Resumos
O artigo trata das formas de fazer a regionalização da saúde, objetivando analisar as dimensões da institucionalidade e governança na sua gestão. Fez-se pesquisa qualitativa retrospectiva em base documental (1995-2009). A política estadual de saúde foi indutora da regionalização. A institucionalidade constituiu-se nas instâncias consolidadas: Comissão Intergestores Bipartite Regional, transformada em Colegiado de Gestão Regional; representação da secretaria estadual; central de regulação; consórcio intermunicipal; e hospital regional. Refém de interesses diversos, a governança da regionalização revelou-se incipiente e o planejamento restrito à aplicação normativa de instrumentos legais do SUS.
Sistema Único de Saúde; Regionalização; Gestão em saúde
This article deals with the ways of doing the regionalization of the health. Objective: to analyze the dimensions of the institution conformation and governance in the regional health management. It is a qualitative study based on retrospective documentary research (from 1995 to 2009). The state health policy was an inductor of the regionalization process. The institutional conformation built in consolidated regional bodies: the Bipartite Intermanagerial Board Regional, transformed into Regional Management Collegiate, the decentralized instance of Department of Health; the regulation center; the inter-municipal consortium of health and the regional hospital. Hostage diverse interests, the regional governance appears to be incipient and the regional health planning is restricted to the application of normative instruments set up by the SUS.
Unified Health System; Regional health planning; Health management
Introdução
O Ministério da Saúde tem induzido a regionalização no Sistema Único de Saúde (SUS) via atos normativos: primeiramente as Normas Operacionais de Assistência à Saúde (Noas) (BRASIL, 2002BRASIL. Decreto nº 7.508, de 28 de junho de 2011. Regulamenta a Lei no8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a organização do Sistema Único de Saúde - SUS, o planejamento da saúde, a assistência à saúde e a articulação interfederativa, e dá outras providências. Brasília, DF:Ministério da Saúde, 2011. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/decreto/D7508.htm>. Acesso em: 25 nov. 2015.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at... ), seguidas do Pacto pela Saúde (BRASIL, 2006), a Portaria de Redes (BRASIL, 2010) e o Decreto 7.508 (BRASIL, 2011). Coerentemente com os princípios organizativos de descentralização, regionalização e participação dos cidadãos no SUS, sua normativa é resultado de negociação política entre os dirigentes de saúde das três esferas governamentais, representados nas Comissões Intergestores Tripartite (CIT) e Bipartite (CIB), e os atores sociais do Conselho Nacional de Saúde.
Apesar do respaldo legal, as ações para implementar a regionalização têm sido marcadas por desafios e dificuldades. Em toda a década de 1990, fortaleceu-se o movimento de municipalização da saúde, o que contribuiu para a expansão da atenção primária à saúde e para ampliar a universalidade do acesso aos serviços de saúde. Todavia, a grande quantidade de pequenos municípios no País, com poucos serviços de saúde de média complexidade e quase nenhum de alta complexidade, mostrou a necessidade de a descentralização ser acompanhada por estratégias de coordenação e cooperação intergovernamental, para enfrentar as desigualdades regionais e a fragmentação dos serviços nos municípios (BRASIL, 2006; VIANA et al., 2008MÜLLER NETO, J. S. CALHAO, A.C. Planejamento e a regionalização da saúde. In: MÜLLER NETO, J. S. (Org.). A regionalização da saúde em Mato Grosso: em busca da integralidade da atenção. Cuiabá: SES, 2002, p. 113-119.). A regionalização tem sido uma dessas estratégias, ao qualificar o processo de descentralização dos serviços no SUS.
A Noas/2002 formalizou o reconhecimento da necessidade de regionalização da saúde para implementação do SUS (BRASIL, 2002), trazendo conceitos gerenciais, definindo micro e macrorregiões e instituindo instrumentos ainda vigentes de planejamento e organização do SUS na região: o Plano Diretor de Regionalização (PDR), para o planejamento sistêmico na região de saúde; o Plano Diretor de Investimentos (PDI), que dimensiona os recursos financeiros necessários para atingir os objetivos da organização regional expressa no PDR e explicita a participação das esferas de governo no processo; como também reiterou as Programações Pactuadas e Integradas (PPI), enquanto instrumentos de execução, controle e monitoramento das ações e serviços, contemplando as metas físico-financeiras e os acordos estabelecidos entre os municípios e destes com a Secretaria de Estado de Saúde (SES).
O Pacto pela Saúde manteve os instrumentos de planejamento instituídos anteriormente, mas inovou ao considerar a regionalização como uma diretriz central e eixo estruturante do SUS (BRASIL, 2006). Assim, ampliou-se a visão da regionalização, abrangendo, além da assistência, a organização de sistemas regionais de saúde. Após a instituição do Pacto pela Saúde, a estratégia da regionalização apareceu reiteradamente nas normas do SUS e iniciou-se processo de retomada dos seus instrumentos gerenciais, da conformação das regiões de saúde e das pactuações intergovernamentais. Regionalizar implica relações intergestores mais cooperativas para responder às demandas dos cidadãos por serviços de saúde (VIANA et al., 2008).
Na perspectiva do Pacto de Gestão (BRASIL, 2006), a constituição de 'redes de atenção regionalizada à saúde' faz-se mediante 'pactuação entre os gestores envolvidos' para definição das responsabilidades compartilhadas ou não, como ocorre na atenção básica e nas ações de vigilância em saúde a cargo dos municípios. As ações complementares à assistência de saúde e os meios para a sua realização formam o conjunto de responsabilidades compartilhadas com estados e União.
O desenho da região é definido e sua clientela é demarcada territorialmente, ensejando responder a necessidades que não se restringem à capacidade de resposta no âmbito municipal. Dadas as diversidades locais, regiões de saúde assumem diferentes desenhos e não seguem outras divisões regionais utilizadas por diversos órgãos e setores. De acordo com o Decreto 7.508/2011, uma região de saúde deve possuir pelos menos ações e serviços de: "atenção primária; urgência e emergência; atenção psicossocial; atenção ambulatorial especializada e hospitalar e vigilância em saúde" (BRASIL, 2011). A região de saúde tem por finalidade de ordem mais gerencial "integrar a organização, o planejamento e a execução de ações e serviços de saúde" (BRASIL, 2011). O Decreto 7.508 não se prendeu aos instrumentos formais de planejamento regional, ao mesmo tempo em que instituiu o Mapa da Saúde, que identifica necessidades, serviços e ações (BRASIL, 2011).
A regionalização da saúde tem por pressuposto que as ações levem em conta problemas, riscos e necessidades da população, e busquem maior utilização dos recursos existentes, assim como o equilíbrio na sua distribuição entre os níveis de atenção, sem privilegiar os de maior densidade tecnológica. A estratégia de redes visa compatibilizar a ação local e municipal de acordo com as especificidades e necessidades sociais na região (CONASEMS, 2009). Há também um pressuposto de maior qualidade das ações regionalizadas de saúde, em razão de mais adequada estruturação dos serviços.
Frente aos desafios da política de regionalização da saúde, cabe aos municípios incorporar formas inovadoras de gestão e organização de redes de serviços mediante construção coletiva institucional. Tal processo demanda debates e estratégias cotidianas, o que necessita ser compreendido nas especificidades regionais (MACHADO et al., 2009KEHRIG, R. T. et al.Aproximações à institucionalidade, governança e gestão na regionalização de saúde. In: SCATENA, J. H.; KEHRIG,R.T.;SPINELLI, M.A. Regiões de Saúde: diversidade e processo de regionalização em Mato Grosso. São Paulo: Hucitec,2014, p. 47-83.).
A gestão colegiada e integrada do sistema de saúde na região ancora-se tanto na institucionalidade quanto na governança e práticas gestoras implicadas (KEHRIG et al., 2014GONZAGA, A.A. O papel dos Escritórios Regionais de Saúde no processo de descentralização e regionalização do SUS em Mato Grosso. In: MÜLLER NETO, J. S.(Org.). A regionalização da saúde em Mato Grosso: em busca da integralidade da atenção. Cuiabá:SES, 2002, p. 67-87.). Entende-se por institucionalidade da regionalização o que é apreensível nas instâncias regionais como sendo legalidade, desenho da região, robustez e conteúdo das instâncias regionalizadas, assim como estratégias de regulação, de forma a melhorar a efetividade da regionalização (VIANA; LIMA, 2011). A governança é explicitada na viabilização do projeto político regional de saúde mediante inter-relação das instâncias e atores envolvidos. Os processos de gestão regionalizada em saúde compreendem os atos de planejar e implementar as intervenções em saúde e as estratégias gerenciais e ações implicadas. A institucionalidade e a governança da regionalização da saúde implicam considerar novos arranjos de gestão para o sistema de saúde se constituir como resolutivo (KEHRIG et al., 2014).
Este estudo visa apreender um processo de regionalização da saúde sob o recorte das suas dimensões de institucionalidade e governança. À luz dos pressupostos conceituais e normativos vigentes, afirma-se a potencialidade dessas dimensões na consolidação de uma região de saúde. A questão respondida é: como ocorreu o processo gestor de implantação e efetivação da regionalização da saúde na região de saúde Sul Mato-Grossense?
Objetiva-se analisar um processo gestor de implementação da regionalização da saúde com enfoque na sua institucionalidade, a partir da caracterização das instâncias regionais envolvidas, e na governança, mediante a inter-relação de atores e instâncias, ambas mediadas pela gestão colegiada regional de saúde.
Assim, o artigo aborda o processo de gestão regional da saúde em uma região específica do estado de Mato Grosso segundo o documentado na respectiva instância colegiada, a Comissão Intergestores Bipartite (CIB) Regional nos seus onze anos de existência (1995-2006) e em seu sucessor, o Colegiado de Gestão Regional (CGR), em três anos (2007-2009), e que, após 2011, foi renomeado como Comissão Intergestores Regional (CIR).
Método
Trata-se de pesquisa qualitativa, que cobre os anos 1995 a 2009, período em que o processo de regionalização existente na região de estudo encontrava-se registrado em base documental pertinente. A região Sul Mato-Grossense é composta por 19 municípios, a maior do estado em número de municípios.
Como técnica de coleta dos dados, utilizou-se exclusivamente o levantamento documental nas instâncias de saúde, sobretudo as atas1 1As atas constituíram a base empírica documental dessa pesquisa. Suas fontes são: 1) Comissão Intergestores Bipartite (CIB) Regional Sul Mato-Grossense de Saúde, Atas nº 001 a 111, de reuniões realizadas no período de outubro de 1995 a dezembro de 2006; 2) Colegiado de Gestão Regional (CGR) Sul Mato-Grossense de Saúde, Atas nº 112 a 145, de reuniões realizadas no período de fevereiro de 2007 a dezembro de 2009. das reuniões da CIB Regional ou CGR, e, de forma complementar, regulamentos, regimentos internos, instrumentos de planejamento e de gestão. Na apresentação dos resultados constam em itálico as partes que correspondem à transcrição literal dos registros em atas, seguidas na indicação numérica da respectiva ata.
Cada ata contém, como prática instituída, uma numeração sequencial, acompanhada da data de reunião realizada. Optou-se por informar apenas o número das atas citadas nos resultados do estudo, pois sua data está contemplada no contexto da descrição dos dados. A partir da leitura das 145 atas recuperadas no período de estudo, foram selecionados os trechos aqui apresentados, por conter algum elemento pertinente às categorias de estudo.
Foi possível depreender a periodicidade mensal das reuniões do colegiado gestor pelas atas respectivas. No que diz respeito ao tempo, este estudo reporta-se muito mais ao período da CIB Regional do que ao do CGR. As 111 atas da CIB Regional levantadas em um período de onze anos e três meses (de out. 1995 a dez. 2006) registram uma periodicidade média de dez reuniões por ano. Nos meses de dezembro e janeiro de cada ano era muito rara a ocorrência de alguma reunião da CIB Regional.
A regularidade das reuniões mensais manteve-se no período de transição, nas regiões, para a instituição do Pacto pela Saúde na gestão do SUS - o ano de 2007 e a primeira metade de 2008. Como a CIB Regional era atuante na região de estudo, embora já existissem diversos CGR operando em outros lugares, nos 18 meses aqui considerados como período CGR, a regularidade e lógica de funcionamento foi de continuidade da CIB Regional, havendo onze reuniões em 2007 (Atas 112 a 122) e seis no primeiro semestre de 2008 (Atas 123 a 128). Uma vez instituído oficialmente o CGR, a regularidade foi a mesma: seis reuniões na segunda metade de 2008 (Atas 129 a 134) e onze reuniões no ano de 2009 (Atas 135 a 145).
Os registros documentais das reuniões são abrangentes, com descrições cuidadosas e detalhadas das falas espontâneas dos participantes do colegiado gestor, revelando inegável qualidade e detalhamento das informações contidas nas atas.
No processamento dos dados registrados, eles foram inicialmente organizados em ordem cronológica e depois categorizados de acordo com a análise temática de seu conteúdo (BARDIN, 2011BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa, Portugal: Edições 70, 2011.). A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa mediante protocolo nº 681/CEP-HUJM/09 (Of. nº 079/CEP-HUJM/2011).
A pesquisa documental foi orientada por uma matriz de coleta, processamento e análise de dados, construída segundo pressupostos conceituais e normativos da regionalização no SUS (VIANA; LIMA, 2011; KEHRIG et al., 2014). A partir das dimensões da institucionalidade e governança na gestão da regionalização, foram elaboradas as categorias de análise capazes de demonstrar a situação que visava ao alcance dos objetivos propostos.
Como aproximações à institucionalidade da regionalização da saúde (Dimensão 1), duas grandes categorias foram consideradas: 1) A constituição, papel e modos de funcionamento das instâncias regionais: polo e escritório regional de saúde; CIB Regional e CGR; consórcio intermunicipal de saúde; central de regulação e hospital regional; e 2) As estratégias de estruturação dos serviços de âmbito regional. Os aspectos de governança da regionalização da saúde (Dimensão 2) compreenderam as seguintes categorias: padrões de relacionamento interinstâncias;; relações políticas e processos de negociação; mix público privado; programação e alocação dos recursos financeiros na região; e estratégias e práticas regionais organizativas de saúde.
Resultados e discussão
O conjunto do material analisado revela inicialmente que houve uma forte indução da regionalização derivada da política estadual de saúde, destacadamente nos oito primeiros anos de existência da CIB Regional. A prioridade da regionalização da saúde, mantida em duas gestões consecutivas do governo estadual em Mato Grosso - de 1995 a 2002, implicou a implementação precursora de estratégias e ações em caráter regional, relacionadas à reorganização da atenção, fortalecimento das instâncias regionais, maior relação intergovernamental e incentivos financeiros da SES aos municípios.
Estudos anteriores destacam algumas estratégias de fortalecimento das regiões adotadas pela SES naquele período, o que deixou resultados positivos nas regiões: apoio à construção de novos modelos assistenciais; maior oferta em consultas especializadas de referência via consórcios intermunicipais; definição de um sistema de referência; reforço do papel dos Polos Regionais de Saúde no apoio e cooperação técnica aos municípios, adoção de mecanismos de gestão colegiada, a credibilidade do espaço regional como suporte ao planejamento e avaliação das ações; e a disseminação de informações junto aos conselhos de saúde (BORTOLOTTO; MARTINS, 2000BORTOLOTTO, I. M.; MARTINS, A. S.(Org.). Avaliação da política de saúde de Mato Grosso 1995-1998. 3. ed. Cuiabá:SES, 2000. ; MARTINELLI, 2002MACHADO, R. R. et al.Entendendo o Pacto pela Saúde na gestão do SUS e refletindo sua implementação. Rev Eletrônica Enfermagem, Goiânia, v. 11, n. 1, p. 181-187, 2009.).
Na constituição dos territórios regionalizados, foi importante: organizar os consórcios intermunicipais de saúde; criar as CIB Regionais e câmaras de compensação para Autorização de Internação Hospitalar (AIH) em todas as regiões; instituir câmaras de auditoria e sistema de controle e avaliação. O pioneirismo mato-grossense na institucionalidade da regionalização seguiu a trajetória da então política estadual de saúde.
Aproximações à institucionalidade da regionalização
Nessa dimensão, foram identificados alguns antecedentes e caracterizados os papéis e as diferentes instâncias do SUS naquele processo de regionalização: Polo ou Escritório Regional de Saúde, CIB Regional e CGR, consórcio intermunicipal de saúde, hospital regional e central de regulação.
O desenho da região de saúde Sul Mato-Grossense obedeceu às divisões administrativas adotadas desde a década de 1980. Fluxos existentes, malha viária, reservas indígenas e áreas de preservação ambiental também contribuíram para a sua conformação.
Denominados Polos Regionais de Saúde até meados de 2001, os Escritórios Regionais representam a SES nas regiões. Estruturados em número de 16, localizam-se nos municípios-sede das Regiões de Saúde (Resolução CIB/MT nº 065 de 03 de abril de 2012). O Escritório da região sul do estado foi pioneiro no processo de programação de atividades de caráter regional e se instituiu como espaço de apoio aos municípios, sobretudo na atualização frente às normativas de implementação do SUS. Sua atuação inicia-se no apoio institucional aos municípios para o fortalecimento da gestão das secretarias municipais de saúde.
Técnicos do Polo, em reunião da CIB Regional de 1997, esclareciam aos secretários municipais os 'critérios para habilitação às formas de gestão previstas na Norma Operacional Básica' - de 1996 (Ata 20). A partir de 1998, todos os municípios da região foram habilitados à gestão plena da atenção básica.
Mediante apoio institucional da SES, os Polos Regionais receberam e deram apoio técnico e tiveram seu papel fortalecido: realizavam capacitação, ações de vigilância sanitária e ambiental e pactuações com os municípios; prestavam assessoria na elaboração dos instrumentos de gestão, como, por exemplo, o plano municipal de saúde e o relatório de gestão; faziam supervisão de contas hospitalares; desenvolviam programas estratégicos e seleção de servidores (MÜLLER NETO; CALHAO, 2002; GONZAGA, 2002CONSELHO DE SECRETÁRIOS MUNICIPAIS DE SAÚDE DE MATO GROSSO (COSEMS/MT).Relatório final da oficina sobre o Pacto pela Saúde da região Sul Mato-Grossense. Cuiabá: Cosems/MT, 2009. Disponível em: <https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&ved=0ahUKEwjnktaejK7JAhUHqJAKHVBTD78QFggcMAA&url=http%3A%2F%2Fbvsms.saude.gov.br%2Fbvs%2Fpublicacoes%2Freflexoes_novos_gestores_municipais.pdf&usg=AFQjCNE0ak6ZzAtVeYLrSSRdmnBPbuMcng&sig2=ubj3pZA5yMNCkUswCqxC7Q>. Acesso em: 26 out. 2015.
https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j... ).
Na sua origem, aquele Polo Regional de Saúde elaborou, ao final de 1987, uma proposta de modelo assistencial em perspectiva regionalizada que pretendia: "realizar ações sanitárias de modo racional, com base em prioridades estabelecidas, e atingir de forma democrática as pessoas onde elas vivem" (MATO GROSSO, 1987, p. 5). Importante especificidade constatada é a de que, enquanto no Brasil se iniciava a discussão da implantação de Distritos Sanitários (MENDES, 1993______. Secretaria de Estado de Saúde. Resolução CIB nº 02/1998, de 17 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre a aprovação dos pleitos de habilitação dos municípios do estado de Mato Grosso. Cuiabá, 1998. Disponível em: <http://www.saude.mt.gov.br/legislacao?origem=19&p=&num=02&mes=&ano=1998>. Acesso em: 30 fev. 2015.
http://www.saude.mt.gov.br/legislacao?or... ), na região em estudo, na década anterior, já se havia feito um projeto para implantar tal modelo em sua área de abrangência (MATO GROSSO, 1987).
A CIB Regional foi instituída em reunião da CIB estadual, realizada na própria região, ao final de 1995, com a presença de representante do Conselho de Secretários Municipais de Saúde (Cosems) e técnicos do Polo Regional (Ata 01). Composta pelos gestores das secretarias municipais de saúde e representantes da SES na região, foi criada inicialmente para discutir e pactuar referências de AIH, lógica que se manteve por muito tempo. Era dada certa relevância aos fluxos já existentes, mediante arranjos dos municípios para encaminhamento de seus usuários aos níveis complementares de assistência ambulatorial e hospitalar.
Nas primeiras reuniões da CIB Regional, houve negociações para resolver problemas de distribuição de AIH como forma de pagamento dos prestadores, sendo decidido então que as AIHs somente 'seriam retiradas na SES pelo coordenador da CIB Regional'. Isso se justificava em constatações da natureza político-partidária das práticas vigentes (Ata 02): 'o médico teve que trazer um vereador para ter acesso nas AIH. Com as AIH, saúde virou comercialização e negociação, o que se deve ao per capita defasado, baixo teto orçamentário e falta de critério e controle para a glosa por parte do Ministério da Saúde. Os erros das AIH também podem ser dos faturistas [...], [que além de seu] salário, ganham 3% do valor das AIH, e então acrescentam mais coisa para obter mais retorno'.
Tais problemas, tanto de ingerência política como de postura profissional, afetam a institucionalidade da CIB Regional no seu primeiro papel assumido naquela região.
Dados os problemas dos gestores na distribuição de AIH, e frente à disputa entre a centralização na capital ou distribuição pelo Polo Regional, foi criada uma câmara de compensação de AIH para coordenar essa distribuição. Como pauta privilegiada nos primeiros anos de atuação da CIB Regional, esse mecanismo foi precursor das práticas de regulação da assistência no estado.
No início de funcionamento da câmara de compensação de AIH, detectou-se o encaminhamento de usuários para municípios do estado vizinho, bem como o atendimento, nessa região, de usuários daquele estado, suscitando a necessidade de regulação interestadual. O sistema de referência era mencionado desde 1998 'diante da necessidade de organizar os serviços existentes, o município polo elaborou um projeto de sistema de referência e contrarreferência para organizar os fluxos' (Ata 37). Todavia não houve registros de sua implementação.
Em 1997, a direção do Polo esclarecia que nas reuniões da CIB Regional 'não se poderia discutir somente distribuição das AIH, mas, também, outros aspectos relevantes sobre a política de saúde da região' (Ata 16). Após três anos havendo câmara da compensação, técnicos da SES questionavam sua efetividade, pois, enquanto 'em outras regionais sobravam AIH, ali sempre faltava. Apesar da ampla 'habilitação dos municípios, não acontecia uma reversão do modelo assistencial', ou a esperada ruptura com o 'excesso de internação' (Ata 02).
No ano 2000, as ações voltavam-se para implantar outro arranjo da central regional de regulação, com a discussão de instrumentos legais e a definição e pactuação dos fluxos. A SES priorizou a implementação das centrais regionais de regulação em cogestão, articulando com os gestores municipais as estratégias para a sua organização. Um gestor municipal reafirma (em 2003) a 'possibilidade de colocar para funcionar juntas, as centrais de regulação do estado e do município sede, para melhor atender aos municípios na região' (Ata 69). Dois anos após, aquela região foi precursora da gestão 'compartilhada entre SES e SMS' (Ata 72), mantendo-se a cogestão por três anos, mas que se desfez por motivos políticos. A central regional foi então transformada em macrorregional (2008), sob gestão estadual, e com a finalidade de coordenar a regulação dos serviços e procedimentos de alta complexidade. Tratava-se de um novo arranjo organizacional.
A central regional de regulação trouxe avanços na gestão, ao ordenar e melhorar os fluxos de serviços, gerando informações para subsidiar decisões. Os processos regulatórios seriam realizados com base na PPI. Para esse pressuposto do discurso oficial da coordenação da CIB Regional, não se encontrou registro de que tal prática ocorresse. Aspectos organizacionais da regulação eram orientados pelo Escritório Regional, reiterando que, além de 'desenvolver ações de regulação, controle e avaliação, os responsáveis pela regulação municipal precisavam conhecer os protocolos de regulação, as pactuações e a importância de manter atualizado o cadastro dos estabelecimentos e fazer a contratualização dos prestadores' (Ata 125). Porém, na operacionalização do sistema de referência da região, sequer os formulários de encaminhamentos de pacientes aos serviços de referência continham dados suficientes, conforme relatado na CIB Regional.
A criação do consórcio intermunicipal de saúde em 2002 veio responder a necessidades presentes na região desde a década de 1990. Nas atividades de assessoria aos Polos Regionais, o Cosems foi importante nas discussões sobre a implantação do consórcio para 'resolver o problema das especialidades médicas' (Ata 03) e 'atender à alta complexidade' no hospital filantrópico do município-polo, onde seria 'mais fácil negociar' (Ata 05). Em 1997, foi formada uma 'comissão de gestores' (Ata 17) para organizar um primeiro consórcio, envolvendo alguns municípios da região com a Santa Casa (hospital filantrópico).
Frente aos questionamentos sobre o fato de os recursos do consórcio não serem aplicados em um hospital regional, em 2001, foi constituída 'comissão composta por prefeitos e representante do Escritório Regional', assumindo uma posição: 'os municípios só aceitariam a formação do consórcio sem a Santa Casa e com a construção do hospital regional' (Ata 58). A direção do Escritório Regional se preocupava com os aspectos legais de extinção do consórcio anterior e solicitou aos gestores 'documento declarando que aquele consórcio não tinha funcionado e não possuía patrimônio, apesar dos recursos transferidos' (Ata 59). Em reunião com todos os prefeitos da região, o Escritório Regional esclareceu os benefícios para os municípios que justificavam a formação do novo consórcio e o gestor da SES apresentou 'um histórico do consórcio anterior e do que já se fazia nos municípios'. Ficou definido que 'a ideia básica do novo consórcio seria garantir os atendimentos especializados' (Atas s/n de abril/2002).
Havia um incentivo financeiro estadual - o Programa de Apoio aos Consórcios Intermunicipais de Saúde - e o gestor da SES afirmava que, ao funcionar, o consórcio iria 'incorporar novos serviços e novas especialidades'. Esclarecia quais atendimentos cabiam à 'rede básica' por 'município' e ao 'hospital Santa Casa', 'preservando a entrada no hospital regional' para os 'atendimentos de referência'. Um gestor municipal alegava a necessidade de 'mais dinheiro no consórcio para garantir as internações, pagando adicional para os médicos, sempre exigindo' desembolso 'dos pacientes' em 'internação e cirurgias'. O gestor estadual trazia 'a ideia de consórcio para associar os grandes compradores de serviços' (no âmbito do poder público) e 'regular o preço de compra, desestruturando a lógica dos prestadores privados' (Ata 64). Assim emergia um esforço de controle do mix público privado na saúde.
Também se ressaltava a importância de os municípios organizarem seus serviços, para dar conta dos cuidados primários à saúde da população, senão 'o consórcio não aguentaria' (Ata 64). Ao atuar na complementaridade do sistema, o consórcio veio suprir a necessidade de especialidades médicas. Seu principal papel seria auxiliar o hospital regional para garantir a referência. Gestores municipais viam o consórcio como 'importante instrumento para o município dispor dos serviços não existentes' na sua rede (Ata 135).
O hospital regional teve sua proposta inicial de construção no projeto de implantação dos Distritos Sanitários naquela região (MATO GROSSO, 1987). E, após dez anos, encontraram-se relatos de apenas dois terços da obra concluída. Em 1999, a direção do Polo Regional noticiou a licitação para aquisição dos equipamentos. No ano seguinte, solicitava 'auxílio na luta pela conclusão do hospital regional', utilizando o argumento de 'viabilizar o consórcio' (Ata 36). Finalmente, em 2001, após concurso público e treinamento dos servidores, foi nomeada uma equipe para iniciar os trabalhos do hospital, inaugurado em 2002, após quinze anos.
O gestor da SES reafirmava o modelo de gestão e o papel do hospital regional no território: 'a ideia era tocar o hospital com a parceria entre estado, municípios e consórcio'. A equipe do Escritório Regional demonstrou satisfação com a implantação do hospital regional e ampliação do número de leitos, como hospital de 'referência em urgência e emergência, traumato-ortopedia, serviço de apoio e diagnóstico, tudo organizado e pactuado. Técnicos da SES acrescentavam: desta forma saímos das mãos dos médicos e somos patrões' (Ata 64).
A SES utilizou-se dos critérios da Noas para a conformação de módulos assistenciais por região de saúde - conforme o PDR de 2001 -, configuração mantida no PDR atualizado em 2005 e ainda vigente passada uma década. Por esse documento, além do município polo da região, havia cinco municípios-sede de módulo assistencial, e ainda outros três municípios módulos, atendendo exclusivamente à própria população. Os demais têm como referência os respectivos municípios sede de módulo.
Após dez anos da sua instituição, em 2005, a CIB Regional teve seu regimento aprovado e organizou calendário de reuniões. A representação nessa instância era garantida aos técnicos do Escritório Regional, indicados 'em número igual ao quantitativo dos gestores municipais de saúde' (Ata 100), por definição regimental (no caso, 19 gestores e 19 técnicos da SES). No entanto, não se detectaram mecanismos de conferência de tal pretensa paridade. Sua importância era reconhecida desde a implantação da CIB Regional, inclusive com cobranças à CIB estadual e reivindicação de 'maior protagonismo na região' (Ata 114). Em 2007, o vice-presidente regional do Cosems reclamou da 'falta de resposta às proposituras enviadas para a CIB' (Ata 114), fato reforçado pela direção e equipe do Escritório Regional. Gestores municipais afirmavam que a CIB Regional pouco propunha à CIB/MT e reiteravam que essa instância decisória deveria 'discutir e propor políticas de saúde e não se ater a discussão de ofícios' (Ata 114).
A importância de maior institucionalidade da CIB Regional se explicitou com a sua transformação em Colegiado de Gestão Regional - o CGR -, de acordo com o Pacto pela Saúde (BRASIL, 2006). A CIB/MT foi convincente sobre a necessidade de mudar a denominação de CIB Regional para CGR, sob o argumento de 'maior institucionalidade' (Ata 129). Na condição de CGR, teria 'poderes para homologar resoluções'. Seu regimento foi alterado e criada uma câmara técnica. Não houve dificuldades na implantação do CGR. O regimento foi aprovado em Resolução CIB (nº 08/2008). Outra Resolução CIB (nº 11/2009) reduziu 'de cinco para uma as câmaras temáticas' (Ata 141) naquele CGR. Todavia, não se identificou registro de nenhuma câmara técnica lá atuando.
Aspectos de governança da regionalização
A institucionalidade construída nas instâncias regionais de serviços de saúde demandava que a governança dessa regionalização implicasse na interação entre atores e instâncias no âmbito da gestão regional da saúde.
Reconhecida como finalidade da regionalização, a ampliação do acesso a ações e serviços de saúde, mediante definição dos fluxos e pactuações, houve, em 1998, a elaboração da primeira PPI na região. O planejamento regional e a alocação dos recursos financeiros giravam em torno desse instrumento, respeitando os critérios para uso dos recursos repassados pelo governo federal. Na pactuação das ações regionalizadas, tanto a PPI como os indicadores da atenção primária eram 'consensuados com municípios no Escritório Regional' (Ata 59) e depois apresentados no CGR para aprovação. Elementos identificados demonstraram limitações desse mecanismo para elaboração de programação conjunta. Na elaboração da PPI da assistência, cada município trazia as informações necessárias para a pactuação e participava de reunião pré PPI com técnicos do Escritório Regional. 'O processo de pactuação nos municípios de gestão plena levava mais de cinco meses para concluir' (Ata 94). Em 'repactuação da PPI da Assistência', com a presença de 'médicos autorizadores', central de regulação, hospital regional e técnicos da SES, foram elaboradas as 'revisões da programação' (Ata 98).
Reiteradamente, os gestores expressavam dificuldades pela pouca alocação de recursos para sua população e reivindicavam aumento do teto financeiro. Somente no ano de 2001 identificou-se a alocação de recursos destinados à 'compensação de desigualdades' intrarregionais, relacionada a projetos de reforço para o SUS (Reforsus) e de vigilância em saúde (Vigisus). Embora as estratégias de incentivo à regionalização adotadas pela SES fossem valorizadas, elas ocorriam à margem das instâncias regionais: mesmo um 'estado pioneiro na concessão de incentivo fundo a fundo' à atenção primária de saúde e à 'microrregionalização' (Ata 141), a definição e os critérios de sua alocação não eram discutidos na região.
Identificaram-se estratégias de negociação entre as instâncias, estabelecidas principalmente no âmbito da CIB Regional. Ainda no período de vigência da Noas, existiu um 'conselho de gestão regional' (Ata 63), articulado pelo Escritório Regional com o gestor do município sede, hospital regional e algumas instâncias da região, que se reunia 'semanalmente para tratar de assuntos dos serviços de saúde' (Ata 64). Dada a situação informada pelo representante do consórcio - os procedimentos que o hospital regional tinha pactuado com os municípios e a SES não estavam sendo realizados -, a CIB Regional deveria fazer uma resolução e encaminhar à SES para que fossem contratados serviços de terceiros. Essa situação demonstra o papel da CIB Regional na viabilização de estratégias para resolver o problema.
Dada a ocupação total de seus leitos, o hospital regional passou por reestruturação em 2004, quando contratou novos profissionais de urgência e emergência. Frente às dificuldades vivenciadas, o consórcio e a secretaria de saúde do município sede ajudavam na compra de medicamentos e material médico hospitalar. Havia sobrecarga de responsabilidades no hospital regional, por 'atender situações que deveriam ser resolvidas no município de origem' (Ata 109). Os gestores municipais reclamavam 'que os atendimentos de exames e cirurgias eletivas pactuados com o município sede não eram realizados, comprometendo, assim, suas metas' (Ata 109).
Diversas vezes o hospital regional deixou de realizar procedimentos pactuados com os municípios, como ocorreu com cirurgias eletivas, chegando a uma 'situação crítica', com 'serviços paralisados, mesmo' em casos em que a 'situação do paciente não poderia esperar' (Ata 102). Os gestores pediram interferência da SES e do consórcio junto ao hospital devido à 'falta de material médico hospitalar e medicamentos, recursos humanos e estrutura física' (Ata 109). Em reunião com presença do governador do estado e representantes da SES, da secretaria de saúde do município sede, do consórcio e da Santa Casa, fez-se proposta de reestruturação do hospital, para não mais atender ações de baixa complexidade, mas 'somente pacientes regulados' (Ata 110). Após três anos, em 2007, a não realização de cirurgias eletivas era ainda justificada por falta de 'insumos', equipamentos, como ar condicionado em metade das salas de cirurgia, e 'dificuldades com os pregões' (Ata 113). O hospital regional informou que: 'assim... as cirurgias ocorriam (apenas) dentro do possível' (Ata 115). A situação arrastou-se de tal forma que dois anos depois ainda persistiam os problemas de contratação de médicos em certas especialidades, estrutura física inadequada e equipamentos quebrados.
O mix público-privado sempre permeou, com maior ou menor intensidade, as relações entre instâncias e atores envolvidos na regionalização da saúde, como, por exemplo, no caso de o diretor do Polo comunicar a 'impossibilidade de seu médico auditor continuar exercendo o cargo, por estar ao mesmo tempo como diretor clínico' do prestador filantrópico (Ata 142). Já no início do funcionamento da câmara de compensação, houve situações como a do gestor municipal questionar o prestador filantrópico, porque as 'gestantes que faziam cesarianas permaneciam apenas dois dias no hospital', sendo que essa cirurgia requeria cinco dias de internação. O prestador alegava como 'motivo o pagamento baixo da cirurgia e poucos leitos cadastrados' (Ata 78). Um gestor referiu que, por conta do baixo orçamento da saúde, os hospitais 'não querem prestar alguns serviços e pessoas ficam girando sem assistência' (Ata 02). Outro gestor destacou a 'transferência de recursos da SES para um hospital filantrópico' (Atas 14 e 21), o que ilustra o financiamento público da filantropia. Em municípios onde predomina o caráter privado dos estabelecimentos prestadores de serviços, havia dificuldade na alocação de recursos e pactuação da assistência à saúde, sendo 'necessário pagar diferenças da tabela SUS para os hospitais' (Ata 78).
A influência política no processo de regulação dos usuários da região explicitou-se quando o vice-presidente regional do Cosems comunicou a decisão do gestor da SES de 'avisar aos gestores municipais para não liberar ambulâncias para transportar usuários para tratamento na capital a pedido de políticos' (Ata 107), bem como a necessidade de observação das normas de regulação. Um gestor municipal confirma que essa situação é rotineira e que os 'políticos conseguem vaga para o paciente, e os secretários, não' (Ata 107), ficando estes em dificuldades perante a comunidade, situação ratificada pelos demais gestores. Espaços políticos de negociação regional para a estruturação da rede assistencial emergiram quando determinado político reivindicava investimento para atender certa necessidade, como a construção do novo 'Pronto Socorro' ou realização de 'audiência pública' (Ata 61), para discutir fatores ligados ao hospital regional.
As diretrizes do Pacto pela Saúde (BRASIL, 2006) traziam o pressuposto de governança e gestão regional. O Pacto foi apresentado na região pela secretaria executiva da CIB/MT em 2005, antes da publicação dessa normativa. Ao final de 2006, a CIB Regional discutiu as orientações e os fluxos para preenchimento do Termo de Compromisso de Gestão Municipal. Os municípios foram alertados para 'não se comprometer em pactuar compromissos que não pudessem honrar', mas eram induzidos à adesão, pois, se 'não assinassem o Termo, teriam dificuldades de conseguir novos recursos' do SUS (Ata 111). Na mesma oportunidade, o vice-presidente regional do Cosems ressaltava como 'prazo de adesão ao Pacto - até 2007, o que impunha a necessidade de os municípios organizarem a central de regulação e a importância da alimentação do Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde (Siops), para evitar problemas nos créditos'.
Destaca-se aqui o papel de assessoria do Escritório Regional e do Cosems na atualização sobre as normativas do SUS e apoio à habilitação no sistema de saúde. Por iniciativa do Cosems, houve um seminário regional que discutiu a implantação do Pacto. A SES aderiu ao Pacto pela Saúde em 2007, ao passo que, nos municípios, o processo de adesão deu-se a partir de 2008, alcançando "92,2% em 2010" (COSEMS/MT, 2009). Na primeira reunião do CGR de 2009, dada a 'rotatividade de gestores em função das eleições municipais do ano anterior' (Ata 135), um técnico reapresentava a legislação e normativa do SUS até chegar ao Pacto.
Eleições municipais associadas à precarização dos vínculos de trabalho foram fatores políticos que repercutiram no padrão de relacionamento e na condução do processo de regionalização. Isto, tanto pela rotatividade dos gestores municipais, como pela interrupção de vínculos, levando à descontinuidade das ações de saúde e da organização dos serviços. Fato este reiterado pelo gestor estadual de saúde, que citou o problema de troca de prefeito como uma dificuldade enfrentada. A direção do Escritório Regional relatou que um prefeito recém-empossado 'demitiu todos os funcionários e, por isso, não havia nenhum representante na reunião' (Ata 114).
Quanto aos padrões de relacionamento entre as instâncias envolvidas na regionalização - relações políticas, processo de negociação e relação público-privado -, observou-se o papel preponderante da representação da SES na região, sobretudo na atualização dos gestores municipais sobre as normativas do SUS. Desde a sua instituição, em 1995, ao integrar a CIB Regional, esse papel do Escritório Regional foi incorporado também nessa instância colegiada. Além da atuação individual dos gestores municipais de saúde, destacou-se o importante papel articulador da rede do Cosems de apoio ao SUS no processo de regionalização da saúde nessa região.
Os problemas de gestão regional foram discutidos em oficina no início de 2008, em cujo relatório destacaram-se: dificuldades de pactuação com a SES, gestores municipais sem autonomia, pouco suporte técnico, ausência de procedimentos e serviços de referência pactuados, baixa responsabilização, atraso do repasse financeiro do estado aos municípios, ausência de protocolos de regulação, profissionais sem capacitação, falta de participação dos usuários e conselheiros de saúde no processo gestor e dificuldades na alocação de recursos financeiros (COSEMS/MT, 2009).
No contexto da instituição do Pacto pela Saúde, aprovou-se, em 2007, não só a PPI da Assistência, como a Pactuação de Ações Prioritárias da Vigilância em Saúde para os municípios da região. Houve dificuldades e reclamações recorrentes de gestores sobre as bases e os 'critérios utilizados para estabelecer a população dos municípios, principalmente porque sempre estava diminuindo' (Ata 115), o que refletia na respectiva PPI feita pelo Escritório Regional. Um gestor municipal afirma que a PPI feita pela SES 'deveria ser usada só como modelo' (Ata 33).
Segundo o responsável pelas ações de monitoramento dos indicadores no Escritório Regional, muitos municípios estavam abaixo das metas pactuadas. Orientou-se o 'acompanhamento e a socialização' dos indicadores visando ao compromisso com a meta, pois, em visita a algumas unidades, constatou-se que os 'servidores não sabiam dessas metas' (Ata 57 e 116).
Como suporte à gestão do trabalho e 'educação permanente', foi criada a Comissão Integrada de Ensino e Serviço (Cies) em 2009 (Atas 101 e 142). A qualificação profissional dependia da alocação de recursos federais. Destaca-se a contribuição do Cosems/MT (2009) para a descentralização da política de educação permanente em saúde, propiciando cursos de capacitação na região com vistas ao 'fortalecimento do processo de regionalização' do SUS (Ata 144); formação para conselheiros de saúde, gestores e técnicos de saúde da família e em planejamento.
Considerações finais
O pioneirismo do processo de regionalização da saúde em MT, com forte indução da SES no período de 1995 a 2002, propiciou melhor organização e maior provisão dos serviços de saúde, criando as bases para a estruturação do sistema de saúde na região. Destacou-se o papel da representação desconcentrada da SES como instância indutora da regionalização da saúde.
O histórico de reuniões intergestores facilitou inclusive a implementação do CGR na continuidade da CIB Regional. Tais colegiados têm se constituído em instância fundamental na construção de pactuações e relações intergestores, lócus privilegiado das discussões sobre a saúde na região.
A institucionalidade da regionalização opera nas próprias instâncias regionais de saúde. A região estudada sobressaiu-se no estado por ter implantado pioneiramente tais instâncias: CIB Regional, central de regulação, hospital regional e consórcio intermunicipal de saúde. A indefinição de papéis das instâncias, no entanto, suscitava a necessidade de melhor caracterizar e definir suas responsabilidades.
A consistente atuação da representação da SES na região lhe confere uma maior institucionalidade. Todavia, é na relação gestora entre os gestores municipais, propiciada pela comissão intergestores regional e destes com representações da gestão estadual e outras instâncias atuantes na região, que a institucionalidade e a governança regional têm seu lócus mais substantivo. O estudo identifica que, inclusive nessa instância colegiada (CGR, hoje CIR), o Escritório Regional operava 'sobre' e não 'com' os gestores municipais, como seria de esperar em uma real cogestão. Configurou-se nessa relação intergestora um limite onde se espera uma potencialidade, como pressuposto da efetividade da gestão regional.
As relações entre gestores e instâncias tinham um caráter relativamente democrático. Os padrões observados de relacionamento entre as instâncias envolvidas permitem afirmar que após 2002 não houve por parte da SES movimento de construir maior governança junto aos gestores municipais para decisões coletivas e tampouco na condução do hospital regional ou do consórcio intermunicipal de saúde. Os dados sugerem, hipoteticamente, que a instância decisória regional de representação da esfera estadual na região esteve confortável apenas com a própria governança interna, ao não expressar movimentos voltados à construção da governança da regionalização com o conjunto dos gestores municipais. Por outro lado, o protagonismo do Cosems se incrementava gradativamente como ator social estratégico na assessoria e apoio institucional aos municípios na perspectiva da construção da governança necessária em um processo de regionalização da saúde.
Persistem desafios a superar na relação entre gestores e instâncias, frente à ainda incipiente governança regional. O mix público-privado evidenciado na região influenciava as decisões, prevalecendo a lógica privada na prestação de alguns serviços de saúde.
Não se apreenderam quaisquer iniciativas concretas de planejamento regional, sequer para fazer o diagnóstico situacional regional e tampouco com enfoque na conformação de redes de saúde, voltadas a fazer frente as desigualdades intrarregionais. Identificaram-se atividades restritas à programação de serviços existentes, cumprimento de normas estabelecidas, execução de metas e orçamentária, discussão de interesses pontuais e aprovação de propostas ou projetos. Em nome do planejamento em saúde, observou-se certa obediência ao que é normatizado pelo nível central estadual e mesmo federal, deixando, assim, de contemplar as especificidades locais e regionais. Dentre os fatores que dificultam a gestão da regionalização da saúde na realidade estudada, destacaram-se: a indefinição de responsabilidades entre as esferas de governo e as instâncias existentes na região; a rotatividade dos gestores como fator negativo na condução do processo; e o predomínio de aspectos político-partidários influenciando negativamente a institucionalidade e a governança da regionalização da saúde.
O processo de decisão foi fortalecido e os gestores que compõem o colegiado gestor regional sentem-se mais amparados para discutir e enfrentar as dificuldades de execução da política de saúde em níveis municipal e regional. No entanto, são muitos os desafios a superar para a efetivação do SUS por meio da regionalização da saúde. Se este estudo identifica avanços nesse sentido, maiores ou de igual magnitude são as dificuldades. Cabe aos envolvidos no processo - políticos, gestores, trabalhadores, provedores e usuários - a decisão sobre os enfrentamentos dos obstáculos para o fortalecimento da institucionalidade e governança da gestão do SUS na região.
Colaboradores
Edinaldo Santos de Souza foi o responsável pela coleta e processamento dos dados relativos à sua dissertação de mestrado. Os três autores responsabilizaram-se pela concepção e elaboração do artigo, incluindo o processamento e a análise dos dados aqui apresentados. Ruth Terezinha Kehrig e João Henrique Gurtler Scatena encarregaram-se da discussão dos dados e da revisão final do artigo.
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- Suporte financeiro: não houve
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
Oct-Dec 2015
Histórico
- Recebido
Abr 2015 - Aceito
Set 2015