DESLANDES, S. F.Humanização dos cuidados em saúde: conceitos, dilemas e práticas. (Org.). Rio de Janeiro: Fiocruz, 2006. 416 p.

Luciana da Silva Alcantara Sobre o autor
2006

A obra 'Humanização dos cuidados em saúde: conceitos, dilemas e práticas' tem por escopo realizar um balanço crítico dos conceitos e perspectivas que fazem com que a humanização esteja comumente correlacionada, de forma complexa, a distintas categorias, entre elas, a integralidade, a qualidade da assistência, a gestão, o protagonismo dos sujeitos e a subjetividade inerente ao cuidado em saúde. O livro, sob a organização da socióloga Suely Ferreira Deslandes, está dividido em três partes, compondo 16 capítulos, e apresenta conteúdos que demonstram a preocupação dos autores com a humanização da assistência e a sensibilização da equipe e das instituições de saúde que atuam com a mulher e com a criança, tendo por cerne ações voltadas à família e à saúde dos trabalhadores envolvidos.

O prefácio, elaborado pela renomada pesquisadora Maria Cecília de Souza Minayo, destaca a "contribuição fundamental" do estudo no que concerne à formação dos profissionais de saúde, "visando a uma ética do cuidado e a uma prática de solidariedade" (P. 23). É importante ressaltar a preocupação da prefacista em realizar um resgate das raízes e transformações do conceito de 'humanismo', basilar para a compreensão de seu termo derivado, 'humanização'.

A primeira parte da obra, intitulada 'Humanização dos cuidados - explorando conceitos e conexões disciplinares', é composta por oito capítulos. No capítulo 1, 'Humanização: revisitando o conceito a partir das contribuições da sociologia médica', Suely Deslandes faz uma recapitulação da tradição teórica do debate em torno da humanização a partir das produções teóricas da década de 1970, com enfoque na sociologia médica. De acordo com a autora, "revisitar esse debate nos mostra a persistência de alguns dilemas éticos, morais e ideológicos" (P. 33).

No capítulo 2, 'Cuidado e humanização das práticas de saúde', José Ricardo Ayres disserta sobre o conceito de cuidado, problematizando questões teórico-práticas relevantes que trazem desafios ao ideal da humanização. O autor propõe inicialmente uma delimitação terminológica da humanização, envolta por uma polissemia. No que tange ao cuidado, Ayres destaca o potencial de um diálogo aberto entre "as tecnociências da saúde e a construção livre e solidária de uma vida que se quer feliz" (P. 68). Significaria, em outros termos, possibilitar a "permeabilidade do técnico ao não-técnico" (P. 70).

Andrea Caprara e Anamélia Lins e Silva Franco discutem, no capítulo 3, 'Relação médico-paciente e humanização dos cuidados em saúde: limites, possibilidades, falácias', a importância da comunicação na relação médico-paciente, de modo a viabilizar uma assistência de qualidade no âmbito da saúde. Como descrevem as autoras, "a dimensão relacional do encontro médico-paciente continua exigindo muito da nossa atenção" (P. 85). Um importante elemento problematizado no artigo é o conceito de relação, discutido a partir de um amplo referencial teórico.

No capítulo 4, 'Humanização e qualidade do processo de trabalho em saúde', os autores Francisco Antônio de Castro Lacaz e Leny Sato apresentam a discussão em torno das propostas de humanização para os trabalhadores de saúde. Problematizam a Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) - que assume maior relevância na década de 1970 - e concedem especial destaque para a consideração do trabalhador como sujeito ativo, participando das questões que envolvem o seu próprio trabalho.

No capítulo 5, 'Oficinas de humanização: fundamentação teórica e descrição de uma experiência com um grupo de profissionais de saúde', Maria Cenzini Nogueira Martins disserta sobre experiências vivenciadas no decorrer de quatro anos com profissionais de saúde nas oficinas de humanização. É mister ressaltar a percepção da autora sobre as técnicas e dinâmicas de grupo utilizadas nas oficinas em questão: estas seriam estratégicas para a saúde do trabalhador, constituindo-se em uma forma sensível para lidar com o sofrimento e o desgaste físico e mental aos quais o profissional se encontra submetido.

No capítulo 6, 'Redes sociais de suporte e humanização dos cuidados em saúde', Maria Cristina de Araújo Braga discorre sobre o conceito de redes de suporte social. Tais redes constituem um modo de apoio e transmitem suporte para seus membros no enfrentamento aos problemas de saúde do cotidiano. Ao tratar sobre a atenção básica, o artigo do capítulo 7, 'Humanização do encontro com o usuário no contexto da atenção básica', elaborado por Leny Alves Bonfim, segue a mesma direção que o capítulo anterior, ao refletir criticamente sobre a atenção básica de saúde, com ênfase no contato do usuário com o profissional de saúde. São problematizadas no texto as tecnologias leves, o acolhimento, o vínculo e a autonomia, bem como as necessidades apresentadas pelos usuários.

Elizabeth Artmann e Francisco Javier Rivera, no capítulo 8, analisam a 'Humanização do atendimento em saúde e gestão comunicativa', trazendo para a discussão bases epistemológicas da política de humanização preconizada pelo Ministério da Saúde e os desafios para uma atenção humanizada, entre eles a articulação entre tecnologia e comunicação no estabelecimento de vínculos.

Já na segunda parte da obra, 'Humanização nos cuidados de saúde da criança', são apresentados quatro capítulos voltados para o cuidado humanizado à criança hospitalizada. Denise Streit Morsch e Priscila Menezes Aragão, no capítulo 9, 'A criança, sua família e o hospital: pensando processos de humanização', debruçam-se sobre a atuação em ambientes de alta tecnologia, a partir de uma vasta experiência em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) neonatal e pediátrica. Concedem especial destaque para as rotinas hospitalares e a relação com os familiares. Na mesma direção, o capítulo 10, 'Os desafios da humanização em uma UTI neonatal cirúrgica', de Maria de Fátima Junqueira, Denyse Lamego, Denise Streit Morsch e Suely Deslandes, problematiza a humanização do cuidado no âmbito da UTI-Neonatal Cirúrgica, priorizando a relação dos profissionais da equipe de saúde com os pacientes e familiares.

Rosa Maria de Araújo Mitre, no capítulo 11, 'O brincar no processo de humanização da produção de cuidados pediátricos', traz reflexões importantes sobre o efeito do lúdico no processo de humanização, ressaltando a necessidade de as instituições de saúde considerarem o lúdico como um importante recurso para a humanização do cuidado na pediatria.

No capítulo 12, 'Humanização da assistência às vítimas de abuso sexual infantil: retomando o debate da relação médico-paciente', Suely Deslandes e Ana Cristina Wanderley da Paixão tratam da temática violência contra crianças e adolescentes enquanto um problema de saúde pública e ressaltam a importância dos profissionais de saúde nesse processo.

A terceira e última parte do livro, 'Humanização nos cuidados de saúde da mulher', é composta por artigos sobre a humanização da assistência à saúde da mulher. No capítulo 13, 'Humanização da assistência à saúde das mulheres: uma abordagem crítica de gênero', de Regina Helena S. Barbosa, ganha destaque o princípio da integralidade, ao ser analisada a contradição entre o que é proposto e o que é implementado em relação à saúde reprodutiva de mulheres portadoras do vírus da imunodeficiência humana (HIV).

No capítulo 14, 'Humanização da assistência ao parto no serviço público: reflexão sobre desafios profissionais nos caminhos de sua implementação', Marcos Augusto Dias e Suely Deslandes dissertam sobre os desafios para a atenção humanizada ao parto e nascimento nas instituições de saúde. Entre os fatores abordados pelos autores, apresentam-se aspectos estruturais, políticos, de recursos humanos, aspectos sociais e culturais das mulheres e das famílias assistidas.

No capítulo 15, 'Assistência à mulher em abortamento: a necessária revisão de práticas de má conduta, preconceito e abuso', Leila Adesse traz a discussão sobre a revisão de procedimentos em relação às mulheres em situação de abortamento, submetidas à violência institucional. A proposta está ancorada na importância da humanização no atendimento.

O último texto da coletânea, capítulo 16, de Sandra Filgueiras, 'Eu não sou o HIV que eu tenho: humanização, acolhimento e escuta no atendimento a mulheres que vivem com Aids', corrobora as reflexões em torno da mulher soropositiva, a partir do relato de uma paciente atendida pelo Sistema Único de Saúde, de modo que a autora destaca a importância do acolhimento, da comunicação e da integralidade do atendimento ao público em tela.

Convém ressaltar que a leitura da obra é de fundamental importância a todos os profissionais da saúde, estudantes de graduação e pós-graduação e pesquisadores devido às relevantes reflexões tecidas pelos autores, que com propriedade abordam temáticas que provocam e incitam a problematizar o significado e a dimensão da humanização na saúde.

  • Suporte financeiro: não houve

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    Set 2016
  • Aceito
    Nov 2016
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