Estado e políticas de equidade em saúde: democracia participativa?

Kátia Maria Barreto Souto Ana Gabriela Nascimento Sena Vinicius Oliveira de Moura Pereira Lia Maria dos Santos Sobre os autores

RESUMO

Estado, políticas de equidade e participação social: experiência de gestão participativa na construção e na implementação de políticas públicas. Pode a saúde tornar-se um espaço de construção de cidadania que contribua com a redução das desigualdades sociais? Os limites do Estado brasileiro podem ser impeditivos para o desenvolvimento de uma gestão participativa, na qual os movimentos sociais deveriam estar aptos, de fato, a opinar e participar sem perder sua autonomia? O presente ensaio traz elementos para essas reflexões e cita possíveis avanços em tais questões, a partir da implantação de políticas de equidade na saúde, apontando, ainda, potencialidades de articulação entre as esferas da gestão do Sistema Único de Saúde, como espaço, também, de gestão participativa.

PALAVRAS-CHAVE:
Estado; Saúde; Equidade; Políticas públicas

Introdução

O desafio de abordar as políticas de equidade em saúde e a democracia participativa, considerando o papel e limites do Estado, exige debruçar-se, em primeiro lugar, sobre alguns conceitos, contextualizando-os no campo político e na saúde.

Longe de querer impor uma verdade absoluta ou redefinir paradigmas, busca-se, a partir de uma abordagem reflexiva, trazer para o centro do debate, experiências de gestão que entendem os limites do Estado na implementação de políticas públicas de equidade e reconhecem as potencialidades e a importância de uma gestão com participação social.

Considerando que o Artigo 196 da Constituição Federal (CF) de 1988 afirma que

a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. (BRASIL, 1988BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 13 dez. 2016.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/co...
).

é possível inferir, do texto citado, o caráter de política de Estado (dever do Estado) e o princípio da universalidade (direito de todos). Ademais, é pertinente afirmar que a saúde é uma política social e intersetorial. No mesmo Artigo 196, a CF prevê que a saúde será garantida "mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doenças e outros agravos" (BRASIL, 1988BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 13 dez. 2016.
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). Por fim, os princípios da equidade e integralidade ficam claros quando a Carta Maior versa sobre "o acesso igualitário (equidade) às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação (integralidade)" (BRASIL, 1988BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 13 dez. 2016.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/co...
). E além desses princípios/diretrizes (orientadores) que buscam garantir uma saúde universal, com equidade e integralidade, é importante destacar, nos trechos ressaltados acima, os seguintes princípios organizativos: descentralização, regionalização, hierarquização e participação da comunidade.

Para que o Sistema Único de Saúde (SUS) seja universal, é preciso garantir que todos tenham acesso aos serviços de saúde. Para tanto, é preciso superar as desigualdades sociais e as diferenças regionais. O conceito de equidade é fundamental para garantir a universalidade da saúde.

Como as políticas de promoção de equidade contribuem efetivamente para a cidadania dos segmentos sociais para os quais são dirigidas, e que representam? É possível afirmar que a participação social na elaboração, na implementação e no monitoramento das políticas expressa ou significa uma democracia participativa?

O presente artigo se propõe a fazer essa reflexão, a partir das experiências de implantação e implementação das políticas de promoção de equidade no SUS, no período de 2003 a 2015.

Estado, equidade e democracia participativa

Que modelo de Estado é necessário para garantir a universalidade com equidade na saúde? E que conceito de equidade está sendo abordado? Nos últimos anos, alguns debates teóricos trouxeram reflexão crítica sobre os diversos e diferentes conceitos.

Uma distinção frequentemente encontrada na literatura é aquela entre equidade horizontal - que corresponderia ao tratamento de igual de iguais - e equidade vertical - que corresponderia ao tratamento desigual de desiguais. (SILVA; ALMEIDA FILHO, 2009SILVA, L.; ALMEIDA-FILHO, N. Equidade em Saúde: uma análise crítica de conceitos. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, n. 25, supl. 2, p. S217-S226, 2009., P. 217).

O que permeará a análise deste artigo, parte da pergunta: Que modelo de Estado é capaz de garantir direitos sociais e gerar cidadania? Para se falar sobre o assunto, é importante que se resgate Marx (1845, P. 8)MARX, K. Crítica ao Programa de Gotha, 1875. Portal Domínio Público. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cv000035.pdf>. Acesso em: 20 dez. 2016.
http://www.dominiopublico.gov.br/downloa...
, quando ele afirma: "De cada qual, segundo sua capacidade; a cada qual, segundo suas necessidades" e de cada qual conforme suas potencialidades. A equidade estará no escopo desse conceito. Cite-se, ainda:

A equidade corresponde [...] a uma intervenção de agentes sociais, quando assumem o papel de juízes, sobre situação de conflito. No caso específico da saúde, o exercício da equidade pode se materializar no processo de formulação de políticas de saúde e das políticas intersetoriais, que podem ter impacto sobre os determinantes sociais da saúde. (SILVA; ALMEIDA FILHO, 2009SILVA, L.; ALMEIDA-FILHO, N. Equidade em Saúde: uma análise crítica de conceitos. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, n. 25, supl. 2, p. S217-S226, 2009., P. 217).

Como um sistema de serviços de saúde pode contribuir para a superação das desigualdades sociais? Como a redistribuição da oferta de ações e serviços, e a redefinição do perfil dessa oferta, na dimensão dos grupos sociais que serão nela contemplados, além da capacidade da rede de atenção para dar acolhimento, de forma universal e integral a todos, podem, de fato, contribuir para diminuir as desigualdades sociais? Cabe, aqui, destacar a implantação e a implementação das políticas de promoção de equidade na saúde voltadas para as necessidades de segmentos da população mais vulneráveis, que estão mais expostos ao risco de adoecer ou morrer em função de características econômicas, sociais, culturais e históricas, como negros e quilombolas; moradores de rua; lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT); ciganos; populações do campo, da floresta e das águas (ribeirinhos, pescadores, marisqueiros, camponeses, trabalhadores rurais, sem-terra etc.).

As políticas de promoção de equidade em saúde visam garantir o acesso à saúde com qualidade para essas populações. Tais políticas se baseiam no 'princípio da equidade', o qual

[...] mostra que, para superar as diferenças, é necessário tratar desigualmente aqueles que são socioeconomicamente desiguais (ação afirmativa ou discriminação positiva). Uma oferta homogênea para atender a situações heterogêneas somente pode resultar na manutenção das diferenças originárias. Essa oferta corresponderá às necessidades de determinado subconjunto da população e não será adequada para outros, seja por razões culturais ou socioeconômicas. (COHEN; FRANCO, 2007, P. 50-51).

Nos últimos anos, os movimentos sociais organizados, representativos desses segmentos sociais, apresentaram demandas para a saúde, a partir de suas identidades e exclusões sociais, buscando políticas que reconhecessem suas reivindicações e suas especificidades, na perspectiva de que o conceito de equidade se articula com os princípios da universalidade e da integralidade, considerando o conceito ampliado de saúde como cidadania e qualidade de vida.

Carmem Teixeira (2011)TEIXEIRA, C. Os Princípios do Sistema Único de Saúde. Salvador: Secretaria da Saúde, 2011. Disponível em: <http://www.saude.ba.gov.br/pdf/OS_PRINCIPIOS_DO_SUS.pdf>. Acesso em: 13 dez. 2016.
http://www.saude.ba.gov.br/pdf/OS_PRINCI...
, em texto de apoio às conferencias municipais e estaduais de saúde, afirma:

A problemática da equidade tem gerado, também, algumas polêmicas, em virtude, de um lado, do questionamento da 'pertinência' de políticas específicas para determinados grupos, vista como uma forma de 'neocorporativismo' ou de 'clientelismo', na medida em que atendem pressões de movimentos sociais mais bem organizados, ou que conseguem estabelecer lobbies, ou anéis 'tecnoburocráticos' com setores das instituições gestoras das políticas. De outro, defende-se a pertinência dessas políticas, não só como resposta a pressões específicas, senão como forma de expressão da 4ª geração de direitos. (TEIXEIRA, 2011TEIXEIRA, C. Os Princípios do Sistema Único de Saúde. Salvador: Secretaria da Saúde, 2011. Disponível em: <http://www.saude.ba.gov.br/pdf/OS_PRINCIPIOS_DO_SUS.pdf>. Acesso em: 13 dez. 2016.
http://www.saude.ba.gov.br/pdf/OS_PRINCI...
, P. 9)

Como trabalhar essa contradição? Qual o papel do Estado, afinal? Quais os limites das políticas públicas?

O estudo da equidade ou sua inclusão na agenda do Estado, como campo de intervenção social e como política pública, passa a atribuir a ele uma responsabilidade na redução das desigualdades sociais, em contraposição à concepção do Estado Mínimo.

Por meio de políticas sociais, o Estado deveria assumir o desafio de corrigir as desigualdades existentes, sem realizar qualquer ruptura com princípios liberais clássicos, como a garantia da propriedade. A equidade, nessa perspectiva, contribuiria com a reprodução ampliada da nova ordem do capitalismo [...]. (RIZZOTTO; BORTOLOTO, 2011RIZZOTTO, M.; BORTOLOTO, C. O conceito de equidade no desenho de políticas sociais: pressupostos políticos e ideológicos da proposta de desenvolvimento da CEPAL. Interface (Botucatu), Botucatu, v. 15, n. 38, p. 793-803, jul. /set. 2011., P. 794).

A partir do governo Lula, a equidade entra na agenda das políticas públicas, inclusive com a criação de secretarias com status de ministérios, como a Secretaria de Política de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), a Secretaria de Direitos Humanos (SDH), a Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM) e a Secretaria Nacional da Juventude (SNJ). Com essa nova configuração, o Brasil ganha expressão social no seu papel de Estado. Expressão concreta dessa mudança é o aumento dos investimentos em políticas públicas, inclusive na educação e na saúde, além de nas políticas de promoção de equidade, que objetivam reconhecer e resgatar dívidas sociais do Estado brasileiro com segmentos historicamente excluídos das políticas públicas. Articula-se, portanto, a partir desse período, o conceito de equidade com justiça social, estabelecendo políticas que favoreçam os mais vulneráveis da sociedade, os excluídos social e economicamente.

A saúde tem sido, desde então, um dos espaços de maior expressão desse resgate social e da implementação de ações afirmativas e de políticas de inclusão social, gerando cidadania. A política de saúde brasileira passou por mudanças profundas nos últimos 26 anos, desde a instituição do SUS, nos anos de 1990, até os dias atuais. Para uma melhor compreensão do papel do Estado brasileiro nesse período e o papel estratégico da saúde na construção da cidadania e de direitos sociais no Brasil, é necessário compreender o modelo de saúde brasileiro, ou seja, o SUS.

Essa pauta vem desde o Movimento da Reforma Sanitária Brasileira, que iniciou o debate sobre o tipo de Estado que seria necessário para implementar o SUS, garantindo a saúde como direito universal e integral para todos.

A implementação do SUS revela esforços de fortalecer uma política nacional em um cenário federativo e democrático, expressos na configuração institucional do sistema e na regulação do processo de descentralização político-administrativa. (MACHADO; VIANA, 2009MACHADO, C. V.; VIANA, A. L. A. Descentralização e Coordenação Federativa na Saúde. In: Saúde, Desenvolvimento e Território. São Paulo: Hucitec, 2009, p. 21-59., P. 23).

Toda a luta da saúde passou, e passa, pelo papel imprescindível da participação social. Os mecanismos de controle social do SUS - como as conferências de saúde e os conselhos de saúde -, bem como os foros de negociação e pactuação entre gestores - como as comissões intergestores bipartites (CIB), que reúnem os secretários municipais e estadual de saúde, e comissões intergestores tripartite (CIT), que reúnem a União, estados e municípios -, são espaços consolidados na democracia interna do SUS. São instrumentos destinados à democracia participativa, legitimados pelas Leis Orgânicas do SUS, como a Lei nº 8.080/1990 e a Lei nº 8.142/1990, que, respectivamente, versam sobre a organização da rede do SUS e sobre seu controle social e financiamento.

Sem dúvida, a participação popular foi decisiva para a implantação de políticas sociais que colocaram no centro do debate a equidade e, as desigualdades sociais, reivindicando cidadania plena. A equidade na saúde é um conceito que se agrega ao da universalidade, proporcionando, assim, a dimensão de construção de igualdade social, ou, pelo menos, trabalhando o conceito de equidade com justiça social. Sendo assim, a saúde apresenta, implanta e implementa as políticas de promoção de equidade na perspectiva de reduzir as desigualdades sociais e ampliar os direitos e a autonomia dessas populações, em relação ao acesso universal e integral à saúde. Além disso, ela se articula com outras políticas sociais, tendo a participação popular como elemento estruturante das demandas e das respostas do Estado Brasileiro.

As políticas de equidade, ou afirmativas, encontram amparo no Direito brasileiro, inclusive na Constituição Federal, em seu Artigo 3º, inciso III, como constatam as juristas:

Enfim, se, por um lado, o texto constitucional confere o estatuto da igualdade formal aos indivíduos e grupos cujas diferenças reconhece em nome da pluralidade e da ausência de preconceitos, por outro, determina o combate à exclusão no âmbito das desigualdades materiais, em nome da igualdade e da justiça. É, portanto, legítimo que os grupos sociais portadores de especificidades e submetidos a desigualdades sejam sujeitos de proteção jurídica diferenciada, que, por meio de políticas públicas não homogeneizantes, garanta a sua inclusão social e, ao mesmo tempo, respeite os seus saberes locais. (MIRANDA; LACERDA, 2009, P. 219).

Assim, pode-se afirmar que, em que pese os limites do Estado para atender a todas as demandas das populações em condições de desigualdades sociais e econômicas, as políticas de equidade contribuem para a efetiva conquista de direitos desses segmentos, fortalecendo-lhes para cidadania e a inclusão social.

Além dos conselhos e das conferências de saúde, a ouvidoria do SUS e os comitês de políticas de promoção de equidade ganharam expressão com a participação cidadã, individual e coletiva. As portarias que instituem a Política Nacional de Gestão Estratégica e Participativa do SUS (ParticipaSUS) promovem mecanismos de mobilização dos diferentes segmentos sociais que se relacionam com esse sistema.

Em 2006, com o objetivo de reunir as diversas estruturas responsáveis pelas funções de apoio à gestão estratégica e participativa do SUS, a Secretaria de Gestão Participativa, criada em 2003, foi reestruturada pelo Decreto nº 5.841, de 13 de julho de 2006, quando passou a ser denominada Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa (SGEP). Naquela oportunidade, incorporou-se à SGEP o Departamento Nacional de Auditoria do SUS (Denasus), foi instituído o Departamento de Monitoramento e Avaliação da Gestão do SUS (Demags), transformou-se o Departamento de Acompanhamento da Reforma Sanitária em Departamento de Apoio à Gestão Participativa (Dagep) e, por fim, ampliou-se o Departamento de Ouvidoria-Geral do SUS (Doges). Em 2011, a Secretaria passou por nova reorganização, mantendo o Denasus, o Doges, o Dagep e, no lugar do Demags, passaram a integrar a SGEP o novo Departamento de Articulação Interfederativa (DAI) e o Departamento de Informática do SUS (Datasus). Em 2013, de acordo com o Artigo 34 do Decreto n. º 8.065, de 07 de agosto de 2013, que aprovou nova estrutura regimental do Ministério da Saúde (MS), definiram-se, entre outras, as seguintes competências da SGEP:

  1. Formular e implementar a política de gestão democrática e participativa do SUS e fortalecer a participação social;

  2. Articular as ações do Ministério da Saúde, referentes à gestão estratégica e participativa, com os diversos setores, governamentais e não governamentais, relacionados com os condicionantes e determinantes da saúde;

  3. Apoiar o processo de controle social do SUS, para o fortalecimento da ação dos Conselhos de Saúde;

  4. Promover, em parceria com o Conselho Nacional de Saúde, a realização das Conferências de Saúde e das Plenárias dos Conselhos de Saúde, com o apoio dos demais órgãos do Ministério da Saúde;

  5. Incentivar e apoiar, inclusive nos aspectos financeiros e técnicos, as instâncias estaduais, municipais e distritais, no processo de elaboração e execução da política de educação permanente para o controle social no SUS;

  6. Apoiar estratégias para mobilização social, pelo direito à saúde e em defesa do SUS, promovendo a participação popular na formulação e avaliação das políticas públicas de saúde;

  7. Contribuir para a equidade, apoiando e articulando grupos sociais que demandam políticas específicas de saúde;

  8. Promover a participação efetiva dos gestores, trabalhadores e usuários na eleição de prioridades e no processo de tomada de decisões na gestão do SUS;

  9. Formular e coordenar a Política de Ouvidoria para o SUS, implementando sua descentralização e cooperação com entidades de defesa de direitos do cidadão;

  10. Promover, em parceria com a Secretaria-Executiva do Conselho Nacional de Saúde, a articulação dos órgãos do Ministério da Saúde com o Conselho Nacional de Saúde. (BRASIL, 2013______. Decreto nº 8.065, de 07 de agosto de 2013. Aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das Funções Gratificadas do Ministério da Saúde e remaneja cargos em comissão. Diário Oficial [da] União, Brasília, DF, 2013. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2011-2014/2013/Decreto/D8065.htm>. Acesso em: 13 dez. 2016.
    http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_At...
    , ART. 34).

Destaca-se, portanto, a gestão participativa, reafirmando e valorizando o papel da participação social no SUS, em diferentes espaços, também reconhecendo as iniquidades em saúde de populações específicas e ampliando os espaços de ausculta da sociedade.

A gestão participativa se ancora na democracia participativa, e os espaços de diálogo e de construção conjunta pressupõem a adoção de práticas e mecanismos que efetivem a participação social, de usuários, de trabalhadores e gestores do SUS. Neste contexto, são criados os comitês de promoção de políticas de equidade (quadro 1), os grupos de trabalho e os conselhos gestores, e também é ampliado o papel da ouvidoria do SUS, nas três esferas de governo.

Quadro 1
Comitês Técnicos de Políticas de Promoção de Equidade distribuídos de acordo com o perfil e com o ano de implantação.

Os comitês de promoção de equidade são espaços de diálogo da gestão e dos movimentos sociais, e têm sido espaços de elaboração e monitoramento das políticas de promoção de equidade, de fortalecimento do controle social e de escuta dos movimentos sociais e suas reivindicações, ou seja, são instâncias participativas.

Instâncias participativas são os espaços cujo propósito é permitir que os sujeitos atuem em conjunto e, com isso, potencializem seus esforços participativos e a consecução de seus objetivos. (ESCOREL; MOREIRA, 2012ESCOREL, S.; MOREIRA, M. Participação Social. In: GIOVANELLA, L.; ESCOREL, S.; LOBATO L. et al. (Org.). Políticas e Sistema de Saúde no Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2012, p. 853-883., P. 856).

Políticas de equidade em saúde

A saúde tem sido pioneira e porta de entrada para acolher as populações mais vulneráveis, reconhecendo as desigualdades sociais como determinantes que geram o processo de adoecer e de morrer de forma diferenciada nos diversos segmentos sociais. As políticas de promoção de equidade, em especial, que reconhecem os sujeitos políticos que sofrem preconceito e discriminação pela sua condição social, de raça/etnia, de orientação sexual ou por sua cultura, como a população negra e quilombola, ribeirinhos, marisqueiras e pescadores, lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, população em situação de rua, ciganos etc., são expressões de direitos e cidadania, a partir da saúde. Podemos citar:

Ao considerar a política de saúde como uma política social, uma das consequências imediatas é assumir que a saúde é um dos direitos inerentes à condição de cidadania, pois a plena participação dos indivíduos na sociedade política se realiza a partir de sua inserção como cidadãos. (FLEURY; OUVERNEY, 2012FLEURY, S.; OUVERNEY, A. Política de Saúde: uma política social. In: GIOVANELLA, L.; ESCOREL, S.; LOBATO L. et al. (Org.). Políticas e Sistema de Saúde no Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2012, p. 25-57., P. 25).

Para efetivar os avanços sociais na área da saúde, foram instituídas: a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (BRASIL, 2009B______. Ministério da Saúde. Portaria nº 992, de 13 de maio de 2009. Institui a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra. Diário Oficial [da] União, Brasília, DF, 13 maio 2009b. Disponível em: <http://renafrosaude.com.br/wp-content/uploads/2012/11/Portaria-da-PNSIPN.pdf>. Acesso em: 13 dez. 2016.
http://renafrosaude.com.br/wp-content/up...
); a Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo, da Floresta e das Águas (BRASIL, 2011A); e a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (BRASIL, 2011B______. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.836, de 1º de dezembro de 2011. Institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (Política Nacional de Saúde Integral LGBT). Diário Oficial [da] União, Brasília, DF, 1º dez. 2011b. Disponível em: <http://www.saude.go.gov.br/public/media/EU6sWLAaw55isy/90910111909016012645.pdf>. Acesso em: 13 dez. 2016.
http://www.saude.go.gov.br/public/media/...
). Como estratégia para a implementação das novas políticas, foram criados Comitês de Políticas de Promoção de Equidade nos estados e municípios, contemplando a participação e a representação dos movimentos sociais das referidas políticas nas esferas estaduais e municipais.

Essas políticas de saúde promovem cidadania, ao reconhecerem, por exemplo, o nome social de transexuais e travestis no SUS e implantarem serviços especializados para atendê-las; ao reconhecerem as diferenças regionais do Brasil continental e implantarem os programas Mais Médicos e Mais Saúde, levando profissionais de saúde, em especial, para regiões abandonadas pelas políticas públicas; ao ampliarem o financiamento à atenção básica na Amazônia Legal, implantando Unidades Básicas Fluviais e/ou Ribeirinhas; ao implantarem Unidades Móveis de Saúde Bucal para atender as populações do campo, da floresta e das águas; ao implantarem os Consultórios nas Ruas para atender pessoas em situação de rua, ao desenvolver campanhas como SUS sem Racismo, entre outros serviços e ações de saúde.

Saúde da população negra

O racismo é uma das expressões mais fortes de desigualdade e atinge uma grande parcela da população brasileira. Ele coloca as pessoas de determinados grupos raciais ou étnicos em situação de desvantagem no acesso aos benefícios gerados pela ação de instituições e organizações. Na saúde, as desigualdades se refletem nos dados epidemiológicos, que evidenciam as diferenças no acesso e na qualidade da atenção à saúde, e na expectativa de vida da população negra, tanto pelas altas taxas de morte materna e neonatal como pela violência vivenciada de forma mais intensa por esse grupo populacional, sobretudo os homens negros jovens.

Os indicadores de saúde, quando cruzados com as características socioeconômicas, revelam a importante relação entre saúde, seus determinantes sociais e a organização do sistema de saúde. A compreensão deste conjunto é fundamental para instrumentalizar a elaboração de políticas e programas voltados para o combate às desigualdades, principalmente na saúde, onde se busca construir um SUS equitativo no acesso e pautado na integralidade da saúde.

A Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2013 trouxe dados que mostram que a população negra ainda tem menos acesso à saúde, se comparada à população branca. É necessário, portanto, estabelecer estratégias e ações que contribuam para a efetiva cidadania da população negra. Na saúde, foram desenvolvidas algumas ações afirmativas que puderam contribuir com essa perspectiva cidadã.

A Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN) marca o reconhecimento da população negra como sujeito de direitos e visa garantir a equidade na efetivação do direito humano à saúde da população negra em seus aspectos de promoção, prevenção, atenção, tratamento e recuperação de doenças e agravos transmissíveis e não transmissíveis, incluindo aqueles de maior prevalência neste segmento populacional, como, por exemplo, a doença falciforme.

O quadro abaixo destaca alguns dos avanços conquistados com a implementação da PNSIPN (quadro 2).

Quadro 2
Objetivos, estratégias e avanços da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra

Saúde das populações do campo, da floresta e das águas

As populações do campo, da floresta e das águas são formadas por povos e comunidades que têm seus modos de vida relacionados predominantemente ao campo, à floresta e aos ambientes aquáticos. Entre elas, se destacam os camponeses, os agricultores familiares, trabalhadores rurais assentados, acampados, assalariados e temporários, que residam ou não no campo; comunidades remanescentes de quilombos; populações que habitam ou usam reservas extrativistas; populações ribeirinhas; populações atingidas por barragens; e outras comunidades tradicionais. Somadas, estas populações representam aproximadamente 30 milhões de pessoas habitando as áreas rurais do País, ou seja, 15, 65% da população brasileira, segundo a Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio (IBGE, 2010INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE). Censo Demográfico 2010. Disponível em: <http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/94/cd_2010_religiao_deficiencia.pdf>. Acesso em: 13 dez. 2016. .
http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizac...
).

O Brasil é um país caracterizado pela presença de desigualdade socioeconômica, tanto entre indivíduos quanto entre regiões. No meio rural, observa-se a dificuldade de acesso às ações e serviços de saúde, e na utilização de cuidados ambulatoriais. Estas dificuldades são alguns dos grandes desafios a serem superados pelo SUS, este que, na maioria das vezes, não consegue alcançar o campo, a floresta e águas na sua complexidade, amplitude e extensão geográfica.

A Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo, da Floresta e das Águas (PNSIPCFA), elaborada com a participação dos movimentos sociais, por meio do Grupo da Terra, instituído em 2005, tem como objetivo a melhoria do nível de saúde dessas populações por meio do acesso aos serviços de saúde; a redução de riscos à saúde decorrentes dos processos de trabalho e das tecnologias agrícolas; e a melhoria dos indicadores de saúde e da qualidade de vida. Para tanto, é necessário considerar, na gestão do SUS, a diversidade e as dinâmicas próprias dos espaços não urbanos, a mobilidade populacional, os diferentes sujeitos sociais, seus modos de produção, suas formas de organização comunitária, suas necessidades de recursos naturais - incluindo o acesso à terra - e toda uma gama de aspectos culturais e ambientais que impactam a saúde, a qualidade de vida e o desenvolvimento sustentável dessas pessoas. O quadro 3 destaca os avanços conquistados com a implementação da Política.

Quadro 3
Objetivos, estratégias e avanços da Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo, da Floresta e das Águas

Saúde da população LGBT - lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais

A Política Nacional de Saúde Integral de LGBT tem como marca e objetivo a redução das desigualdades por orientação sexual e identidade de gênero, assim como o combate à homofobia, lesbofobia e transfobia, e à discriminação dessa população no SUS.

O quadro abaixo destaca os avanços conquistados com a implementação da Política LGBT (quadro 4):

Quadro 4
Objetivos, estratégias e avanços da Política Nacional de Saúde Integral de LGBT

Saúde da população em situação de rua

A população em situação de rua (PSR) se concentra nas grandes cidades brasileiras e em suas regiões metropolitanas. Esta população faz dos logradouros públicos e das áreas degradadas espaço de moradia e sustento, podendo utilizar-se de unidades de acolhimento para pernoite temporário ou como moradia provisória.

Entre os agravos e doenças de maior incidência sobre o segmento, destacam-se: o alcoolismo e a dependência a outras drogas; doenças mentais e diversas formas de sofrimento psíquico, frequentemente gerados pela perda ou precarização dos laços familiares e sociais, e da própria identidade social; as Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST); a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Aids); a tuberculose; e as doenças dermatológicas.

O Decreto Presidencial nº 7.053, de 23 de dezembro de 2009, instituiu a Política Nacional para a População em Situação de Rua, e seu plano de trabalho contém ações para a saúde dessa população (BRASIL, 2009a______. Decreto nº 7.053, de 23 de setembro de 2009. Institui a Política Nacional para a População em Situação de Rua e seu Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento, e dá outras providências. Diário Oficial [da] União, Brasília, DF, 2009a. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Decreto/D7053.htm>. Acesso em: 13 dez. 2016.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_At...
). Visando reduzir as iniquidades em saúde e considerando as condições de saúde desfavoráveis dessa população, a atuação das equipes interdisciplinares dos consultórios nas ruas, para atendê-la, enfatiza a promoção da saúde, a prevenção e a atenção básica e especializada, inclusive com ações de urgência e emergência. Entre os avanços na saúde para essa população, podem ser destacados (quadro 5):

Quadro 5
Objetivos, estratégias e avanços da Política Nacional para a População em Situação de Rua

As ações acima elencadas, referentes a cada política, contaram sempre com o espaço dos comitês de políticas de equidade enquanto centro de formulação e monitoramento dessas políticas, abrangendo a definição das prioridades a serem implementadas, o conteúdo e a abordagem das campanhas, a articulação com outros setores governamentais, a formação de lideranças sociais e gestores, a elaboração dos módulos de ensino a distância, a implantação dos observatórios das políticas, e a revisão de portarias e normas. Em todos esses espaços, os comitês definiam a participação de representantes para acompanharem a gestão no processo da implantação e ou implementação. Ou seja, a democracia participativa também estava intrínseca ao próprio comitê e contribuía de forma efetiva para uma gestão participativa.

Considerações finais

As políticas de promoção de equidade são marcos de cidadania no SUS e também têm contribuído para que outras políticas sociais possam ter as mesmas referências, a fim de estabelecerem ações e estratégias com vistas ao enfrentamento das desigualdades sociais, considerando a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero, o racismo, a LGBTfobia, as iniquidades contra as populações que vivem e produzem no campo, na floresta e nas águas, e contra as pessoas em situação de rua.

Os avanços conquistados são frutos de processos participativos, nos diferentes espaços de gestão e de participação social. O reconhecimento e o respeito ao protagonismo dos movimentos sociais, em toda trajetória de construção e monitoramento das políticas, apoiaram-se em diferentes iniciativas, como: a formação de lideranças sociais, para que desenvolvessem ações de monitoramento da implementação das políticas nas gestões federal, estadual e municipal; a articulação de diferentes parcerias, tanto no campo governamental quanto no não governamental, reconhecendo que as desigualdades sociais e culturais às quais essas populações estão sujeitas não se limitam ao setor saúde; a organização e a estruturação do Estado brasileiro, para que ampliasse seu papel na perspectiva de tornar-se um Estado Social.

A participação de representantes sociais nos espaços dos comitês de equidade demonstrou o compromisso da gestão com a democracia participativa enquanto elemento estruturante da elaboração e do monitoramento referentes às ações das políticas de promoção de equidade em saúde.

As campanhas desenvolvidas pelo MS, e amplamente divulgadas nas redes sociais, contribuíram, também, para desconstruir estereótipos discriminatórios desses segmentos sociais, fazendo com que a sociedade, os(as) profissionais e gestores(as) de saúde pudessem olhar sob uma nova perspectiva para essas populações, compreendendo a dimensão dos preconceitos e das discriminações ainda presentes no conjunto da sociedade.

Ao abordar o conceito de equidade, trazendo junto o conceito de igualdade e justiça, se redimensiona a compreensão do papel do Estado e das políticas públicas e, em particular, o papel da saúde, a partir do conceito de promoção e qualidade de vida, de direitos e cidadania. Essa dimensão coloca para os movimentos sociais os desafios de consolidar e afirmar os espaços de participação social como instâncias importantes para garantir os avanços conquistados e fortalecer a democracia participativa. Ainda que em tempos de turbulências democráticas no País, espera-se que a participação social nessas instâncias - conselhos de saúde, conferências, comitês de políticas de promoção de equidade etc. - sejam de afirmação dessas conquistas e de luta contra os retrocessos. Os instrumentos normativos são, em última instância, ferramentas jurídicas de cidadania.

  • Suporte financeiro: não houve

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2016

Histórico

  • Recebido
    Out 2016
  • Aceito
    Dez 2016
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