A disciplina Introdução à Avaliação em Saúde: a experiência de (in)formação na graduação em saúde coletiva

The discipline Introduction to Health Evaluation: the training experience on public health graduation

Leyla Gomes Sancho Egléubia Andrade de Oliveira Eduardo Fernandes Félix de Lima Luis Guilherme Buteri Jociara Gomes Sobre os autores

RESUMO

Trata-se de relato de experiência sobre a disciplina Introdução à Avaliação em Saúde para graduandos de saúde coletiva sob as perspectivas docente e discente. A experiência docente considerou o exercício pedagógico, quando se deu a aquisição de competências - saber, saber fazer e ser em interação -, analisado por critérios e parâmetros pactuados. A experiência discente foi obtida por meio do instrumento de avaliação aplicado aos discentes, incluindo os itens: apreciação geral, conteúdo programático, expectativas, mesa redonda, seminário, pontos positivos e problemas. Os achados revelam as dificuldades de integração com outras disciplinas e os aspectos participativos da abordagem por problematização.

PALAVRAS-CHAVE
Educação baseada em competências; Saúde pública; Avaliação em saúde

ABSTRACT

This paper presents an experience report on the discipline Introduction to Health Evaluation for undergraduate students also as under the teacher as the student perspectives. The teaching perspective considered the students' response to a simulation exercise whose outcome success was the acquisition of competencies (knowledge, know-how and be in interaction), being analyzed by criteria and agreed parameters. The students' experience was captured by questionnaire, including: general assessment, curriculum, expectations, round table, seminars, strengths and problems. The findings reveal integration difficulties with other disciplines and participatory aspects of this questioning approach.

KEYWORDS
Competency-based education; Public health; Health evaluation

Introdução

O artigo discute os resultados de estudo que apreciou o conteúdo programático da disciplina Introdução à Avaliação em Saúde a partir da percepção dos docentes e discentes, considerando tanto a consecução de exercício didático sobre a avaliação de uma intervenção à luz de um problema de saúde - a partir de dados e informações de município fictício (Hélio Fraga - turma 2014) - como o preenchimento do instrumento, semiestruturado, de avaliação sobre a condução teórica e pedagógica da disciplina e sua organização.

A avaliação em saúde como espaço de saberes e práticas, tema central da experiência pedagógica analisada neste artigo, vem se configurando um microcosmo social em busca de autonomia em relação às subáreas que compõem a saúde coletiva (FURTADO; VIEIRA DA SILVA, 2014FURTADO, J. P.; VIEIRA DA SILVA, L. Entre os campos científico e burocrático - a trajetória da avaliação em saúde no Brasil. In: AKERMAN, M.; FURTADO, J. P. (Org.). Práticas de avaliação em saúde no Brasil - diálogos: Editora Rede Unida, 2016. p. 17-58. ). De acordo com esses autores, a institucionalização de práticas avaliativas no sistema público de saúde no Brasil se deu na contramão de outros países, onde os contextos político-institucionais são mais favoráveis à avaliação das suas ações e programas sociais, além de apresentar acentuada cultura participativa por parte da sociedade em termos do acompanhamento dos investimentos públicos. Cabe ressaltar, no entanto, que, desde 2003, diversas iniciativas de formação e qualificação de profissionais em monitoramento e avaliação vêm sendo desenvolvidas por instituições acadêmicas, como o Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira (Imip) e a Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

A evolução da produção de conhecimento e a reflexão sobre as práticas da avaliação não constituem objeto desta análise, entretanto, a sua conformação no campo da saúde carreia desafios para a formação acadêmica em diferentes níveis, como, por exemplo, a oferta de disciplinas para alunos de graduação.

A graduação em saúde coletiva: panorama geral do curso

Em sessão extraordinária do Conselho Universitário da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) no ano de 2008, foi aprovado o Bacharelado em Saúde Coletiva (UFRJ, 2008). A proposta, elaborada por docentes de diferentes áreas daquela instituição, refletia o debate em torno da necessidade de formação profissionalizante em saúde coletiva. O processo de criação dos cursos de graduação em saúde coletiva no Brasil resultou de longo processo de amadurecimento da formação dos profissionais de saúde e sua inserção nas esferas de atuação de um sistema complexo e dinâmico como o Sistema Único de Saúde (SUS), envolvendo instituições de ensino e outras organizações interessadas, além da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO, 2015ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE SAÚDE COLETIVA (ABRASCO). Minuta das Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Graduação em Saúde Coletiva. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Saúde Coletiva e dá outras providências. Abrasco, Rio de Janeiro, 2015. Disponível em: <http://www.abrasco.org.br/site/wp-content/uploads/2015/06/DCN-CGSC-versao-junho-2015.pdf>. Acesso em: 30 jan. 2017.
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).

A sua constituição se deu inicialmente na Universidade Federal do Acre e na Universidade de Brasília e, na sequência, nas universidades federais do Rio de Janeiro, Bahia, Paraná, Rio Grande do Sul e Brasília. O corpo docente envolvido nas disciplinas voltadas à formação desses profissionais na UFRJ iniciou um processo de estruturação dos seus conteúdos, bem como os aspectos didático-pedagógicos envolvidos. A experiência de organização da disciplina Introdução à Avaliação em Saúde, e suas especificidades, será abordada a seguir.

A proposta pedagógica

A disciplina Introdução à Avaliação em Saúde é obrigatória e ofertada aos alunos do sexto período, em um curso de bacharelado com carga horária mínima de 3.200 horas e prazo mínimo de quatro anos para sua integralização (UFRJ, 2016). É conduzida por um professor responsável, um professor colaborador e um aluno de graduação vinculado ao programa de monitoria. Os conteúdos da disciplina vêm sendo estruturados em um currículo integrado, composto por unidades pedagógicas para as quais são definidas as sequências de atividades pertinentes, dirigidas aos discentes e aos professores, como descrito no quadro 1.

Quadro 1
Módulos, temas e objetivos da disciplina Introdução à Avaliação em Saúde

É importante frisar que a disciplina vem sendo adaptada anualmente a fim de atender aos objetivos propostos.

A realização de um exercício relativo ao diagnóstico situacional, à árvore do problema e às escolhas estratégicas do município fictício Hélio Fraga funciona como eixo condutor das discussões práticas e teóricas sequenciais que compõem a disciplina.

A avaliação em saúde como disciplina: o histórico de uma construção permanente

A configuração deste projeto pedagógico, desde sua primeira proposição, previu o uso de exposições dialogadas, leitura de textos em sala de aula, exercícios teórico-práticos, seminários e mesa redonda que abordam elementos da evolução do pensamento e das práticas da avaliação e problematizam programas e serviços de saúde em diferentes contextos. Os seminários objetivam a estruturação de uma intervenção a ser construída pelos grupos no decorrer da disciplina, a partir da problematização de uma determinada situação de saúde. A concepção que se pretende é a da aproximação sucessiva para a apreensão do conhecimento, e, nessa medida, o conteúdo vem sendo ministrado de acordo com a evolução interdisciplinar, conceitual e metodológica da avaliação e da avaliação em saúde (GUBA; LINCOLN, 1989GUBA, E. G.; LINCOLN, Y. S. Fourth generation evaluation. Sage Publications: Thousand Oak , 1989. ; HARTZ; SILVA, 2005HARTZ, Z. M. A.; SILVA, L. M. V. (Org.). Avaliação em saúde: dos modelos teóricos à pratica da avaliação de programas e sistemas de saúde. Salvador: EDUFBA; Rio de Janeiro: Fiocruz, 2005. ; BROUSSELLE , 2013BROUSSELLE, A. et al. Avaliação: conceitos e métodos. Fiocruz: Rio de Janeiro, 2013. ; SANTOS; CARDOSO, 2013SANTOS, E. M. et al. Institutionalization of monitoring as a reflexive managerial practice. EES Newsletter Evaluations Connections, Praga, v. 1, p. 20-24, 2013.).

Tomando como base teórica para a apreciação da condução e organização da disciplina a pedagogia das competências crítica, se incorporam nos conteúdos escolares tanto os conhecimentos conceituais como também os processuais, o saber-fazer, e aquele que pretende preparar os indivíduos para a adaptação permanente ao meio social da contemporaneidade, que é o ser em interação. Para Ramos (2001)RAMOS, M. N. Pedagogia das competências: autonomia ou adaptação? São Paulo: Cortez, 2001. , a noção de competências por seu caráter polissêmico é tomada como articulação de aptidões e capacidades que instrumentalizam os sujeitos na tomada de decisão sobre suas atividades profissionais, ou seja, para a adaptação permanente ao meio social instável da contemporaneidade.

As inovações tecnológicas que nas últimas décadas produziram transformações no universo do trabalho, redefinindo profissões e resignificando atividades, possibilitaram a emersão desses conteúdos. A transposição desses conteúdos para a formação de alunos em um curso de graduação em saúde coletiva, cujo foco central é a capacitação de profissionais aptos a lidar com a complexidade de situações no âmbito da saúde, representa um desafio adicional. A concepção do projeto pedagógico deve ser capaz de associar as noções saber, saber-fazer, e ser em interação, por meio de atividades que expressem a apropriação dos conteúdos, a atuação dos docentes e monitores no processo de sensibilização e enredamento dos estudantes. A proposta implica um repensar e um praticar que incorporem, de forma constante, vivências e experiências.

Metodologia

Trata-se de estudo descritivo que utilizou abordagem quanti-qualitativa e que teve como substratos o exercício pedagógico - construção de avaliação de dada intervenção à luz de determinado problema -, elaborado por um grupo de alunos da turma de 2014. As respostas advieram da aplicação de instrumento de avaliação da disciplina preenchido pelos discentes (n=37) das turmas relativas aos anos 2012, 2013 e 2014.

O estudo foi efetivado em duas perspectivas. A primeira delas é concernente à percepção dos docentes que ministram a disciplina, para a qual se balizou o conteúdo do exercício pedagógico realizado pelos discentes com o conteúdo programático proposto por meio da adoção de abordagem do tipo apreciação normativa baseada na determinação de categorias de análise, agregado a critérios e parâmetros desenvolvidos pelos docentes, conforme disposto no quadro 2.

Quadro 2
Demonstrativo das categorias de análise, critérios e parâmetros

É importante frisar que a documentação relativa ao município Hélio Fraga, que embasa a elaboração do exercício pedagógico, contém dados fictícios sócio demográficos, econômicos, políticos, organizacionais do setor saúde, sociais e os relativos à morbidade e à mortalidade da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Aids) e tuberculose (SANTOS; CARDOSO, 2013SANTOS, E. M. et al. Institutionalization of monitoring as a reflexive managerial practice. EES Newsletter Evaluations Connections, Praga, v. 1, p. 20-24, 2013.).

A segunda perspectiva, relacionada aos discentes, foi conformada pela aplicação do instrumento de avaliação no final do semestre letivo da disciplina nos distintos anos, e teve como objetivo subsidiar os docentes às possíveis mudanças decorrentes de sua análise.

A abordagem quantitativa foi empregada a partir das respostas fechadas do instrumento, quando se utilizou como medida de frequência a proporção. Para o conteúdo das respostas abertas do instrumento, a abordagem escolhida foi a análise de conteúdo (BARDIN, 2009BARDIN, L. Análise de conteúdo. 5 ed. Lisboa: Edições 70, 2009. ) por meio da configuração das seguintes categorias de análise: pontos positivos, pontos negativos e sugestões.

É importante ressaltar que o instrumento preservou a identidade dos respondentes no que se refere a opiniões e comentários emitidos. A análise do conjunto dos dados e informações obtidas se deu por meio de complementaridade dos métodos quantitativo e qualitativo: análise de conteúdo e da apreciação baseada em critérios e parâmetros.

Resultados

Os resultados são apresentados considerando as duas perspectivas do estudo: a apreciação docente do exercício pedagógico e a apreciação discente registrada no instrumento de avaliação da disciplina.

Apreciação docente da atividade síntese: o município fictício

A partir da análise do produto do exercício pedagógico, observou-se que o grupo de alunos superou as expectativas iniciais dos docentes. Os alunos contemplaram a sequência lógica entre contexto, identificação do problema, intervenção, pergunta avaliativa, metas e indicadores. Dessa forma, abrangeram os critérios e atingiram os parâmetros de suficiência e qualidade especificados. As categorias de análise 'capacidade de análise de dados e informações demográficas e organizacionais' e 'construção preliminar da proposta de avaliação' foram as duas áreas com menores índices de aceitação, embora alcançassem respectivamente 70% e 80%, do total previsto, conforme descrito no quadro 3.

Quadro 3
Avaliação do exercício pedagógico

A apreensão cognitiva pelos alunos é evidenciada por alguns exemplos, como o explicitado no quadro 4, quando o grupo utilizou dados e informações do município para analisar o problema do 'desconhecimento da sorologia para Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) na população do município'.

Quadro 4
Explicando o problema

Tanto no material escrito como na apresentação do grupo, os alunos demonstraram suficiência no manejo dos principais descritores do problema e contextualização de fatores sócio demográficos do município tal como a presença de analfabetismo e evasão escolar, com influência na vulnerabilidade programática relacionada à possibilidade de testagem. Ressalte-se que a elaboração discente foi efetiva para descrever a expectativa de mudança envolvida na intervenção.

Em relação à modelização das intervenções, ainda compreendida no âmbito do exercício pedagógico analisado pela categoria 'estruturação da teoria do programa', o grupo de alunos o desenvolveu de maneira interativa e compartilhada. Tematizou-se, para construção do modelo lógico, uma intervenção propondo programa de educação em saúde sobre HIV/Aids no município fictício, associado à oferta de testagem rápida para HIV, como pode ser visualizado no modelo apresentado a seguir. A construção do modelo lógico é uma proposta para organizar os componentes de um programa cuja aplicação facilita planejar e comunicar o que se pretende e o modo de funcionamento esperado (CASSIOLATO; GUERESI, 2010CASSIOLATO, M.; GUERESI, S. Como elaborar Modelo Lógico: roteiro para formular programas e organizar avaliação. Brasília, DF: Ipea, 2010. Disponível em: <http://www.ipardes.gov.br/pdf/multissetorial/nota_tecnica_IPEA.pdf>. Acesso em: 30 jan. 2017.
http://www.ipardes.gov.br/pdf/multisseto...
).

Figura 1
Modelo lógico. Problema: desconhecimento da sorologia de HIV na população de Hélio Fraga, elevando as taxas de incidência de Aids no município

Considerando a construção preliminar da proposta de avaliação: pergunta avaliativa, indicadores e metas, dois aspectos interessantes são apresentados no quadro 5 resumo do trabalho discente. O primeiro deles diz respeito ao sequenciamento lógico ou cadeia lógica entre intervenção e efeitos, capturado pelo exemplo construído pelos alunos.

Quadro 5
Resumo do exercício dos discentes

O segundo é a hierarquização de efeitos, resultados, e qualidade elaborada pelos discentes, retomando o pressuposto que liga a inferência de alcance de resultados à qualidade técnica satisfatória (MAYNE, 2011MAYNE, J. Contribution analysis: adressing cause and effect. In: FOTSS, K.; MARRA, M.; SCHWARTZ, R. (Org.). Evaluating the complex: attribution, contribution, and beyond. London: Transaction Publishers, 2011. p. 53-95. ).

A apreciação discente

A apreciação discente, conforme a estrutura do instrumento utilizado para avaliação: geral da disciplina; da expectativa inicial dos discentes; do conteúdo programático envolvendo temas comuns discutidos em todas as turmas e temas abordados em apenas algumas das turmas; das mesas redondas; dos seminários; e d indicação dos pontos positivos e dos problemas identificados.

No que se refere à avaliação geral, a disciplina obteve 78,38% de aprovação geral e 83,78% de aprovação do conteúdo programático. Em relação à expectativa inicial, os discentes se manifestaram da seguinte forma: 54,83% indicaram que a capacitação se deu 'na medida', e 25, 80%, que ficou 'muito acima', totalizando 80.63% de respostas positivas.

O conteúdo programático foi abordado em duas vertentes: a primeira refere-se ao conjunto temático comum a todas as turmas. Nesse caso, o tema referente à Evolução do Campo da Avaliação e a Avaliação na Saúde obtiveram 94,28% de aprovação entre ótimo e bom. Da mesma forma, os temas Padronização da Terminologia em Monitoramento & Avaliação (95,65%), Modelização de Intervenções (91,90%) e Meta avaliação (91,36%) foram positivamente avaliados. Temas como a 'Avaliação em Saúde: conceitos, abordagens e métodos' e 'Avaliação Normativa/Qualidade' obtiveram, respectivamente, 81,08% e 82,98% de aprovação.

Os conteúdos com menor percentual de avaliações positivas se relacionaram às analises estratégica, lógica, produção e efeito inscritas numa pesquisa avaliativa. As duas atividades-síntese - mesa redonda e seminário - receberam, respectivamente, avaliação positiva de 84,84% e 73,68% nas três turmas estudadas. As mesas redondas constituíram momentos de apresentação e troca de experiências bastante valorizadas. As perguntas não estruturadas, com o objetivo de abordar aspectos positivos, negativos e sugestões de melhoria da disciplina foram aquelas com maior número de perdas (n= 17), com exceção dos alunos da turma de 2012, que responderam aos quesitos. Dessa forma, a apreciação de pontos positivos, negativos e sugestões se referem apenas a um número pequeno de respondentes, incluídos na análise em função de contribuírem com aspectos relevantes para a reformulação e discussão de ajustes da disciplina.

Os pontos positivos a destacar referem-se ao formato do seminário para apresentação dos trabalhos, às dinâmicas utilizadas como apoio à compreensão e encadeamento dos conteúdos e ao sequenciamento dado ao trabalho final da disciplina de planejamento, que pôde ser revisado agregando-se conteúdos da avaliação em saúde, conforme abaixo explicitado.

Apesar de 'trabalhoso' foi bom para operacionalizar os conteúdos apresentados. Os exercícios e dinâmicas feitos em sala de aula também foram válidos. (Discente da turma 2012).

Os aspectos negativos se referiram à duração do tempo de aula- quatro horas corridas; dificuldades no entendimento de alguns conceitos; carga horária da disciplina insuficiente para o conteúdo e aulas 'cansativas', como ilustra o depoimento a seguir:

A avaliação em saúde depende de inúmeros conteúdos anteriores, dentre eles o Planejamento. É notória a dificuldade de muitos alunos na abordagem do conhecimento, visto que algumas disciplinas anteriores foram ofertadas em graus diferentes, resultando na dificuldade desta disciplina. (Discente da turma 2013).

Como sugestões, a manutenção do convite a professores externos (mesa redonda), aumento da carga horária da disciplina e ampliação de exercícios em sala de aula. Todas as questões levantadas e sugestões oriundas das avaliações promovidas ao término dos semestres letivos têm contribuído para a criação de espaços de reflexão compartilhada, visando à adequação da proposta pedagógica, dos conteúdos e da gestão acadêmica da disciplina.

Discussão

A condução da disciplina Introdução à Avaliação em Saúde, nos três anos avaliados, objetivou, por meio de aproximações sucessivas, mobilizar os conhecimentos prévios dos discentes, suas vivências e habilidades, com o emprego do exercício pedagógico proposto, voltado à problematização de situações de saúde que requerem a proposição de ações, ou seja, do saber fazer. Da mesma forma, os conteúdos específicos do campo da avaliação e da avaliação em saúde foram apresentados de forma dialogada e transversal ao exercício proposto, a fim de promover uma articulação entre os conteúdos, o saber, e o processo de construção de uma intervenção para o problema escolhido, o saber fazer.

A experiência de trabalhar isoladamente o currículo integrado e a metodologia da problematização tem criado algumas questões para discussão (NUNES; PATRUS-PENA, 2011NUNES, S. C.; PATRUS-PENA, R. A pedagogia das competências em um curso de administração: o desafio de passar do projeto pedagógico à prática docente. R. Bras. Gest. Neg., São Paulo, v. 13, n. 40, p. 281-99, jul./set. 2011. ). A utilização de recursos didáticos e duração da disciplina, dentre outras sugestões, tem constituído um material rico e fomentador de rodadas de discussão em torno de adaptações que ajustem melhor os conteúdos e contribuam para a sua apropriação.

As competências, no plano pedagógico, referem-se às situações em que os alunos deverão ser capazes de compreender e dominar. Nessa medida, há a exigência que as noções associadas - saber, saber fazer, objetivos - sejam acompanhadas de uma explicitação das atividades em que elas podem se materializar e se fazer compreender (RAMOS, 2011RAMOS, M. N. Pedagogia das competências: autonomia ou adaptação? São Paulo: Cortez, 2001. ).

Tomando por base a categoria de análise eleita - Capacidade de análise dos dados e informações demográficas, socioeconômicas e organizacionais -, podemos considerar como satisfatória a apreensão e o manejo demonstrados em torno das informações relacionadas ao município fictício. No entanto, o caráter descritivo predominou na síntese apresentada. As condições programáticas, organizacionais e a intersetorialidade que emolduram a escolha do problema, sua justificativa e priorização, não foram devidamente exploradas.

Na descrição do problema e sua justificativa, foram considerados o quadro de vulnerabilidade social da população envolvida e a rede de serviços ofertada, situando o perfil epidemiológico do caso em análise no contexto nacional com base no que é esperado em termos da evolução do problema.

A estratégia de escolha e sua justificativa utilizaram metodologia consagrada (MATUS, 1994MATUS, C. El PES en la practica. Caracas: Fundación Altadir, 1994. ), onde se considera a noção de espaço (dentro ou fora) de governabilidade do ator. Programas podem ser concebidos como espaços sociais, marcados pela diversidade de atores em relações e posições sociais conflitantes, que caracterizam arranjos (BROUSSELLE ., 2013BROUSSELLE, A. et al. Avaliação: conceitos e métodos. Fiocruz: Rio de Janeiro, 2013. ).

Na bibliografia adotada na disciplina, o modelo de intervenção concebido por Chen (1990)CHEN, H. T. Theory driven evaluations. Sage Publications: Thousand Oak, 1990. revela o que deve ser feito para que se alcancem os objetivos esperados, mas prevê, também, o que poderiam ser os outros impactos importantes e determina o modo como esses impactos poderão ser gerados.

Nesse sentido, a escolha da intervenção 'Programa de Educação em Saúde sobre HIV/Aids com oferta de testagem rápida para HIV' com o objetivo de 'sensibilizar a população da importância da prevenção do HIV/Aids e da realização da testagem sorológica', a ser operacionalizada por meio de atividades de educação em saúde, mostrou o entendimento que a obtenção de efeitos relacionados à mudanças no curso do problema escolhido se daria de forma gradual e constante, como apresentado na modelização dos componentes do programa.

Sobre o modelo lógico de intervenção apresentado, cabe ressaltar que se tratou de um primeiro exercício utilizando tal ferramenta, o que requer, muitas vezes, elaborações sucessivas e a mobilização de competências adicionais. Nessa medida, objetivamos valorizar a capacidade de apresentar um modelo capaz de comunicar, de forma articulada, os recursos a serem mobilizados para a implementação das ações voltadas à geração da cadeia de efeitos prevista.

A pergunta avaliativa 'Houve aumento da proporção de testagem para HIV/Aids após realização da campanha educativa e da oferta de testagem rápida?' a ser respondida pela avaliação, guarda relação direta com o objetivo central da intervenção proposta. Permite, ainda, sua ampliação durante a condução do estudo de avaliabilidade, uma vez que o desenho e foco da avaliação não puderam ser desenvolvidos pelos discentes, na medida em que as diferentes tipologias da avaliação foram apenas introduzidas.

Com relação aos temas avaliados pelos discentes, os resultados, em grande medida, corroboraram a percepção dos docentes sobre pertinência do conteúdo programático adotado, bem como da estratégia pedagógica utilizada. As reformulações adotadas, por exemplo, atenderam às necessidades de adequação ao perfil das turmas, que variou no tocante às competências consideradas fundantes para o acompanhamento e problematização dos conteúdos da disciplina. O tema 'Pesquisa Avaliativa: análise estratégica, lógica, produção e efeito', por exemplo, recebeu a avaliação mais negativa (33%), provavelmente pelas dificuldades em lidar com metodologias e aportes teóricos não abordados em profundidade durante a graduação.

Embora este artigo se baseie na experiência de formação em avaliação para bacharelandos em saúde coletiva, alguns aspectos adicionais requerem reflexão.

Nas três turmas avaliadas, a 'Mesa redonda' obteve 84,84% de aprovação. Essa atividade tentou apresentar um panorama de experiências e arranjos metodológicos utilizados na condução de avaliações no Brasil e em diferentes contextos sociais e epidemiológicos, bem como consistiu em momentos de síntese dos conteúdos trabalhados sob a ótica dos convidados. Visou, ainda, a ampliar a discussão em torno das possibilidades e usos da avaliação em diferentes contextos e da importância de sua institucionalização.

Adicionalmente, os seminários - momento em que os discentes apresentam suas proposições, o saber fazer, obteve 73,68% de aprovação como 'ótimo'. Esse é um recurso didático que possibilita a apreciação da capacidade de síntese dos grupos, a viabilidade e amadurecimento das suas proposições, bem como o manejo dos conteúdos e terminologias abordados. Permite, ainda, observar competências no que concerne à apresentação dessas proposições para públicos com visões diferentes sobre as soluções apresentadas para a resolução de problemas no campo da saúde.

Do ponto de vista dos resultados advindos dessa avaliação, é importante ressaltar a experiência de duas turmas (2012 e 2013) que deram sequência ao trabalho desenvolvido na disciplina Métodos e Técnicas de Planejamento e Programação em Saúde, quando a situação-problema e a construção de intervenção já haviam sido elaboradas. A proposta era rever e aprofundar esses conteúdos, avançando na proposição de uma avaliação. Na turma de 2014, esse recurso não pôde ser utilizado, e, como decorrência, introduziu-se o município fictício Hélio Fraga.

Conclusões

Tomando como subsídio a característica de transversalidade da disciplina, conteúdos programáticos da área de Políticas e Planejamento e Gestão em Saúde, tais como Métodos e Técnicas de Planejamento e Programação em Saúde e Gestão e Organização da Atenção à Saúde são imprescindíveis à formação, quer a priori ou concomitantemente. Outros conteúdos também deveriam ser ministrados a priori, tais como Informação em Saúde e Indicadores de Saúde (optativa). Estas, porém, não estando sob a governabilidade da área, não podem ser inscritas como pré-requisitos, mas certamente, como recomendáveis.

O estudo ora realizado guarda limites na sua conformação. Isso, porque representa um exercício pedagógico e instrumento de avaliação rotineiramente utilizado pela disciplina. A aplicação do instrumento não previu estratégias para ampliar o número de respondentes, o que acarreta problemas de representatividade. Como experiência pedagógica para os alunos que compõem o quadro de autores, este artigo, bem como o processo reflexivo associado à sua elaboração, se constituiu em possibilidade de amadurecimento e crítica dos processos de pesquisa avaliativa. Os achados aqui documentados certamente necessitarão de outros estudos e aprofundamento que possam corroborá-los ou refutá-los.

  • Suporte financeiro: não houve

Agradecimentos

Agradecemos à Professora Elizabeth Moreira dos Santos pela revisão crítica do artigo e inúmeras sugestões aportadas.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar 2017

Histórico

  • Recebido
    Abr 2016
  • Aceito
    Out 2016
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde RJ - Brazil
E-mail: revista@saudeemdebate.org.br