Resumos
Considerando o crescente número de pessoas idosas que, por vezes, são acometidas por condições crônicas de saúde e estão fora de possibilidade terapêutica, é salutar compreender a relação dos princípios da bioética nas demandas que permeiam os cuidados paliativos a pacientes idosos, na perspectiva de poder oferecer uma sobrevida digna. A abordagem a partir dos fundamentos da bioética principialista propõe a garantia dos princípios da beneficência, não maleficência, justiça e autonomia, a fim de proporcionar dignidade, qualidade e conforto aos idosos em terminalidade da vida. Desta forma, este artigo tem como objetivo propor uma reflexão acerca dos cuidados paliativos aos idosos à luz da bioética.
Cuidados paliativos; Envelhecimento da população; Saúde do idoso; Bioética
Considering the growing number of elderly people who sometimes are affected by chronic health conditions and are out of therapeutic possibility, it is beneficial to understand the relationship of the principles of bioethics in the demands that permeate palliative care to elderly patients, in the view of offering a dignified survival. The approach from the fundamentals of the principialist bioethics proposes the guarantee of the principles of beneficence, non-maleficence, justice and autonomy, in order to provide dignity, quality and comfort to the elderly in terminally life. Thus, this article aims to propose a reflection about palliative care for the elderly in light of bioethics.
Palliative care; Demographic aging; Health of the elderly; Bioethics
Introdução
O estudo do envelhecimento humano é uma temática de grande relevância no meio acadêmico, pois a busca da promoção de uma velhice digna, ativa e saudável torna-se fator relevante para a sociedade e para os diversos espaços onde a pessoa idosa está inserida. Alguns idosos podem ser acometidos por condições patológicas, tais como câncer, doenças osteomusculares e neurológicas crônicas, acarretando dependência funcional para a realização de atividades básicas, que, junto ao declínio da condição de saúde, passam a necessitar de cuidados paliativos.
Na perspectiva de cuidar da condição pela qual passa o paciente e seus familiares, visto que já não há possibilidade de tratamento da doença, surgiu o cuidado paliativo, a fim de tornar a sobrevida menos árdua (SILVEIRA , 2014SILVEIRA, M. H. et al. Percepção da equipe multiprofissional sobre cuidados paliativos. Rev. Bras. Geriatr. Gerontol., Rio de Janeiro, v. 17, n. 1, p. 7-16, 2014.).
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) (WHO, 2014), o cuidado paliativo é aquele prestado ao paciente cuja enfermidade não responde mais aos cuidados curativos, ou seja, ele visa a melhorar a qualidade de vida do paciente e de sua família por meio da identificação e do alívio da dor, considerando a morte um processo natural, sem, no entanto, acelerá-lo ou retardá-lo, devendo, também, proporcionar o cuidado nos aspectos psicológicos, espirituais e emocionais do paciente e de sua família.
Os autores Gutierrez e Barros (2012)GUTIERREZ, B. A. O.; BARROS, T.C. O despertar das competências profissionais de acompanhantes de idosos em cuidados paliativos. Revista Temática Kairós Gerontologia, v. 15, n. 4, p. 239-258, ago. 2012. advertem que cuidados paliativos são aqueles prestados aos pacientes considerados fora de possibilidade de cura, cuja doença tem poucas chances de resposta positiva à terapêutica curativa, sendo imprescindível, nessa fase, o controle da dor e o alívio do sofrimento em todas as dimensões do ser humano, sejam elas físicas, psíquicas, sociais e espirituais. Desse modo, o cuidado deve ser diferenciado, individualizado, levando-se em consideração a singularidade e a necessidade de cada pessoa que se encontra em condição de dependência.
Mesmo quando preservar ou salvar a vida no sentido biológico não é mais o foco da assistência ao paciente, o viver, no que se refere às relações entre pessoas, continua sendo um tema fundamental (WITTMANN-VIEIRA; GOLDIM, 2012WITTMANN-VIEIRA, R. W.; GOLDIM, J.R. Bioética e cuidados paliativos: tomada de decisões e qualidade de vida. Acta Paulista de Enfermagem, São Paulo, v. 25 n. 3, p. 334-339, 2012. ). Dessa forma, é possível compreender a íntima relação entre os cuidados paliativos e a bioética, principalmente no que se refere ao cuidado das pessoas idosas que estão em condição de dependência no cenário do fim da vida.
A bioética, portanto, considerada uma ciência relacionada à sobrevivência humana, voltada a defender a melhoria das condições de vida, vislumbra reflexões sobre o agir humano, buscando assegurar o bem-estar e a sobrevivência da humanidade com base em seus princípios fundamentais: autonomia, beneficência, não maleficência e justiça. Nessa perspectiva, a bioética admite que todo avanço no campo das ciências biomédicas deve estar a serviço da humanidade e apresenta-se como uma nova consciência ética, na busca de respostas equilibradas diante dos conflitos éticos atuais (FREITAS; SCHRAMM, 2013FREITAS, E. E. C.; SCHRAMM, F.R. Argumentos morais sobre inclusão/exclusão de idosos na atenção à saúde. Revista Bioética, Brasília, DF, v. 21, n. 2, p. 318-327, 2013.).
Levando-se em consideração o crescente número de pessoas idosas que precisam e venham a precisar de cuidados paliativos, essa temática constitui relevante questão de saúde pública (BURLÁ; PY, 2014), sendo, portanto, imprescindível a discussão, à luz da bioética, a fim de buscar a sensibilização dos cuidadores e profissionais de saúde para essa fase do ciclo vital da pessoa humana. Dessa forma, este estudo tem como objetivo propor uma reflexão acerca dos cuidados paliativos aos idosos à luz da bioética.
Cuidados paliativos em idosos
O aumento da expectativa de vida e a longevidade tornaram-se uma realidade importante em nossa sociedade e têm como uma de suas causas os avanços técnicos e científicos na área da saúde. Entretanto, com a mudança do perfil demográfico da população, cresce, também, o adoecimento crônico e/ou degenerativo, a exemplo do câncer, das doenças cardiovasculares, neurodegenerativas e osteomusculares, que acometem, preferencialmente, a população idosa, causando prejuízos à sua capacidade funcional, tornando-a dependente na realização de Atividades de Vida Diária (AVDs) (BURLÁ; PY, 2014).
O acometimento da população idosa por condições crônicas de saúde e sem possibilidade de cura ocorre em decorrência do declínio das funções orgânicas, levando-a à circunstância de terminalidade da vida, o que requer a necessidade de cuidados paliativos (FRATEZI; GUTIERREZ, 2011FRATEZI, F. R.; GUTIERREZ, B.A.O. Cuidador familiar do idoso em cuidados paliativos: o processo de morrer no domicílio. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v.16, n. 7, p. 3241-3248, 2011.).
Nessa condição, o paciente idoso demanda cuidados básicos como qualquer outro, tais como: cuidados higiênicos, alimentares, alívio da dor, tratamento farmacológico para alívio de sintomas (náuseas, vômitos, diarreias) e apoio emocional, tanto para os pacientes como para a família, que acompanha todo esse processo.
Sendo o cuidado paliativo um modelo interdisciplinar de cuidados ativos e integrais prestados a pacientes com doenças em fase avançada ou terminal, ele é essencial para a população idosa, que é acometida por diversas modificações fisiológicas e de saúde, o que a torna dependente de tais cuidados (GUTIERREZ; BARROS, 2012).
Nessa perspectiva, essa modalidade de cuidado vai além da condição física. Perpassa os aspectos psicológicos, sociais e espirituais, na busca da humanização, do respeito a seu semelhante e da promoção de uma morte digna, pois tem a função de garantir uma atenção à saúde que sobreponha a terapêutica curativista, na medida em que compreende a necessidade da comunicação, do respeito ao paciente e de consciência da finitude da vida humana (WHO, 2014).
A população de pacientes idosos que necessitam de cuidados paliativos tende a ser cada vez maior em decorrência da nova tendência demográfica. Dessa maneira, torna-se salutar melhorar o acesso de pessoas idosas a essa modalidade de cuidados, pois a iniciação precoce dos cuidados paliativos a indivíduos em idade avançada impõe-se como fundamental para a garantia de melhores experiências ao fim da vida (GARDINER , 2011GARDINER, C. et al. Barrier stop providing palliative care for older people in acute hospitals. Age and Ageing, Oxford, Inglaterra, v. 40, p. 233-238, 2011.).
Infelizmente, o cuidado paliativo ainda é pouco compreendido por grande parte dos profissionais da saúde no Brasil devido à falta de incentivo à educação paliativa, o que influencia a formação técnica e a prática profissional (GUTIERREZ; BARROS, 2012). Em sua maioria, os profissionais têm a formação na perspectiva da cura, o que não os torna preparados para lidar com questões como a finitude da vida. Quando ocorre a morte, essa é muitas vezes vista como uma falha, um insucesso.
O profissional, então, não preparado para lidar com tais situações, depara-se com o sentimento de impotência e frustração, tendo dificuldade para reconhecer que algo ainda pode ser feito, como promover qualidade de vida e cuidados. Esse tipo de sentimento poderia ser diferente se os profissionais fossem preparados por meio da implantação de programas de educação permanente acerca de cuidados paliativos, buscando valorizar as experiências práticas e o conhecimento teórico sobre o assunto (VASQUES , 2013VASQUES, T. C. S. et al. Percepções dos trabalhadores de enfermagem acerca dos cuidados paliativos. Revista Eletrônica de Enfermagem, Goiânia, v. 15, n. 3, p. 772-779, jul./set. 2013.).
Não apenas os profissionais, mas também os familiares necessitam de informações sobre o que são os cuidados paliativos, haja vista que essas são pessoas fundamentais na vida do idoso e podem contribuir, expressivamente, para a busca de melhores condições de vida durante os processos de adoecimento, dependência e morte. Compreender que esse tipo de cuidado pode ser oferecido de forma interdisciplinar, por profissionais da Atenção Básica, da unidade hospitalar, mas também em seu próprio domicílio, é fundamental para a disseminação dessa prática.
O ato de cuidar requer um planejamento no que se refere às técnicas, mas também à atenção dispensada ao paciente e à sua família, orientando-os sobre as adversidades a serem enfrentadas e os meios para lidar com os sofrimentos que acometem os envolvidos. Para tanto, é fundamental a comunicação clara e constante entre a equipe de saúde, o paciente e a família, a fim de estabelecer uma relação de confiança, essencial na prática de cuidados paliativos (OLIVEIRA; CARVALHO, 2008OLIVEIRA, R. A.; CARVALHO, R.T. Bioética: refletindo sobre os cuidados. In: OLIVEIRA, R.A. Cuidado Paliativo. São Paulo: Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, 2008.).
Abordagem a partir da bioética principialista
O termo 'bioética' surgiu a partir da segunda metade do século XX, mediante os extraordinários avanços tecnológicos nas áreas da biomedicina, sobremaneira no campo da genética, da biologia molecular, dos transplantes e, concomitantemente, dos cuidados paliativos. Com a ascendente incorporação da tecnologia e da informática, ampliaram-se de forma significativa as possibilidades de intervenção nas condições de saúde do ser humano, e, paulatinamente, surgem questões éticas derivadas da aplicabilidade dessas ciências, corroborando um poder de intervenção sobre a vida e a natureza (KOERICH; MACHADO; COSTA, 2005KOERICH, M. S.; MACHADO, R. R.; COSTA, E. Ética e bioética: para dar início à reflexão. Texto & Contexto - Enfermagem, v. 14, n. 22, p. 106-110, jan./mar. 2005.; NUNES, 2008NUNES, L. Ética em cuidados paliativos: limites ao investimento curativo. Revista Bioética, Brasília, DF, v. 16, n. 1, p. 41-50, 2008.).
A bioética, campo salutar da 'ética aplicada', preocupa-se com o uso correto das novas tecnologias na área das ciências médicas e da solução adequada dos dilemas morais por elas apresentados (CLOTET, 2003CLOTET, J.A. Bioética: uma aproximação. Porto Alegre: EDIPUCRS, v. 33, 2003.), possibilitando a aplicação dos princípios éticos aos problemas relativos à prática médico-assistencial (BEAUCHAMP; CHILDRESS, 2002BEAUCHAMP, T. L.; CHILDRESS, J.F. Princípios de ética biomédica. 4. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2002.). Dessa forma, busca entender e resolver os conflitos morais existentes e com implicações de práticas no âmbito do viver e da saúde, respeitando sempre os valores de uma sociedade democrática e secular (FREITAS; SCHRAMM, 2013).
Mediante essas implicações, a bioética se apropria de conflitos e dilemas morais existentes nas relações humanas, entendendo o ser humano como indivíduo possuidor de competência cognitiva e moral, capaz de atuar de forma livre e ser responsabilizado pelos seus atos. Portanto, são essas ações que podem ter, ou não, efeitos significativamente irreversíveis sobre outros humanos. E essas ações, muitas vezes, estão imbuídas de interesses ou de valores que irão refletir em conflitos entre os envolvidos (SCHRAMM, 2007).
A investigação biomédica requer uma reflexão orientada pela ética, na medida em que a bioética, enquanto nova ciência, combina características como humildade, responsabilidade, competência interdisciplinar e intercultural, além de potencializar o senso de humanidade (WITTMANN-VIEIRA; GOLDIM, 2012). A dignidade do ser humano se edifica, possibilitando suscitar outros princípios que corroboram as tomadas de decisões, intervenções e as relações interpessoais de todos os seguimentos e pessoas envolvidas de forma inequívoca (NUNES, 2008).
Para tanto, entre as várias tendências existentes na bioética, pode-se destacar a bioética principialista proposta por Beauchamp e Childress (2002), que estenderam a preocupação dos seres humanos participantes das pesquisas para a área clínico-assistencial, aplicando a ela o 'sistema de princípios', como a beneficência, a não maleficência, a autonomia e a justiça. Esses princípios, por sua vez, proporcionaram uma nova forma de dialogar com os profissionais da área da saúde.
O princípio da beneficência requer que sejam atendidos os interesses importantes e legítimos dos indivíduos e que, na medida do possível, sejam evitados danos, através da utilização de conhecimentos e habilidades técnicas para minimizar riscos e maximizar benefícios aos pacientes idosos. A não maleficência estabelece que qualquer intervenção profissional deve evitar ou minimizar riscos e danos, o que implica não fazer o mal, em qualquer hipótese. Esse é considerado por muitos o princípio fundamental da tradição hipocrática da ética médica, que preconiza: 'cria o hábito de duas coisas: socorrer (ajudar) ou, ao menos, não causar danos' (BEAUCHAMP; CHILDRESS 2002; CRIPPA , 2015CRIPPA, A. et al. Aspectos bioéticos nas publicações sobre cuidados paliativos em idosos: análise crítica. Revista Bioética, Brasília, DF, v. 23, n. 1, p. 149-160, 2015.).
O respeito à autonomia também se configura como um dos princípios e refere-se à liberdade de ação. As pessoas autônomas são capazes de escolher e agir de acordo com seus próprios anseios, e o respeito a essa autonomia é indispensável, desde que não resulte em danos aos demais. A pessoa deve possuir razoável maturidade e consciência de suas escolhas (NUNES, 2008).
O princípio da justiça diz respeito à distribuição coerente e adequada de deveres e benefícios sociais, apoiando-se na equidade voltada à distribuição de benefícios da medicina ou da saúde em geral, salientando-se que situações idênticas devem ser tratadas igualmente, e as que não são iguais, de forma diferente (CLOTET, 2003).
Portanto, conhecer esses princípios é de grande relevância para estabelecer uma relação entre a bioética e os cuidados paliativos, frente à necessidade de utilizá-los para aprimorar a qualidade de vida de idosos que se encontram em condição de fim da vida.
Cuidados paliativos ao idoso à luz da bioética principialista
A essência dos cuidados paliativos aporta-se para aliviar os sintomas, a dor, o sofrimento de pacientes com patologias graves ou em fase final da vida, buscando oferecer melhor qualidade de vida ao paciente, assim como à sua família. Esses cuidados voltados aos idosos, um dos grupos populacionais mais fragilizados de nossa sociedade, exigem conhecimentos e ações pautadas em princípios bioéticos, os quais irão vislumbrar a busca do bem do outro, respeitando a dignidade individual e a humanidade presentes também no idoso em terminalidade de vida.
Os autores Pessini e Bertachin (2005)PESSINI, L.; BERTACHINI, L. Novas perspectivas em cuidados paliativos: ética, geriatria, gerontologia, comunicação e espiritualidade. O Mundo da Saúde, São Camilo, ES, v. 29 n. 4, p. 491-509, 2005. destacam os princípios fundamentais dos programas de cuidados paliativos publicados pela OMS, em 1986, e reafirmados em 2002, com os quais estabelecemos uma discussão frente à vertente principialista.
Inicia-se essa alusão ao princípio da beneficência, que outorga o dever de fazer o bem, de ajudar os outros a ganhar ou a ter o seu benefício, relacionado ao cuidado paliativo, que valoriza atingir e manter um nível ótimo de dor, com acesso a toda a medicação necessária.
Os cuidados paliativos não negam a biotecnologia, como muitos pensam, pois eles oferecem uma modalidade de tratamento altamente intervencionista, que utiliza, quando necessário, avançadas propostas da farmacologia para a efetividade do controle de sintomas, que constituem uma resposta ativa aos problemas decorrentes da doença prolongada, incurável e progressiva (BURLÁ; PY, 2014).
Estudo realizado por Crippa et al. (2015), ao verificarem a eficácia do uso de antibióticos em pacientes portadores de câncer, em unidades de cuidados paliativos, demonstrou que a utilização desses fármacos apresentou um melhor prognóstico, principalmente, em pacientes com infecções no trato urinário, assim como a importância do uso de sedativos para alívio das dores. Contudo, é importante destacar que os profissionais precisam estar cientes das limitações do uso desses medicamentos e de que a participação dos profissionais de saúde deve oferecer a esses idosos, de forma significativa, ferramentas que amenizem sintomas, como náuseas, vômitos, depressão e outros sofrimentos, promovendo um cuidado mais humanizado.
Entretanto, o processo de tomada de decisões com relação ao tratamento de idosos em estado terminal pode ser complexo. O que se deve buscar é a defesa do princípio da beneficência, em que o bem do paciente prevaleça, e que, dessa forma, possibilite-se uma melhora na qualidade de vida dessas pessoas.
A não maleficência é outra vertente a ser analisada frente aos princípios fundamentais da OMS, pois ela está fundamentada em não fazer o mal, não causar dano. Reforçando o já descrito, não apressam nem adiam a morte.
Desse modo, os cuidados paliativos não buscam abreviar a vida, assim como as novas tecnologias não devem prolongar a vida de forma não natural, levando o paciente a procedimentos/tratamentos muitas vezes considerados fúteis e onerosos, a exemplo das admissões muito prolongadas em unidades fechadas, que submetem o idoso à rotina de procedimentos invasivos, como uso de sondas, excessivas coletas de sangue, entre outros. Isso causa sofrimentos por vezes evitáveis, que podem se tornar maléficos na ausência da vontade do paciente idoso e que se opõem à premissa de assegurar uma melhor qualidade de vida, que prevê um final de vida natural, por meio de conforto físico, emocional e espiritual (PESSINI; BERTACHIN, 2005; NUNES, 2008).
A OMS propõe a oferta de um sistema de apoio para ajudar os pacientes a viver ativamente até o momento de sua morte, enquadrando-se, dessa forma, no princípio da autonomia, visto que os cuidados paliativos asseguram condições que capacitam e encorajam os pacientes idosos a levar o fim da vida de forma útil, produtiva e plena, sendo garantido a ele o bem-estar físico, mental e espiritual (PESSINI; BERTACHIN, 2005).
Para Tavares, Pires e Simões (2011)TAVARES, A. R.; PIRES, C. I.; SIMÕES, J.A. Autonomia do idoso: perspectiva ética, médica e legal. Revista Portuguesa de Bioética, Coimbra, Portugal, v. 15, p. 329-352, 2011., é importante permitir que o próprio paciente escolha o que deve ser feito com relação ao seu tratamento e que não haja nenhum tipo de manipulação ou influência que reduza a sua liberdade de decisão. Do mesmo modo, Crippa (2015) ressalta a importância de respeitar as suas aspirações, segundo o seu plano de vida e suas crenças particulares, muito presentes na vida dos idosos.
Outro princípio a ser destacado é o da justiça, que se reflete nos cuidados paliativos aplicáveis ao estágio inicial da doença, concomitantemente, com as modificações dessas terapias que prolongam a vida (WHO, 2014). Essa reflexão se faz necessária e pertinente em meio à necessidade de oferecimento desses cuidados a pacientes com morte iminente, visto que, no tocante aos cuidados de saúde, a justiça determina que se proporcione equitativamente benefícios, levando à tomada de decisões prudentes. Para tanto, torna-se inevitável o reconhecimento das diferenças de cada paciente e a adequação dos cuidados às suas necessidades, que, de forma equitativa, irá oferecer mais atenção àqueles que mais necessitam.
Entretanto, muitos profissionais da saúde se deparam com esses dilemas éticos e buscam respostas com base na autonomia, na justiça e no respeito à dignidade, salvaguardando a dimensão humana das relações e o respeito às necessidades impostas a cada ser. Igualmente, tentam, mesmo diante de grandes dificuldades, melhorar a qualidade do cuidado e humanizar suas relações implícitas, enfrentadas no dia a dia, frente à realidade de saúde dos idosos em nosso país (ALMEIDA; AGUIAR, 2011ALMEIDA, A. B.; AGUIAR, M.G. O cuidado do enfermeiro ao idoso hospitalizado: uma abordagem bioética. Revista bioética, Brasília, DF, v. 19, n. 1, p. 197-217, 2011.).
Considerações finais
A longevidade humana traz consigo implicações, especialmente sociais e de saúde, que merecem a atenção dos profissionais a quem competem, pois impõem demandas de cuidados, a partir de um dado momento, tidos como paliativos, ou seja, aqueles capazes de oferecer o cuidado básico de que o ser humano necessita. Em decorrência dessa longevidade crescente, aumenta, também, a necessidade de melhorar o acesso ao cuidado paliativo por essa população, procurando oferecer, desse modo, dignidade e qualidade de vida à vida que se despede.
O oferecimento de cuidados paliativos aos idosos em situação de terminalidade de vida tem relação estreita com os princípios da bioética: a beneficência, a não maleficência, a autonomia e a justiça, pois as demandas que permeiam esses cuidados a pacientes idosos, fora de possibilidades terapêuticas, exigem do profissional uma atenção refinada, sensível e humanizada.
As ações de cuidados paliativos a pacientes idosos, à luz da bioética, ainda são muito incipientes, o que, sobremaneira, aponta para a necessidade de incorporação de um olhar reflexivo sobre essas ações frente aos princípios da bioética principialista. Entre os inúmeros problemas que afetam a saúde integral ao idoso, há de se destacar uma dimensão moral, tendo em vista uma dívida sócio-histórica de pouco investimento por parte do Estado e uma incipiente formação de recursos humanos em saúde para o atendimento à população idosa.
Assim, urge a necessidade de mudanças e inovações na implementação dos cuidados paliativos voltados ao idoso, com maior efetividade e que garanta, através dos benefícios advindos da biotecnologia, a preservação da dignidade humana e uma melhor qualidade de vida, estando esta sempre atrelada aos princípios da bioética.
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- BEAUCHAMP, T. L.; CHILDRESS, J.F. Princípios de ética biomédica. 4. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2002.
- BURLÁ, C.; PY, L. Cuidados paliativos: ciência e proteção ao fim da vida. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 30, n. 6, p.1-3, jun. 2014.
- CLOTET, J.A. Bioética: uma aproximação. Porto Alegre: EDIPUCRS, v. 33, 2003.
- CRIPPA, A. et al. Aspectos bioéticos nas publicações sobre cuidados paliativos em idosos: análise crítica. Revista Bioética, Brasília, DF, v. 23, n. 1, p. 149-160, 2015.
- FRATEZI, F. R.; GUTIERREZ, B.A.O. Cuidador familiar do idoso em cuidados paliativos: o processo de morrer no domicílio. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v.16, n. 7, p. 3241-3248, 2011.
- FREITAS, E. E. C.; SCHRAMM, F.R. Argumentos morais sobre inclusão/exclusão de idosos na atenção à saúde. Revista Bioética, Brasília, DF, v. 21, n. 2, p. 318-327, 2013.
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- WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). World wide palliative care alliance. Global atlas of palliative care at the end of life. January, 2014.
- Suporte financeiro: não houve
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
Jan-Mar 2016
Histórico
- Recebido
Out 2015 - Aceito
Nov 2015