Missão e efetividade dos Consultórios na Rua: uma experiência de produção de consenso

Tatiana do Rego de Bonis Almeida Simões Maria Cristina Ventura Couto Lilian Miranda Pedro Gabriel Godinho Delgado Sobre os autores

RESUMO

Este é um relato da experiência de uma Oficina realizada com profissionais de Consultórios na Rua do estado do Rio de Janeiro, que inclui a apresentação do cotidiano do trabalho, discussão acerca da efetividade do cuidado oferecido e construção de consenso por meio da Técnica Delphi. A Oficina concluiu que o Consultório na Rua é um facilitador da chegada dos usuários à Atenção Básica, que o uso da redução de danos é comum a todos os serviços desse tipo, e que há algum grau de integração dos Consultórios na Rua com a saúde, a saúde mental e o intersetor, sendo essa integração, mesmo problemática, fundamental para o trabalho.

PALAVRAS-CHAVE:
Pessoas em situação de rua; Usuários de drogas; Saúde mental; Atenção Primária à Saúde

Introdução

O uso abusivo de substâncias psicoativas, que, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), atinge cerca de 10% das populações em centros urbanos no mundo, com graves prejuízos sanitários e sociais (BRASIL, 2004), torna-se no Brasil ainda mais grave devido às limitações da assistência aos usuários e à situação de vulnerabilidade social observada em alguns contextos urbanos. Esse prejuízo assistencial se deve ao fato de que, ao longo de muitos anos, a questão do uso abusivo e/ou dependência foi abordada por uma ótica predominantemente moral, judiciária e institucionalizante, que não levava em conta seus determinantes sociais, psicológicos, econômicos e políticos.

Quando o Ministério da Saúde (MS), seguindo as recomendações da III Conferência Nacional de Saúde Mental, publicou, em 2004, a Política do Ministério da Saúde para Atenção Integral a Usuários de Álcool e outras Drogas, o uso abusivo de substâncias psicoativas passou a constituir-se formalmente em um problema de saúde pública. Com o objetivo de lidar com o aumento progressivo do uso de crack entre as populações vulneráveis e em situação de rua, a política pública estabeleceu o compromisso de enfrentar essa situação a partir da integração social, produção de autonomia dos usuários e construção de novas redes de cuidado qualificadas. Para tanto, entre outros atos, em 2009-2010, publicou o Plano Emergencial de Ampliação do Acesso ao Tratamento e Prevenção em Álcool e Outras Drogas (Pead) no Sistema Único de Saúde (SUS) e o Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e Outras Drogas (Piec). Estes dois planos de ação passaram a intervir nas causas e efeitos do consumo prejudicial, levando em consideração a vulnerabilidade social dessa população, acrescida das carências no campo da saúde, educação e segurança pública (BRASIL, 2009BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 1.190, de 4 de junho de 2009. Institui o Plano Emergencial de Ampliação do Acesso ao Tratamento e Prevenção em Álcool e outras Drogas no Sistema Único de Saúde - SUS (PEAD 2009-2010) e define suas diretrizes gerais, ações e metas. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 4 jun. 2009. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2009/prt1190_04_06_2009.html>. Acesso em: 25 nov. 2015.
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).

O Pead e o Piec tiveram o desafio de propor práticas que avançassem no cuidado para uma população preterida da assistência em saúde e sofrendo os efeitos da exclusão que o uso de crack pode ocasionar. O Consultório de Rua (CR) foi proposto e implementado inicialmente como estratégia pelo Pead, inspirado em projeto-piloto desenvolvido pela Universidade Federal da Bahia, em Salvador, e manteve-se como proposta no Piec. Seu objetivo era o de ampliar o acesso aos serviços de saúde, melhorar e qualificar o atendimento oferecido pelo SUS às pessoas que usam álcool e outras drogas, especialmente os segmentos mais vulneráveis e consumidores de crack, sempre por meio de ações na rua.

A escolha de ocupar as ruas para a assistência desses usuários vem, segundoOliveira (2009)OLIVEIRA, M. G. P. N. Consultório de Rua: relato de uma experiência. 2009. 152 f. Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva) Instituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2009., da percepção de que, com a chegada do crack nos anos 1990, o uso de drogas neste espaço tomou uma dimensão ainda mais grave, com aumento da exclusão social e dos cuidados de saúde, exigindo dos gestores que criassem alternativas para essa população. O Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid) indicou o aumento no consumo de drogas entre crianças e adolescentes em situação de rua maior do que o observado em crianças e adolescentes que frequentam a escola (NOTO 2003NOTO, A. R. et al. Levantamento nacional sobre o uso de drogas entre crianças e adolescentes em situação de rua nas 27 capitais brasileiras. São Paulo: Unifesp, 2003. Disponível em: <http://www.cebrid.com.br/wp-content/uploads/2012/10/Levantamento-Nacional-sobre-o-Uso-de-Drogas-entre-Crian%C3%A7as-e-Adolescentes-em-Situa%C3%A7%C3%A3o-de-Rua-nas-27-Capitais-Brasileiras-2003.pdf>. Acesso em: 25 nov. 2015
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). Já um estudo organizado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) verificou que uma parcela expressiva dos usuários de crack encontrados nas cenas de uso nos centros urbanos está em situação de rua (cerca de 40%). São grupos que vivem em contextos socioeconômicos desfavoráveis e em más condições de saúde (BASTOS; BERTONI, 2014BASTOS, F. I.; BERTONI, N. (Org.). Pesquisa Nacional sobre o uso de crack: quem são os usuários de crack e/ou similares do Brasil? Quantos são nas capitais brasileiras? Rio de Janeiro: Fiocruz, 2014. Disponível em: <https://www.icict.fiocruz.br/sites/www.icict.fiocruz.br/files/Pesquisa%20Nacional%20sobre%20o%20Uso%20de%20Crack.pdf>. Acesso em: 31 out. 2015.
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), o que reafirma a importância de uma política para essa população específica. Sendo assim, o CR, a partir do reconhecimento dos determinantes sociais de vulnerabilidade, risco e dos padrões de consumo dessa população, propõe que o profissional de saúde vá ao usuário onde quer que ele esteja, levando às últimas consequências os princípios da universalidade, da integralidade e da equidade, por meio das ações de redução de danos e de intersetorialidade.

Na continuidade da discussão a respeito da promoção da saúde para a população que vive em situação de rua, o MS reconheceu a argumentação de que existem outras necessidades além da atenção ao uso abusivo do álcool e outras drogas, e propôs, em 2011, a junção entre o programa CR (equipe itinerante com foco na saúde mental) e o programa Estratégia Saúde da Família Sem Domicílio (ESF com equipes específicas para atenção integral à saúde da população em situação de rua). Dessa forma, as equipes de CR foram desvinculadas da rede de atenção integral em álcool e outras drogas, e o Consultório na Rua (CnR) foi integrado às equipes de Atenção Básica (AB) como uma ação para populações específicas, descrito na Portaria nº 2.488, de 21 de outubro de 2011. Com essa mudança, a Atenção Primária à Saúde passou a contar com uma equipe flexível e adaptável à realidade de quem vive na rua e usa álcool e outras drogas (TEIXEIRA; FONSECA, 2015TEIXEIRA, M.; FONSECA, Z. Introdução. In: ______. (Org.). Saberes e Práticas na atenção primária à saúde: cuidado à população em situação de rua e usuários de álcool e outras drogas. São Paulo: Hucitec, 2015. p. 19-24.), com o objetivo de incluir esses usuários nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) ou unidades da Estratégia Saúde da Família (ESF), principal porta de entrada do sistema, que tem a atribuição de ser resolutiva perante demandas diversas (BRASIL, 2011_____. Ministério da Saúde. Portaria n° 2488/GM, de 21 de outubro de 2011. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica, para a Estratégia Saúde da Família (ESF) e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 21 out. 2011. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt2488_21_10_2011.html>. Acesso em: 25 nov. 2015
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).

Por ser um dispositivo ainda novo, mas com grande potencial para acessar uma população até então marginalizada e excluída das políticas públicas, verificou-se grande interesse dos gestores e profissionais de saúde em sua implantação e funcionamento. Contudo, ainda são poucas as produções acadêmicas que sistematizam um saber acerca do CnR, e raros os estudos que verificam sua efetividade, inclusive no que se refere à assistência aos usuários de álcool e outras drogas que vivem nessa situação, caracterizando uma lacuna importante na produção de conhecimento no campo da atenção psicossocial (DELGADO, 2015DELGADO, P. G. Limites para a inovação e pesquisa na reforma psiquiátrica. Physis, Rio de Janeiro, v. 25, n. 1, jan./mar. 2015. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-73312015000100013>. Acesso em: 25 nov. 2015.
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). O fato de este dispositivo fazer parte da Política Nacional de Atenção Básica desde 2011 foi comemorado pelos gestores da saúde, pelos movimentos sociais de população em situação de rua e também pelos profissionais, como uma forma de essa população deixar de ser invisível aos olhos da saúde, porém os efeitos dessa mudança ainda não foram verificados.

Sendo assim, uma Oficina de caráter exploratório para o conhecimento dos CnR do estado do Rio de Janeiro foi proposta por um grupo de pesquisa sobre políticas públicas de saúde mental de uma universidade pública do Rio de Janeiro. Também era objetivo dessa Oficina a construção de um consenso sobre a função/missão desse dispositivo, o uso da redução de danos como estratégia de trabalho e as articulações/parcerias desenvolvidas com a própria AB, com a saúde mental e com os recursos intersetoriais.

Configurado na modalidade Relato de Experiência, o presente artigo tem como objetivo apresentar e analisar essa Oficina, bem como explicitar as principais discussões e encaminhamentos dela provindos. Trata-se de um estudo exploratório, de metodologia qualitativa, que deu subsídio para um projeto de pesquisa submetido e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa, sob o parecer 1.287.934. Serão destacadas as principais características de alguns CnR e temáticas abordadas, tal qual apresentadas pelos profissionais que os compõem, e os resultados advindos do consenso realizado por intermédio da Técnica Delphi sobre alguns temas previamente escolhidos.

Metodologia

A Oficina de consenso foi realizada em novembro de 2014, e, para ela, foram convidados os treze CnR em funcionamento naquele período em oito municípios do estado do Rio de Janeiro. Dividida em duas partes, contou com o relato de experiência de três CnR, seguido de debate cuja pergunta disparadora foi: "Os Consultórios na Rua são efetivos no acompanhamento dos usuários de álcool e outras drogas?". A discussão seguiu livremente, sem qualquer interferência, tratando de temas diversos. Os participantes, apesar de já terem experiência acumulada com pessoas em situação de uso, expressaram suas opiniões, mas também questionaram o sentido do que fazem e quais seriam as estratégias de cuidado mais potentes. Essa primeira parte foi aberta ao público, contando com a presença dos profissionais de oito CnR, estudantes e gestores municipais e estaduais. Por meio da análise do conteúdo do material, feita segundoBardin (2011)BARDIN, L. Análise de Conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011., os pesquisadores identificaram quatro temas que incluíam as principais questões discutidas, e que serão apresentados nos resultados.

Na segunda parte, restrita apenas aos profissionais dos CnR, houve uma Oficina de consenso com aplicação da Técnica Delphi - uma Técnica de Grupo Nominal (TGN) que permite sintetizar informações a fim de obter consensos entre especialistas sobre critérios, programas de formação e medidas de melhoria (DESLANDES; LEMOS, 2008DESLANDES, S. F.; LEMOS, M. P. Construção participativa de descritores para avaliação dos núcleos de prevenção de acidentes e violência. Revista Panamericana de Salud Pública, Washington, v. 24, n. 6, p. 441-448, 2008. Disponível em: <http://www.scielosp.org/pdf/rpsp/v24n6/a08v24n6.pdf>. Acesso em: 25 nov. 2016.
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), constituindo um método quantiqualitativo com objetivo de obter uma opinião coletiva e qualificada sobre questões complexas. O grupo selecionado para tratá-las é considerado como tendo uma expertise no tema, seja ela acadêmica ou prática (PIOLA; VIANNA; VIVAS-CONSUELO, 2002PIOLA, S. F.; VIANNA, S. M.; VIVAS-CONSUELO, D. Estudo Delphi: atores sociais e tendências do sistema de saúde brasileiro. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 18, p. 181-190, 2002. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/csp/v18s0/13804>. Acesso em: 25 out. 2016.
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).

Aos participantes foi explicado que se utilizaria uma Técnica de Consenso com o objetivo de verificar características comuns em suas experiências de trabalho. Todos assinaram o Termo de Livre Concordância de Participação e, em seguida, foram apresentadas, uma de cada vez, três perguntas que deveriam ser respondidas individualmente. Havia uma equipe de retaguarda que consolidava as respostas, juntava as que eram semelhantes, sistematizava as restantes e devolviam-nas ao grupo para que este pudesse voltar a trabalhar sobre elas, chegando a um consenso sobre aspectos mais gerais do dispositivo.

As perguntas foram previamente escolhidas com a intenção de obter uma descrição primária do CnR a partir de indicadores que expressassem sua missão, recursos existentes e condições organizacionais da equipe. A primeira delas foi: quais são, em sua opinião, as cinco principais funções do Consultório na Rua? Para esta pergunta, foram recolhidas inicialmente 70 respostas individuais que, depois de aglutinadas e discutidas pelo grupo, transformaram-se em 16. A segunda pergunta foi: em sua opinião, o seu Consultório na Rua utiliza a estratégia de redução de danos? Se sim, dê dois exemplos de ações de redução de danos realizadas por vocês. A última questão investigava as relações e parcerias estabelecidas para o trabalho por meio de uma pergunta subdividida em três: 3.1) O seu Consultório na Rua se articula ou desenvolve um trabalho em parceria com outros dispositivos da AB (Clínica da Família, Unidade Básica de Saúde (UBS), Centro Municipal de Saúde, Núcleo de Apoio à Saúde da Família)? Se respondeu sim, como você avalia este trabalho conjunto? I) Fraco, II) Regular, III) Bom, IV) Excelente; 3.2) O seu Consultório na Rua se articula ou desenvolve um trabalho em parceria com os dispositivos de saúde mental (Caps - Centro de Atenção Psicossocial, Ambulatório de Saúde Mental, Centro de Convivência, Unidade de Acolhimento)? Se respondeu sim, como você avalia este trabalho conjunto? I) Fraco, II) Regular, III) Bom, IV) Excelente; 3.3) O seu Consultório na Rua se articula ou desenvolve um trabalho em parceria com outros dispositivos do intersetor (Assistência Social, Educação, Cultura, Esporte e Justiça)? Se respondeu sim, como você avalia este trabalho conjunto? I) Fraco, II) Regular, III) Bom, IV) Excelente.

Resultados

Os relatos de experiência

Os três Consultórios convidados para relatar suas experiências apresentaram características em comum, tais como o fato de terem iniciado seu funcionamento como CR, vinculados a um Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (Caps AD) e contando com redutores de danos em suas equipes. Quando foram integrados à AB, transformaram-se em CnR e passaram a contar com agentes sociais no lugar dos redutores de danos. Suas condições de trabalho foram melhoradas, dispuseram de mais recursos e de um carro para o deslocamento da equipe. Dois desses consultórios tornaram-se do tipo III, ou seja, com no mínimo seis profissionais e um médico, e passaram a ter suas sedes em uma UBS e em uma Clínica da Família. Já o terceiro deles foi do tipo II, também com seis profissionais, mas sem a presença do médico na equipe, com sede própria. Como pontos comuns entre todos, foram registrados: o trabalho com a população encontrada na rua em situação de vulnerabilidade, com profissionais do sexo e travestis, bem como com pessoas abrigadas em dispositivos da assistência social, a realização das atividades em horários variados e em diferentes lugares, de acordo com o deslocamento da clientela assistida, e o fato de todos os profissionais, com exceção do funcionário administrativo, irem a campo. Além disso, os três consultórios distribuíam diferentes insumos de acordo com a realidade e o trabalho realizado em cada município.

A articulação intersetorial foi considerada fundamental pelos profissionais. Todos realizavam atividades culturais e lúdicas no território, utilizadas como um facilitador para a criação de vínculo, principalmente com as crianças. Quando em campo, realizavam, ainda, coleta de escarro, baciloscopia e eram atentos às doenças infectocontagiosas mais prevalentes nas populações vulneráveis. Além disso, compartilhavam a dificuldade da continuidade do acompanhamento, uma vez que a população em causa é móvel, de grande circulação e pouca adesão, fazendo com que a locomoção e as intervenções das equipes precisem ser constantemente discutidas.

Como desafio, apresentaram o trabalho com o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), no que diz respeito às remoções dos usuários, às articulações com o intersetor e às dificuldades no dia a dia com a Atenção Básica à Saúde (ABS).

O debate

MISSÃO E FUNÇÃO DO CONSULTÓRIO NA RUA

Os profissionais consideraram o CnR um facilitador da chegada dos usuários em situação de vulnerabilidade aos serviços da ABS, ao mesmo tempo que identificaram um fracasso nesta função, na medida em que tais serviços têm dificultado o acesso dessa população. Levantou-se a questão da capacitação das equipes como forma de viabilizar o trabalho, mas também o fato de que não há uma formação especializada para o acolhimento a populações vulneráveis, mas sim uma expertise que se adquire no dia a dia. Uma solução, portanto, seria a intensificação do trabalho em parceria.

O CnR foi avaliado como um avanço em termos de políticas públicas de saúde porque diminuiu a invisibilidade da população em situação de vulnerabilidade, ampliando os cuidados oferecidos a ela. Por outro lado, também foi afirmado o CnR como um 'subSUS' para aqueles que não conseguem acessar os serviços públicos de saúde, podendo representar, assim, um retrocesso na política. Sobre isso, discutiu-se a necessidade de trabalhar a autonomia dos usuários para circular pelos dispositivos de saúde, evitando práticas de cunho tutelar, e a necessidade de que os serviços criem vagas para essa população que não tem documento ou moradia fixa.

Por fim, os gestores presentes afirmaram que o CnR é um dispositivo polêmico, ainda em construção, amparado pelo Movimento Nacional de População em Situação de Rua, mas do qual poderá se prescindir 'quando o SUS for, de fato, universal'.

ESTRATÉGIAS DE TRABALHO

Os profissionais destacaram o matriciamento, a atenção psicossocial e a redução de danos como estratégias que orientam o trabalho em equipe, a relação com a rede de saúde e intersetorial e a forma de abordagem dos usuários, indicando que alguns CnR escolhem uma dessas estratégias como prioritária.

O matriciamento foi definido como uma sensibilização do território para os problemas daquele que nele circula, realizado nas reuniões com os serviços, procurando implicar outros profissionais no cuidado, já que o CnR não pode ser responsável por todas as demandas da população de rua. A atenção psicossocial foi associada a uma maneira de acompanhar os usuários a partir de discussões de caso com os serviços, construindo estratégias conjuntas de cuidado. A redução de danos foi relacionada com o trabalho in loco, com a abordagem e tratamento realizados na rua, incluindo as questões de saúde e do uso abusivo de drogas.

AS CENAS DE USO

Os profissionais levantaram questões sobre modos de cuidar nesses espaços e sobre as pessoas que os habitam. Defenderam que as ações de cuidado devem considerar o contexto sociopolítico e cultural de cada território, e a percepção dos próprios usuários sobre o lugar em que vivem e o uso que fazem dele.

O TRABALHO COM CRIANÇAS E ADOLESCENTES

Foi destacado que o projeto original do CR incluía prioritariamente crianças e adolescentes, que hoje são pouco assistidos em função da dificuldade de acessá-los no território. Ao mesmo tempo, foram levantadas questões sobre o tipo de trabalho e de redução de danos mais apropriado para essa clientela, apontando as atividades lúdicas e esportivas como estratégias possíveis.

Por fim, registrou-se que a invisibilidade do trabalho com crianças e adolescentes favorece as ações de recolhimento compulsório, desenvolvidas pela assistência social. Entretanto, apesar de esta ser uma questão complexa, que exige uma discussão aprofundada do setor saúde, não foi tomada como objeto privilegiado de debate pelos participantes.

A Oficina com a Técnica Delphi

Na primeira questão apresentada, e após discussão, consolidaram-se 16 respostas que não foram listadas por ordem de importância. O resultado sobre a missão/função do CnR girou, em sua maioria, em torno dos direitos, ressocialização, estigma e visibilidade da população atendida, e respostas que diziam respeito ao acesso ao cuidado, seja nos serviços ou na própria rua, incluindo ações de promoção, prevenção e redução de danos à saúde.

Quadro 1
As principais funções do Consultório na Rua segundo os participantes da Oficina

No que diz respeito à segunda pergunta, concluiu-se que todos os serviços ali representados realizavam ações de redução de danos e discutiu-se mais detidamente um exemplo de substituição do crack por maconha em caso de tuberculose e uma solicitação da equipe para que o comércio local não vendesse thinner para os usuários.

Quadro 2
O uso da redução de danos segundo os participantes da Oficina

Na discussão da terceira pergunta ressaltou-se, por unanimidade, a necessidade de algum grau de integração entre a saúde, a saúde mental e o intersetor, para o desenvolvimento do trabalho. Foi destacado, ainda, em relação à AB, o fato de o CnR ser um de seus dispositivos e mesmo assim não estar garantido o trabalho conjunto, e a hipótese de que se a AB trabalhasse bem com essa população não haveria função ou lugar para o CnR. Discutiu-se, sem chegar a um consenso, se a função do CnR seria a de construir uma articulação tão eficaz com a AB que o próprio CnR pudesse futuramente prescindir de sua existência.

Com relação à saúde mental, a percepção foi de uma articulação consistente com o CnR, fato associado à própria história desse dispositivo que, na origem, foi vinculado aos Caps. Além disso, um profissional ressaltou que a saúde mental sempre lidou com uma população 'marginal', usuários em situações diversas de vulnerabilidade e fora dos padrões preestabelecidos de sociabilidade.

Já sobre a articulação com os intersetores, a avaliação 'fraco' foi significativa, apontando uma aparente contradição: a intersetorialidade era considerada fundamental para o trabalho, mas não executada. Contudo, o setor da assistência social foi destacado dos outros porque, mesmo com divergências na direção de trabalho, como no caso do recolhimento compulsório, indicava abertura para a discussão. Com relação à justiça, foi afirmada a enorme dificuldade de articulação; e com a Educação, a inexistência de diálogo. Com relação à Cultura, o registro foi o de 'nenhuma receptividade'.

Quadro 3
A relação com a Atenção Básica à Saúde, com a saúde mental e com o intersetor segundo os participantes da Oficina

Discussão e considerações finais

Sabe-se que a Política do Ministério da Saúde para Atenção Integral a Usuários de Álcool e Outras drogas (BRASIL, 2004______. Ministério da Saúde. Secretaria Executiva. Coordenação Nacional de DST/AIDS. A política do Ministério da Saúde para a atenção integral a usuários de álcool e outras drogas. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2004. (Série B. Textos básicos de saúde). Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/pns_alcool_drogas.pdf>. Acesso em: 25 nov. 2015.
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) foi formulada a partir de um modelo de atenção em saúde mental cada vez mais diversificado e de base comunitária. Essa política adotou os Caps AD como equipamentos de saúde fundamentais para o tratamento dos usuários de drogas porque, além de serem flexíveis e abertos, são articuladores de outros recursos da comunidade e promotores de ações intersetoriais, possibilitando ao usuário melhor inserção/integração em seu ambiente. Também indicou o modelo da redução de danos "como um método clínico-político de ação territorial inserido na perspectiva da clínica ampliada" (BRASIL, 2004______. Ministério da Saúde. Secretaria Executiva. Coordenação Nacional de DST/AIDS. A política do Ministério da Saúde para a atenção integral a usuários de álcool e outras drogas. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2004. (Série B. Textos básicos de saúde). Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/pns_alcool_drogas.pdf>. Acesso em: 25 nov. 2015.
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, P. 24).

No entanto, as vulnerabilidades associadas ao consumo de crack, como degradação física e psicológica, violência, marginalização e rompimento dos laços afetivos dificultam o acesso aos serviços de saúde (RAMIRO; PADOVANI; TUCCI, 2014RAMIRO, F. S.; PADOVANI, R. C.; TUCCI, A. M. Consumo de crack a partir das perspectivas de gênero e vulnerabilidade: uma revisão sobre o fenômeno. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 38, n. 101, p. 379-392, abr./jun. 2014. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/sdeb/v38n101/0103-1104-sdeb-38-101-0379.pdf>. Acesso em: 25 out. 2016.
http://www.scielo.br/pdf/sdeb/v38n101/01...
;RODRIGUES 2012RODRIGUES, D. S. et al. Conhecimentos produzidos acerca do crack: uma incursão nas dissertações e teses brasileiras. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 17, n. 5, p. 1247-1258, 2012. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-81232012000500018&script=sci_abstract&tlng=pt>. Acesso em: 25 out. 2016.
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). Da mesma forma, a falta de estrutura familiar, de escolaridade e de ocupação também diminuem a adesão ao tratamento (ARAÚJO 2012ARAÚJO, N. B. et al. Perfil clínico e sociodemográfico de adolescentes que permaneceram e não permaneceram no tratamento em um CAPSad de Cuiabá/MT. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, Rio de Janeiro, v. 61, n. 4, p. 227-234, 2012. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0047-20852012000400006>. Acesso em: 31 out. 2015.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
;HORTA 2011HORTA, R. L. et al. Perfil dos usuários de crack que buscam atendimento em Centros de Atenção Psicossocial. Caderno de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 27, n. 11, p. 2263-2270, nov. 2011. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-311X2011001100019&script=sci_abstract&tlng=pt>. Acesso em: 25 nov. 2016.
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S010...
;MONTEIRO 2011MONTEIRO, C. F. S. et al. Perfil sociodemográfico e adesão ao tratamento de dependentes de álcool em CAPS AD do Piauí. Escola Anna Nery Revista de Enfermagem, Rio de Janeiro, v. 15, n. 1, p. 90-95, jan./mar. 2011. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-81452011000100013>. Acesso em: 25 nov. 2016.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
;PEIXOTO , 2010PEIXOTO, C. et al. Impacto do perfil clínico e sociodemográfico na adesão ao tratamento de pacientes de um Centro de Atenção Psicossocial a Usuários de Álcool e Drogas (CAPSad). Jornal Brasileiro de Psiquiatria, Rio de Janeiro, v. 59, n. 4, p. 317-21, 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0047-20852010000400008>. Acesso em: 25 out. 2016.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
). Os dados obtidos porNoto e (2003)NOTO, A. R. et al. Levantamento nacional sobre o uso de drogas entre crianças e adolescentes em situação de rua nas 27 capitais brasileiras. São Paulo: Unifesp, 2003. Disponível em: <http://www.cebrid.com.br/wp-content/uploads/2012/10/Levantamento-Nacional-sobre-o-Uso-de-Drogas-entre-Crian%C3%A7as-e-Adolescentes-em-Situa%C3%A7%C3%A3o-de-Rua-nas-27-Capitais-Brasileiras-2003.pdf>. Acesso em: 25 nov. 2015
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revelaram que a maior parte dos jovens em situação de rua que buscou ajuda para os prejuízos do consumo abusivo de alguma droga o fez em uma instituição de assistência específica para esta população, sendo que apenas 0,7% procurou uma unidade de saúde. Da mesma forma,Horta e (2011)HORTA, R. L. et al. Perfil dos usuários de crack que buscam atendimento em Centros de Atenção Psicossocial. Caderno de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 27, n. 11, p. 2263-2270, nov. 2011. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-311X2011001100019&script=sci_abstract&tlng=pt>. Acesso em: 25 nov. 2016.
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verificaram que os usuários graves com maior comprometimento social não acessam ou permanecem nos serviços SUS, mas sim nas redes comunitárias de apoio.

Por outro lado,Conte (2004)CONTE, M. Psicanálise e redução de danos: articulações possíveis. Revista da Associação Psicanalítica de Porto Alegre, Porto Alegre, v. 25, p. 23-33, 2004. e Lancetti (2006)LANCETTI, A. Clínica peripatética. São Paulo: Hucitec, 2016. apontam experiências positivas, realizadas no Brasil nos locais onde os usuários vivem, que evidenciam uma maior adesão às orientações preventivas e têm como efeito o estabelecimento de laços entre os redutores de danos e os usuários. Dentro dessa perspectiva, o CR foi implantado para uma participação ativa na população de rua, atendendo às suas necessidades e respeitando seu contexto social.

Os participantes da Oficina descreveram o CnR como um avanço em termos de política pública de saúde para uma população até então invisível e marginalizada. Referiram-se ao trabalho a partir de ações de saúde locais que incluem práticas de promoção e prevenção em saúde, fundadas na própria dinâmica dos usuários na rua. Contudo, também questionaram a pertinência desse dispositivo, uma vez que o SUS é para todos. Foram discutidas barreiras de acesso aos serviços - como a necessidade de documentos, de estar limpo e vestido adequadamente - e a própria indisponibilidade dos profissionais em atender essa população. Esses obstáculos foram tomados como algo a ser superado com a ajuda do CnR, tornando-se uma das funções desse dispositivo, além da sua responsabilidade em construir e fortalecer o vínculo dos usuários com os diferentes serviços. Para tanto, o matriciamento foi eleito como ferramenta fundamental.

Trino, Machado e Rodrigues (2015)TRINO, A.T.; MACHADO, M. P. M.; RODRIGUES, R. B. Conceitos norteadores do cuidado junto à população em situação de rua. In: TEIXEIRA, M.; FONSECA, Z. (Org.). Saberes e Práticas na atenção primária à saúde: cuidado à população em situação de rua e usuários de álcool e outras drogas. São Paulo: Hucitec, 2015. p. 27-53. afirmam que o CnR, por trabalhar com o conceito de vulnerabilidade e com a noção de cuidado em rede, pode manejar melhor a complexidade de problemas apresentados por quem está em situação de rua. Portanto, parece importante manter a discussão a respeito da missão dos CnR e do trabalho efetivo na rua, para que a questão da vulnerabilidade de uma determinada população que, entre outras coisas, dificulta a sua chegada aos serviços formais de saúde, não se perca na discussão daquilo que é ou não pertinente ser atendido nessas unidades.

O uso da redução de danos foi ressaltado pelos profissionais como uma importante prática e descrito de forma ampliada, incluindo a distribuição de insumos, o contato com o usuário no local em que ele vive, ações de prevenção e educação em saúde e a discussão com outros atores do território do usuário. Os trabalhadores pareceram sensíveis ao fato de que a orientação clínica do trabalho é algo a ser construída no encontro e no laço que se funda com o outro, não se tratando, portanto, de um processo em que se definem metas a priori. A escolha da redução de danos como método e diretriz assistencial para essa clientela oferece um caminho promissor aos profissionais, uma vez que reconhece os usuários em suas singularidades, traçando estratégias para a defesa de sua vida por meio de caminhos diversos e não excludentes. Essa possibilidade de construção conjunta implica aumentar o grau de liberdade do usuário e torná-lo corresponsável pelas decisões tomadas em seu tratamento. Assim, ao lançarem mão de insumos e ações de prevenção e educação em saúde, os técnicos apostaram que aqueles sujeitos poderiam, ainda que em condições desfavoráveis, ser protagonistas de suas escolhas.

Quando se tratou da relação dos CnR com a própria saúde, evidenciou-se que, mesmo fazendo parte da Política Nacional de Atenção Básica (BRASIL, 2011), os profissionais sentem que trabalham isolados desse setor e solitários em suas unidades. Atribuem esse problema às dificuldades de interlocução, ao preconceito que os trabalhadores da saúde ainda têm com essa população e ao fato de que estes não se sentem habilitados nem capacitados para atendê-la, pois consideram ser essa uma expertise própria ou exclusiva dos profissionais dos CnR. Essa problemática é apontada porRamiro, Padovani e Tucci (2014)RAMIRO, F. S.; PADOVANI, R. C.; TUCCI, A. M. Consumo de crack a partir das perspectivas de gênero e vulnerabilidade: uma revisão sobre o fenômeno. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 38, n. 101, p. 379-392, abr./jun. 2014. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/sdeb/v38n101/0103-1104-sdeb-38-101-0379.pdf>. Acesso em: 25 out. 2016.
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, que indicam que a condição de marginalidade amplamente divulgada na mídia faz com que o fenômeno do consumo de drogas tenha um impacto ainda maior, ampliando o estigma e a dificuldade desses usuários para acessarem os serviços de saúde.Silva, Cruz e Vargas (2015)SILVA, C. C.; CRUZ, M. M.; VARGAS, E. P. Práticas de cuidado e população em situação de rua: o caso do consultório na rua. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 39, p. 246-256, dez. 2015. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/sdeb/v39nspe/0103-1104-sdeb-39-spe-00246.pdf>. Acesso em: 25 out. 2016.
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também chamam a atenção para o fato de que o trabalho de ligação entre os serviços de saúde e a população em situação de rua realizado pelos CnR é comprometido pela própria organização do trabalho da AB que, ao contrário do que é preconizado, ainda oferece, muitas vezes, um cuidado centrado na atuação médica e em procedimentos prescritivos. Por outro lado, os CnR participantes da Oficina dizem que insistem em modificar essa realidade compartilhando o trabalho a partir do matriciamento e persistindo com o esforço da inclusão dessa população em uma assistência não especializada. Afinal, é apenas no contato diário, seja entre os técnicos do CnR e os das UBS, seja entre esses e os usuários, que os estigmas dos profissionais podem ser ultrapassados, oferecendo uma assistência mais adequada. Como solução para essa questão, os participantes da Oficina apresentaram uma proposta concreta: a reserva de vagas nos serviços para consultas e exames dessa população.

A esse respeito, vale lembrar que, ao afirmar que a população em situação de rua é responsabilidade de todo e qualquer profissional do SUS, mas, em especial, da AB, a Política Nacional de Atenção Básica (BRASIL, 2011_____. Ministério da Saúde. Portaria n° 2488/GM, de 21 de outubro de 2011. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica, para a Estratégia Saúde da Família (ESF) e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 21 out. 2011. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt2488_21_10_2011.html>. Acesso em: 25 nov. 2015
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) objetiva aumentar o acesso de quem está na rua à rede de saúde, lançando mão de uma equipe específica para isso. Esta tem a função de cadastrar esses usuários, descrever sua problemática e produzir o cuidado necessário, a fim de incluí-los nas UBS, principal porta de entrada do sistema. Contudo, é necessário ressaltar que se trata de um trabalho complexo, que não pode ser confundido com o ato de transportar o usuário a uma unidade de saúde, embora isso seja, por vezes, necessário. Essa conexão acontece no trabalho diário de construção de rede, estabelecimento de parcerias, discussão de caso, sensibilização dos profissionais, nos atendimentos compartilhados, nas chegadas dos usuários às unidades e na ida dos profissionais que compõe outras equipes, que não as de CnR, ao território. Os encontros propiciados pelo compartilhamento do trabalho cotidiano e as possibilidades de analisá-los conjuntamente são recursos potentes para a superação de alguns estigmas.

A construção de rede com a saúde mental, por sua vez, foi consensualmente considerada satisfatória e justificada pelos profissionais pela história desse dispositivo, que se originou nos Caps AD. Além disso, acredita-se que o fato de a saúde mental trabalhar com populações vulneráveis favorece a chegada desses usuários em seus serviços. Por outro lado, a relação com o intersetor é considerada fundamental, mas fraca, precisando ainda ser construída.

Deve-se concluir, assim, que é importante uma discussão continuada a respeito da assistência das populações vulneráveis, com ênfase na potência e efetividade do trabalho do CnR, levando em conta a dificuldade natural destes usuários chegarem às unidades de saúde e também dos profissionais destas unidades de recebê-los. Além disso, pôde-se inferir, pelas discussões realizadas nesta Oficina, que a passagem da saúde mental para a AB produziu mudanças significativas no funcionamento deste dispositivo, mesmo que nem todas almejadas. A transição de CR para CnR não diminuiu as barreiras de acesso enfrentadas na saúde, como talvez se esperasse, e tirou do foco o cuidado com os usuários de álcool e outras drogas, perdendo-se a especificidade da assistência para estes.

  • Suporte financeiro: não houve

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2017

Histórico

  • Recebido
    Jan 2017
  • Aceito
    Jun 2017
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde RJ - Brazil
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