O terceiro turno de Dilma Rousseff

João Feres Júnior Luna de Oliveira Sassara Sobre os autores

RESUMO

Neste artigo, testamos a hipótese de que a cobertura recebida pela presidente Dilma Rousseff nos jornais 'Folha de São Paulo', 'O Globo' e 'O Estado de São Paulo' tornou-se ainda mais negativa após sua vitória eleitoral em outubro de 2014. Também comparamos a cobertura de Dilma àquela dedicada a Aécio Neves, seu principal adversário e líder da oposição, alvo de inúmeras denúncias de corrupção no período pós-eleitoral. O teste não deixa dúvidas acerca do caráter altamente politizado da mídia brasileira. Concluímos refletindo sobre a importância da mídia para o futuro da democracia no Brasil.

PALAVRAS-CHAVE:
Democracia; Imprensa; Brasil; Política

Art. 77. A eleição do Presidente e do Vice-Presidente da República realizar-se-á, simultaneamente, no primeiro domingo de outubro, em primeiro turno, e no último domingo de outubro, em segundo turno, se houver, do ano anterior ao do término do mandato presidencial vigente.

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

Introdução

Estudos sobre mídia e eleições no Brasil têm identificado uma disposição reiterada dos principais veículos de comunicação para cobrir negativamente candidatos do campo da esquerda durante eleições presidenciais (ARRUDA, 1995ARRUDA, L. R. O vôo das notícias: o Jornal Nacional e as eleições 941995.170 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - Programa de Ciências Sociais Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1995.; FIGUEIREDO, 1996; GONÇALVES, 1996GONÇALVES, E. M. A autonomia dos sentidos como conflito ético na comunicação política. In: NETO, A. F.; PINTO, M. J. (Org.). O indivíduo e suas mídias. Rio de Janeiro: Diadorim, 1996. p. 47-64.; KUCINSKI, 1998KUCINSKI, B. O ataque articulado dos barões da imprensa: A mídia na campanha presidencial de 1989. In: KUCINSKI, B. (Org.). A síndrome da antena parabólica: ética no jornalismo brasileiro. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo 1998. p. 105-114.; MIGUEL, 1999MIGUEL, L. F. Mídia e manipulação política no Brasil: a Rede Globo e as eleições presidenciais de 1989 a 1998. Comunicação & Política, Rio de Janeiro, v. 6, n. 2-3, p. 119-138, 1999.; AZEVEDO, 2000AZEVEDO, F. Imprensa, campanha presidencial e agenda da mídia. In: RUBIM, A. A. C. (Org.). Mídia e eleições de 98. João Pessoa: Editora UFPB, 2000. p. 31-56.; COLLING, 2000COLLING, L. Agendamento, enquadramento e silêncio no Jornal Nacional nas eleições presidenciais de 19982000.133 f. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Cultura Contemporânea) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2000.; MIGUEL, 2002______. O Jornal Nacional e a reeleição. In: ______. (Org.). Política e Mídia no Brasil: episódios da história recentebrasília, DF: Plano Editorial, 2002. p. 61-86.). Os veículos frequentemente tentam se defender de acusações de viés político argumentando que tal comportamento é simplesmente fruto do exercício de vigilância sobre o poder político em favor dos interesses da sociedade, papel esse que em democracias modernas deve ser desempenhado pela imprensa e ao qual se dá o nome de 'cão de guarda'. Já demonstramos em trabalho anterior que, ao contrário do que diz, a grande mídia nacional não atua como cão de guarda perante os candidatos de centro-direita (FERES JÚNIOR; SASSARA, 2016).

Há, portanto, uma função muito importante cumprida pelos estudiosos da comunicação política que é vigiar o suposto cão de guarda, isto é, observar criticamente o trabalho executado pela mídia. Por isso, durante o período eleitoral de 2014, nós do Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública (Lemep), localizado no Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Iesp-Uerj), lançamos o site Manchetômetro (http://manchetometro.com.br), que funcionou como um observatório da cobertura diária dos principais candidatos e partidos envolvidos na disputa pela Presidência da República realizada pelos maiores veículos de comunicação brasileiros - os jornais impressos 'Folha de São Paulo', 'O Globo' e 'O Estado de São Paulo' ('Estadão'), além do programa televisivo Jornal Nacional11Dados sobre a cobertura do Jornal Nacional não serão expostos neste artigo, mas já foram apresentados em trabalhos anteriores (ver FERES JÚNIOR; SASSARA, 2014, 2016; FERES JÚNIOR et al., 2016). Os dados também se encontram disponíveis em nosso site..

Grande parte dos estudos sobre mídia e política realizados na academia brasileira concentra-se em períodos eleitorais. Isso é também verdade para o Manchetômetro em seu estágio inicial, pois foi criado para produzir análises em 'tempo real' da cobertura eleitoral. Neste artigo, procuramos ampliar o escopo da análise para o período posterior à eleição, na tentativa de desvelar o papel da mídia na crise política que se agravou após a reeleição de Dilma Rousseff, a qual aqui chamamos de terceiro turno, e que culminou na perda do mandato da presidente. A hipótese que ora examinamos é que nos meses subsequentes à eleição, ao contrário do que prevê a literatura, os principais jornais brasileiros, na esteira dos acontecimentos políticos liderados pela oposição, promoveram uma campanha extremamente contrária à presidente Dilma Rousseff.

As análises deste artigo foram todas feitas a partir dos dados do Manchetômetro, cuja base se estende desde o início de 2014 até o presente22Na verdade, o site também contém dados sobre as eleições de 1998 e 2010. Atualmente estamos ampliando a base para incluir também a análise dos grandes jornais para o ano de 2013, no bojo de um projeto de estudo das manifestações de 2013.. Até 27 de agosto de 2016, dia escolhido por nós para fechar a base de dados, tivemos um total de 35.049 matérias codificadas, referentes aos jornais 'Folha de São Paulo', 'Estadão', 'O Globo' e 'Estado de Minas'. No caso dos jornais impressos, levamos em conta o que vai publicado nas capas e nas páginas de opinião. Já no caso do Jornal Nacional, analisamos o programa todo. No presente trabalho, levamos em conta somente os textos publicados nas capas dos jornais impressos 'Folha de São Paulo', 'Estadão' e 'O Globo'.

No gráfico 1 abaixo, mostramos a contagem de matérias sobre a presidente Dilma Rousseff publicadas nos meios pesquisados ao longo de todo o período de nossa base, separadas por suas valências.

Gráfico 1
Dilma: valências (2014 – presente)

A interpretação do gráfico 1 acima não é simples e direta. Primeiramente, constatamos ser fato que as matérias favoráveis e ambivalentes são raras na cobertura, não sendo sequer dignas de análise perante a exuberância do número de contrárias e de neutras. Voltando assim a atenção para as neutras e contrárias, o dado mais relevante a se notar é o ponto de cruzamento, em outubro de 2014, quando as contrárias passam a ser mais numerosas que as neutras. Na verdade, gostaríamos de chamar atenção para alguns outros detalhes que caracterizam a cobertura antes desse ponto de virada. É importante ressaltar que o tom da cobertura por todo o período é fortemente negativo para Dilma. Isto é, nos períodos de menor intensidade, como nos meses de janeiro e julho de 2014, o número de textos negativos para a presidente era similar ao de neutros. Com o começo da campanha legal, em julho, a cobertura de Dilma cresce em volume, mas os neutros mantêm uma dianteira em relação aos negativos até o final do segundo turno. No mês seguinte ao segundo turno, novembro de 2014, as curvas começam a tomar destinos divergentes, com as matérias negativas crescendo consistentemente, enquanto as neutras apresentavam tendência de declínio.

O fato de as neutras superarem as negativas durante o período eleitoral não significa que Dilma teve uma cobertura balanceada. Como já mostramos no gráfico anterior e em outros textos já publicados, a cobertura de Dilma durante a campanha foi extremamente negativa se comparada a de outros candidatos. O que queremos ressaltar aqui é o fato de que a partir do resultado final da eleição presidencial de 2014, em novembro, as coisas pioraram bastante, ou seja, a cobertura se tornou ainda mais negativa. Se antes da campanha a proporção de negativas e neutras era de aproximadamente uma para uma, e durante a campanha as neutras ultrapassaram as negativas, depois da vitória de Dilma, as negativas subiram para patamares três vezes mais elevados que o de neutras, e se mantiveram consistentemente nessa proporção até o impeachment. Assistimos verdadeiramente a um massacre midiático.

Ou seja, o que estamos mostrando com outras palavras aqui é que não houve qualquer 'Lua de Mel' com a grande mídia brasileira. Muito pelo contrário. Dezembro de 2014 foi o último mês da série em que o número de negativas encontrou o número de neutras. A partir daí, as negativas saltaram já em janeiro, primeiro mês do novo governo, para uma proporção de mais de duas vezes o número de neutras (229 a 92 respectivamente). No mês de março, a proporção foi quase de três vezes mais negativas do que neutras, com a tendência de aumento relativo das negativas aumentando até o final da série.

Os picos de negatividade da cobertura de Dilma coincidem com eventos significativos do processo político que culminou com sua deposição. Em março de 2015, quando as primeiras manifestações massivas pró-impeachment ocorriam, a cobertura de Dilma alcançava recordes de negatividade. Em dezembro, quando Eduardo Cunha aceitou o processo de impeachment na Câmara, mais um pico de negatividade. Finalmente, o mais alto patamar de negatividade acontece nos meses de março e abril de 2016, coincidindo com todos os eventos: condução coercitiva de Lula, manifestações massivas pró-impeachment, nomeação e cassação de Lula para o ministério, vazamento do grampo de conversa entre Dilma e Lula. A aceitação do processo no Senado, que levou ao afastamento de Dilma, também pode ser considerada como parte dos eventos aqui, pois ocorreu no começo de maio e, portanto, no limite da cobertura de abril, a mais negativa de toda a série temporal.

O leitor cético pode estar pensando: mas não seria natural que em períodos de tensão política, como estes que temos passado no Brasil, a cobertura se tornasse mais negativa? A resposta na verdade deve ser negativa. Cada um dos fatos citados acima são objeto de profundo desacordo moral e prático. Só para citar um exemplo, de acordo com alguns analistas, o vazamento de escuta da conversa entre Lula e Dilma foi um ato triplamente ilegal, perpetrado pelo juiz Sergio Moro: o grampo foi feito fora do período para o qual ele estava autorizado pelo próprio Moro, a presidente da República foi grampeada sem prévia autorização do Supremo Tribunal Federal e o grampo foi divulgado para a imprensa. No entanto, a cobertura somente mostrou versões que criminalizaram os atos de Dilma sem proporcionar àqueles que tinham interpretações diversas dos fatos espaço suficiente para o contraditório.

Parâmetros de comparação

Continuando a conversa com nosso leitor cético imaginário, ele poderia também nos inquirir se o viés negativo que verificamos na cobertura de Dilma não seria somente produto exatamente da atitude de cão de guarda da grande mídia perante o poder instituído, que no caso seriam a presidenta e seu partido, o Partido dos Trabalhadores (PT). Claro que poderíamos dizer já havermos demonstrado, apoiados nos dados da cobertura durante a última eleição, que os meios em questão não se comportaram como cães de guarda; pelo contrário, confirmaram um viés pronunciado contra candidatos de esquerda, mormente do PT, que já havia sido verificado por uma extensa lista de analistas do comportamento eleitoral da mídia nos pleitos presidenciais anteriores, ao longo da curta história da Nova República. Contudo o leitor cético ainda poderia insistir e redarguir que o comportamento passado não pode ser usado para explicar o presente, isto é, que a verificação de viés histórico não prova que houve viés no período pós-eleitoral. Sim, pois, pelo menos no campo hipotético, é possível que a grande mídia tenha resolvido mudar de postura e assumir de fato o papel de cão de guarda do interesse público.

O forte viés anti-Dilma no contexto pós-eleitoral, mostrado na seção anterior, é evidência de que essa hipótese é falsa. Por uma lógica de comparação interna, a intensidade da negatividade da cobertura não é plenamente justificável uma vez que os fatos e opiniões acerca das ações de grande parte dos atores desse drama, Dilma, Moro, Lula, Eduardo Cunha, Michel Temer, Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), PT etc., são objeto de grande controvérsia. Em outras palavras, as interpretações são várias, mas a grande mídia privilegiou fortemente as que foram contrárias a Dilma. Todavia, cabe ainda um teste de verificação externa. E isso faremos comparando a cobertura de Dilma àquela dedicada a Aécio Neves (PSDB), presidente do PSDB, senador e candidato à Presidência da República no último pleito.

Aécio Neves possui longa carreira política: ex-deputado federal por Minas Gerais, eleito em 1987; presidente da Câmara dos Deputados, eleito em 2001; governador de Minas Gerais por dois mandatos; senador pelo mesmo estado a partir de 2011, candidato derrotado à Presidência da República em 2014 por estreita margem e, desde maio de 2013, presidente nacional do PSDB. Além de sua óbvia notoriedade política como campeão da oposição, Aécio também fornece um bom parâmetro de comparação por ter sido objeto de várias denúncias de corrupção e de outras práticas ilícitas no período recente. Uma breve pesquisa somente da cobertura jornalística de 2016 exibe os seguintes resultados, abaixo listados em ordem cronológica:

15/03 - O ex-senador Delcídio Amaral acusou Aécio Neves de receber propina de Furnas, estatal do setor elétrico (TALENTO, 2016TALENTO, M. F. A. Aécio recebeu propina de Furnas, diz Delcídio em delação. Folha de S. Paulo, São Paulo, 15 mar. 2016. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/03/1750108-aecio-recebeu-propina-de-furnas-diz-delcidio-em-delacao.shtml>. Acesso em: 30 nov. 2016.
http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/...
).

15/03 - Delcídio Amaral também acusou Aécio de ter maquiado dados do Banco Rural obtidos pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Correios (CANES; PEDUZZI, 2016CANES, M.; PEDUZZI, P. Delcídio diz que Aécio e Paes agiram em favor do Banco Rural na CPI dos correios. EBC Agência Brasil, Brasília, DF, 15 mar. 2016. Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2016-03/delcidio-diz-que-paes-e-aecio-agiram-favor-do-banco-rural-na-cpmi-dos>. Acesso em: 30 nov. 2016.
http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica...
).

03/05 - O Procurador-Geral da República (PGR) Rodrigo Janot enviou ao Supremo Tribunal Federal (STF) pedidos para investigar Aécio baseado na delação do ex-senador Delcídio Amaral que disse ter tido que 'segurar a barra' quando presidiu a CPI dos Correios para que não viesse à tona movimentação de empresas de Marcos Valério, condenado no mensalão, que 'atingiria em cheio' o presidente do PSDB (MACEDO, 2016MACEDO, F. Janot pede investigação contra Aécio, Eduardo Cunha, Edinho, Marco Maia e Vital do Rêgo. Estadão. São Paulo, 02 maio 2016. Disponível em: <http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/janot-pede-investigacao-contra-aecio-marco-maia-e-vital-do-rego/>. Acesso em: 30 nov. 2016.
http://politica.estadao.com.br/blogs/fau...
).

10/06 - Uma estatal do governo de Minas Gerais fechou termo de parceria com o pai do senador Aécio Neves (PSDB), Aécio Ferreira da Cunha (1927-2010), quando seu filho ainda era governador. O termo previa pagamento de R$ 250 mil para a produção de feijão na fazenda de Cunha em Montezuma (norte de Minas Gerais). Foram desembolsados R$ 150 mil em dezembro do mesmo ano. Após a morte do pai de Aécio naquele ano, a empresa foi herdada pelo atual senador e por sua irmã, Andrea Neves (MARQUES, 2016MARQUES, J. Estatal do governo de Minas fez parceria com firma de pai de Aécio. Folha de S. Paulo, São Paulo, 10 jun. 2016. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/06/1780157-estatal-do-governo-de-minas-fez-parceria-com-firma-de-pai-de-aecio.shtml>. Acesso em: 30 nov. 2016.
http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/...
).

15/06 - O ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado relatou, em sua delação premiada na Operação Lava Jato, ter repassado propina a mais de 20 políticos de diferentes partidos, entre eles Aécio Neves (FALCÃO , 2016bFALCÃO, M. et al. Machado relata propina a mais de 20 políticos de PMDB, PT, DEM e PSDB. Folha de S. Paulo, São Paulo, 15 jun. 2016b. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/06/1781908-machado-diz-ter-repassado-propina-a-18-politicos-de-pmdb-pt-dem-e-psdb.shtml>. Acesso em: 30 nov. 2016.
http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/...
).

15/06 - Sérgio Machado também relatou que participou da captação de recursos ilícitos para bancar a eleição do hoje senador Aécio Neves (PSDB-MG) à presidência da Câmara dos Deputados, no ano de 2001 (FALCÃO , 2016aFALCÃO, M. et al. Aécio repassou propinas em troca de apoio na Câmara, diz Machado. Folha de S. Paulo, São Paulo, 15 jun. 2016a. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/06/1781941-propinas-bancaram-eleicao-de-aecio-a-presidencia-da-camara-diz-machado.shtml>. Acesso em: 30 nov. 2016.
http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/...
).

18/06 - O ex-deputado federal Pedro Corrêa afirmou que Aécio foi responsável pela indicação do antecessor de Renato Duque na Diretoria de Serviços da Petrobras, Irany Varella, e que Varella arrecadava propina durante o governo Fernando Henrique Cardoso (CASTRO; ROCHA, 2016CASTRO, F.; ROCHA, M. Pedro Corrêa diz que Aécio indicou antecessor de Duque na Petrobras. G1, Rio de Janeiro, 18 jun. 2016. Disponível em: <http://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2016/06/pedro-correa-diz-que-aecio-indicou-antecessor-de-duque-na-petrobras.html>. Acesso em: 30 nov. 2016.
http://g1.globo.com/pr/parana/noticia/20...
).

25/06 - O empreiteiro Léo Pinheiro, sócio e ex-presidente da OAS, relatou, com base em documentos, que pagou suborno a auxiliares do então governador de Minas Gerais, Aécio Neves, durante a construção da Cidade Administrativa, obra comissionada pelo tucano cujo gasto total alcança R$ 2, 1 bilhões (CARVALHO; MAGALE, 2016CARVALHO, M. C.; MAGALE, B. Sócio e ex-presidente da OAS relatará propina para assessor de Aécio Neves. Folha de S. Paulo, São Paulo, 25 jun. 2016. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/06/1785714-socio-e-ex-presidente-da-oas-relatara-propina-em-obra-de-aecio-neves.shtml>. Acesso em: 30 nov. 2016.
http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/...
).

13/07 - A PF vaza informações da quebra de sigilo do celular de Otávio Marques de Azevedo, ex-presidente da empreiteira Andrade Gutierrez, e relata ter descoberto uma negociação de doação para a campanha de Aécio Neves à Presidência feita por intermédio de Oswaldo Borges da Costa Filho, ex-presidente da estatal mineira Codemig e conhecido como tesoureiro informal do PSDB-MG (BACHTOLD, 2016BACHTOLD, F. Mensagens mostram assédio de políticos a executivo da Andrade. Folha de São Paulo, 13 jul. 2016. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/07/1791086-mensagens-mostram-assedio-de-politicos-a-executivo-da-andrade.shtml>. Acesso em: 30 nov. 2016.
http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/...
).

É interessante notar que todas essas denúncias de corrupção contra Aécio foram noticiadas nos mesmos meios que estamos analisando neste artigo. Contudo, vejamos abaixo as curvas de valência do tucano para o ano de 2016:

Gráfico 2
Cobertura de Aécio Neves (2016)

De fato, a despeito de terem sido noticiadas na mídia, as denúncias contra Aécio parecem não ter repercutido. Notamos um padrão de curvas no qual as neutras são quase tão numerosas ou às vezes ultrapassam as negativas, e isso em um período em que o político foi objeto de várias denúncias de corrupção. O gráfico 3 abaixo, comparando as negativas de Dilma e de Aécio para o ano de 2016, mostra claramente a desproporção da cobertura:

Gráfico 3
Matérias contrárias para Dilma e Aécio (2016)

A razão entre o número de contrárias de Dilma sobre as de Aécio varia no período de 7, em junho, para 82, em agosto, mês em que Dilma era removida da presidência e em que o tucano recebeu somente uma matéria negativa. A discrepância visual entre as curvas é suficiente para provar o ponto, de qualquer modo.

Conclusão

Nossa exposição sobre o comportamento da mídia brasileira no contexto pós-eleitoral é suficiente para mostrar que Dilma não gozou de qualquer 'Lua de Mel' - conceito criado por acadêmicos de língua inglesa para descrever períodos pós-eleitorais nos quais o político eleito goza do arrefecimento das tensões que caracterizam o período eleitoral (JOHNSON, 1983JOHNSON, K. S. The Honeymoon Period: Fact or Fiction? Journalism & Mass Communication Quarterly, Columbia, v. 60, n. 3, p. 869-876, 1983.; NORPOTH, 1984NORPOTH, H. Economics, Politics, and the Cycle of Presidential Popularity. Political Behavior, Nova York, v. 6, n. 3, p. 253-273, 1984). Muito pelo contrário, seu mandato passou a ser ameaçado pela oposição mesmo antes da posse, seu governo encontrou enormes dificuldades no parlamento desde o início, e a grande imprensa assumiu uma postura ainda mais contrária à presidente do que havia tido durante a eleição.

A mudança da proporção de contrárias já em novembro, mês subsequente ao segundo turno, mostra que a mídia não teve qualquer disposição de esperar a organização do novo governo de Dilma. A cobertura salta de 96 contrárias nas capas dos três jornais no mês de outubro, último do período eleitoral, para 229 contrárias em janeiro, primeiro mês do segundo governo, para logo em março subir para 322. Isto é, em relação a outubro, o número de contrárias triplicou.

Para nos certificarmos que nossa estimativa do viés midiático é consistente, submetemos os números da cobertura de Dilma a uma comparação com a cobertura jornalística recebida por Aécio Neves, seu principal contendor, líder da oposição no contexto pós-eleitoral e objeto de inúmeras denúncias de corrupção. O teste não deixa dúvida de que a 'Lua de Mel' foi inexistente. A discrepância é tamanha que aponta para um nível de politização e militância midiática em tudo incompatível com o funcionamento de uma democracia moderna. Entretanto, esse é assunto que não nos cabe tratar diretamente aqui.

O impeachment de Dilma foi produto de vários fatores, alguns de ordem pessoal, como a falta de virtude política da própria mandatária, o excesso de rapacidade de alguns de seus principais contendores, como Eduardo Cunha, e o oportunismo de políticos como Renan Calheiros, Michel Temer entre tantos outros. Outros fatores são de ordem sistêmica, como o funcionamento altamente politizado e enviesado do judiciário, de Moro ao Supremo, do Ministério Público (MP) e da Polícia Federal, órgãos de Estado que em muitos momentos se mostraram fora de controle, seja porque esses mecanismos de controle constitucional não existem, como no caso do MP, seja porque eles não funcionam, como no caso do judiciário. Todavia é difícil imaginar como todos esses elementos entraram em sinergia sem a ativa colaboração da mídia, promovendo Moro e os promotores de Curitiba à condição de heróis nacionais, pressionando ministros do Supremo à ação e à inação, conclamando às ruas massas de classe média das grandes cidades - entre eles vários grupos de direita, fascistas e golpistas - e perseguindo seletivamente Dilma, Lula, o PT e inúmeros personagens a eles ligados, com uma enxurrada de ilações e denúncias muitas vezes infundadas.

O Brasil pós-impeachment tem um governo com baixíssima legitimidade, implementando um programa de reversão sistemática dos ganhos sociais e de direitos das últimas décadas; um sistema de justiça em frangalhos, nas mãos de pessoas que se portam como justiceiros, mas que mal conseguem disfarçar seus interesses políticos; e uma sociedade ainda terrivelmente desigual e cada vez mais desiludida com a representação política democrática. Já passamos por muitas crises em nossa história, e certamente essa que aí está um dia vai se dissipar. Contudo, o retorno do País ao caminho virtuoso do alargamento das instituições e práticas democráticas não vai se dar enquanto a comunicação for dominada pelo mesmo grupo exíguo de famílias proprietárias das grandes empresas de mídia. A informação de qualidade e o acesso à pluralidade de opiniões são o alimento e o ar da vida democrática. Sem elas, ou fenecemos, ou permanecemos democraticamente enfermos.

  • 1
    Dados sobre a cobertura do Jornal Nacional não serão expostos neste artigo, mas já foram apresentados em trabalhos anteriores (ver FERES JÚNIOR; SASSARA, 2014, 2016FERES JÚNOR, J.; SASSARA, L. O. O cão que nem sempre late: o Grupo Globo e a cobertura das eleições presidenciais de 2014 e 1998. Compolítica, Rio de Janeiro, v. 6, n. 1, p. 30-63, 2016. Disponível em: <http://compolitica.org/revista/index.php/revista/article/view/232/167>. Acesso em: 29 nov. 2016.
    http://compolitica.org/revista/index.php...
    ; FERES JÚNIOR , 2016FERES JÚNOR, J.; SASSARA, L. O. O cão que nem sempre late: o Grupo Globo e a cobertura das eleições presidenciais de 2014 e 1998. Compolítica, Rio de Janeiro, v. 6, n. 1, p. 30-63, 2016. Disponível em: <http://compolitica.org/revista/index.php/revista/article/view/232/167>. Acesso em: 29 nov. 2016.
    http://compolitica.org/revista/index.php...
    ). Os dados também se encontram disponíveis em nosso site.
  • 2
    Na verdade, o site também contém dados sobre as eleições de 1998 e 2010. Atualmente estamos ampliando a base para incluir também a análise dos grandes jornais para o ano de 2013, no bojo de um projeto de estudo das manifestações de 2013.
  • Suporte financeiro: não houve

Referências

  • ARRUDA, L. R. O vôo das notícias: o Jornal Nacional e as eleições 941995.170 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - Programa de Ciências Sociais Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1995.
  • AZEVEDO, F. Imprensa, campanha presidencial e agenda da mídia. In: RUBIM, A. A. C. (Org.). Mídia e eleições de 98 João Pessoa: Editora UFPB, 2000. p. 31-56.
  • BACHTOLD, F. Mensagens mostram assédio de políticos a executivo da Andrade. Folha de São Paulo, 13 jul. 2016. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/07/1791086-mensagens-mostram-assedio-de-politicos-a-executivo-da-andrade.shtml>. Acesso em: 30 nov. 2016.
    » http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/07/1791086-mensagens-mostram-assedio-de-politicos-a-executivo-da-andrade.shtml
  • CANES, M.; PEDUZZI, P. Delcídio diz que Aécio e Paes agiram em favor do Banco Rural na CPI dos correios. EBC Agência Brasil, Brasília, DF, 15 mar. 2016. Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2016-03/delcidio-diz-que-paes-e-aecio-agiram-favor-do-banco-rural-na-cpmi-dos>. Acesso em: 30 nov. 2016.
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  • CARVALHO, M. C.; MAGALE, B. Sócio e ex-presidente da OAS relatará propina para assessor de Aécio Neves. Folha de S. Paulo, São Paulo, 25 jun. 2016. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/06/1785714-socio-e-ex-presidente-da-oas-relatara-propina-em-obra-de-aecio-neves.shtml>. Acesso em: 30 nov. 2016.
    » http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/06/1785714-socio-e-ex-presidente-da-oas-relatara-propina-em-obra-de-aecio-neves.shtml
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2016

Histórico

  • Recebido
    Out 2016
  • Aceito
    Nov 2016
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