que a ESF tem se configurado como o modelo de organização das ações de APS em mais de 95% dos municípios brasileiros. As equipes atuam cada vez mais como primeiro contato e referência para acessar os serviços especializados. No entanto, há diferenças nas condições de acesso e no escopo de ações ofertadas pelas equipes de Atenção Básica de todo o País, o que impõe limites importantes para o alcance da equidade em saúde. São verificados problemas relacionados à integração dos serviços de Atenção Básica ao conjunto de serviços de saúde que compõem o SUS e na coordenação dos cuidados. O reduzido tempo de atuação dos coordenadores das equipes - em geral enfermeiros, mais da metade com atuação há menos de dois anos - e a persistência de vínculos precários para mais de um terço desses profissionais são importantes fontes de preocupação e alertam para a necessidade de valorização da carreira profissional na Atenção Básica e no SUS.
Os resultados sugerem diversos caminhos para o aprimoramento das práticas em Atenção Básica no país. A continuidade da avaliação rotineira, os incentivos para autoavaliação orientadora do planejamento das ações e intervenções das equipes e a análise sistemática de seus resultados são intervenções que podem incidir positivamente na melhoria da qualidade das ações ofertadas aos usuários da Atenção Básica.
Boa leitura!
As Editoras
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
Out 2014