Gestão do trabalho nos hospitais da 9ª região de saúde do Paraná

Work management in hospitals of Paraná's 9th health region

Cintia Teixeira Rossato Mora Maria Lucia Frizon Rizzotto Sobre os autores

Resumos

Objetivou-se analisar a gestão do trabalho em 12 hospitais da 9ª Região de Saúde do Paraná. Estudo exploratório, por meio de entrevista semiestruturada com 116 profissionais: 52,59% de nível superior; 56,43% ingressaram por processo seletivo; 19,82% possuem mais de um vínculo; 21,43% com vínculos desprotegidos; 19,29% participam de atividades de educação permanente; nenhum hospital possui Plano de Carreira, Cargos e Salários. Conclui-se ser fundamental o Estado exercer seu papel de regulador, fiscalizador e controlador dos serviços de saúde, independentemente da titularidade de quem os execute, necessidades que podem interferir em melhores condições de trabalho, com impacto na qualidade da assistência.

Recursos humanos em hospital; Gestão em saúde; Força de trabalho


We aimed to analyze work management in 12 hospitals of Paraná's 9th Health Region. Exploratory study, conducted through semi-structured interview with 116 professionals: 52,59% of higher education; 56,43% enrolled through a selective process; 19,82% have more than one bond; 21,43% precarious bonds; 19,29% participate in ongoing activities of continuing education; no institution has a career plan formally instituted. We conclude that it is essential that the State to exercise its role as regulator, supervising and controlling health services, regardless of the ownership of those who perform them, needs that may interfere with better working conditions, impacting the quality of care.

Personnel, hospital; Health management; Labor force


Introdução

A garantia do direito universal à saúde repercutiu na ampliação das políticas públicas de saúde tanto em termos de cobertura como de investimentos em infraestrutura e pessoal, porém, ainda há temas cruciais que precisam ser equacionados, como a ordenação da formação de trabalhadores para o Sistema Único de Saúde (SUS) e a gestão do trabalho em saúde, ambos compondo a Política Nacional de Recursos Humanos em Saúde (PNRHS) (CAMELO, 2009CAMELO, S.H.H. Políticas de recursos humanos: Sistema Único de Saúde, bases legais e implicações para a enfermagem. Rev Enferm UERJ, Rio de Janeiro, v. 17, n.4, p. 589-594,out./dez. 2009. Disponível em: <http://www.facenf.uerj.br/v17n4/v17n4a23.pdf >. Acesso em: 20 de jan. 2014.
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).

A gestão do trabalho em saúde envolve toda a vida funcional do trabalhador, desde o recrutamento, seleção, contratação, criação de espaços de discussão e negociação das relações de trabalho, Plano de Carreira, Cargos e Salários (PCCS), capacitação e educação permanente dos trabalhadores, até a valorização do trabalho e do trabalhador (VIANA, 2013VIANA, D. L. Gestão do trabalho em saúde: revisão da literatura por meio de scoping review.2013. 170 f.Tese (Doutorado em Saúde Pública) - Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo,2013. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/6/6135/tde-28032013-142152/pt-br.php>. Acesso em: 12 jul. 2013.
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). Segundo Pierantoni et al. (2008)PIERANTONI, C. R.; VARELLA, T. C.;FRANÇA, T. Recursos humanos e gestão do trabalho em saúde: da teoria para a prática. In:BARROS, A. F. R; SANTANA, J. P.; SANTOS NETO, P. M. (Org.).Observatório de recursos humanos em saúde no Brasil: estudos e análises, Brasília, DF: Ministério da Saúde/OPAS, v. 4, 2004. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/Livro_inteiro_portugues.pdf>. Acesso em: 20 maio 2013.
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, a gestão do trabalho se relaciona com as especificidades da organização do sistema de saúde de cada país, podendo ser modificada de acordo com o contexto econômico e político nacional.

A reestruturação produtiva como resposta do capital à crise de acumulação impingiu mudanças profundas na organização, na regulação e na regulamentação do trabalho, interferindo diretamente nas formas de contratação, flexibilizando as relações de trabalho e terceirizando serviços com consequências na estrutura social, na qualidade dos serviços prestados e na legitimidade dos interesses trabalhistas (FREITAS; FUGULIN; FERNANDES, 2006FREITAS, G. F.; FUGULIN, F. M. T.;FERNANDES, M.F.P. A regulação das relações de trabalho e o gerenciamento de recursos humanos em enfermagem. Rev Esc Enferm USP, São Paulo, v. 40, n. 3, p. 434-438, 2006.).

No Brasil, as reformas neoliberais colocadas em prática na década de 1990 favoreceram a desregulamentação das relações de trabalho, fragilizando os vínculos empregatícios e os mecanismos de controle das relações trabalhistas (BARALDI et al., 2008BARALDI, S. et al.Globalização e seus impactos na vulnerabilidade e flexibilização das relações do trabalho em saúde. Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v. 6, n. 3, p. 539-548, 2008.Disponível em: <http://www.revista.epsjv.fiocruz.br/index.php?Area=ResultadoBusca&Num=224>. Acesso em: 20 mar. 2013.
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). No setor saúde, bem como no restante da economia, estabeleceram-se contratos precários, terceirização, sobrecarga de trabalho, condições e ambientes de trabalho inadequados e flexibilização da jornada de trabalho (CHIAVEGATO FILHO; NAVARRO, 2013CHIAVEGATO FILHO, L. G.; NAVARRO,V.L. A organização do trabalho em saúde em um contexto de precarização e avanço da ideologia gerencialista. In:LOURENÇO, E. S.; NAVARRO, V. L. (Org.). O avesso do trabalho III: saúde do trabalhador e questões contemporâneas. São Paulo: Outras Expressões, 2013.).

Os problemas relacionados com a gestão do trabalho são apontados como fatores que influenciam na qualidade da atenção oferecida pelos diferentes serviços que compõem a rede do sistema de saúde nacional (BRASIL, 2005a).

A atenção hospitalar, como parte do SUS, é oferecida em hospitais de diferentes portes e se caracteriza por uma assistência especializada, que envolve profissionais de diversas categorias, com níveis de formação distintos e uma variedade de formas de vínculos em uma mesma instituição.

A presente pesquisa teve como objetivo analisar a gestão do trabalho em 12 hospitais da 9ª Região de Saúde do Paraná.

Procedimentos metodológicos

Trata-se de uma pesquisa exploratória, transversal, realizada entre abril de 2014 e fevereiro de 2015, que utilizou dados primários e secundários. Os dados primários foram obtidos por meio de pesquisa de campo, realizada com 116 profissionais de saúde que atuam nos 12 hospitais da 9a Região de Saúde do Paraná. A amostra se deu por conveniência, com base na presença do trabalhador no momento da visita ao hospital e de sua aceitação em participar da pesquisa.

Para os dados secundários, utilizou-se o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES). Ressalta-se que a desatualização dos dados do CNES inviabilizou a coleta com base em amostra estratificada, uma vez que cerca de 30% dos profissionais que constavam do cadastro e foram selecionados em sorteio para a entrevista não atuavam mais no serviço quando realizada a visita. Posteriormente, verificou-se que 40 (34,5%) dos trabalhadores entrevistados também não constavam do CNES.

As entrevistas foram realizadas por meio de roteiro semiestruturado que contemplou aspectos sociodemográficos, de formação, gestão do trabalho e participação política dos entrevistados, preenchido pelo próprio pesquisador em encontro presencial.

Os elementos utilizados para avaliar a gestão do trabalho, objeto do presente artigo, foram: a forma de ingresso, o tipo de vínculo empregatício, a existência de PCCS, de avaliação de desempenho, de progressão e promoção na carreira, de gratificação de função, de pagamento de incentivos e participação em processos de educação permanente.

Para a classificação de trabalho precário, utilizou-se como referência o Ministério da Saúde (2006, p. 4), que o define como aquele com ausência dos direitos trabalhistas e proteção social, como, "[...] a aposentadoria, o gozo de férias anuais, décimo terceiro salário e as licenças remuneradas de diversos tipos". A partir desse conceito e oposto a ele, os vínculos que foram considerados como protegidos por garantirem esses benefícios foram o estatutário e o celetista.

Os dados referentes à gestão do trabalho foram agrupados por nível de ocupação (superior e técnico) e porte dos hospitais (pequeno, médio e grande). Para a análise, foi utilizado o programa estatístico InStat GraphPad versão 3.4, realizando o teste qui-quadrado, considerando como nível de significância o valor de p  0,05.

Todos os profissionais entrevistados receberam informações quanto aos objetivos da pesquisa e garantia de sigilo das informações, assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com seres humanos da instituição de ensino, com parecer nº 535.238/2013.

Resultados e discussão

Na 9a Região de Saúde do Paraná, composta por 9 municípios (Foz do Iguaçu, Santa Terezinha de Itaipu, São Miguel do Iguaçu, Itaipulândia, Medianeira, Matelândia, Serranópolis do Iguaçu, Ramilândia e Missal), existem 12 hospitais com 795 leitos no total, excluindo-se os complementares (leitos de unidades de terapia intensiva) para atender uma população de 388.795 habitantes (IBGE, 2010). De acordo com dados do CNES coletados em 2014 nesses estabelecimentos estavam cadastrados 1.600 profissionais com formação específica em saúde (BRASIL, 2014).

Em relação ao porte dos hospitais, 8 (66,66%) são de pequeno porte (com até 50 leitos), 3 (25%) são de médio porte (de 51 a 150 leitos) e 1 (8,33%) é de grande porte (de 151 a 500 leitos). Quatro hospitais (33,33%) situam-se no município de Foz do Iguaçu (1 de pequeno porte, 2 de médio e 1 de grande porte), 1 (8,33%) em Santa Terezinha de Itaipu (pequeno porte), 2 (16,66%) em Missal (ambos de pequeno porte), 3 (25%) em Medianeira (1 de médio e 2 de pequeno porte), 1 (8,33%) em Itaipulândia (pequeno porte) e 1 (8,33%) em Matelândia (pequeno porte). Todos os hospitais oferecem atenção ambulatorial e hospitalar, mas apenas um é referência para a alta complexidade.

Entre os 12 hospitais existentes na região, 10 (83,33%) são instituições privadas e 2 (16,66%) públicas, sendo um de pequeno e outro de médio porte, ambos municipais. Apenas 4 (33,33%) hospitais privados de pequeno porte não atendem ao SUS. Entre os hospitais privados, 3 (30%) são entidades beneficentes sem fins lucrativos, 1 (10%) é fundação privada e 6 (60%) são empresas privadas com fins lucrativos.

Dos 116 profissionais entrevistados, 61 (52,59%) possuem formação em nível superior e 55 (47,41%) em nível técnico, o que correspondeu, respectivamente, a 8,51% e 6,23% do universo registrado no CNES. A maioria (72,41%) é do gênero feminino, 70,69% residentes em Foz do Iguaçu, 60,34% pertencem à equipe de enfermagem (enfermeiros, auxiliares/técnicos de enfermagem), 11,21% são médicos, 7% farmacêutico, 7% fisioterapeuta e outras 8 profissões apresentaram menor porcentagem (tabela 1). A idade média é de 38,20±14,73 anos e o tempo de atuação nas instituições é de 6,79±7,57 anos (dados não constantes na tabela).

Tabela 1.
Número e porcentagem dos profissionais de saúde, segundo o gênero, município de residência, nível de formação e profissão. Hospitais da 9a Região de Saúde/PR, 2015

Os dados confirmam a forte presença feminina no setor saúde, realidade também encontrada em estudo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (2006) que identificou o predomínio de mulheres (mais de 70%) nas regiões metropolitanas do Brasil trabalhando nos serviços de saúde, com faixa etária superior a 25 anos.

Outro aspecto a ressaltar é a ampliação da equipe multiprofissional no ambiente hospitalar, no qual 14 profissões fizeram parte da amostra (tabela 1). Isso parece ser uma tendência diante da complexificação dos problemas de saúde que exige uma equipe multidisciplinar para atender às demandas e necessidades dos pacientes, mas também pode significar uma maior fragmentação do cuidado em saúde se o processo de trabalho não for orientado pelo princípio da integralidade e por uma concepção ampliada do processo saúde-doença.

Em relação à forma de ingresso, os tipos de vínculos, as relações de trabalho e a educação permanente, levou-se em consideração a totalidade dos vínculos em hospitais (140). Isso porque 23 profissionais (19,82%) possuíam mais de um vínculo, sendo 22 (18,96%) com 2 vínculos, 8 (36,36%) com formação em nível superior e 14 (63,64%) com formação em nível técnico, 1 (0,86%) profissional médico tinha 3 vínculos com diferentes hospitais.

Quando considerados todos os vínculos dos entrevistados (hospitais e outros serviços), 55 profissionais (47,41%) tinham mais de 1 vínculo, sendo 46 (39,66%) com 2 vínculos e 9 (7,76%) com 3 vínculos. Identificou-se que, dos profissionais com 2 vínculos, 23 (50%) possuíam nível superior e 23 (50%) nível técnico. Já dos 9 profissionais entrevistados com 3 vínculos, 8 (89%) eram de nível superior, identificando-se 5 médicos, 1 fisioterapeuta, 1 enfermeiro, 1 farmacêutico e 1 técnico de radiologia. A média de empregos por profissional foi de 1,5, sendo relatados empregos em clínicas, laboratórios, consultórios particulares, atendimentos domiciliares, Atenção Básica, especializada e atividades de ensino, tanto em cursos de nível técnico como de nível superior (dados não constam em tabelas).

Uma importante quantidade de vínculos entre os médicos também foi identificada por Maciel et al. (2010)MACIEL, R. H. et al.Multiplicidade de vínculos de médicos no Estado do Ceará. Rev Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 44, n. 5, p. 950-956, out. 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rsp/v44n5/1652.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2013.
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, que, ao avaliarem o número de vínculos dos médicos do SUS no Ceará, observaram que 53,5% possuíam entre 2 e 4 vínculos, e 0,6% de 11 a 20 vínculos. Essa situação pode ser facilitada pelo trabalho autônomo em que, apesar de não usufruírem dos direitos sociais, flexibiliza a jornada de trabalho, permitindo maior quantidade de vínculos e melhor renda.

O aumento no número de vínculos se traduz em uma extensão da jornada de trabalho que o trabalhador se propõe a realizar para complementar a renda, mas, como consequência, "determinam uma pluralidade de agravos à saúde e na manifestação do desgaste e do sofrimento difuso dos trabalhadores" (PINA; STOTZ, 2014PINA, J. A.; STOTZ, E.N. Intensificação do trabalho e saúde do trabalhador: uma abordagem teórica. Rev Bras Saúde Ocupacional, São Paulo, v. 39, n.130, p. 150-160,dez. 2014. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0303-76572014000200150>. Acesso em: 4 ago. 2015.
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, p. 150).

No que se refere à forma de ingresso, pouco mais da metade dos entrevistados (56,43%) ingressaram nas instituições hospitalares por meio de processo seletivo. Quando calculado separadamente, observou-se diferença significativa entre os profissionais de nível técnico e os de nível superior, em que apenas 28 (41,17%) dos 68 profissionais de nível superior ingressaram na instituição por meio de mecanismos que têm como base o mérito (processo seletivo ou concurso), enquanto no nível técnico esse valor foi de 75%. A carta-convite (10,71%) e a indicação (10%) são mecanismos frequentes de ingresso nos hospitais, especialmente no caso dos profissionais de nível superior (tabela 2).

Tabela 2.
Forma de ingresso, tipos de vínculos e educação permanente em hospitais da 9a Região de Saúde/PR, segundo o nível de formação, 2015

Em pesquisa recente na Atenção Básica do Paraná, Nunes et al. (2015)NUNES, E. F. A. et al.Força de trabalho em saúde na Atenção Básica em Municípios de Pequeno Porte do Paraná. Saúde Debate, Rio de Janeiro, v. 39, n. 4, p. 29-41, jan./mar. 2015. identificaram que 79,3%, dos entrevistados foram selecionados por processos seletivos ou concurso público. Os dados da presente pesquisa mostram que, nos hospitais, esse aspecto da gestão do trabalho ainda é pouco utilizado. Uma possível explicação pode estar no fato de a maioria dos hospitais estudados serem privados, embora mesmo nos dois hospitais públicos, em apenas um identificou-se o concurso público como forma de ingresso.

Entre as outras formas de ingresso do profissional de nível superior (11 no total), 9 informaram que foi por empresa terceirizada e 2 eram proprietários. A terceirização das atividades-fim não está regulamentada no Brasil, e na área da saúde dificulta a inserção dos trabalhadores nas rotinas e nos processos desenvolvidos dentro das instituições. A terceirização muitas vezes deixa o trabalhador desprotegido, pois não raro ocorre o descumprimento de responsabilidades trabalhistas, como o recolhimento de impostos, que afeta diretamente a aposentadoria e o seguro desemprego dos trabalhadores, inviabilizando o acesso a um conjunto de direitos relacionados com a seguridade social (COMARU, 2011COMARU, C. M. Estresse psicossocial e vínculo profissional em trabalhadores de enfermagem: uma análise da flexibilização do trabalho a partir da escala desequilíbrio esforço-recompensa. 2011.89 f. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública) - Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro,2011.).

Quando considerados em seu conjunto, os vínculos protegidos (celetista e estatutário) atingiram 78,57% da amostra (tabela 2), mas quando analisados separadamente, no nível técnico, em apenas três casos (4,16%) encontrou-se vínculo precário (autônomo), enquanto no nível superior 39,70% dos casos são de vínculos precários, sendo que a maioria (30,88%) se declarou autônomo. Entre os médicos, odontólogo e fonoaudiólogo, 100% são autônomos (desprotegidos), enquanto os farmacêuticos, psicólogos, biomédicos e assistentes sociais todos apresentaram vínculos protegidos.

Os três vínculos estatutários (dois de nível superior e um técnico) são de profissionais que atuam em um mesmo hospital público de pequeno porte; isso não impede que outros profissionais dessa amostra também atuem com outros tipos de vínculos em serviços públicos não relacionados com o ambiente hospitalar.

Em trabalho recente, Eberhardt, Carvalho e Murofuse (2015)EBERHARDT, L. D.; CARVALHO, M.;MUROFUSE, N.T. Vínculos de trabalho no setor saúde: o cenário da precarização na macrorregião Oeste do Paraná. Saúde debate, Rio de Janeiro, v. 39, n. 4, p. 18-29, jan./mar. 2015. avaliaram o cenário da precarização em todos os níveis de atenção na Macrorregião Oeste/PR, que abarca a região de saúde do presente estudo, identificando que 85,28% dos vínculos precários estavam entre os profissionais de nível superior. Valor inferior ao encontrado no presente estudo, no qual dos 30 vínculos precários identificados, 27 (90%) estão nesse nível de formação. No estudo citado, os médicos se destacaram com 78,88% de vínculos precários, já neste estudo, como indicado acima, 100% dos médicos entrevistados (13) apresentaram vínculos sem proteção social.

A vinculação formal dos médicos, em todo o mundo, apresenta uma grande diversidade desde a condição de pessoa física empregada assalariada pelo hospital, contratos por tempo indeterminado, até a condição de autônomo prestador eventual de serviço (GIRARDI; CARVALHO; GIRARDI, 2007GIRARDI, S. N.; CARVALHO, C. L.; GIRARDI, L. G. Modalidades de contratação e remuneração do trabalho médico:os conceitos e evidências internacionais. Organização Pan-Americana da Saúde, PWR-Brasil, Belo Horizonte, 2007. Disponível em: <http://www.observarh.org.br/observarh/repertorio/Repertorio_ObservaRH/NESCON-UFMG/Modalidades_contratacao_trabalho_medico.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2015.
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).

Nunes et al. (2015) encontraram em pesquisa na Atenção Básica 18,8% de vínculos precários. No estudo de Eberhardt, Carvalho e Murofuse (2015), de todos os vínculos precários encontrados, 53,45% estavam na atenção hospitalar, o que reforça que nesse nível de atenção o trabalho precário é ainda o mais frequente, atingindo, sobretudo, os profissionais de nível superior.

Os vínculos protegidos além de garantirem direitos aos trabalhadores e proteção social, tendem a manter contratos de trabalho por períodos maiores, com menor rotatividade de profissional. Segundo São Paulo (2010), somente uma parcela dos médicos apresenta trabalho formalizado (celetista ou funcionário público), sendo as situações mais frequentes as cooperativas e autônomos; entre os profissionais de outras categorias, como enfermeiro, nutricionistas, entre outros, também podem ocorrer esses vínculos, porém em menor proporção.

No que se refere à educação permanente, entre os hospitais que a realizam, o estudo mostrou que a maioria (50%) dos estabelecimentos o faz de maneira esporádica, em apenas 19,29% é contínua, com destaque para ações voltadas ao profissional de nível técnico, sendo 28,73% esporádica e 11,43% contínua (tabela 2).

A educação permanente, segundo a Política de Educação e Desenvolvimento para o SUS (BRASIL, 2004), busca promover a aprendizagem com base na reflexão crítica e problematização do processo de trabalho sobre as vivências reais nos serviços de saúde. Deve se orientar pelas necessidades de saúde das pessoas e da população, da gestão setorial e do controle social em saúde.

No estudo de Tronchin et al. (2009)TRONCHIN, D. M. R. et al. Educação permanente de profissionais de saúde em instituições públicas hospitalares. Rev Esc Enferm USP, São Paulo, v. 43, esp. 2, p. 1210-1215, dez. 2009. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v43nspe2/a11v43s2.pdf>. Acesso em: 29 maio 2015.
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, que avaliaram três hospitais em São Paulo, demonstrou-se que as atividades de educação realizadas eram, em sua maioria, direcionadas aos profissionais de nível superior, para a execução de técnicas e recuperação da saúde em áreas específicas, reforçando um modelo individual com ações fragmentadas, distante das concepções e propostas das políticas públicas orientadas para a integralidade, trabalho em equipe e interdisciplinar da educação permanente.

No presente estudo, os entrevistados com nível técnico relataram maior quantidade de atividades de educação permanente tanto esporádicas (28,57%) como contínuas (11,43%). Em relação aos profissionais de nível superior, apenas 7,9% informaram realizar atividades de educação continuada e 21,4% esporádica (tabela 2). Isso pode indicar que as atividades de educação permanente realizadas têm como objetivo aprimorar procedimentos, protocolos e rotinas, sem efetivamente ser um processo de desenvolvimento visando à desalienação do trabalhador.

O PCCS é um mecanismo de gestão do trabalho que contempla, entre outros, os tipos de vínculos, as formas de remuneração, os meios para a progressão e promoção da carreira, sendo um incentivo para a maior fixação dos profissionais nos serviços de saúde (PIERANTONI; VARELLA; FRANÇA, 2004).

Em nenhum dos 12 hospitais, campo do estudo, existe PCCS implantado oficialmente, mesmo assim, 21,43% dos trabalhadores relataram a sua presença nas instituições onde atuam, principalmente, os de nível técnico (19,29%). Além de 8,57% não saberem informar se havia PCCS em seus locais de trabalho, evidenciando a dificuldade dos trabalhadores em compreender a importância desse mecanismo para a sua segurança e mesmo de lutar pela existência de planos em suas instituições. Nesse sentido, certa conformação pode ser evidenciada pela baixa participação política dos trabalhadores em que apenas 15 (12,93%) deles informaram participar de sindicatos da categoria.

A implantação do PCCS tem sido referida como fundamental na fixação dos trabalhadores e para o desenvolvimento gerencial dos serviços de saúde, e consequentemente para a consolidação do SUS.

O Ministério da Saúde acredita que o PCCS-SUS representa avanços tanto no sentido de regular as relações de trabalho como, também, no desenvolvimento do trabalhador, estabelecendo as possibilidades concretas de consolidação da carreira como instrumento estratégico para o fortalecimento e a consolidação do SUS. (BRASIL, 2005b, p. 20)

Apesar da importância do PCCS para a gestão do trabalho na saúde, parece não ser prioridade, em especial nos hospitais privados, que realizam remunerações diferenciadas para uma mesma categoria profissional, aumentando a rotatividade dos trabalhadores, interferindo na satisfação profissional e na qualidade dos serviços oferecidos à população. A ausência de PCCS ou mesmo de outros mecanismos de gestão do trabalho nas instituições que prestam serviços de saúde, considerados 'de relevância pública' pela Constituição Federal, revela a pouca capacidade de regulação do Estado brasileiro, uma vez que a própria Constituição Federal afirma que, independentemente de serem públicas ou privadas, as ações de saúde devem ser reguladas, fiscalizadas e controladas pelo Poder Público (BRASIL, 1988). De acordo com Santos (2015)SANTOS, L. A natureza jurídica pública dos serviços de saúde e o regime de complementaridade dos serviços privados à rede pública do Sistema Único de Saúde. Saúde debate, Rio de Janeiro, v. 39, n. 106, p. 815-829, set. 2015. Disponível em: <http://www.saudeemdebate.org.br/artigos/artigo_int.php?id_artigo=3115>. Acesso em: 14 set. 2015.
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, um traço em comum de todas as instituições que prestam serviços de saúde é a sua natureza pública, independentemente de a titularidade ser pública ou privada.

Ao verificar a faixa salarial, identificou-se que 70,71% dos profissionais recebem de R$ 1.000,00 a R$ 3.000,00. No nível técnico os salários são mais baixos em relação ao nível superior, com diferença estatística (p<0,0001). A média salarial foi de R$ 3.198,00±4.025,25; a partir de R$ 7.000,00, identificou-se apenas na categoria médica. Para comparar o salário entre os diferentes profissionais, foram calculados os valores registrados e convertidos para 36 horas, sendo evidenciada uma maior divergência com uma média de R$ 5.953,11±19.236,27 (dados que não constam em tabela).

A valorização da categoria médica em relação às outras profissões da área da saúde é um processo construído histórica e socialmente. Esse trabalhador é visto como o principal responsável pelo cuidado, especialmente no espaço hospitalar, pela responsabilidade/poder de internar e decidir sobre a alta dos pacientes, além de prescrever ações com desdobramentos para toda a equipe multiprofissional.

Entretanto, contraditoriamente, são os profissionais mais fragilizados do ponto de vista da proteção social, pois enquanto para a maioria (80%) dos profissionais entrevistados a forma de contratação é a assalariada, para 100% dos médicos a forma encontrada foi a não assalariada (tabela 2). Segundo Girardi, Carvalho e Girardi (2007), a forma pagamento-tempo, típica dos assalariados que recebem a partir de uma carga horária predeterminada, é a mais frequente nas categorias profissionais, com exceção do médico.

Ao analisar a existência de avaliação de desempenho nas instituições, observou-se uma maior frequência de relatos (20%) no nível técnico (tabela 3), o que pode estar relacionado com o tipo de trabalho que realizam, em geral, supervisionados por um profissional de nível superior e pela maior quantidade de vínculos protegidos nesse nível de formação (tabela 2). Mesmo assim, ainda é muito baixa a porcentagem de trabalhadores que afirmaram passar por avaliação de desempenho periódica e formalmente. Certamente, no cotidiano do trabalho, isso pode estar ocorrendo informalmente.

Tabela 3.
PCCS e mecanismos de gestão do trabalho em hospitais da 9a Região de Saúde/PR, segundo o nível de formação, 2015

Ainda, com destaque para o nível técnico, com diferença estatística, 27,14% identificaram progressão e promoção na carreira, porém, o critério utilizado na grande maioria foi a formação, com implicações na mudança de função (tabela 3).

Em relação ao pagamento de gratificações, foi citado em maior número pelos profissionais de nível superior (10%) do que pelos de nível técnico (3,57%), provavelmente porque os cargos de chefias em geral são exercidos por profissional de nível superior. Já no que se refere ao pagamento de incentivos, embora apenas 29,29% dos trabalhadores tenham afirmado receber algum incentivo, isso ocorreu mais entre os profissionais de nível técnico (11,43%) (tabela 3).

O incentivo é um mecanismo de premiação frequentemente utilizado para manter os melhores profissionais na instituição e para reduzir o absenteísmo. Isso foi confirmado pelos dados da pesquisa na qual 20,71% dos profissionais informaram receber incentivo para redução do absenteísmo, principalmente entre os profissionais do nível técnico (14,29%). No nível superior, além da redução do absenteísmo (6,43%) também foi relatada a gratificação por função (6,43%) (tabela 4). A falta/inexistência de gratificações/incentivos pode levar à alta rotatividade, insatisfação no trabalho, desvalorização do trabalhador e alto índice de absenteísmo. Uma forma comumente empregada é de 'premiar' os trabalhadores mais assíduos.

Tabela 4.
Pagamento de gratificação ou incentivos em hospitais da 9a Região de Saúde/PR, segundo o nível de formação, 2015

Ao analisar a forma de ingresso, o tipo de vínculo, PCCS e educação permanente de acordo com o porte hospitalar, observa-se que quanto menor o porte hospitalar maior a diversidade de formas de ingresso e de tipos de vínculos (tabela 5). Em relação aos tipos de vínculos, nos hospitais de grande porte (1) e médio porte (3), identificaram-se apenas vínculos celetistas e autônomos, enquanto nos hospitais de pequeno porte (8) observa-se contrato informal, cargo de confiança, cooperativa, proprietário e estatutário. Esse dado pode ser relacionado com as diversas formas de ingresso nos hospitais de pequeno porte.

Tabela 5.
Forma de ingresso, tipos de vínculos, PCCS, educação permanente, gratificações e incentivos nos hospitais da 9a Região de Saúde/PR, segundo o porte dos hospitais, 2015

O porte dos hospitais, segundo o Programa Nacional de Avaliação de Serviços de Saúde (PNASS), pode influenciar no melhor desempenho em relação à gestão organizacional, apoio técnico e logístico e gestão da atenção à saúde. Os requisitos exigidos dos serviços de maior complexidade são mais cumpridos em relação aos de menor complexidade, podendo se associar ao maior número de ações de políticas públicas, além disso, esses hospitais podem oferecer melhores condições para garantia da qualidade (BRASIL, 2007).

Em relação à existência de PCCS, no hospital de grande porte, 14,29% dos entrevistados confirmaram a sua presença, embora se constatou que em nenhum hospital da região existe PCCS instituído. Isso porque nos hospitais de grande porte a existência de mecanismos de incentivos está mais formalizada, assim alguns profissionais podem compreendê-la de maneira equivocada. Apesar da utilização dos incentivos ser uma estratégia que pode complementar a renda dos profissionais e valorizá-los, poucas evidências foram demonstradas na sua verdadeira efetividade ou impactos assistenciais (DITTERICH; MOYSÉS; MOYSÉS, 2012DITTERICH, R. G.; MOYSÉS, S. T.;MOYSÉS, S.J. O uso de contratos de gestão e incentivos profissionais no setor público de saúde. Cad Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 28, n. 4. p. 615-627, abr. 2012. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/csp/v28n4/02.pdf>. Acesso em: 25 out. 2015.
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).

Por fim, em relação à educação permanente, nota-se também uma maior presença no hospital de grande porte, que quando somadas de maneira contínua e esporádica atingiu 42,86%. A educação permanente, segundo um estudo de quatro hospitais em Santa Catarina, identificou como obstáculos a falta de um planejamento institucional, não a caracterizando como uma prioridade nos hospitais diante dos problemas relatados, como falta de pessoal, desmotivação e sobrecarga de trabalho (LINO et al., 2009LINO, M. M. et al.Educação permanente dos serviços públicos de saúde de Florianópolis, Santa Catarina. Trab. Educ. Saúde, Rio de Janeiro, v. 7, n. 1, p. 115-136, jun. 2009. Disponível em: <http://www.revista.epsjv.fiocruz.br/upload/revistas/r238.pdf>. Acesso em: 25 de out. 2015.
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).

Conclusões

No que se refere à gestão do trabalho nos 12 hospitais da 9a Região de Saúde do Paraná, cabe destacar o alto percentual de vínculos precários, especialmente entre os médicos, odontólogos e fonoaudiólogos, que atingiu 100% dos trabalhadores entrevistados. Os mecanismos de ingresso baseados em critérios subjetivos, como carta-convite (10,71%), indicação (10%) e outros (9,29%); e a ausência de PCCS, que além de não definir claramente os salários e a carreira na instituição, deixam o trabalhador a mercê das decisões do empregador, podendo ser um elemento desmotivador com repercussões na qualidade do cuidadao oferecido à população. Um sinalizador importante de certo conformismo com a situação e mesmo de alienação do trabalhador foi a baixa participação política, em que apenas 12,93% dos entrevistados relataram participar de sindicatos.

A situação encontrada nos hospitais da 9a Região de Saúde do Paraná pode se repetir em outras regiões do estado e mesmo em nível nacional. Considerando que dos 6.701 hospitais existentes no País, 70% são privados (BRASIL, 2014) e que as ações e serviços de saúde são de relevância pública, parece urgente que o Estado brasileiro de fato exerça seu papel constitucional de regulador, fiscalizador e controlador dos serviços de saúde, independentemente da titularidade de quem os execute. Isso parece essencial para que os hospitais se integrem, efetivamente, nas redes de atenção à saúde, para que os trabalhadores tenham respaldo para se organizarem e reivindicarem melhores condições de trabalho e, assim, a população possa ter uma assistência de qualidade de acordo com o modelo que o SUS propõe.

Por fim, reconhece-se os limites do trabalho que não contemplaram os gestores dos hospitais como sujeitos da pesquisa, bem como questões relacionadas com os processos decisórios internos e mecanismos de participação dos trabalhadores na condução do processo de trabalho nas instituições pesquisadas.

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  • Suporte financeiro: Financiado pela Fundação Araucária - edital PPSUS

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2015

Histórico

  • Recebido
    Maio 2015
  • Aceito
    Out 2015
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