Reflexões sobre democracia deliberativa: contribuições para os conselhos de saúde num contexto de crise política

Marcelo Rasga Moreira Sobre o autor

RESUMO

O ensaio reflete sobre a democracia deliberativa e sobre os limites e as possibilidades de os conselhos municipais de saúde tornarem-se instituições que a pratiquem e ambientem. Mostra-se que tais conselhos enfrentam um processo de deslegitimação institucional que pode subtrair sua importância no processo decisório, risco potencializado pela crise política que o País atravessa. Por promover a participação social e a deliberação como processo organizado de busca do consenso na tomada de decisões e por considerar a decisão consensual como base da legitimação institucional, conclui-se que uma virada deliberativa tem potencial para impulsionar os conselhos na superação dos riscos da deslegitimação.

PALAVRAS-CHAVE:
Democracia; Deliberações; Conselhos de saúde

Introdução

As sociedades, para atingir, sustentar e aperfeiçoar a justiça social, enfrentam, constantemente, uma série de desafios. Mesmo aquelas que podem se orgulhar de terem conquistado os principais avanços nesse campo têm motivos concretos e diários para se preocupar com o retrocesso e com o recrudescimento das desigualdades sociais. Neste ensaio, considera-se que a democracia - mais precisamente, seu processo de aperfeiçoamento constante e de radicalização - constitui-se em eixo estruturante da luta pela justiça social, formando o ambiente social mais adequado para a melhoria das condições materiais de vida e da cidadania.

Democracia, aqui, será trabalhada com inspiração em Robert Dahl (1997)DAHL, R. A. Poliarquia: participação e oposição. São Paulo: Edusp, 1997., para quem uma sociedade é tão mais democrática quanto maior for sua capacidade de (i) ampliar a participação dos diferentes segmentos sociais na tomada de decisões, principalmente daqueles que sempre estiveram afastados e/ou alijados desses processos políticos; e, ao mesmo tempo, (ii) legitimar as instituições que recebem esses participantes, o que significa, em última instância, legitimar suas decisões.

Há, certamente, outras concepções de democracia. Contudo, para as reflexões que se deseja produzir neste trabalho, considera-se essa a mais indicada, porque permite inserir no debate a ideia-força de que direitos sociais e individuais só podem ser efetivos e sustentáveis em sociedades nas quais aqueles que são os principais interessados nas melhorias das condições de vida e cidadania têm real oportunidade de participar, defender seus interesses e, por meio do debate político, conquistá-los.

Em outras palavras, considera-se que quanto maior for a participação dos diretamente interessados no processo decisório de uma determinada política, mais chances ela tem de produzir resultados que atendam às necessidades daqueles e menos riscos de que expressem os interesses de representantes políticos que, muitas vezes, mantêm relações tênues com aqueles que deviam representar ou, pior, de representantes de segmentos avessos à justiça social.

Na contramão de um pensamento que expressa o que Nelson Rodrigues denominou 'complexo de vira-latas', o Brasil formulou, na Constituição Federal de 1988, novas instituições capazes de potencializar seus esforços democratizantes. Entre essas inovações, os conselhos gestores de políticas públicas - inspirados nos conselhos que surgiram na luta pela democratização dos anos 1970 e 1980 - despontam como a mais importante (GOHN, 2003GOHN, M. G. Conselhos Gestores e Participação Sociopolítica2. ed. São Paulo: Cortez, 2003. (Coleção Questões da Nossa Época, v. 84).), pois (i) incluem no processo decisório de tais políticas atores que dele sempre estiveram alijados; (ii) constituem-se na própria arena em que esses atores competem e articulam-se com os atores que sempre participaram do processo decisório; e (iii) distribuem e descentralizam para a sociedade organizada parte importante do poder decisório.

Nesses quase trinta anos, a implantação dos conselhos gestores tem apresentado ritmos e desenhos diferenciados, variando conforme as características e a receptividade democratizante dos atores que participam de cada política setorial. Provavelmente, porque, mais organizado na luta contra a ditadura militar (tendo, inclusive, produzido uma proposta de reforma de Estado cujos aspectos setoriais foram incorporados à Constituição), o setor saúde foi o que mais avançou e o que logrou melhores resultados com relação a seus conselhos: em âmbito federal, o Conselho Nacional de Saúde, que já existia, foi remodelado, adaptando-se ao preconizado pela Constituição; no âmbito estadual, as 27 Unidades de Federação criaram seus conselhos; e o mesmo ocorreu nos 5.570 municípios do País, que, ao criarem seus Conselhos Municipais de Saúde (CMS), congregaram mais de 72.000 conselheiros, dos quais, aproximadamente, 36.000 representam os usuários, constituindo-se na mais importante experiência de descentralização e participação político-administrativa do País (ESCOREL; MOREIRA, 2014ESCOREL, S.; MOREIRA, M. R. Participação Social. In: GIOVANELLA, L. et al(Org.). Políticas e Sistema de Saúde no Brasil. 2. ed. Rio de janeiro: Editora Fiocruz; Cebes, 2014, p. 853-884.).

Vários autores (BATISTA; MOREIRA, 2016BATISTA, R.; MOREIRA, M. R. Relações entre representação e participação no Conselho Municipal de Saúde do Rio de Janeiro: segmento dos usuários, 2013-2014. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 21, p. 1409-1420, 2016.; BUSANA; HEIDEMANN; WENDHAUSEN, 2015BUSANA, J. A.; HEIDEMANN, T. S. B. H.; WENDHAUSEN, A. L. P. Participação popular em um conselho local de saúde: limites e potencialidades. Texto Contexto Enferm, Florianópolis, v. 24, n. 2, p. 442-9, abr. /jun. 2015.; MONTEIRO; FLEURY, 2006MONTEIRO, M. G.; FLEURY, S. Democracia Deliberativa nas Gestões Municipais de Saúde: um olhar sobre a importância dos conselhos municipais de saúde nas gestões. Saúde em Debate, Rio de Janeiro v. 30, n. 73-74, p. 219-233, maio/dez. 2006.; MORITA; GUIMARÃES; DI MUZIO, 2006MORITA, I.; GUIMARÃES, J. F. C.; DI MUZIO, B. P. A Participação de Conselheiros Municipais de Saúde: solução que se transformou em problema? Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 15, n. 1, jan. /abr. p. 49-57, 2006.) têm estudado a participação social e os conselhos de saúde, convergindo em um ponto principal: apesar de terem obtido sucesso em sua tarefa inclusiva, os CMS ainda precisam superar importantes problemas para que possam influir de maneira efetiva no processo decisório da política municipal de saúde.

Moreira e Escorel (2009)MOREIRA, M. R.; ESCOREL, S. Municipal Health Councils of Brazil: a debate on democratization of health in the twenty years of the SUS. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 14, n. 3, p. 373-381, 2009., em estudo censitário, compreendem que tais dificuldades ocorrem porque os CMS, apesar de amparados em aspectos legais, não conseguiram, em termos políticos, consolidar-se como instituições do processo decisório das políticas municipais de saúde. Para eles, os CMS enfrentam tal problema sobretudo porque governantes que representam atores políticos que, tradicionalmente, concentraram poder decisório têm seus interesses matizados por práticas ultrapresidencialistas (ABRÚCIO, 1998ABRÚCIO, F. L. O ultrapresidencialismo Estadual. In: ANDRADE, R. C. (Org.). Processo de governo no Município e no Estado. São Paulo: Edusp; Fapesp, 1998. p. 87-117.) e tendem a identificar ações de desconcentração de poder como usurpação.

Assim, as problemáticas condições de funcionamento, recursos e infraestrutura que grande parte dos CMS enfrenta são analisadas por esses autores como reações, visto que sua provisão é responsabilidade legal do poder executivo municipal. Conformam, pois, um rol de indicadores de deslegitimação em que o mais importante é o de que 90% dos CMS do País tinham ao menos uma de suas últimas cinco deliberações não reconhecidas pelo poder executivo. Tais indicadores apontam para uma crise de deslegitimação dos CMS pelas instituições políticas que, no Brasil, tradicionalmente, concentram o poder decisório.

Nomear a crise e atribuí-la a determinados comportamentos dos gestores, embora adequado, pode produzir efeito diferente do que se pretende - a superação dos problemas -, uma vez que tangencia a esterilização dos debates por tender a apontar um conjunto de atores como responsável. É preciso, portanto, que se discutam os motivos que levam esses atores a agir de tal maneira, não para lhes atribuir possíveis razões, mas para compreender os gargalos do processo político e, também, para discernir, uma vez que entre tais atores há vários cuja trajetória política na defesa dos direitos sociais e individuais e da participação social desautorizam uma análise determinista dos indicadores anteriormente citados.

O presente ensaio pretende contribuir com esses esforços. Considerando que o debate deve ter como foco elementos relacionados ao funcionamento dos CMS, pois os externos já foram bem identificados, focaliza-se o caráter deliberativo que lhes é atribuído pela Lei nº 8.142/90 (BRASIL, 1990BRASIL. Congresso Nacional. Lei Federal nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990. Dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do SUS e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e dá outras providências. Diário Oficial [da] União. Brasília, DF, 28 dez. 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8142.htm>. Acesso em 29 dez. 2016.
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), tendo como objetivo compreender como os CMS o interpretam e praticam.

Parte-se aqui de uma hipótese de que a prática deliberativa dos CMS tende a considerá-los como uma instituição que tem poder sobre as demais instituições do processo decisório (Secretaria Municipal de Saúde, Câmara de Vereadores, Comissão Intergestores Bipartite - CIB), o que cria o ambiente propício para que estas reajam negativamente. Tais reações, persistindo ao longo do tempo e do processo político, elevam o risco de deslegitimação dos conselhos.

Esse ponto de partida está em consonância com Lijphart (2003)LIJPHART, A. Modelos de Democracia. Democracia e Padrões de Governo em 36 Países. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003., para quem as instituições que favorecem a busca de consensos e a articulação política são as que têm maiores chances de sucesso em suas tarefas democratizantes, estando associadas a melhores e mais generosas políticas públicas. Por conta disso, pretende-se refletir sobre uma práxis deliberativa que, inspirada em Manin (1987)MANIN, B. On Legitimacy and Political Delibaeration. Political Theory, Beverly Hills, v. 15, n 3, p. 388-368, 1987. e outros deliberacionistas, investe na construção do consenso, considerando-o base do processo de radicalização democrática.

Nessa dinâmica reflexiva, formula-se um desenho institucional simples, que articula um conjunto de elementos portadores de potência democratizante, relacionando-o, em seguida, aos CMS. Tal proceder não se ampara em uma postura normativa, pretendendo, acima de tudo, promover o debate em torno da prática deliberativa dos CMS, seus limites e possibilidades, a fim de contribuir para a superação dos riscos da deslegitimação, que estão extremamente acentuados pela crise política que o Brasil vive em 2016.

Democracia deliberativa

A democratização de um regime político depende da conjugação de esforços voltados para a inclusão e a participação de novos e diversificados atores no processo decisório e a criação e/ou consolidação de instituições que ambientem a competição política entre os atores incluídos e aqueles que, tradicionalmente, sempre foram tomadores de decisões.

Em regimes de democratização recente, como o Brasil, a tendência é a de que os esforços inclusivos e participativos tenham precedido, ao menos em termos de efetividade, os de consolidação institucional (liberalização). A sequência desses passos conduz tais regimes por um caminho difícil de ser percorrido, visto que a institucionalização da competição política é tão mais complexa e problemática quanto maior e mais diversificado é o número de atores incluídos (DAHL, 1997DAHL, R. A. Poliarquia: participação e oposição. São Paulo: Edusp, 1997.).

Isso ocorre porque muitos dos novos atores representam interesses que foram historicamente usurpados pelos que anteriormente concentravam o poder decisório e que, no novo regime, continuarão, em grande parte, a participar da competição política. Desconcentrar o processo decisório, distribuindo poder pelos novos atores sem torná-los mais poderosos que os tradicionais é o principal desafio institucional, pois, ao mesmo tempo que pode suscitar nestes a insegurança do revanchismo, pode ser compreendido pelos recém-incluídos como insuficiente diante do longo período em que seus interesses foram submetidos aos de outros.

Em tais cenários, os custos do respeito à competição política e seus resultados tendem a se elevar. Se, ao mesmo tempo, os custos das respostas extrainstitucionais (impositivas e/ou violentas) para os impasses gerados pela competição política reduzirem-se, a utilização delas torna-se uma opção concreta, o que põe em risco máximo a democratização (PRZEWORSKI, 1984PRZEWORSKI, A. Ama a incerteza e serás democrático. Novos Estudos, São Paulo, n. 9. p. 36-46, 1984. Disponível em: <http://novosestudos.uol.com.br/v1/contents/view/161>. Acesso em: 12 dez. 2016.
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).

Para que isso não ocorra, é preciso que os atores envolvidos no processo decisório legitimem as instituições que ambientam o processo decisório. A articulação entre os diferentes atores, a busca do consenso possível e a pactuação em torno de políticas que, de alguma maneira, representem os interesses envolvidos sem usurpar nenhum estão, por sua vez, na essência da deliberação política, que pode, em sentido amplo, ser definida como a tomada de decisões por meio do debate entre cidadãos livres e iguais.

Para Jon Elster (2001)ELSTER, J. Introduccion. In: ______. La Democracia Deliberativa. Barcelona: Gedisa Editorial, 2001. p 13-34., a incorporação da deliberação política à ideia de democracia é uma proposta/tentativa muito antiga, cuja origem ele situa na polis grega, mais precisamente, na Atenas do século V antes de Cristo. Segundo este autor, depois de períodos de ostracismo, tal proposta passa por importantes processos de renovação e crescimento, impulsionados, sobretudo, pelas reflexões de Jürgen Habermas, para quem a democracia desenvolve-se pela transformação das ideias e não por seu acúmulo.

Para Habermas (1989)HABERMAS, J. Consciência Moral e Agir Comunicativo Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989., essa transformação ocorre por meio da discussão e da troca de ideias, constituindo-se em um agir comunicativo, que, para assumir feições democráticas, deve se basear, entre outras coisas, em uma ética do discurso fundamentada em dois movimentos: a utilização do princípio de universalização como regra de argumentação para discursos práticos (uma reconstrução das intuições da vida quotidiana na competição política) e a tentativa de demonstrar a validade do princípio universal.

Marcos Nobre (2004)NOBRE, M. Participação e Deliberação na Teoria Democrática: uma introdução. In: COELHO, V. C. P.; NOBRE, M. (Org.). Participação e Deliberação: teoria democrática e experiências institucionais no Brasil contemporâneo. São Paulo: Editora 34, 2004. p. 21-40., ao estudar o debate entre diferentes teorias democráticas, também ressalta a importância da proposta de Habermas, mas considera que o primeiro impulso para a deliberação política voltar a ser reconhecida no debate democrático foi dado por Bernard Manin, ao distinguir dois sentidos de deliberação - como processo de discussão e como decisão - e ao fazer o segundo sentido depender teórica e praticamente do primeiro.

Manin (1987)MANIN, B. On Legitimacy and Political Delibaeration. Political Theory, Beverly Hills, v. 15, n 3, p. 388-368, 1987., preocupado com a legitimidade das decisões tomadas por meio da deliberação política (pois compreende que tal legitimidade é responsável pela consolidação das instituições que adotam a deliberação política), identifica duas macrocorrentes político-filosóficas que, embora fundamentem suas posturas na associação entre liberdade e deliberação, diferenciam-se na compreensão destas e das relações entre elas: (i) uma pensa a deliberação como a decisão em si, a escolha que um determinado indivíduo faz quando toma uma decisão. Nesse contexto, a deliberação é a concretização dos interesses do indivíduo, e sua legitimidade reside na liberdade que este tem para tomar sua decisão sem ser influenciado por ninguém ou por nenhuma instituição; e (ii) outra, amparada na tradição aristotélica, segundo a qual deliberação é o próprio processo de formação do interesse, o momento particular que precede a escolha e no qual o indivíduo pondera entre diferentes soluções. Para esta, a legitimidade está na liberdade que os indivíduos têm de debater (no dizer habermasiano, 'trocar') suas ideias.

A limitação da primeira proposta seria, no entender de Manin, que ela parte do pressuposto de que o indivíduo, ao deliberar, isto é, ao tomar uma decisão, já constituiu, per si, suas convicções e escolhas. Por isso, qualquer influência externa (de indivíduos, partidos ou associações) é compreendida como coercitiva e ameaçadora da liberdade, afetando, portanto, a legitimidade da deliberação. Assim, a troca, o debate entre as diferentes visões e a competição travada em torno da discussão de ideias, típicas da competição política, são eminentemente problemáticas.

Manin contesta essa concepção, afirmando que a tomada de decisões é sempre uma escolha entre incertezas. Para ele, é correto afirmar que os indivíduos, ao tomarem decisões sobre os rumos da sociedade, possuem informações. No entanto, estas são fragmentárias, incompletas e até mesmo contraditórias, o que não permite a formação de convicções que fundamentem a tomada de decisões. O confronto e o debate entre os vários pontos de vista acerca de uma proposta, ao invés de prejudicarem, são essenciais para que os indivíduos clarifiquem, aperfeiçoem e selecionem as informações de que dispõem, reduzindo seus níveis de incerteza e modelando suas preferências, ainda que isso represente uma mudança de seus vagos objetivos iniciais. Neste sentido, o debate, além de incrementar e melhorar a qualidade da informação disponível, constitui-se em processo político-pedagógico para os tomadores de decisão.

Em cenários como esse, a liberdade consiste na possibilidade de se chegar a uma decisão por meio da busca, do debate e da comparação entre várias soluções. Por conseguinte, a legitimidade das decisões seria o próprio processo de discussão e debate que as forma. Para Manin, esse processo de discussão e debate é, em si, a deliberação. Em outras palavras: a deliberação - o debate entre diferentes propostas - é o critério que legitima as decisões tomadas.

Como as decisões políticas geralmente são impostas a todos os indivíduos, uma das pré-condições essenciais para sua legitimidade é a participação de todos ou, mais precisamente, o direito de todos de participarem na deliberação. Assim, uma decisão será legítima não porque representa o interesse de todos, mas porque resulta da deliberação de todos ou, mais precisamente, do direito de todos de deliberarem.

Quando a deliberação é concluída (o que acontece não porque se formaram certezas, mas porque o prazo estipulado para a tomada de decisões findou-se), pode-se, em caso de dúvidas, decidir qual ponto de vista deve ser escolhido. Essa escolha é mediada pelo voto, que não é visto como 'a deliberação', mas como uma decorrência desta, que, além de tudo, tem o mérito de institucionalizar a posição daqueles que não concordaram com a solução final adotada - a minoria -, fortalecendo a legitimidade da decisão.

Joshua Cohen (2001)COHEN, J. Democracia y Libertad. In: ELSTER, J. (Org.). La Democracia Deliberativa. Barcelona: Gedisa Editorial, 2001. p. 13-34., com o intuito de aprofundar e concretizar tal concepção deliberativa, considera que não basta assegurar uma cultura pública de discussão sobre assuntos políticos e tentar associá-la a instituições tradicionais da democracia representativa, como voto, partidos e eleições. Para ele, a deliberação política só é legítima quando vincula o exercício do poder a condições de 'razonamiento público'.

O 'razonamiento público' é o procedimento no qual todos os cidadãos que têm condições de pensar sobre os temas a serem debatidos - para Cohen (2001)COHEN, J. Democracia y Libertad. In: ELSTER, J. (Org.). La Democracia Deliberativa. Barcelona: Gedisa Editorial, 2001. p. 13-34., 'aproximadamente todos os seres humanos' - são e se compreendem como livres e iguais, e seus interesses são apresentados ao debate por meio de propostas que expressam razões que poderiam ser aceitas por todos. Assim, o procedimento deliberacionista seria, além de democrático, racional. Quando a negociação democrática entre diferentes pontos de vista racionais não produz consensos, deve-se recorrer ao voto para a tomada de decisão. Nesses casos, votam-se em propostas que, embora não reflitam as razões de todos, foram construídas levando em consideração tais razões. Trata-se, pois, de escolher entre aquela que, na visão dos votantes, melhor considera tais razões. Isso confere legitimidade ao processo deliberativo e, por conseguinte, à decisão tomada por meio do voto.

Adam Przeworski (1984)PRZEWORSKI, A. Ama a incerteza e serás democrático. Novos Estudos, São Paulo, n. 9. p. 36-46, 1984. Disponível em: <http://novosestudos.uol.com.br/v1/contents/view/161>. Acesso em: 12 dez. 2016.
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apresenta uma importante contribuição para uma melhor compreensão desse 'momento do voto' ao definir que a incerteza dos resultados de uma competição política é fundamental para a legitimação das instituições. Para ele, se algum ator político tem a certeza de que seus interesses sairão vencedores da competição política, independentemente da forma que o processo decisório tiver, os demais atores tendem a deslegitimar a competição e a recorrer a outras estratégias extrainstitucionais (tendencialmente impositivas e/ou violentas) para fazer valer seus interesses.

Isso significa que se a votação para a qual são encaminhadas as propostas deliberadas não expressa a 'incerteza referencial' à qual Przewoski refere-se, a votação corre o risco de entrar em dissintonia com a deliberação, pois, se algum ator político tem a certeza de que, independentemente do que foi deliberado, sua proposta será vitoriosa na votação, os esforços de articulação e debate são anulados e a deliberação perde legitimidade. Para esse autor, a incerteza referencial pode e deve ser construída e garantida por meio de regras institucionais pactuadas entre os atores políticos. No que diz respeito ao voto, tais regras têm, entre outros aspectos, que se preocupar com a composição, o número e o peso decisório dos votantes.

Levando em conta esses argumentos, Jon Elster (2001)ELSTER, J. Introduccion. In: ______. La Democracia Deliberativa. Barcelona: Gedisa Editorial, 2001. p 13-34. considera que a democracia deliberativa não está imune - e, provavelmente, é ainda mais sensível - ao que chama de 'problema de larga escala'. Para ele, se forem repetidos os procedimentos gregos de deliberação, baseados na assembleia da ágora, na qual milhares de pessoas tomavam parte, o processo deliberativo tende a se tornar um debate entre poucos, geralmente providos de oratória e retórica, que se dedicam a convencer os demais de que sua proposta é melhor do que as outras. Nesta dinâmica, os oradores, preocupados em persuadir os ouvintes, tendem a recorrer à desqualificação das outras propostas (ou, o que é pior, de seus proponentes), esvaziando o debate e a troca de informações e, por extensão, a legitimidade das decisões.

No mesmo tom, John Dryzek (2004)DRYZEK, J. Legitimidade e Economia na Democracia Deliberativa. In: COELHO, V. C. P.; NOBRE, M. (Org.). Participação e Deliberação: teoria democrática e experiências institucionais no Brasil contemporâneo. São Paulo: Editora 34, 2004. p. 41-62., buscando identificar as possibilidades de a democracia deliberativa superar o problema de larga escala, considera que ela pende por um fio se sua viabilidade depende crucialmente de uma vasta maioria, em especial, porque esta sempre opta por não exercer os direitos e as capacidades que são tão fundamentais para a teoria.

A redução de escala preconizada por esses autores - já pensada por Manin, ao associar a deliberação de todos com o direito de todos de deliberar - necessariamente, introduz no debate o complexo e problemático aspecto da representação/representatividade. Lijphart (2003)LIJPHART, A. Modelos de Democracia. Democracia e Padrões de Governo em 36 Países. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. considera-o como um dos principais elementos formais para o sucesso das instituições políticas. Hannah Pitkin (1969)PITKIN, H. F. Representation. New York: Atherton Press, 1969., em estudo já clássico, explica que a representação, por se basear no paradoxo de tornar presente quem está ausente, contingencia a atuação dos representantes a uma espécie de oscilação entre uma postura de porta-voz dos que os nomearam representantes (mandato) e outra que os coloca como representantes não apenas dos que os indicaram, mas de toda a sociedade, o que os leva a decidir em nome dessa (autonomia). Para ela, as instituições devem ser capazes de harmonizar tais oscilações, gerando posturas intermediárias que viabilizem que o representante represente os que o indicaram, mas que isso não o impeça de atender a desígnios que considere como os da sociedade e, ao mesmo tempo, permitam que essa postura de independência não usurpe o interesse dos que indicaram como representante.

Archon Fung (2004, P. 183)FUNG, A. Receitas Para Esferas Públicas: oito desenhos institucionais e suas consequências. In: COELHO, V. C. P.; NOBRE, M. (Org.). Participação e Deliberação: teoria democrática e experiências institucionais no Brasil contemporâneo. São Paulo: Editora 34 . 2004. p. 173-209., lidando com as questões de escala e representação, propõe que a deliberação política tenha como lócus o que denomina de 'minipúblicos', recortes da esfera pública que

reúnem cidadãos às dúzias, centenas ou milhares, mas não aos milhões ou às dezenas de milhões, em deliberações públicas organizadas de maneira autoconsciente.

Ele propõe uma tipologia de minipúblicos baseada em suas funções e atribuições: 'fórum educativo'; 'conselho consultivo participativo'; 'cooperação para a resolução participativa de problemas'; e 'governança democrática participativa'.

O minipúblico, cuja atribuição é a de 'governança democrática participativa', porque tem como função incorporar os cidadãos diretamente à formulação e à determinação da agenda política, é o que apresenta a maior possibilidade de construir uma democracia de cunho deliberativo. Isso porque abre espaço para a criação de instituições que incluam no processo decisório das políticas públicas atores políticos até então dele alijados e que, pelas características apresentadas por Cohen (2003), podem legitimar as decisões tomadas.

Todos os autores aqui mencionados preocupam-se com outro elemento fundamental para o sucesso da deliberação política: a definição dos assuntos/políticas que podem e devem ser colocados em debate. Em regra, eles consideram que não se pode trabalhar com a ideia de que todo e qualquer assunto deva ser discutido, mas também encontram dificuldades para definir quais seriam (apresentando soluções amplas e um tanto vagas, do tipo 'tudo o que interfira no cotidiano de outro') e, o que parece ser ainda mais importante, como definir o que deve ser debatido. Esse parece ser o aspecto menos trabalhado na literatura acerca da deliberação política.

Marcos Nobre (2004)NOBRE, M. Participação e Deliberação na Teoria Democrática: uma introdução. In: COELHO, V. C. P.; NOBRE, M. (Org.). Participação e Deliberação: teoria democrática e experiências institucionais no Brasil contemporâneo. São Paulo: Editora 34, 2004. p. 21-40., baseado em Seyla Benhabib, define aspectos práticos para o proceder deliberativo: (i) a participação na deliberação é regulada por normas de igualdade e simetria; (ii) todos têm as mesmas chances de iniciar atos de fala, questionar, interrogar e abrir o debate; (iii) todos têm o direito de questionar a pauta produzida para debates; e (iv) todos têm o direito de introduzir argumentos reflexivos sobre as regras do procedimento discursivo e o modo pelo qual elas são aplicadas ou conduzidas.

Até aqui, buscou-se desenhar uma estrutura teórico-reflexiva que caracterizasse a democracia deliberativa como movimento de radicalização da democracia representativa - em especial, ao fato desta esgotar suas possibilidades responsivas em mecanismos eleitorais de agregação -, ampliando a legitimidade política do processo decisório por meio de uma constante e institucionalizada busca de consensos.

O passo seguinte, como destacaram Vieira e Silva (2013), é o de estabelecer as relações entre o aporte teórico da democracia deliberativa e as práticas deliberativas reais e questões mais concretas de desenho institucional, em especial, na criação e no desenvolvimento de minipúblicos.

Posto isso, o caminho trilhado neste ensaio envereda, ao finalizar o presente tópico, para a enunciação de um conjunto articulado de 11 características cuja intenção é contribuir para o desenho de uma instituição que, ao ser arena de um processo decisório, atue a partir da democracia deliberativa.

Para que a radicalização democrática seja conduzida por um caráter deliberativo, precisa (i) ser construída a partir de instituições nas quais a tomada de decisão é decorrência de um processo de debate entre diferentes propostas. Tais instituições (ii) tendem a ter mais sucesso se, em termos de escala, caracterizarem-se como minipúblicos. Entre esses, (iii) os que lidam mais diretamente com o processo decisório das políticas são os de tipo 'governança democrática participativa', pois têm a atribuição de definir a agenda política e, num sentido mais amplo, formular e acompanhar a execução das políticas públicas.

Para ser uma instituição democratizante, esses minipúblicos devem (iv) definir as agendas que serão objeto de deliberação, recusando a tentação de tentar deliberar sobre tudo. Agendas oriundas de fóruns participativos mais amplos e que, periodicamente, são reavaliadas constituem-se em uma estratégia poderosa; e (v) incluir em seu processo decisório representantes de todos os que tenham interesses nas ações políticas que serão debatidas.

Esses representantes precisam (vi) compreender-se mutuamente - e aos representados - como livres e de igual capacidade para tomar decisões políticas. Para que isso ocorra (vii), é fundamental que todos os participantes tenham igual possibilidade de formular, apresentar e defender propostas. Mais do que isso, (viii) as propostas por eles apresentadas precisam ser fundamentadas em razões que todos os participantes poderiam considerar como possíveis de serem aceitas.

Deste modo, (ix) o debate não se reduz a posturas de veto/aceite, constituindo-se em um processo que busca aprimorar a proposta original. Esse aprimoramento não extingue as divergências, mas ressalta convergências. Assim, (x) o voto, se necessário, torna-se uma maneira de escolher - entre diferentes propostas que, porque foram deliberadas, já são legítimas a todos - a mais plausível. (xi) Deliberação e votação são, pois, processos articulados que precisam estar baseados na incerteza referencial de seus resultados, o que inviabiliza o argumento deslegitimador.

Tais características, articuladas, têm, do ponto de vista deste ensaio, potencial para conferir legitimidade às deliberações e decisões tomadas pelas instituições, consolidando-as e, portanto, radicalizando a democracia. Pretende-se, agora, relacioná-las aos Conselhos Municipais de Saúde, a fim de se constatar em que medidas estes já as praticam; o quanto poderiam se aperfeiçoar para incorporá-las, isto é, suas possibilidades; e seus limites, aqueles que possam impedi-los de praticar a democracia deliberativa. O intuito principal desse proceder é, conforme discutido anteriormente, contribuir para a superação da crise de deslegitimação enfrentada pelos Conselhos de Saúde.

Possibilidades e limites da democracia deliberativa nos Conselhos Municipais de Saúde

Neste momento do ensaio, cabe aproximar as reflexões até aqui construídas dos Conselhos Municipais de Saúde, buscando, com base no desenho institucional acima esboçado, discutir as possibilidades e os limites desses conselhos de enfrentarem a crise de deslegitimação a partir de uma virada deliberacionista.

No campo das possibilidades, há pelo menos cinco que têm grande importância para uma abordagem que pretende caracterizar os CMS como 'minipúblicos de governança democrática participativa': (i) são instituições mandatórias, e sua não existência pode ser punida com corte de recursos federais; (ii) os conselheiros representam os segmentos que têm interesse nas políticas municipais de saúde; (iii) as entidades que representam o segmento dos usuários do sistema de saúde contam com metade das vagas de conselheiros, abrindo amplo espaço participativo para aqueles que, em última instância, serão os mais atingidos pelos resultados do processo decisório; (iv) por lidarem dessa maneira com a relação participação-representação, viabilizam uma estratégia para a superação do problema de larga escala; e (v) suas atribuições legais o institucionalizam como fórum de formulação das políticas de saúde e, em extensão, de controle e acompanhamento destas.

Ainda mais potente é o fato de que a Lei nº 8.142/90 (BRASIL, 1990BRASIL. Congresso Nacional. Lei Federal nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990. Dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do SUS e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e dá outras providências. Diário Oficial [da] União. Brasília, DF, 28 dez. 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8142.htm>. Acesso em 29 dez. 2016.
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), que institucionaliza os conselhos de saúde no processo decisório, define que essas instituições têm 'caráter deliberativo'. Contudo, dialeticamente, talvez resida nessa definição legal não apenas a grande possibilidade dos conselhos realizarem uma virada deliberacionsta, mas, também, o grande fator limitador para essa mudança. Isso porque a interpretação hegemônica entre os CMS sobre seu caráter deliberativo é aquela a qual Manin explica como a decisão em si, e não a busca pelo consenso como produtor da decisão.

Em termos mais específicos, na prática dos conselhos, deliberação é o resultado da votação realizada em seus plenos. Ela concretiza-se em um documento oficial e de caráter normativo que deve ser homologado e colocado em prática pelos governantes num prazo máximo de 30 dias. Como já citado, no único estudo censitário nacional disponível, Moreira e Escorel (2009)MOREIRA, M. R.; ESCOREL, S. Municipal Health Councils of Brazil: a debate on democratization of health in the twenty years of the SUS. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 14, n. 3, p. 373-381, 2009. identificaram que cerca de 90% dos CMS brasileiros tiveram ao menos uma de suas cinco últimas deliberações não homologadas pelo poder executivo municipal. Esse elevado percentual permitiu aos autores considerar que ou não houve um processo de troca de ideias, de busca de consenso, precedendo as votações, ou, se ocorreu, não foi capaz de produzir propostas que, embora divergentes, fossem baseadas em razões que todos os atores envolvidos pudessem ter.

Há de se agregar aqui um outro elemento limitador, a postura de veto (veto player) de determinados conselheiros, que, por seu número e liderança, acabam transformando os próprios conselhos em instância apriorística de veto, desestimulando qualquer busca de consenso, como mostra Silva (2011)SILVA, S. F. C. A Participação do Conselho Nacional de Saúde no Processo Decisório das Políticas de Saúde (janeiro de 2006 a dezembro de 2009). 2011.139 f. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública) - Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2011..

Levando-se em conta que a composição dos CMS é paritária e entendida como metade das vagas destinadas aos representantes dos usuários e metade aos representantes dos outros segmentos (sendo 25% dos profissionais de saúde e 25% do conjunto prestadores de serviço e governantes), para vencer uma votação, os governantes precisam atrair representantes de todos os outros segmentos. Se tal atração já tende a ter custos de transação elevados, estes são ainda maiores em um processo decisório em que a troca de ideias tem dificuldade para ocorrer.

Uma análise procedimental das votações mostra a elevação dos custos de transação: cerca de 70% dos CMS não estabelece quórum mínimo para a votação (MOREIRA; ESCOREL, 2009MOREIRA, M. R.; ESCOREL, S. Municipal Health Councils of Brazil: a debate on democratization of health in the twenty years of the SUS. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 14, n. 3, p. 373-381, 2009.). Na prática, isso significa que, em uma determinada votação, decisões podem ser tomadas independentemente do número de conselheiros presentes e dos segmentos que eles representem. Além de representar a quebra da paridade entre conselheiros, também determinada pela Lei nº 8.142/90 (BRASIL, 1990BRASIL. Congresso Nacional. Lei Federal nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990. Dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do SUS e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e dá outras providências. Diário Oficial [da] União. Brasília, DF, 28 dez. 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8142.htm>. Acesso em 29 dez. 2016.
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), isso amplia as possibilidades dos governantes de compreenderem que suas posições sairão derrotadas. Se tiverem certeza disso, ou seja, se considerarem que o processo não tem uma incerteza referencial e que suas propostas serão vetadas, ou que propostas contrárias a seus interesses serão vitoriosas, tenderão a não homologar o resultado da votação, reação cujo custo político é muito baixo. Agindo assim, deslegitimam as decisões e os próprios CMS.

Pode-se argumentar que essa situação é um descumprimento da lei pelo poder executivo, o que transferiria o problema para a esfera jurídica. Contudo, a quantidade de vezes que tal desrespeito ocorre e o fato de ser distribuído por todo o País, incidindo em locais nos quais o movimento social e o Ministério Público têm atuação destacada, parecem indicar que, se há um problema jurídico, decorre mais de uma lacuna, da ausência de jurisprudência e/ou da indefinição legal sobre o papel e o poder dos CMS.

A quantidade e a sequência de deliberações dos CMS que não são homologadas pelo poder executivo colocam em cheque sua legitimidade institucional e, por conseguinte, reduzem suas possibilidades de intervirem nos rumos das políticas de saúde. É a isso que se chama aqui de 'crise de deslegitimação', que pode esvaziar de sentido os avanços conquistados, em especial, os de inclusão de novos atores e, por conseguinte, os próprios CMS. Mais à frente, incorporar-se-á a esta reflexão sobre a deslegitimação, ainda que de maneira preliminar, um novo elemento, que desponta com a crise política que o Brasil atravessa em 2016.

Antes, porém, há de se discutir potenciais motivos para que essa concepção de deliberação como resultado do voto e de poder sobre as demais instituições do processo decisório seja predominante nos conselhos.

A principal hipótese aqui discutida diz respeito a uma peculiaridade na transição do 'Relatório final da 8ª Conferência Nacional de Saúde' (BRASIL, 1986______. Ministério da Saúde. Relatório Final da 8ª Conferência Nacional de Saúde. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 1986. Disponível em: <http://conselho.saude.gov.br/biblioteca/relatorios/relatorio_8.pdf>. Acesso em: 12 dez. 2016.
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) para o capítulo de saúde da Constituição de 1988 e as leis de criação do Sistema Único de Saúde (SUS), visto que um dos poucos aspectos do Relatório que não foram incorporados pelo SUS diz respeito justamente aos conselhos de saúde.

No 'Relatório final da 8ª' (BRASIL, 1986______. Ministério da Saúde. Relatório Final da 8ª Conferência Nacional de Saúde. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 1986. Disponível em: <http://conselho.saude.gov.br/biblioteca/relatorios/relatorio_8.pdf>. Acesso em: 12 dez. 2016.
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, P. 12), o sistema de saúde teria um setor privado "subordinado ao papel diretivo da ação estatal". Embora seja o agente primeiro e responsável pelo exercício direto desse controle, o Estado não seria nem a única nem a definitiva instância controladora, devendo, também, ser controlado, dessa vez, pela população.

Esse controle da população sobre o Estado, as políticas e os serviços de saúde - e, por conseguinte, sobre o setor privado - foi denominado 'controle social'. Para efetivá-lo, foram preconizadas, entre outras medidas mais amplas, a reordenação do Conselho Nacional de Saúde e a criação de Conselhos Estaduais, Municipais, Locais e Regionais. O item 25, Tema II, do Relatório, dispõe sobre a formação, em nível municipal, de Conselhos de Saúde:

[...] compostos de representantes eleitos pela comunidade (usuários e prestadores de serviço) que permitam a participação plena da sociedade no planejamento, execução e fiscalização dos programas de saúde. (BRASIL, 1986______. Ministério da Saúde. Relatório Final da 8ª Conferência Nacional de Saúde. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 1986. Disponível em: <http://conselho.saude.gov.br/biblioteca/relatorios/relatorio_8.pdf>. Acesso em: 12 dez. 2016.
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, P. 18).

Dessa forma, o controle social a ser empreendido pelos CMS seria um controle externo ao Estado e que acumula poderes formuladores, executores e fiscalizadores das políticas de saúde. Por serem externos e não estarem vinculados aos conselhos estaduais e nacional, os CMS não seriam submetidos a instâncias próprias de controle, a não ser, obviamente, pelo sistema jurídico do País.

Por tudo isso, a proposta da VIII Conferência Nacional de Saúde confere aos CMS preponderância sobre os demais atores políticos, em especial, sobre os governantes, atribuindo-lhes poder para determinar o resultado do processo decisório das políticas municipais de saúde, ainda que a posteriori. Nesse contexto, o papel dos CMS seria menos o de uma instituição democratizadora e mais o de uma instituição controladora.

Como se constata, o conselho municipal de saúde oficializado pela Lei nº 8.142/90 (BRASIL, 1990BRASIL. Congresso Nacional. Lei Federal nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990. Dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do SUS e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e dá outras providências. Diário Oficial [da] União. Brasília, DF, 28 dez. 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8142.htm>. Acesso em 29 dez. 2016.
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) é bastante diferente do proposto no 'Relatório final da 8ª CNS', sobretudo porque sua composição foi ampliada incluindo não só usuários e trabalhadores, mas, também, governantes e prestadores de serviço. Contudo, a concepção de controle e de poder sobre as demais instâncias do processo decisório persistiram na prática dos conselheiros, constituindo-se quase em uma ideologia, ainda hoje hegemônica nos CMS. E é essa persistência histórica que, no âmbito deste ensaio, sustenta a maior limitação para o desenvolvimento dos conselhos como instituições da democracia deliberativa.

Para encerrar este tópico, é preciso referir-se a outra questão fundamental para o desenvolvimento das instituições da democracia deliberativa, qual seja a de definir sobre o que vão deliberar. Como se discutiu, a preocupação dos deliberacionistas é a de que nem todos os assuntos e temas devem ser submetidos à deliberação.

No caso dos Conselhos, essa definição passaria pelo resgate do papel das Conferências Municipais de Saúde, também mandatória. Como afirma Carvalho (1995)CARVALHO, A. I. Conselhos de Saúde no Brasil: participação cidadã e controle social. Rio de Janeiro: Fase; Ibam, 1995., conselhos e conferências são instâncias participativas pensadas para atuar de maneira articulada, na qual estas, de caráter mais amplo e com mais participantes, formulam as diretrizes das políticas de saúde do município pelos quatro anos seguintes, e aqueles constroem as políticas a partir das diretrizes.

Assim, o foco das deliberações dos conselhos fica definido: as diretrizes definidas pelas conferências. Mais do que isso, a transformação dessas diretrizes em políticas e ações de saúde. A conferência seguinte, por sua vez, avalia tais políticas, identifica as novas prioridades, aperfeiçoa e cria novas diretrizes para os quatro anos seguintes, e o ciclo virtuoso segue em frente, sem que isso represente empecilho para, diante de situações extraordinárias, o conselho deliberar.

O limite desse ciclo virtuoso parece ser, portanto, o fato de que as conferências municipais de saúde têm privilegiado em seus debates a escolha de conselheiros para a conferência estadual, a eleição de novos conselheiros municipais e, sobretudo, a discussão de problemas imediatos e emergenciais do SUS, abrindo mão de seu papel de formulador de diretrizes políticas e/ou produzindo indicações extremamente genéricas para a política de saúde, por vezes, até extrapolando o setor saúde.

Considerações finais

A crise de deslegitimação aqui discutida tem como referencial de partida as reações dos prefeitos às decisões dos CMS, seja por via direta (a não homologação das decisões), seja por uma via mais dissimulada (restrições às condições de funcionamento). A conjuntura atual do País, no entanto, tem ampliado tal deslegitimação, espraiando-a para o congresso nacional e por diversos segmentos sociais.

Em outubro de 2014, o Congresso Nacional sustou o decreto, da presidenta Dilma Roussef, que instituía a Política Nacional de Participação Social, que, segundo Alencar e Ribeiro (2014, P. 27)ALENCAR, J. L. O.; RIBEIRO, U. C. O decreto sobre a participação social no governo federal e a "polêmica bendita". Boletim de Análise Político Institucional, n. 6. Brasília, DF, 2014. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/boletim_analise_politico/141117_boletim_analisepolitico_06_cap3>. Acesso em: 13 dez. 2016.
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, não significava "qualquer ameaça ao trabalho de nossas instituições representativas tradicionais" e que tinha como mérito buscar uma articulação entre os diferentes conselhos gestores de políticas públicas. O informativo 'Câmara Notícias', ao informar o fato, ressaltou que "o governo perdeu a primeira votação depois da reeleição de Dilma Roussef [...] com o apoio do PMDB e do PP, da base aliada" (RIBEIRO, 2014, P. 27).

Era, portanto, o movimento político que ficaria mais nítido ao longo dos anos de 2015 e 2016 de desestabilização do governo reeleito, com partidos de oposição pedindo a impugnação da eleição, a cassação da chapa vencedora e, depois da posse, as pautas-bomba, aquelas que tinham potencial de desestabilizar as contas do País. Tal movimento, ao articular a crítica aos conselhos gestores ao governo federal, tornou-se mais um indicador grave da crise de deslegitimação.

Há, ainda, um outro indicador, talvez mais grave, porque desloca a deslegitimação da reação dos governantes e congressistas para o descontentamento de diferentes segmentos da sociedade: nas manifestações de ruas que vêm acontecendo no País, desde 2013, 'saúde' sempre foi palavra de ordem, a despeito do tom da manifestação. Do famigerado 'saúde padrão Fifa' (Federação Internacional de Futebol) (instituição varrida por escândalos de corrupção internacional) até o 'mais dinheiro para a saúde', passando pela tentativa da presidenta de utilizar recursos do Pré-sal para a saúde, todos foram às ruas para se manifestar por mudanças na saúde.

E esses movimentos de ruas ignoraram os conselhos de saúde, provavelmente porque a maioria das pessoas sequer sabe de sua existência. Mas o mais impressionante é que os conselhos, do ponto de vista institucional, também ignoraram os movimentos de rua. Não se está dizendo que conselheiros, exercendo sua cidadania, não foram às ruas, ou mesmo que determinados conselhos tenham discutido as manifestações em suas reuniões.

O que se está discutindo é que os conselhos não se abriram para os manifestantes, não buscaram canalizar o poder participativo daqueles que iam para a rua, tornando-se uma instituição porosa a esse tipo de participação. Parafraseando Young (2014)YOUNG, I. M. Desafios Ativistas à Democracia Deliberativa. Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, DF, n. 13, p. 187-212, jan. /abr. 2014., esse é um desafio ativista à democracia deliberativa, mas também um desafio deliberacionista aos ativistas e manifestantes.

É nessa confluência que, neste ensaio, situa-se a extrema preocupação com a deslegitimação e suas consequências. Logicamente, a deliberação política não é a panaceia, e os CMS não são as únicas instituições possíveis para se pensar a democratização do setor municipal de saúde. Há críticas importantes que, embora não figurem nos objetivos deste ensaio, precisam ser levadas em conta. A principal delas é a de que, ainda que o modelo da democracia deliberativa preconize a possibilidade de todos participarem do processo decisório, nem todos têm capacidade, recursos políticos e/ou interesse em tal participação. Como já referido, a concepção de deliberação como troca de ideias embute a concepção de que essa troca é, também, um processo político-pedagógico, que aprimora a capacidade política de seus partícipes.

No entanto, o que aqui se tentou trabalhar é que os CMS são instituições que têm potencial deliberativo e que podem se consolidar e contribuir para produzir políticas de saúde que atendam mais diretamente ao interesse de atores políticos que sempre estiveram de fora da tomada de decisões. Podem, portanto, contribuir para a democratização. Não são, com certeza, o único caminho nem a única proposta plausível para se pensar em conselhos mais efetivos e em radicalizações da democracia, tão em risco no Brasil de 2016, mas têm como mérito principal o de associar permanentemente a busca da efetividade à busca da democratização.

  • Suporte financeiro: não houve

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2016

Histórico

  • Recebido
    Nov 2016
  • Aceito
    Dez 2016
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