RESUMO
Trata-se de um estudo avaliativo, de abordagem qualitativa, que objetivou construir e validar o modelo lógico do Programa Saúde na Escola. A coleta de dados ocorreu em reuniões com sete gestores, de forma participativa. Foi utilizado um roteiro com perguntas abertas e técnica de elaboração de cartazes. A análise temática possibilitou a construção das categorias: Criação do Programa Saúde na Escola; Avanços e desafios; e A busca de resultados. Os resultados permitiram delinear o modelo lógico do programa e favorecer um diálogo, junto aos gestores, sobre os efeitos e as influências operacionais deste modelo, oferecendo subsídios para futuras pesquisas avaliativas na área da saúde escolar.
PALAVRAS-CHAVE:
Saúde pública; Avaliação de programas e projetos de saúde; Planejamento participativo; Saúde escolar
Introdução
As políticas de saúde reconhecem que o espaço escolar é um ambiente privilegiadamente fértil para disseminar e realizar práticas promotoras de saúde, ações preventivas e educação para saúde (BRASIL, 2009______. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saúde na Escola. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2009. (Série B - Textos Básicos de Saúde), (Caderno de Atenção Básica de Saúde na Escola. n. 24). Disponível em: <http://dab.saude.gov.br/docs/publicacoes/cadernos_ab/abcad24.pdf>. Acesso em: 13 nov. 2016.
http://dab.saude.gov.br/docs/publicacoes... ). Sob o argumento da íntima ligação entre as áreas da saúde e da educação, existe um consenso de que bons níveis de educação estão relacionados com uma população mais saudável, assim como uma população saudável tem maiores possibilidades de se apropriar de conhecimentos da educação, formal e informal (CASIMIRO; FONSECA; SECCO, 2014CASEMIRO, J. P.; FONSECA, A. B. C.; SECCO, F. V. M. Promover saúde na escola: reflexões a partir de uma revisão sobre saúde escolar na América Latina. Ciênc. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 19, n. 3, p. 829-840, mar. 2014.).
O Programa Saúde na Escola (PSE), instituído pelo Decreto Presidencial Interministerial nº 6.286, de 05 de dezembro de 2007, surgiu como uma política intersetorial (Ministérios da Saúde e da Educação). O programa se apresenta com a perspectiva da atenção integral (prevenção, promoção e atenção) à saúde de estudantes da educação básica pública brasileira, no espaço das escolas e/ou das unidades básicas de saúde, realizada pelas equipes da Estratégia Saúde da Família (BRASIL, 2009______. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saúde na Escola. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2009. (Série B - Textos Básicos de Saúde), (Caderno de Atenção Básica de Saúde na Escola. n. 24). Disponível em: <http://dab.saude.gov.br/docs/publicacoes/cadernos_ab/abcad24.pdf>. Acesso em: 13 nov. 2016.
http://dab.saude.gov.br/docs/publicacoes... ). As ações do PSE são produzidas em territórios determinados, de acordo com a área de abrangência das Equipes de Saúde da Família (EqSF), estimulando a criação de vínculos entre os equipamentos públicos da saúde e os da educação (BRASIL, 2010______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e diversidade. Programas e Ações. Brasília, DF: Ministério da Educação, 2010.).
A efetivação da saúde escolar como política pública de promoção da saúde e de garantia de qualidade de vida exige coordenação e planejamento intersetoriais e requer a definição de iniciativas interdisciplinares selecionadas a partir de diagnóstico local da realidade, com identificação dos problemas reais e das soluções viáveis (CASIMIRO; FONSECA; SECCO, 2014CASEMIRO, J. P.; FONSECA, A. B. C.; SECCO, F. V. M. Promover saúde na escola: reflexões a partir de uma revisão sobre saúde escolar na América Latina. Ciênc. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 19, n. 3, p. 829-840, mar. 2014.). No entanto, após uma busca na literatura, não foi possível identificar publicações envolvendo a avaliação da estrutura lógica do programa, em contraposição ao que é efetivamente desenvolvido na prática, justificativa para a elaboração deste estudo.
O desenho do modelo lógico (ML) de um programa é um esquema visual que expõe o funcionamento desse programa e fornece base objetiva a respeito da relação causal entre seus elementos, e consta de uma das etapas do processo de avaliação (BEZERRA; CEZARIN; ALVEZ, 2010BEZERRA, L. C. A. B.; CAZARIN, G.; ALVEZ, C. K. A. Modelagem de Programas: da teoria à operacionalização. In: SAMICO, I. et al. Avaliação em Saúde: Bases conceituais e operacionais. Rio de Janeiro: Medbook, 2010. p. 65-78.). O ML apresenta a racionalidade interna de funcionamento da intervenção, ou seja, a interação entre os recursos necessários, as atividades previstas e os efeitos esperados, permitindo mapear se o programa opera como o previsto e quais são os aspectos mais frágeis, que requerem avaliação (OLIVEIRA , 2015OLIVEIRA, C. M. et al. Avaliabilidade do Programa de Valorização do Profissional da Atenção Básica (PROVAB): desafios para gestão do trabalho. Ciênc. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 20, n. 10, p. 2999-3010, out. 2015.).
O artigo tem como objetivo construir e validar o ML do Programa Saúde na Escola Carioca (PSE Carioca), o que poderá contribuir com a temática da Avaliação de Programas e Projetos de Saúde e também subsidiar futuras pesquisas avaliativas na área da saúde escolar, proporcionando instrumentos para que se possa dialogar, multiplicar experiências e avançar nos desafios de execução do programa.
A escolha deste foco de investigação busca compreender o entendimento dos gestores e profissionais que atuam no âmbito das ações de saúde escolar, quanto aos objetivos, às diretrizes e às metas do PSE, no atendimento ao componente monitoramento e avaliação, conforme o Decreto Interministerial (BRASIL, 2007BRASIL. Decreto nº 6.286, de 05 de dezembro de 2007. Institui o Programa Saúde na Escola - PSE, e dá outras providências. Diário Oficial [da] União. Brasília, DF, 06 dez. 2007. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6286.htm>. Acesso em: 13 nov. 2016.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at... ), visto que sua publicação data de quase uma década atrás e se encontra passível de estudos avaliativos na área de políticas e programas voltados para a saúde escolar. Para promover uma avaliação útil e uma construção do ML que favoreça a reflexão sobre o arcabouço do programa, optou-se por uma abordagem participativa de avaliação, com os gestores do programa. Segundo Furtado (2013)FURTADO, J. P. et al. A elaboração participativa de indicadores para a avaliação em saúde mental. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 29, n. 1, p. 102-110, jan. 2013., mesmo sendo um termo polissêmico, avaliação participativa significa a entrada de outros agentes, para além dos avaliadores, no processo de avaliação, como gestores, trabalhadores do programa ou serviço, parceiros de outros serviços e setores e usuários, o que possibilita um exercício de reflexão e diálogo entre os executores do programa e seus entraves e potencialidades para alcançar seu objetivo último.
Métodos
Trata-se de um estudo avaliativo, com abordagem qualitativa, realizado com sete gestores do programa, no município do Rio de Janeiro (RJ). Este estudo constitui uma das etapas de uma tese de doutoramento que aborda a temática da avaliação participativa das ações de saúde do PSE.
Nesta pesquisa, o processo de construção do ML foi realizado em dois momentos, considerando a importância do caráter participativo durante esse processo. O primeiro foi uma reunião, no mês de julho de 2015, com os coordenadores do PSE Carioca para institucionalização da pesquisa, apresentação da proposta de estudo e referência sobre os aspectos éticos, obtendo-se autorização para sua realização. Em um segundo momento, realizou-se uma reunião para a construção do ML, após submissão e aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem Anna Nery e Hospital Escola São Francisco de Assis (CEP EEAN/HESFA) - aprovação no dia 26 de agosto de 2015, sob o número de Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE): 46890515.8.0000.5238. O convite para a reunião foi enviado, via mensagem eletrônica, a 18 integrantes das coordenações e equipes técnicas do PSE, tanto das gestões anteriores quanto das que estavam em exercício no período. O convite foi atendido por sete participantes, que compareceram à reunião no dia 1º de outubro de 2015.
Destaca-se que, para preparar a reunião de construção do ML, foram analisados os documentos e consultadas as publicações oficiais sobre o programa (Ministério da Saúde, decretos e portarias, e Diário Oficial do município). Essas fontes permitiram caracterizá-lo, traçar seus objetivos, definir público-alvo e metas, bem como ações para operar, recursos necessários e o impacto a ser alcançado, auxiliando na introdução de novos elementos explicativos do fenômeno a ser estudado, de forma a instrumentalizar as discussões da reunião em uma perspectiva ideal, teórica e normativa. A partir da análise, viu-se a necessidade da validação do ML e de uma discussão para identificação de potencialidades, barreiras e fragilidades, com os atores que desenvolviam e gerenciavam o programa.
Como instrumento de coleta de dados foi utilizado o roteiro com perguntas abertas, que abordavam os tópicos sobre os insumos, as atividades, os resultados, os impactos e a rotina de acompanhamento e avaliação das ações do programa. Esse roteiro foi elaborado anteriormente à reunião, sendo aplicado em paralelo à produção de um cartaz, que tinha por objetivo ordenar as ideias levantadas e expô-las ao grupo presente na reunião, facilitando a visualização dos pontos a serem discutidos. Tanto o roteiro quanto o cartaz auxiliaram no processo de construção do modelo lógico e na participação dos gestores nessa construção.
A reunião, coordenada por um dos autores deste artigo, foi iniciada com a apresentação dos objetivos, da justificativa e de procedimentos éticos, com a leitura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, e a aceitação dos participantes em colaborar com o estudo. Foi explicada a técnica de coleta de dados, enquanto os participantes respondiam coletivamente ao roteiro. Ao mesmo tempo em que se desenvolvia a discussão, o cartaz era preenchido com as etiquetas correspondentes aos tópicos. Também foi feito o pedido de autorização para gravar os diálogos durante a reunião, em aparelho de MP3, e ressaltou-se que a identificação dos participantes seria feita com a utilização de números entre 9 e 15, acompanhados da letra P, para garantir o anonimato dos envolvidos (CNS, 2012CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE (CNS). Comissões Conselho Nacional de Ética em Pesquisa - CONEP, Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Aprova as normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos, 2012. Diário Oficial [da] União, Brasília, DF, 13 de junho de 2013. Disponível em: <http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2012/Reso466.pdf>. Acesso em: 13 nov. 2016.
http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/... ).
Na organização da sala para a recepção dos participantes, foram dispostas, na mesa, etiquetas plastificadas, escritas com pincéis de cores variadas, que poderiam ser coladas com fita adesiva em um cartaz fixado em cavalete (flipchart). Apenas os tópicos 'componentes, insumos, atividades, resultados e impacto' foram pré-expostos aos participantes. À medida que foram lançadas as perguntas do roteiro de coleta de dados e respondidas coletivamente, as etiquetas que correspondiam ao ML eram colocadas e recolocadas pelos participantes no cartaz fixado, discutindo-se cada tópico com base na análise do contexto do município do Rio de Janeiro (RJ). A reunião teve duração de 2 horas e 22 minutos. Depois disso, seguiram-se a transcrição das falas e a montagem gráfica e digitalizada do ML. Ressalta-se que houve uma reunião de retorno, para os participantes, a fim de que apresentassem os resultados, realizada no dia 1º de março de 2016, como proposta de validação do arcabouço final do ML. Tudo isso depois da digitalização, revisão e elaboração do diagrama. Houve, ainda, um retorno da análise aqui exposta como proposta de validação das transcrições das falas e discussão. foi obtido um consenso positivo sobre a versão digitalizada do ML do PSE Carioca, pelos participantes, bem como uma validação positiva das transcrições das falas.
Resultados e discussão
No contexto do referencial teórico Avaliação de Programas (BROUSSELLE , 2011BROUSSELLE, A. et al. (Org.). Avaliação: conceitos e métodos. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2011.), o processo de construção do ML consta como a melhor técnica de delinear a pergunta avaliativa e definir a viabilidade do processo de avaliação. Portanto, vislumbra-se saber, na prática confrontada com a teoria, como o programa funciona em campo - onde se pode conhecer e discutir suas metas, atividades, resultados - e quais os fatores, dentro de um determinado contexto, que podem influenciar no alcance dos resultados. A participação dos gestores foi consensual e se apoiou nas citações de autores como Furtado (2013)FURTADO, J. P. et al. A elaboração participativa de indicadores para a avaliação em saúde mental. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 29, n. 1, p. 102-110, jan. 2013., que apontam que o Brasil necessita ampliar a efetiva participação dos agentes que conduzem os programas e serviços ligados às políticas públicas, estabelecendo novos espaços de avaliação e participação, além dos conselhos, que tenham como ponto de partida o conhecimento gerado pela avaliação do próprio serviço ou programa ao qual os participantes estejam ligados de alguma forma, seja como trabalhadores, gestores, usuários, familiares etc.
Sobre a construção do ML, segundo Bezerra, Cezarin e Alvez (2010)BEZERRA, L. C. A. B.; CAZARIN, G.; ALVEZ, C. K. A. Modelagem de Programas: da teoria à operacionalização. In: SAMICO, I. et al. Avaliação em Saúde: Bases conceituais e operacionais. Rio de Janeiro: Medbook, 2010. p. 65-78., uma das limitações da modelização é não considerar as possíveis barreiras para a execução do programa. Assim, é necessária a validação do ML e uma discussão sobre os componentes, metas, barreiras e fragilidades do programa a ser avaliado, com os atores principais, que o desenvolvem e gerenciam.
Estavam presentes na reunião, sete gestores e a equipe técnica do PSE Carioca, sendo apenas dois participantes do sexo masculino, com idades entre 34 e 68 anos; com tempo de atuação no PSE Carioca variando de 6 meses a 30 anos. Quanto à categoria profissional dos participantes, havia: médicos (2), enfermeiro (1), fonoaudiólogo (1), dentista (1), psicólogo (1) e pedagogo (1).
Logo no início da construção do ML, observou-se a necessidade de discutir com os participantes o componente do programa que corresponde ao monitoramento e à avaliação das ações de saúde executadas. Uma das falas revelou que, ainda que os participantes atuassem na execução e na gestão, existia a necessidade de um diálogo contínuo sobre os componentes contemplados - cinco, no total - nos documentos normativos do PSE Nacional (BRASIL, 2007BRASIL. Decreto nº 6.286, de 05 de dezembro de 2007. Institui o Programa Saúde na Escola - PSE, e dá outras providências. Diário Oficial [da] União. Brasília, DF, 06 dez. 2007. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6286.htm>. Acesso em: 13 nov. 2016.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at... ). Um deles questionou essa quantidade: "Por quê? Tem mais? [...] Então, não são componentes, são ações? [...] Como assim, me explica? [...] Olha, você está me trazendo algo novo [...]" (P10).
De forma a desencadear e motivar o início das discussões, foram apresentados os componentes, tornando de conhecimento geral o propósito do PSE Nacional, listados assim e contemplados no documento nacional: a) Avaliação das condições de saúde das crianças, adolescentes e jovens que estão na escola pública; b) Promoção da saúde e de atividades de prevenção; c) Educação permanente e capacitação dos profissionais da educação e da saúde de jovens; d) Monitoramento e avaliação da saúde dos estudantes; e) Monitoramento e avaliação do programa (BRASIL, 2007BRASIL. Decreto nº 6.286, de 05 de dezembro de 2007. Institui o Programa Saúde na Escola - PSE, e dá outras providências. Diário Oficial [da] União. Brasília, DF, 06 dez. 2007. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6286.htm>. Acesso em: 13 nov. 2016.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at... , 2015______. Ministério da Educação. Programa Saúde na Escola. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/par/194-secretarias-112877938/secad-educacao-continuada-223369541/14578-programa-saude-nas-escolas>. Acesso em: 29 out. 2015.
http://portal.mec.gov.br/par/194-secreta... ). Já no Decreto Municipal do PSE Carioca (RIO DE JANEIRO, 2015RIO DE JANEIRO. Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social. Secretaria Municipal de Educação. Plano Básico do PSE Carioca 2015-2016. Rio de Janeiro: Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, 2015.), constituem-se como componentes de ação do PSE apenas os três primeiros componentes de ação, porém, o documento esclarece e aponta os demais componentes de avaliação como atribuições e diretrizes operacionais.
A partir desse ponto, desencadeou-se a discussão, que resultou nas seguintes categorias temáticas (BARDIN, 2011BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2011.): Criação do PSE Carioca; Avanços e desafios; e A busca de resultados.
Criação do PSE Carioca
Sobre a problemática de criação do programa, vale a pena abordar um breve histórico do PSE Carioca. Além disso, evidencia-se, nas falas a seguir, uma demanda do setor educação gerada pela ausência do setor saúde no ambiente escolar, um déficit em ações com foco na saúde da criança em idade escolar. Tudo isso resultou em uma postura 'médica' dos educadores (MATTOS, 2009MATTOS, P. C. Um breve histórico da Saúde Escolar no Rio de Janeiro. In: SOCIEDADE DE PEDIATRIA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (SOPERJ). Manual de Saúde Escolar da SOPERJ. Rio de Janeiro: SOPERJ, 2009. Disponível em: <http://www.soperj.org.br/download/manual_saude_escola_completorevisado.pdf>. Acesso em: 13 nov. 2016.
http://www.soperj.org.br/download/manual... ; SILVA; BODSTEIN, 2016SILVA, C. S.; BODSTEIN, R. C. A. Referencial teórico sobre práticas intersetoriais em Promoção da Saúde na Escola. Ciênc. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 21, n. 6, p. 1777-1788, jun. 2016.). Vejamos:
Uma demanda foi criada pelo setor educação, enorme. Quer dizer: essa questão não era do Rio de Janeiro, era um momento, dessa história, de criar especialista, de criança com problema de escolaridade [...] A saúde não se fazia presente nas escolas. (P12).
Lá pelos anos 80, a professora pedia eletrocardiograma... Ela entrava em desespero porque o menino não aprendia e eu recebia no meu consultório, que era um posto de saúde [...] E ela queria isso de volta! (P13).
O contexto da criação do programa veio acompanhado dos inúmeros encaminhamentos que o setor educação realizava, de crianças que teriam problemas de aprendizado relacionados a fatores biológicos, além do histórico de que o fracasso escolar estava relacionado a fatores de saúde, como a desnutrição, entre outros. No entanto, houve a necessidade de se ter uma equipe de saúde que acompanhasse todos os escolares e os direcionasse aos especialistas de forma efetiva. Com a lógica da promoção da saúde sendo amplamente discutida, a partir da década de 1990, e editada como política, pela primeira vez, no ano de 2006, tornou-se evidente a necessidade de mudança na lógica e na discussão sobre a desmedicalização, provocando transformações e trazendo propostas à tona, como as Escolas Promotoras de Saúde (EPS), com o objetivo de reconstruir o paradigma de como a escola e a saúde se relacionavam. A EPS tinha como premissa que, para aprender e se beneficiar dos investimentos da escola, as crianças e os jovens precisavam ter boa saúde, como pré-requisito para a educação. Traz, ainda, a proposta de educação em saúde e a antecipação dos problemas, traçando a necessidade de se elaborar o programa tal qual ele se apresenta hoje (MELO , 1988MELO, J. A. C. et al. Educação, saúde e democracia: perspectivas de transformação. Revista da Faculdade de Educação, São Paulo, v. 14, n. 1, p. 87-117, jun. 1988.; GOMES, 2012GOMES, L. C. O desafio da intersetorialidade: a experiência do Programa Saúde na Escola (PSE) em Manguinhos, no Município do Rio de Janeiro. 2012. 173 f. Dissertação (Mestrado em Ciências na área de Saúde Pública) - Escola Nacional de Saúde Sérgio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2012.; CASEMIRO; FONSECA; SECCO, 2014CASEMIRO, J. P.; FONSECA, A. B. C.; SECCO, F. V. M. Promover saúde na escola: reflexões a partir de uma revisão sobre saúde escolar na América Latina. Ciênc. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 19, n. 3, p. 829-840, mar. 2014.; SILVA; BAPTISTA, 2015SILVA, P. F. A.; BAPTISTA, T. W. F. A Política Nacional de Promoção da Saúde: texto e contexto de uma política. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 39, n. esp., p. 91-104, dez. 2015.; SILVA; BODSTEIN, 2016SILVA, C. S.; BODSTEIN, R. C. A. Referencial teórico sobre práticas intersetoriais em Promoção da Saúde na Escola. Ciênc. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 21, n. 6, p. 1777-1788, jun. 2016.).
Os documentos oficiais analisados por Dias (2014)DIAS, M. S. A. et al. Programa Saúde na Escola: tecendo uma análise nos documentos oficiais. SANARE, Sobral, v. 13, n. 1, p. 29-34, jan./jun., 2004. apontam que, desde 2007, quando o programa foi criado, diversas foram as publicações que apresentam o objetivo inserido e discutido no ML aqui descrito, que traz o processo de evolução da implantação e da implementação do PSE. Além disso, por meio da análise desses documentos, percebe-se o quanto as propostas apresentadas pelo PSE são, em parte, desafiadoras a quem as executa.
Avanços e desafios
As ações do PSE são desenvolvidas em territórios definidos, de acordo com a área de abrangência das EqSF, possibilitando a criação de vínculo entre os setores da saúde e da educação. Por conta deste vínculo, as ações que envolvem setores distintos preveem a integração de saberes e experiências (FERREIRA ., 2012FERREIRA, I. R. C. et al. Diplomas Normativos do Programa Saúde na Escola: análise de conteúdo associada à ferramenta ATLAS TI. Ciênc. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 17, n. 12, p. 3385-3398, dez. 2012.). O avanço neste aspecto é levantado pelos gestores, quando comparado com o contexto histórico, conforme a seguinte fala:
Eu acho que o ganho foi a integração, que ainda não é a das melhores [...] Então, essa integração, acho que começa a aumentar a possibilidade de uma promoção, de uma previsão, de uma antecipação dos problemas. (P13).
Para corroborar a discussão, vale destacar que, entre os objetivos do PSE Nacional, está o de fortalecer a relação entre as redes públicas de saúde e de educação, otimizando o vínculo e a utilização dos espaços, equipamentos e recursos disponíveis, favorecendo a continuidade do cuidado e promovendo acesso aos níveis de atenção da rede de saúde (BRASIL, 2007BRASIL. Decreto nº 6.286, de 05 de dezembro de 2007. Institui o Programa Saúde na Escola - PSE, e dá outras providências. Diário Oficial [da] União. Brasília, DF, 06 dez. 2007. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6286.htm>. Acesso em: 13 nov. 2016.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at... ). O ganho apontado pelos gestores durante a discussão do ML do PSE Carioca, e que corresponde aos objetivos do Programa Nacional, é o novo entendimento sobre o que é saúde na escola, e foi referenciado pelos participantes como uma das razões que fortaleceram a integração e a articulação da intersetorialidade.
Desde a década de 1990, a perspectiva da promoção de saúde tem sido afirmada e apoiada por organismos internacionais como estratégia de eleição para a saúde escolar, e com essa nova lógica, houve também mudanças na visão dos papéis e das responsabilidades assumidas através das parcerias, e articulação em torno das estratégias de promoção da saúde na escola (CASEMIRO; FONSECA; SECCO, 2014CASEMIRO, J. P.; FONSECA, A. B. C.; SECCO, F. V. M. Promover saúde na escola: reflexões a partir de uma revisão sobre saúde escolar na América Latina. Ciênc. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 19, n. 3, p. 829-840, mar. 2014.). A fala abaixo, extraída da discussão do ML e sobre os avanços do PSE Carioca, destaca este entendimento:
Olha, eu acho que, como ganho, é esse novo entendimento, que hoje a escola entende um pouco melhor o que é promoção da saúde [...] Então, assim, quando a saúde escolar entra nesse 'ramo', de ver toda a comunidade escolar, a gente não fica 'caçando bruxas', porque, até então, era caça aos problemas. Agora, é prevenção, é promoção da saúde. (P10).
Destaca-se, nesta fala, a questão do termo 'caçando bruxas', que teve o sentido de busca ativa de doenças e agravos entre as crianças inseridas na escola, em uma perspectiva de doença já instalada, de diagnóstico, sem que se tivesse uma preocupação com a prevenção, a educação e a promoção da saúde. Esta perspectiva ainda está sob a mira da transformação e do diálogo, posto que sempre se viu, como atuante e responsável apenas o setor saúde, sem que a escola participasse do processo de educação em saúde. Sob a ótica do novo entendimento apontado pelos participantes, emerge a questão de que a escola não é mais somente o espaço para desenvolver ação de saúde, mas sim, parceira e executora de ações e temáticas de saúde. Deste modo, tanto a saúde quanto a educação devem, através do vínculo articulador, manter agendas e calendários que favoreçam a participação de todos os envolvidos, o que foi pontuado como ganho na discussão, durante a construção do ML.
Neste contexto, pôr em prática e desenvolver ações de promoção articuladas e ditas como 'antecipação' pelo grupo gestor, proporcionou aos executores das ações do programa um olhar não mais para o escolar, mas sim, para todos os que compõem a comunidade escolar: professores, diretores, alunos, pais, responsáveis e todos que trabalham inseridos na escola, como auxiliares de serviços gerais, merendeiras, colaboradores etc. Sendo assim, autores apontam que eventos de educação em saúde junto à comunidade escolar (temas de atividade física, alimentação e qualidade de vida, entre outros) passaram a ser incluídos e ter relevância nas temáticas de ações desenvolvidas, atendendo aos objetivos do PSE Nacional (FERREIRA; JARDIM; PEIXOTO, 2013FERREIRA, J. O. A.; JARDIM, P. C. B. V.; PEIXOTO, M. R. G. Avaliação de projeto de promoção da saúde para adolescentes. Rev. Saúde Pública, São Paulo, v. 47, n. 2, p. 257-265, abr. 2013.).
O PSE Carioca tem como um dos seus eixos de atuação o planejamento, o monitoramento e a avaliação das ações de promoção, prevenção e atenção à saúde do escolar. (RIO DE JANEIRO, 2015RIO DE JANEIRO. Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social. Secretaria Municipal de Educação. Plano Básico do PSE Carioca 2015-2016. Rio de Janeiro: Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, 2015.). Desta forma, trabalha no escopo de atingir os objetivos do programa nacional e acompanhar as temáticas de ações executadas. Quanto aos sistemas de informação que fornecem dados para o atendimento do eixo supracitado, o PSE Nacional preconiza que sejam utilizados dois deles para o registro das atividades desenvolvidas no âmbito do PSE (BRASIL, 2011______. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Passo a Passo Programa Saúde na Escola (PSE). Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2011. Disponível em: <http://189.28.128.100/dab/docs/legislacao/passo_a_passo_pse.pdf>. Acesso em: 13 nov. 2016.
http://189.28.128.100/dab/docs/legislaca... ): a) o Sistema e-SUS da Atenção Básica (e-SUS/AB), para o registro das ações relacionadas ao componente I; e b) o Sistema Integrado de Monitoramento, Execução e Controle (Simec), para o registro das ações relacionadas aos demais componentes (II, III, IV e V).
A partir da necessidade de melhor acompanhar e facilitar o registro das ações realizadas nesses sistemas oficiais, institui-se a proposta de registro único, com a implantação da Ficha de Registro das Ações do PSE Carioca como uma das ferramentas estratégicas do Projeto Básico 2015-2016 (RIO DE JANEIRO, 2015RIO DE JANEIRO. Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social. Secretaria Municipal de Educação. Plano Básico do PSE Carioca 2015-2016. Rio de Janeiro: Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, 2015.). Essa ferramenta teve como objetivo auxiliar o posterior preenchimento dos sistemas oficiais (e-SUS/AB e Simec) e, principalmente, subsidiar o processo de planejamento, monitoramento e avaliação das ações de saúde na escola, dado que visa proporcionar mais agilidade e confiabilidade ao registro.
Os dados alimentados e analisados pelos executores das ações de saúde na escola, em tempo oportuno, favoreceram o processo de tomada de decisão realizado pelos gestores das secretarias envolvidas no desenvolvimento do PSE Carioca, assim como favoreceram o monitoramento e a avaliação da distribuição temática das ações de saúde na escola. Ou seja, a proposta de registro único foi avaliada de forma positiva, como o apontado na fala do gestor entrevistado:
A gente só pode dizer que estamos avançando [na implantação do PSE] hoje, com o monitoramento, a criação desse monitoramento pelo Google Drive. É único [para as secretarias envolvidas] e acessível [...] Os sistemas, o Simec e o e-SUS, em termos de relatório, qualitativamente, é ruim. Porque lá só entram ações coletivas e você tem aqui, 'na ficha de registro', ações individuais. Não é um bom sistema, mas é o que a gente tem [...] Porque não tínhamos um sistema, por exemplo, único para as três secretarias. Cada secretaria tem um sistema e um não fala com o outro. (P11).
De certa forma, o registro único permite um acompanhamento das ações do PSE Carioca e, na prática, favorece um avanço na articulação entre as secretarias envolvidas - saúde, educação e desenvolvimento social. Corroboram a discussão, autores que apontam a proposta de trabalho intersetorial como o principal desafio do programa, que, entre outros objetivos, visa reconstruir e solidificar a relação entre os campos da saúde e da educação (DIAS , 2014DIAS, M. S. A. et al. Programa Saúde na Escola: tecendo uma análise nos documentos oficiais. SANARE, Sobral, v. 13, n. 1, p. 29-34, jan./jun., 2004.), como se vê na fala a seguir:
O desafio é compreender que estamos no mesmo barco, temos que fazer o melhor possível para nossas crianças [...] Então, a gente tem que se articular e compreender que um dos nossos desafios é fortalecer a articulação. (P11).
O desafio não acontece apenas em território brasileiro. Outros países, como a Argentina, são citados em um estudo, que refere que ações de promoção da saúde apresentam alto grau de descontinuidade por conta da desarticulação entre as instituições envolvidas, o que não favorece a qualidade do vínculo entre elas e desmotiva os próprios participantes, incluindo os escolares (DE LELLIS ., 2010DE LELLIS, C. M. et al. La Práctica de la Investigacíon Evaluativa en un Programa de Promocíon de la Salud con Instituciones Escolares. Anu. Investig., Buenos Aires, v. 17, p. 299-308, dez. 2010.).
Em um contexto com essa perspectiva, vislumbra-se que as ações intersetoriais se desenvolvem por meio de um processo diferenciado, planejado e programado, com o compartilhamento do poder e da articulação de interesses, saberes e práticas das instituições/setores envolvidos (FERREIRA , 2012FERREIRA, I. R. C. et al. Diplomas Normativos do Programa Saúde na Escola: análise de conteúdo associada à ferramenta ATLAS TI. Ciênc. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 17, n. 12, p. 3385-3398, dez. 2012.). As falas a seguir apontam para uma discussão com ganho e resultados intermediários, o que explicita a força-tarefa dos profissionais que estão desenvolvendo o PSE em fortalecer o desafio da intersetorialidade. Adota-se uma postura de investimento, mudanças e, consequentemente, possíveis avanços em relação ao entendimento da importância de se pautar no protagonismo juvenil, como se vê abaixo:
No momento em que você entender o protagonismo do aluno como uma potencialidade, você melhora o olhar sobre si e sobre o cuidar [...] É uma falha, não promover a mobilização de lideranças estudantis. (P11).
Mas esse ponto está sendo discutido nas reuniões de Grupo de Trabalho Intersetorial. Está sendo uma demanda da educação e o desenvolvimento social está engajado nisso [...] É autorizando os alunos a estarem no espaço de decisões. (P15).
Dando continuidade à discussão deste tópico, podem-se apontar estudos como o de Ferreira (2014)FERREIRA, I. R. C. et al. Percepções de gestores locais sobre a intersetorialidade no Programa Saúde na Escola. Rev. Bras. Educ., Rio de Janeiro, v. 19, n. 56, p. 61-76, mar. 2014., que apontam, em seus resultados, semelhantes aos aqui descritos, que houve um consenso entre os respondentes, quando se tratou de que o protagonismo juvenil era um mecanismo que poderia favorecer a participação do jovem/adolescente no desenvolvimento e na execução das ações do PSE, e que necessitava ser fortalecido.
Outro ponto desafiador, que os participantes expuseram e que vale uma breve discussão, foi a questão da relação entre a unidade escolar, a unidade de saúde de referência da escola e a unidade de saúde de acompanhamento do escolar correspondente ao território adscrito à Unidade de Saúde da Família. Isto se comprova com a seguinte fala:
Outra coisa que acho que prejudica é a questão da territorialização, pois você acompanha as escolas do território [...] Na verdade, a EqSF vai fazer a promoção na escola, mas o atendimento individual é preconizado que seja no território onde ele mora. (P11).
Daí, a gente esbarra em outro ponto, que é a questão da comunicação. Porque, mesmo que essa criança fosse acompanhada por duas equipes e elas tivessem um caminho de 'comunicação', onde se pudesse trocar, a gente passaria por essa dificuldade. (P14).
Neste aspecto, vale ressaltar que, durante a discussão do ML, foi apresentada uma sugestão pelos gestores - de outras gestões, e pactuada no PSE Nacional -, de planejar e fortalecer reuniões locais periódicas entre os profissionais das unidades escolares e os profissionais das unidades de saúde que são de referências para aquele território. Uma aproximação deve ser construída, um vínculo, uma parceria precisa ser pactuada. Assim como é preciso favorecer a articulação entre os equipamentos de saúde, em todos os níveis de atenção, para promover a saúde integral das crianças em idade escolar. Essa sugestão promoveu uma discussão e uma reflexão, na reunião de construção do ML, e uma indagação sobre como os gestores - da saúde e da educação - estavam acompanhando e garantindo a continuidade do cuidado para com os escolares. Naquele momento, foram colocadas as etiquetas no ML, sobre o plano de ação, sobre resultados imediatos e intermediários.
O estudo de Sousa, Erdmann e Mochel (2011)SOUSA, F. G. M.; ERDMANN, A. L.; MOCHEL, E. G. Condições limitadoras para a integralidade do cuidado à criança na atenção básica de saúde. Texto contexto - Enferm, Florianópolis, v. 20, n. esp., p. 263-271, 2011. obteve resultado semelhante ao trazer que, tanto nas falas dos gestores como nas dos profissionais executores entrevistados pelos autores, não existe uma rede articulada dos serviços de atenção à criança, o que esbarra nesse mesmo aspecto da comunicação. Na opinião dos entrevistados no estudo supracitado, o sistema de saúde não garante a efetividade do sistema de referência e contrarreferência, apresentando problemas por não garantir a continuidade do cuidado nos diversos níveis da atenção, carecendo de uma melhor instrumentalização.
A busca de resultados
O objetivo do PSE é contribuir para a formação integral dos estudantes, por meio de ações de saúde integral ao escolar (prevenção, promoção e atenção à saúde, e acesso aos diversos níveis de atenção da rede de saúde), visando ao enfrentamento das vulnerabilidades que põem em risco o pleno desenvolvimento de crianças e jovens da rede pública de ensino brasileiro (BRASIL, 2009______. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saúde na Escola. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2009. (Série B - Textos Básicos de Saúde), (Caderno de Atenção Básica de Saúde na Escola. n. 24). Disponível em: <http://dab.saude.gov.br/docs/publicacoes/cadernos_ab/abcad24.pdf>. Acesso em: 13 nov. 2016.
http://dab.saude.gov.br/docs/publicacoes... ; FERREIRA , 2014FERREIRA, I. R. C. et al. Percepções de gestores locais sobre a intersetorialidade no Programa Saúde na Escola. Rev. Bras. Educ., Rio de Janeiro, v. 19, n. 56, p. 61-76, mar. 2014.).
Portanto, na reunião de construção do ML, este objetivo se apresenta como o impacto do programa, ou seja, o que de fato o PSE quer alcançar. No entanto, antes do consenso sobre ser esse, de fato, o impacto do programa, uma discussão entre o grupo de gestores se deu de forma intensa, evidenciando a necessidade de entendimento sobre a que realmente o PSE se propõe e o que é o programa enquanto uma estratégia programática. Alguns tinham dúvidas e não firmeza nas respostas, mas suas falas apresentaram interseções com o objetivo acima, como se vê na conversa abaixo:
Garantir prevenção e a promoção da saúde? (P9).
[Logo em seguida, como respostas]
Dos escolares [...] e garantir o direito à saúde e à educação. (P10).
Saúde para a vida [...] Isso é muito mais amplo, porque, se você dá isso pra ele na infância, na escola, na formação dele, você dá isso pra vida! E mais... leva isso pra família dele. (P13).
Neste aspecto, vale destacar que o exercício de construção do ML proporcionou um momento de reflexão sobre o entendimento teórico do programa, o que foi visto como um ponto positivo pelos participantes. Nesse ponto da discussão, emergiu uma questão para reflexão, com relação aos diretores de unidades escolares e gestores das unidades de saúde e EqSF, sendo estes últimos os executores das ações do programa que atuam na atenção básica: como entendem o programa, na perspectiva de execução e do impacto da ação realizada? Assim, a partir de todas as colocações, vislumbra-se que, com um melhor entendimento sobre o que o PSE quer impactar, e sobre sua importância, os profissionais envolvidos na execução passem a valorizar as ações de saúde na escola.
Na construção do ML, pretende-se revelar o conjunto das hipóteses necessárias às melhorias da situação problemática identificada, ou seja, abrir 'a caixa-preta do programa' no escopo de que se tenha clareza sobre sua operacionalização e resultados esperados (BROUSSELLE , 2011BROUSSELLE, A. et al. (Org.). Avaliação: conceitos e métodos. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2011.). Essa etapa de modelização favorece, também, a identificação de fatores que possam desvirtuar a relação linear de causa-efeito entre o programa e os resultados. Os pontos relevantes apontados pelo grupo de gestores, que são paralelos aos desafios descritos, foram:
'Déficit na prática de monitoramento e avaliação', o que levou à necessidade de criação da proposta da Ficha de Registro no município, que, após um ano de implantação, já se apresenta como ponto positivo para o componente de monitoramento e avaliação das ações no local. Tal proposta permitiu, tanto para o setor saúde quanto para o setor educação, o acompanhamento de forma mais acessível e em tempo oportuno, o que facilitou o monitoramento da distribuição temática e a identificação das EqSF envolvidas na execução das ações, proporcionando uma atenção integral ao escolar.
'Falta de recursos financeiros', que são diretamente ligados à questão da defasagem nos 'Recursos humanos e capacitação', pois os profissionais de saúde que planejam e executam as ações são os mesmos profissionais que referem a sobrecarga da carta de serviços da atenção básica, que desmotiva a execução das ações de promoção de saúde voltadas para o escolar - público este que demanda, de forma menos expressiva, ações estratégicas de intervenções biomédicas.
Dessa forma, e a partir das trocas de informações exercidas durante a reunião, construiu-se, e foi aprovado pelo grupo, o ML do PSE Carioca, no diagrama apresentado a seguir (figura 1).
Considerações finais
O estudo permitiu a construção do ML do PSE Carioca e favoreceu um diálogo com os profissionais das áreas da saúde e da educação sobre o arcabouço teórico-metodológico do programa, em conformidade com os efeitos e as influências operacionais, sob o contexto local, que interferem e contribuem na execução das ações programáticas pautadas nos diplomas normativos do PSE. Não há dúvidas de que, às vésperas de se completar dez anos de publicação do Decreto Presidencial que institui o PSE Nacional (BRASIL, 2007BRASIL. Decreto nº 6.286, de 05 de dezembro de 2007. Institui o Programa Saúde na Escola - PSE, e dá outras providências. Diário Oficial [da] União. Brasília, DF, 06 dez. 2007. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6286.htm>. Acesso em: 13 nov. 2016.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at... ), ganhos e avanços podem ser evidenciados, porém, muita coisa ainda precisa ser discutida em profundidade. Portanto, fazem-se necessárias mais pesquisas na área da saúde escolar, com a proposta de contribuir para a formação integral dos estudantes por meio de ações de promoção, prevenção e diagnóstico em saúde, visando ao enfrentamento das vulnerabilidades e ao direcionamento da rede de atenção à saúde, objetivando uma atenção integral de saúde à criança em idade escolar.
Entre as dificuldades apontadas, a intersetorialidade ainda se apresenta como o desafio a ser vencido para a execução do programa nas áreas de abrangência. Este desafio acompanha a necessidade de sensibilização e fortalecimento das relações entre os profissionais dos equipamentos de saúde, educação, assistência social e outros parceiros, sobre sua rede de referência e territorialização. Reuniões locais, com periodicidade, em suas respectivas áreas, e um sistema de informação único para o programa, que possibilite seu uso em tempo oportuno pelas secretarias envolvidas, são apontados aqui como estratégias e recomendações para o enfrentamento dessa problemática.
Os resultados permitiram a criação de ML do PSE Carioca, de forma participativa, com os gestores e a equipe técnica, porém, têm-se como limitação a não realização e a não discussão dessa construção com outros profissionais executores do programa, como se dá com os profissionais das EqSF. No entanto, entendemos que esta pesquisa, por se tratar de uma proposta inicial, referente à realidade de um município, estimula e subsidia futuras pesquisas avaliativas na área da saúde escolar, com vistas à generalização dos resultados para as diversas realidades brasileiras.
- Suporte financeiro: não houve
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
Mar 2017
Histórico
- Recebido
Abr 2016 - Aceito
Set 2016