Efeitos dos programas governamentais e da fecundidade sobre a mortalidade infantil do Semiárido brasileiro

Everlane Suane de Araújo da Silva Neir Antunes Paes Cesar Cavalcanti da Silva Sobre os autores

RESUMO

Teve-se como objetivo avaliar o impacto dos programas sociais: Programa Bolsa Família e Estratégia Saúde da Família e da fecundidade sobre a mortalidade infantil do Semiárido brasileiro, no período 2005-2010. Foi aplicado o modelo de regressão linear multivariado de dados em painel com efeitos fixos, utilizando a Taxa de Mortalidade Infantil como variável dependente; e, como independentes, as coberturas do Bolsa Família e suas condicionalidades, cobertura da Estratégia Saúde da Família e a Taxa de Fecundidade. As ações públicas dos Programas, bem como a redução dos níveis da fecundidade contribuíram sobremaneira para decréscimos nos níveis da mortalidade infantil do Semiárido.

PALAVRAS-CHAVE
Mortalidade infantil; Programas governamentais; Estratégia Saúde da Família; Fertilidade; Brasil

Introdução

Estudos relacionados às tendências de mortalidade, particularmente a mortalidade infantil, são importantes aportes para o monitoramento das ações de prevenção, pois evidenciam problemas existentes e emergentes, fortalecendo a necessidade crescente de debates e intervenções nessas áreas. A redução da mortalidade infantil faz parte dos oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) delineados pela Organização das Nações Unidas (ONU), ao analisar os maiores problemas mundiais, já que a mortalidade infantil é considerada um dos principais indicadores de saúde, que reflete a qualidade de vida de uma população, tendo como base o nível de desenvolvimento e acesso aos serviços de saúde.

No período de dez anos (2000-2010), o número de óbitos de crianças menores de um ano, no Brasil, caiu de 29,7 para 15,6 para cada mil Nascidos Vivos (NV), um decréscimo de 47,6% na Taxa de Mortalidade Infantil (TMI) do País11 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo 2010: escolaridade e rendimento aumentam e cai mortalidade infantil [internet]. Brasília, DF: IBGE; 2012 [acesso em 2016 mar 18]. Disponível em: http://censo2010.ibge.gov.br/noticias-censo.html?view=noticia&id=1&idnoticia=2125&busca=1&t=censo-2010-escolaridade-rendimento-aumentam-cai-mortalidade-infantil.
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. Segundo o Relatório Nacional de Acompanhamento dos ODM 2013, o Brasil já alcançou a meta estabelecida com relação às mortes de crianças com menos de um ano de idade, superando a meta de 15,7 óbitos estimada para 201522 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Objetivos de Desenvolvimento do Milênio: relatório Nacional de Acompanhamento. Brasília, DF: Ipea; 2014.. Ainda assim, o País precisa percorrer um longo caminho para alcançar os níveis das regiões mais desenvolvidas do mundo, que é de, aproximadamente, cinco óbitos para cada mil NV33 Brasil. Portal Brasil. Mortalidade infantil cai 47,6% no País [internet]. Brasília, DF; 2012 [acesso em 2016 jun 20]. Disponível em: http://www.brasil.gov.br/governo/2012/04/mortalidade-infantil-cai-47-6-no-pais.
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Entre as regiões brasileiras, a maior queda da TMI, de 2000 a 2010, ocorreu no Nordeste, passando de 44,7 para 18,5 óbitos por mil NV, apesar de ainda ser a região com os níveis mais elevados do País11 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo 2010: escolaridade e rendimento aumentam e cai mortalidade infantil [internet]. Brasília, DF: IBGE; 2012 [acesso em 2016 mar 18]. Disponível em: http://censo2010.ibge.gov.br/noticias-censo.html?view=noticia&id=1&idnoticia=2125&busca=1&t=censo-2010-escolaridade-rendimento-aumentam-cai-mortalidade-infantil.
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. O Nordeste avançou expressivamente com relação à diminuição do nível da TMI, mas ainda apresenta um padrão muito distante do desejável. Do mesmo modo, a região brasileira menos desenvolvida, a do Semiárido, por concentrar 89,5% do espaço geográfico no Nordeste, acompanha o ritmo desta região.

Uma redução drástica no Brasil também ocorreu com relação aos níveis da Taxa de Fecundidade Total (TFT), ao passar de 2,39 filhos, em média, por mulher, em 2000, para 1,87, em 2010, cuja influência nos níveis de mortalidade infantil tem sido amplamente documentada. Em 2010, 29% dos municípios do Semiárido alcançaram uma TFT abaixo do nível de reposição populacional, refletindo um comportamento de declínio observado em todo o País. Vários estudos têm apontado que reduções nos níveis da fecundidade estão relacionadas às melhorias nas condições de vida da população44 Alves JED, Cavenaghi SM. Transições urbanas e da fecundidade e mudanças dos arranjos familiares no Brasil. Cadernos de Estudos Sociais. 2012; 27(2):91-114.,55 Araújo Júnior AF, Salvato AM, Queiroz LB. Desenvolvimento e Fecundidade no Brasil: Reversão da fecundidade para municípios mais desenvolvidos? PPP. 2013 Jul-Dez; (41):79-97.. Outros estudos66 Alves JED, Cavenaghi SM. O programa Bolsa Família e as taxas de fecundidade no Brasil. In: Campello T, Neri MC, organizadores. Programa Bolsa Família: uma década de inclusão e cidadania. Brasília, DF: Ipea; 2013. p. 233-245.,77 Stecklov G, Winters P, Todd J, et al. Unintended effects of poverty programmes on childbearing in less developed countries: Experimental evidence from Latin America. Popul Stud (Camb). 2007 Jul; 61(2):125-140. defendem que Programas de Transferência Condicional de Renda podem ser apontados como estímulo ao aumento da fecundidade, o que é contra-argumentado por autores como Simões e Soares88 Simões P, Soares RB. Efeitos do Programa Bolsa Família na fecundidade das beneficiárias. RBE. 2012 Out-Dez; 66(4):533-556. e Alves e Cavenaghi99 Alves JED, Cavenaghi SM. O Programa Bolsa Família e a Transição da Fecundidade no Brasil [internet]. 2013 [acesso em 2017 jan 30]. Disponível em: http://www.ipc-undp.org/pub/port/IPCOnePager227.pdf.
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, ao justificarem que a população pobre coberta pelos Programas reduziu a natalidade, independentemente deles.

Pesquisas1010 Guanais FC. The Combined Effects of the Expansion of Primary Health Care and Conditional Cash Transfers on Infant Mortality in Brazil, 1998-2010. Am J Public Health. 2013 Nov; 103(11):2000-6.

11 Rasella D, Aquino R, Santos CA, et al. Effect of a conditional cash transfer programme on childhood mortality: a nationwide analysis of Brazilian municipalities. Lancet. 2013 Jul; 382(9886):57-64.
-1212 Shei A. Brazil's Conditional Cash Transfer Program Associated With Declines In Infant Mortality Rates. Health Aff (Millwood). 2013 Jul; 32(7):1274-1281. alertam que, para combater a mortalidade infantil no Brasil, fazem-se necessárias intervenções governamentais que minimizem as disparidades de renda experimentadas por grande parte do povo deste território. Nessa direção, o relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), além de destacar o foco na atenção primária à saúde, a melhoria no atendimento materno e ao recém-nascido, a promoção do aleitamento materno e a expansão da imunização, enfatiza a criação de incentivos de proteção social, como os programas de transferência de renda22 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Objetivos de Desenvolvimento do Milênio: relatório Nacional de Acompanhamento. Brasília, DF: Ipea; 2014..

O Programa Bolsa Família (PBF), criado no Brasil em 2003, é um dos maiores programas de transferência direta de renda do mundo. Os benefícios são específicos para famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza com crianças, jovens até 17 anos, gestantes e lactantes1313 Brasil. Ministério do Desenvolvimento Social. Bolsa Família [internet]. Brasília, DF: MDS; 2014 [acesso em 2016 jul 14]. Disponível em: http://www.mds.gov.br/bolsafamilia.
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A família, ao ingressar no PBF assume alguns compromissos. Entre eles está o cumprimento das condicionalidades na área de saúde: as crianças até 7 anos precisam ser vacinadas e ter acompanhamento nutricional; e as gestantes devem fazer o pré-natal1313 Brasil. Ministério do Desenvolvimento Social. Bolsa Família [internet]. Brasília, DF: MDS; 2014 [acesso em 2016 jul 14]. Disponível em: http://www.mds.gov.br/bolsafamilia.
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. A Estratégia Saúde da Família (ESF), maior programa de atenção primária à saúde do País, criado em 1994, articula-se ao PBF por ter o dever da garantia de acesso a serviços de saúde de qualidade para as famílias de menor renda. A atuação em paralelo do PBF e da ESF tem sido apontada como um importante redutor da mortalidade infantil1111 Rasella D, Aquino R, Santos CA, et al. Effect of a conditional cash transfer programme on childhood mortality: a nationwide analysis of Brazilian municipalities. Lancet. 2013 Jul; 382(9886):57-64..

Para Shei1212 Shei A. Brazil's Conditional Cash Transfer Program Associated With Declines In Infant Mortality Rates. Health Aff (Millwood). 2013 Jul; 32(7):1274-1281., as TMI já estavam caindo antes do início do Bolsa Família (2003), mas o declínio parece ter aumentado após a implantação do programa. Ao todo, 36 milhões de brasileiros estão fora da extrema pobreza em decorrência da transferência de renda1111 Rasella D, Aquino R, Santos CA, et al. Effect of a conditional cash transfer programme on childhood mortality: a nationwide analysis of Brazilian municipalities. Lancet. 2013 Jul; 382(9886):57-64..

Entre as regiões semiáridas do mundo, a do Brasil é a maior em termos de extensão e de densidade demográfica, sendo formada por nove estados, abrangendo 1.133 municípios1414 Brasil. Ministério da Integração Nacional. Secretaria de Políticas de Desenvolvimento Regional. Nova Delimitação do Semi-Árido Brasileiro [internet]. Brasília, DF: MIS; 2005 [acesso em 2016 ago 16]. Disponível em: http://www.mi.gov.br/c/document_library/get_file?uuid=0aa2b9b5-aa4d-4b55-a6e1-82faf0762763&groupId=24915.
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. Trata-se da região com os indicadores de desenvolvimento mais atrasados do País, tornando-se, dessa maneira, uma das maiores beneficiárias dos programas governamentais de transferência de renda, como o PBF, e de assistência à saúde, como a ESF.

Teve-se, assim, como objetivo principal avaliar o impacto dos programas governamentais (PBF e ESF), bem como da fecundidade sobre a mortalidade infantil da região Semiárida brasileira, no período 2005-2010.

Métodos

Trata-se de um estudo ecológico longitudinal que teve como unidade de análise 1.125 municípios do Semiárido brasileiro, e os dados dispostos em painel com observações anuais de 2005 a 2010. O Ministério da Integração Nacional, ao lançar a Nova Delimitação do Semi-Árido Brasileiro, definiu que essa região é composta por 1.133 municípios1414 Brasil. Ministério da Integração Nacional. Secretaria de Políticas de Desenvolvimento Regional. Nova Delimitação do Semi-Árido Brasileiro [internet]. Brasília, DF: MIS; 2005 [acesso em 2016 ago 16]. Disponível em: http://www.mi.gov.br/c/document_library/get_file?uuid=0aa2b9b5-aa4d-4b55-a6e1-82faf0762763&groupId=24915.
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. A análise excluiu oito municípios, o que foi justificado por problemas nos dados básicos, que inviabilizaram incluí-los (São José de Peixe, Santana do Piauí, Juazeiro do Piauí, Alvorada do Gurguéia, Bocaína, Dirceu Arcoverde, todos no estado do Piauí, Quixabá, na Paraíba e Severiano Melo, no Rio Grande do Norte).

A variável dependente considerada para o estudo foi a TMI. O cálculo direto do indicador não tem sido recomendado para nenhum estado do Semiárido utilizando como fonte de dados as informações das estatísticas vitais disponibilizadas pelo Ministério da Saúde ou mesmo pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Para tanto, recorre-se aos métodos indiretos de estimação. O Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil calculou o indicador utilizando as informações dos Censos Demográficos, fazendo uso de técnicas indiretas para a sua obtenção. Uma vez que a maioria dos municípios do Semiárido não possui estatísticas vitais confiáveis, foi adotado o padrão de mortalidade do estado ao qual o município pertence. Apesar das limitações relacionadas às estimativas da mortalidade infantil fornecidas pelo Atlas, elas foram consideradas como proxy satisfatórias de seus níveis para os municípios1515 Brasil. Fundação João Pinheiro. Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada. Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil [internet]. Brasília, DF: Ipea; 2013 [acesso em 2016 jul 16]. Disponível em: http://atlasbrasil.org.br/2013/.
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As bases de dados do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) foram utilizadas para obter as informações relacionadas ao PBF. Os dados permitiram os cálculos das variáveis independentes: percentual de cobertura do PBF com relação à população total do município e percentual de famílias beneficiárias do PBF acompanhadas nas condicionalidades de saúde1313 Brasil. Ministério do Desenvolvimento Social. Bolsa Família [internet]. Brasília, DF: MDS; 2014 [acesso em 2016 jul 14]. Disponível em: http://www.mds.gov.br/bolsafamilia.
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. Já para a variável independente cobertura da ESF, a fonte foi o Ministério da Saúde1616 Brasil. Ministério da Saúde. Datasus. Estratégia Saúde da Família. Histórico de Cobertura da Saúde da Família [internet]. Brasília, DF; 2014 [acesso em 2016 nov 12]. Disponível em: http://dab.saude.gov.br/portaldab/historico_cobertura_sf.php.
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Através do Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, foram acessados os dados da variável independente TFT15. Outras variáveis independentes foram incorporadas nas análises devido ao seu caráter explicativo, apontado em outros estudos1111 Rasella D, Aquino R, Santos CA, et al. Effect of a conditional cash transfer programme on childhood mortality: a nationwide analysis of Brazilian municipalities. Lancet. 2013 Jul; 382(9886):57-64.,1717 Duarte CMR. Reflexos das políticas de saúde sobre as tendências da mortalidade infantil no Brasil: revisão da literatura sobre a última década. Cad. Saúde Pública. 2007 Jul; 23(7):1511-1528.

18 Mosley WH, Chen LC. An analytical framework for the study of child survival in developing countries. 1984. Bull World Health Organ. 2003; 81(2):140-5.
-1919 Sardinha LMV. Mortalidade infantil e fatores associados à atenção à saúde: estudo caso-controle no Distrito Federal (2007-2010) [tese]. [Brasília, DF]: Universidade de Brasília; 2014. 182 p.. Foram elas: taxa de atividade e percentual de mães chefes de família sem ensino fundamental completo e com filhos menores de 15 anos no total de mães chefes de família. Essas variáveis foram obtidas a partir das bases de dados dos Censos Demográficos de 2000 e 2010. No entanto, fez-se necessário obter os valores anuais intercensitários de 2005 a 2009. A escolha do método de interpolação depende da adequação aos dados entre os diversos métodos existentes, tais como: interpolação linear, quadrática (polinômio de grau 2), Lagrange (polinômio de grau n) e a interpolação segmentada2020 Guidi LF. Interpolação [internet]. [acesso em 2016 dez 15]. Disponível em: http://www.mat.ufrgs.br/~guidi/grad/MAT01169/laminas.calculo_numerico.7.pdf.
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. Após averiguações prévias, o modelo linear apresentou-se como o mais adequado para expressar a evolução esperada dos indicadores.

O método Stepwise (p<0,05) foi utilizado na seleção das variáveis independentes para compor o modelo de regressão linear múltipla. Nesta fase, as variáveis que não se mostraram significativas foram eliminadas do estudo: taxa de atividade e percentual de mães chefes de família sem ensino fundamental completo e com filhos menores de 15 anos no total de mães chefes de família.

A regressão linear múltipla para dados em painel foi utilizada para a análise de associação da mortalidade infantil com as variáveis selecionadas. Para a escolha do modelo mais adequado, efeito fixo ou aleatório, realizou-se o teste de especificação de Hausman, e o primeiro foi escolhido. Além do termo de erro, modelos por dados em painel com efeitos fixos incluem um segundo termo, para controlar características não observadas, invariáveis no tempo, tais como: históricas, geográficas e socioculturais de cada Município. Esses modelos permitem correlações entre o termo invariável no tempo e as variáveis independentes do modelo, tornando-se, em geral, mais robustos para a análise dos resultados das intervenções, e são constantemente usados na literatura. O programa estatístico Stata, versão 12.0, foi utilizado para o processamento e a análise dos dados.

Por ter sido utilizada para a modelagem uma base com dados secundários, de livre acesso on-line, justifica-se a ausência de submissão à Plataforma Brasil e o posterior encaminhamento ao Comitê de Ética em Pesquisa.

Resultados

A figura 1 mostra o declínio da TMI nos municípios do Semiárido brasileiro, ao comparar os anos 2000 e 2010. Em 2000, 460 municípios (41%) pertencentes a todos os estados, exceto Minas Gerais, apresentavam altas TMI, iguais ou superiores a 50 óbitos de menores de um ano por mil NV, já em 2010, nenhum município apresentou uma TMI nesse patamar. Ainda em 2010, 119 municípios (11%) passaram a ter uma TMI considerada baixa (menos que 20 óbitos de menores de um ano por mil NV), cujos maiores avanços foram observados para os municípios do estado de Minas Gerais. Nos estados de Alagoas e Sergipe, em 2010, nenhum município havia atingido uma TMI considerada baixa. Em 2010, a maioria dos municípios do Semiárido ainda apresentava uma TMI considerada média (20 a 49 por mil), e apenas 39 municípios (3%) haviam atingido a quarta meta dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio para o Brasil (reduzir a TMI para 15,7 óbitos de menores de um ano por mil NV até 2015).

Figura 1
Distribuição espacial do indicador Taxa de Mortalidade Infantil. Municípios do Semiárido brasileiro, 2000 e 2010

A tabela 1 mostra as estatísticas descritivas (mínimo, máximo, média, mediana e desvio padrão) dos municípios da região Semiárida brasileira, para os indicadores selecionados (2005 e 2010). As medidas descritivas variaram durante o período de estudo.

Tabela 1
Estatísticas descritivas para os indicadores selecionados. Semiárido brasileiro, 2005 e 2010

A TMI mais elevada (68,79), em 2005, foi encontrada para o município de Jucati, no estado de Pernambuco, enquanto, em 2010, o valor mais alto foi para o muncípio de Olivença, em Alagoas (45,4). A média da TMI para o conjunto dos municípios reduziu o nível em 11,1 por mil NV durante o período de cinco anos, ou seja, uma redução média anual de cerca de 2,3 mortes. O desvio padrão desse indicador reduziu, indicando uma menor dispersão dos níveis.

A cobertura média do PBF com relação à população total dos municípios aumentou de 45,7% (2005) para 54,3% (2010). Em 2005, o valor máximo do indicador foi 86,4% no município de Capitão Gervásio Oliveira, no Piauí. O município de Guaribas, no estado do Piauí, apresentou a maior cobertura do PBF (84,6%) em 2010. A cobertura mais baixa do indicador (24,3), em 2010, foi observada no município de Mossoró, no Rio Grande do Norte.

Um aumento na média de famílias beneficiárias do PBF acompanhadas nas condicionalidades de saúde foi observado entre 2005 e 2010, passando de 48,1% para 82,9%. Em 2005, 255 municípios (22,7%) do Semiárido brasileiro possuíam famílias cadastradas no PBF sem nenhum acompanhamento nas condicionalidades de saúde. Já em 2010, essa situação não foi observada em nenhum município.

A cobertura média da ESF atingiu 80,8% em 2005 e 91,3% em 2010. Em 2005, 585 municípios (52%) do Semiárido alcançaram a cobertura universal (100%), entre os 1.125 municípios. Em 2010, esse valor passou para 768 municípios (cerca de 68%). Por outro lado, já em 2010, os municípios de Buritirama, Gentio do Ouro, Paripiranga e Pilão Arcado, todos no estado da Bahia, ainda não recebiam a cobertura da ESF.

A média da TFT variou de 2,7 para 2,2 filhos, em média, por mulher, considerando os anos de 2005 e 2010. No município de São João do Jaguaribe, pertencente ao estado do Ceará, em 2005, foi observada a mais baixa TFT (1,8), e a mais alta (4,7) no município de Canapi, no estado de Alagoas, revelando, assim, uma amplitude total de 3 filhos, em média, por mulher no período reprodutivo dentro do Semiárido. Para 2010, o município de Triunfo, em Pernambuco, apresentou o menor valor (1,4) para o indicador, e o maior (3,7) ocorreu no município de Pureza, no Rio Grande do Norte, cuja amplitude total foi reduzida para 2,3 filhos, em média, por mulher.

O modelo de regressão linear (tabela 2) fornece as estimativas do parâmetro β, intervalo de confiança e P-valor para as variáveis referentes aos programas governamentais (PBF e ESF) e da fecundidade na mortalidade infantil. De acordo com o teste de Hausman, rejeitou-se o modelo com efeito aleatório (H0), ou seja, o modelo com efeito fixo explicou melhor as variações na TMI.

Tabela 2
Modelo de regressão a efeitos fixos para a associação entre a Taxa de Mortalidade Infantil e os indicadores selecionados. Municípios do Semiárido brasileiro, 2005-2010.

A regressão linear com efeitos fixos mostrou uma associação negativa e estatisticamente significativa (p<0,001) entre a mortalidade infantil e as covariáveis: Cobertura do Programa Bolsa Família, Percentual de famílias beneficiárias do PBF acompanhadas nas condicionalidades de saúde e Cobertura da Estratégia Saúde da Família. Por outro lado, a TFT também foi apontada como significativa (p<0,001) para a redução da TMI, mas com uma associação positiva. O modelo com efeito fixo apresentou o valor de R2 (within) de 69,2%.

Discussão

As intervenções governamentais refletem importantes avanços relacionados às melhorias na qualidade de vida das pessoas do Semiárido brasileiro. O combate à desigualdade social vem sendo realizado com os programas de transferência de renda e garantia de acesso da população aos serviços de saúde. Esses avanços são refletidos através das altas coberturas da ESF e do PBF e se expressam no Índice de Desenvolvimento Humano dos municípios da região Semiárida (IDHM), em que a média aumentou de 0,425, em 2000, para 0,591, em 20101515 Brasil. Fundação João Pinheiro. Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada. Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil [internet]. Brasília, DF: Ipea; 2013 [acesso em 2016 jul 16]. Disponível em: http://atlasbrasil.org.br/2013/.
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A redução da mortalidade de crianças é uma das principais metas das políticas para a infância no mundo. O impacto das condições socioeconômicas da área geográfica de referência do recém-nascido pode ser observado ao se verificarem os níveis da TMI. Eles baixaram ao longo do período (2005-2010) no Semiárido brasileiro, mas ainda são considerados elevados quando comparados a regiões como o Sul do Brasil, que, em 2010, apresentou uma TMI de 12,6 óbitos por mil NV11 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo 2010: escolaridade e rendimento aumentam e cai mortalidade infantil [internet]. Brasília, DF: IBGE; 2012 [acesso em 2016 mar 18]. Disponível em: http://censo2010.ibge.gov.br/noticias-censo.html?view=noticia&id=1&idnoticia=2125&busca=1&t=censo-2010-escolaridade-rendimento-aumentam-cai-mortalidade-infantil.
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. O menor valor observado em 2010, 13,4 óbitos por mil NV, ainda se contrapõe ao considerado aceitável pela OMS, que estipulou um número de mortes inferior a dois dígitos para cada mil nascimentos2121 Moreira LMC, Alves CRL, Belisário AS, et al. Políticas públicas voltadas para a redução da mortalidade infantil: uma história de desafios. RMMG. 2012; 22( 7):48-55.. A diminuição do desvio padrão dos valores com relação à média no período 2005-2010 sugere uma tendência de homogeneização dos níveis em todo o Semiárido.

No Semiárido brasileiro, a cobertura média do PBF com relação à população total dos municípios aumentou entre 2005 e 2010. Em 2014, aproximadamente, 3,5 milhões de famílias foram beneficiadas, envolvendo uma transferência de 7,1 bilhões de reais1313 Brasil. Ministério do Desenvolvimento Social. Bolsa Família [internet]. Brasília, DF: MDS; 2014 [acesso em 2016 jul 14]. Disponível em: http://www.mds.gov.br/bolsafamilia.
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A cobertura do PBF aumentou rapidamente ao longo dos anos. Ao final de 2010, o PBF já havia atingido praticamente 13 milhões de famílias, e a sua meta pré-fixada, de cobertura de 11 milhões de famílias brasileiras (48.441.100 pessoas), já teria sido alcançada desde 20061313 Brasil. Ministério do Desenvolvimento Social. Bolsa Família [internet]. Brasília, DF: MDS; 2014 [acesso em 2016 jul 14]. Disponível em: http://www.mds.gov.br/bolsafamilia.
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,2222 Rocha S. O programa Bolsa Família Evolução e efeitos sobre a pobreza. Econ. Soc. 2011 Abr; 20(1):113-139..

As condicionalidades do PBF direcionam os grupos mais vulneráveis da população aos cuidados de saúde preventiva, com efeitos importantes sobre a saúde das crianças e mulheres grávidas. Para isso, o PBF buscou apoio junto às redes de serviços existentes, como a Estratégia Saúde da Família, para o cumprimento das condicionalidades de saúde dos beneficiários. A média de famílias beneficiárias do PBF acompanhadas nas condicionalidades de saúde apresentou um aumento importante, na comparação entre 2005 (ano próximo à implantação do PBF) e 2010 (já passados sete anos da existência do Programa). Em 2010, a ESF já atingia a universalidade (100%) para a maioria dos municípios do Semiárido brasileiro. Ainda assim, alguns municípios apresentaram uma cobertura de 0%. No entanto, salienta-se que houve um importante avanço, cuja cobertura média do indicador passou de 80,8%, em 2005, para 91,3%, em 2010, e que a atuação dos profissionais de saúde é primordial no acompanhamento das famílias participantes do PBF no exercício das condicionalidades, com vistas a facilitar o acesso desses sujeitos às ações e aos serviços de saúde. Carvalho, Almeida e Jaime2323 Carvalho AT, Almeida, ER, Jaime PC. Condicionalidades em saúde do programa Bolsa Família - Brasil: uma análise a partir de profissionais da saúde. Saúde Soc. 2014; 23(4):1370-1382. chamam a atenção para a necessidade de um compromisso entre todos os atores sociais envolvidos.

Estudos salientam que os gestores devem disponibilizar meios para cumprimento de maneira adequada das condicionalidades impostas aos beneficiários dos programas, uma vez que a utilização dos serviços sociais públicos depende da capacidade do País de assistir a demanda1010 Guanais FC. The Combined Effects of the Expansion of Primary Health Care and Conditional Cash Transfers on Infant Mortality in Brazil, 1998-2010. Am J Public Health. 2013 Nov; 103(11):2000-6.

11 Rasella D, Aquino R, Santos CA, et al. Effect of a conditional cash transfer programme on childhood mortality: a nationwide analysis of Brazilian municipalities. Lancet. 2013 Jul; 382(9886):57-64.
-1212 Shei A. Brazil's Conditional Cash Transfer Program Associated With Declines In Infant Mortality Rates. Health Aff (Millwood). 2013 Jul; 32(7):1274-1281.,2424 Paes-Sousa R, Santos LM, Miazaki ÉS. Effects of a conditional cash transfer programme on child nutrition in Brazil. Bull World Health Organ. 2011; (89):496-503..

A associação negativa e significativa revelada pelo modelo de regressão linear com efeitos fixos entre a mortalidade infantil e as covariáveis - Cobertura do Programa Bolsa Família, Percentual de famílias beneficiárias do PBF acompanhadas nas condicionalidades de saúde e Cobertura da Estratégia Saúde da Família - corroborou os efeitos encontrados entre os programas governamentais e a TMI, obtidos em outros estudos longitudinais1010 Guanais FC. The Combined Effects of the Expansion of Primary Health Care and Conditional Cash Transfers on Infant Mortality in Brazil, 1998-2010. Am J Public Health. 2013 Nov; 103(11):2000-6.,1111 Rasella D, Aquino R, Santos CA, et al. Effect of a conditional cash transfer programme on childhood mortality: a nationwide analysis of Brazilian municipalities. Lancet. 2013 Jul; 382(9886):57-64..

A diminuição da TFT também foi apontada como determinante para a redução da TMI, já que uma quantidade menor de filhos propicia uma melhor assistência e maiores perspectivas para as crianças. O comportamento da TFT associa-se às transformações vivenciadas pela população brasileira na chamada 'transição demográfica', em que a rápida queda dos níveis de fecundidade determinou o volume populacional e a nova configuração nacional em termos de estrutura etária.

Existe a crença de que as famílias beneficiárias do PBF teriam mais filhos, no entanto, ela não é confirmada por alguns autores66 Alves JED, Cavenaghi SM. O programa Bolsa Família e as taxas de fecundidade no Brasil. In: Campello T, Neri MC, organizadores. Programa Bolsa Família: uma década de inclusão e cidadania. Brasília, DF: Ipea; 2013. p. 233-245.,2525 Jannuzzi PM, Pinto AR. Bolsa Família e seus Impactos nas Condições de Vida da População Brasileira: uma Síntese dos Principais Achados da Pesquisa de Avaliação de Impacto do Bolsa Família II. In: Campello T, Neri MC, organizadores. Programa Bolsa Família: uma década de inclusão e cidadania. Brasília, DF: Ipea; 2013. p. 179-192.. Argumentos nesse sentido mostram que mulheres beneficiárias do PBF ampliaram o uso de métodos contraceptivos, o que vem contribuindo para o declínio da fecundidade66 Alves JED, Cavenaghi SM. O programa Bolsa Família e as taxas de fecundidade no Brasil. In: Campello T, Neri MC, organizadores. Programa Bolsa Família: uma década de inclusão e cidadania. Brasília, DF: Ipea; 2013. p. 233-245..

A média da TFT do Semiárido declinou ao comparar 2005 e 2010. Assim, o nível de fecundidade seguiu a mesma tendência de queda observada para o Brasil. Em 2010, o valor da média da TFT do Semiárido foi de 2,2 filhos por mulher, nível muito próximo ao de reposição populacional, fixado em 2,1. Alguns municípios do Semiárido alcançaram uma TFT equivalente a de estados como São Paulo (1,66), Rio de Janeiro (1,68) e Santa Catarina (1,71). Os municípios de Triunfo e de Frei Miguelinho, ambos no estado de Pernambuco (1,4), e de Brumado, na Bahia (1,5), por exemplo, já apresentaram níveis abaixo da reposição e possibilitaram comparação com a TFT de países desenvolvidos, como Itália (1,4), Japão (1,4) e Espanha (1,5), quebrando, assim, barreiras nunca registradas há duas décadas para nenhum município.

O R2(within) do modelo com efeitos fixos foi considerado satisfatório, sendo explicado por 69,2% da associação interna entre a TMI e as covariáveis. É revelador explorar os efeitos conjuntos das intervenções públicas, especialmente na região Semiárida. Neste sentido, é possível destacar a importância da utilização de dados em painel para avaliar a associação entre programas governamentais e saúde, como alternativa ao uso de dados transversais clássicos. Desta forma, a inferência causal obtem evidências mais fortes quando são utilizados dados em painel com relação aos transversais.

Conclusões

Os resultados obtidos apontaram que as ações públicas do PBF e da ESF, bem como a redução dos níveis da fecundidade, contribuíram sobremaneira com decréscimos nos níveis da mortalidade infantil do Semiárido brasileiro. O PBF, por estabelecer condicionalidades que são atribuições da ESF, depende muito dela para seu sucesso. Para a manutenção da redução da TMI, fazem-se necessárias constantes intervenções governamentais, entre elas, medidas que minimizem as disparidades de renda experimentadas pela população. Aumentos na renda das pessoas e, principalmente, sua melhor distribuição são essenciais ao combate da mortalidade infantil.

As evidências estatísticas detectaram a importância motivada pelas ações públicas que objetivam auxiliar o combate de dois agravos importantes no País: pobreza e elevados níveis de mortalidade infantil. Enfatiza-se que programas com condicionalidades em sua composição possuem um potencial sobre os determinantes sociais de saúde e nos cuidados primários de saúde, valendo salientar que cabe aos gestores públicos fornecer a manutenção dos meios para os beneficiários cumprirem de maneira adequada as exigências impostas por essas condicionalidades.

Ressalta-se a abordagem inédita deste estudo ao investigar as relações existentes entre as ações dos programas governamentais (ESF e PFB) sobre a mortalidade infantil, especificamente, para o Semiárido do Brasil.

  • Suporte financeiro: não houve

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2018

Histórico

  • Recebido
    14 Mar 2017
  • Aceito
    12 Nov 2017
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde RJ - Brazil
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