Cuidados paliativos na atenção domiciliar para pacientes oncológicos no Brasil

Adriana Tavares de Moraes Atty Jeane Glaucia Tomazelli Sobre os autores

RESUMO

A organização de serviços de saúde deve considerar o cuidado integral do indivíduo com câncer, garantindo, quando necessário, os cuidados paliativos. O objetivo do trabalho foi descrever o perfil dos usuários oncológicos em cuidados paliativos na atenção domiciliar. Realizou-se estudo descritivo dos casos de câncer registrados na atenção domiciliar no período 2013-2015 no País. Somente os estados de Roraima, Sergipe e Espírito Santo não registraram casos. Entre os dez tipos de neoplasias mais recorrentes estavam as mais incidentes, entre homens, de próstata, e entre mulheres, de mama. Mas, na estratificação por faixa etária, observaram-se diferenças entre os tipos mais prevalentes de tumores. Em homens <40 anos, encéfalo foi o tipo mais recorrente, e entre os >60 anos, foi próstata. Nas mulheres, com exceção das <40 anos, o câncer de mama foi o mais recorrente. A descrição do perfil dos usuários com neoplasias malignas assistidos na atenção domiciliar permite conhecer melhor o fluxo desses usuários na rede, possibilitando o monitoramento da linha de cuidado.

PALAVRAS-CHAVE
Cuidados paliativos; Serviços de assistência domiciliar; Sistema de informação em saúde; Neoplasias

Introdução

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS)11 World Health Organization. Cancer control: knowledge into action: WHO guide for effective programmes; module 5. Geneva: World Health Organization; 2007., cuidados paliativos são um tipo de abordagem que tem por finalidade melhorar a qualidade de vida dos pacientes e de suas famílias diante do risco de morte associado a uma doença.

Para garantir qualidade de vida, bem-estar, conforto e dignidade humana, os cuidados paliativos devem ser centrados na pessoa, valorizando as necessidades do paciente de forma que este receba informações adequadas e culturalmente apropriadas sobre seu estado de saúde e o seu papel nas tomadas de decisões sobre o tratamento recebido22 World Health Organization. Strengthening of palliative care as a component of integrated treatment within the continuum of care [internet]. World Health Organization; 2014 [acesso em 2017 mar 3]. Disponível em: http://apps.who.int/gb/ebwha/pdf_files/EB134/B134_R7-en.pdf.
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É importante que os cuidados paliativos façam parte da linha de cuidado, que sejam incluídos em todos os níveis de atenção, em especial, na atenção básica22 World Health Organization. Strengthening of palliative care as a component of integrated treatment within the continuum of care [internet]. World Health Organization; 2014 [acesso em 2017 mar 3]. Disponível em: http://apps.who.int/gb/ebwha/pdf_files/EB134/B134_R7-en.pdf.
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. A rede deve estar integrada e articulada para assegurar ao paciente, sob tais cuidados, a internação numa unidade de cuidados paliativos, os exames de investigação diagnóstica e o seu acompanhamento, proporcionando segurança ao paciente e aos seus familiares e compartilhando as decisões para o final da vida33 Ugarte O. Contexto normativo dos cuidados paliativos no SUS [monografia]. [Brasília, DF]: Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2014.. A integração inadequada dos cuidados palitivos na rede de saúde contribui para a falta de acesso equitativo aos cuidados de saúde22 World Health Organization. Strengthening of palliative care as a component of integrated treatment within the continuum of care [internet]. World Health Organization; 2014 [acesso em 2017 mar 3]. Disponível em: http://apps.who.int/gb/ebwha/pdf_files/EB134/B134_R7-en.pdf.
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, comprometendo a integralidade do cuidado.

Uma política pública de saúde que considere mecanismos de financiamento, a formação de profissionais de saúde nessa área e a garantia de medicamentos é fundamental para o desenvolvimento de cuidados paliativos44 Connor SR, Bermedo MCS. Worldwide Palliative Care Alliance, World Health Organization. Global Atlas of Palliative Care at the End of Life. 2014.. No Brasil, em 2012, apenas três faculdades de medicina incluíam de forma obrigatória, no seu programa de ensino, cuidados paliativos. A disponibilidade de medicamentos para controle da dor (opioides) ainda enfrenta dificuldades pelo controle exercido sobre esse tipo de medicação, o que, associado à formação incipiente de profissionais e à desinformação, configura obstáculo ao tratamento da dor55 Pastrana T, Lima L, Wenk R, et al. Atlas de cuidados paliativos na America Latina. Primeira. Houston, USA: AHPC Press; 2012. 37 p.. Como aponta Silva e Hortale66 Silva RCF, Hortale VA. Cuidados paliativos oncológicos: elementos para o debate de diretrizes nesta área. Cad Saúde Pública. 2006; 22(10):2055-66., a estrutura de cuidados paliativos oncológicos no Brasil ainda é incipiente, sendo necessário implementar iniciativas centradas no cuidar solidário, entendendo a morte como processo natural e irremediável.

Contudo, a fragilidade em ofertar cuidados paliativos não é um problema inerente ao Brasil. Observa-se que, embora a maior taxa de adultos em cuidados paliativos por 100 mil/hab. esteja em países de alta renda, a maioria daqueles que precisam de cuidados paliativos (78%) vive em países de baixa e média renda44 Connor SR, Bermedo MCS. Worldwide Palliative Care Alliance, World Health Organization. Global Atlas of Palliative Care at the End of Life. 2014..

E, com envelhecimento populacional, as doenças crônicas não transmissíveis representam um grande desafio à prestação dos cuidados paliativos. Em 2011, cerca de 29 milhões de pessoas no mundo morreram precisando desses cuidados, e, destas, 38,5% morreram de doenças cardiovasculares e 34% de câncer44 Connor SR, Bermedo MCS. Worldwide Palliative Care Alliance, World Health Organization. Global Atlas of Palliative Care at the End of Life. 2014..

A OMS11 World Health Organization. Cancer control: knowledge into action: WHO guide for effective programmes; module 5. Geneva: World Health Organization; 2007.,77 World Health Organization. Noncommunicable diseases and their risk factors - Palliative Care [internet]. [acesso em 2017 mar 3]. Disponível em: http://www.who.int/ncds/management/palliative-care/en/.
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estima que apenas 14% das pessoas que precisem de cuidados paliativos os recebam e que, pelo menos, 80% dos pacientes com câncer terminal necessitem de cuidados paliativos, sendo eles especialmente importantes nas localidades em que grande proporção de pacientes é diagnosticada com câncer em estádios avançados e com pouca chance de cura.

Desta forma, a importância epidemiológica do câncer e a sua magnitude como problema de saúde pública exigem políticas que visem a contribuir para a melhoria da qualidade de vida dos usuários com câncer, por meio de ações de promoção, prevenção, detecção precoce, tratamento oportuno e, em especial, cuidados paliativos.

O Ministério da Saúde do Brasil (MS), com a intenção de implementar políticas nas áreas de cuidados paliativos e de assistência aos pacientes com dor, instituiu, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), em 2002, o Programa Nacional de Assistência à Dor e Cuidados Paliativos, através da Portaria MS/GM nº 198. Esta foi revogada pela Portaria MS/GM nº 3.150/20069, que instituiu a Câmara Técnica em Controle da Dor e Cuidados Paliativos e passou a responder pelas diretrizes nacionais sobre controle da dor e cuidados paliativos, pela estruturação de redes de atenção nesse âmbito e pela formação e qualificação de profissionais para atuação em controle da dor e cuidados paliativos, entre outros assuntos. Segundo Ugarte33 Ugarte O. Contexto normativo dos cuidados paliativos no SUS [monografia]. [Brasília, DF]: Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2014., a Portaria de 2002 não induziu a oferta de cuidados paliativos, como esperado, nos serviços da rede pública.

De acordo com Rodrigues1010 Rodrigues LF. Modalidades de atuação e modelos de assistência em Cuidados Paliativos. In: Manual de Cuidados Paliativos ANCP. Ampliado e atualizado. 2 ed. 2012. 86-93 p., os cuidados paliativos podem ser prestados através de três modelos assistenciais: hospitalar, domiciliar e ambulatorial. Cada um deles tem suas vantagens e desvantagens, entretanto, a atenção domiciliar se diferencia por permitir o acolhimento do usuário em seu próprio lar, próximo à família e sem a obrigatoriedade de se adequar à rotina hospitalar.

A atenção domiciliar está definida na Portaria nº 963/2013 como uma

nova modalidade de atenção à saúde, substitutiva ou complementar às já existentes, caracterizada por um conjunto de ações de promoção à saúde, prevenção e tratamento de doenças e reabilitação prestadas em domicílio, com garantia de continuidade de cuidados e integrada às redes de atenção à saúde1111 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM no 963, de 27 de maio de 2013. Redefine a Atenção Domiciliar no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). 2013 Maio 27 [acesso em 2018 mar 2]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2013/prt0963_27_05_2013.html.
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Visando organizar a atenção domiciliar no País, essa Portaria descreve os tipos de equipes de atenção domiciliar: Equipes Multiprofissionais de Atenção Domiciliar (Emad) (tipo 1 e tipo 2) e Equipes Multiprofissionais de Apoio (Emap); e as suas modalidades de organização: atenção domiciliar tipo 1 (AD1), tipo 2 (AD2) e tipo 3 (AD3).

Cada modalidade de atenção domiciliar tem as suas especificidades de acordo com o perfil do usuário e, consequentemente, com a equipe responsável pela prestação do cuidado. Assim, a AD1 destina-se aos usuários que demandam cuidados de menor complexidade, ficando, desse modo, a cargo das equipes da atenção básica. As modalidades AD2 e AD3 destinam-se aos usuários que, em virtude de sua condição física, exigem cuidados mais frequentes e acompanhamento contínuo. Ambas deverão ser prestadas por Emap ou Emad, e o que as distingue é o período de permanência do usuário em cuidados domiciliares. Na AD2, a permanência pode ser contínua e, caso a situação de saúde do usuário fique mais estável, ele poderá ser encaminhado para AD1. Já a modalidade AD3 caracteriza-se pela permanência contínua do usuário, dada a sua condição de saúde. Destaca-se, portanto, que os cuidados paliativos se enquadram nas modalidades de atenção AD2 e AD31212 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Caderno de atenção domiciliar. Vol. 1. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2012..

Ainda em 2013, a atual Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer (PNPCC)1313 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM no 874, de 16 de maio de 2013. Institui a Política Nacional para a Prevenção e Controle do Câncer na Rede de Atenção à Saúde das Pessoas com Doenças Crônicas no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da República Federativa do Brasil. 2013 Maio 29. reafirma que os cuidados paliativos fazem parte do cuidado integral ao paciente oncológico e assegura que todo hospital habilitado em oncologia tem a obrigação de garantir esses cuidados, que poderão se dar na própria estrutura hospitalar ou poderão ser referenciados à rede de atenção à saúde. E inclui a atenção domiciliar como um ponto de atenção importante na prestação dos cuidados paliativos, desde que formalizada a referência entre os hospitais habilitados e as equipes.

A partir da competência de abril de 2012, a modalidade de atendimento Atenção Domiciliar (AD) foi incluída na Tabela de Procedimentos, Medicamentos e OPM (Órteses, Próteses e Materiais Especiais) do SUS1414 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria SAS no 276, de 30 de março de 2012. Institui o sistema de Registro das Ações Ambulatoriais de Saúde (RAAS). 2012 Mar 30., permitindo monitorar as ações realizadas por esse tipo de atendimento, dada a estruturação do banco de dados no Sistema de Informação Ambulatorial (SIA/SUS) (SAD - Serviço de Atenção Domiciliar), que passou a consolidar a produção realizada por essa modalidade de cuidado, a partir de novembro de 2012.

Assim sendo, o presente estudo pretende descrever o perfil dos pacientes oncológicos em cuidados paliativos na atenção domiciliar.

Métodos

Trata-se de estudo descritivo, com dados secundários do SIA/SUS disponíveis no sítio do Departamento de Informática do SUS (Datasus) (www.datasus.gov.br), para o Brasil, no período de 2013 a 2015. O período de estudo foi definido considerando que as informações já estariam consolidadas em 2013 e pelo último ano disponível no momento do estudo, 2015.

Foram avaliados os registros da modalidade de atendimento atenção domiciliar e consideradas apenas a produção realizada por Emap e Emad (tipo 1 ou tipo 2). Tal restrição justifica-se pelo fato dessas equipes, por definição, estarem aptas a prestar atendimento nas modalidades AD2 e AD3, nas quais os cuidados paliativos estariam incluídos.

As variáveis consideradas para descrever o perfil dos usuários foram:

  1. - Diagnóstico principal: neoplasias malignas, de acordo com Classificação Internacional de Doenças - CID-10 (CID C00-C97);

  2. - Sexo;

  3. - Idade: categorizada nas faixas etárias: menor de 40 anos, 40 a 59 anos, 60 a 79 anos; 80 anos ou mais;

  4. - Origem do encaminhamento (ponto da rede responsável pelo encaminhamento do usuário aos cuidados paliativos);

  5. - Unidade da Federação (UF) de residência do paciente;

  6. - Região de residência do paciente;

Os dados foram analisados utilizando os programas Tabwin e o Excel 2010.

As informações registradas no sistema de informação foram avaliadas e descritas comparativamente entre as regiões do País, entre as neoplasias e entre as faixas etárias. O estudo isenta-se de ser submetido ao comitê de ética por utilizar dados secundários de acesso irrestrito.

Resultados

Destaca-se neste estudo a quantidade de pacientes oncológicos informados em cuidados paliativos na atenção domiciliar no período considerado, variando de 3.748, em 2013, a 8.651, em 2015, o equivalente a um aumento de 131% (tabela 1).

Tabela 1
Taxa de pacientes com câncer em cuidados paliativos na atenção domiciliar por 100.000 habitantes, por ano, Unidade de residência da Federação. Brasil e Regiões, 2013 2015

Entre os estados do Brasil, apenas Roraima, Sergipe e Espírito Santo não registraram casos de pacientes em cuidados paliativos para câncer em todo o período estudado. E o estado do Amapá e o Distrito Federal registraram uma redução de mais de 50% de pacientes em cuidados paliativos de 2013 a 2015. Em todas as regiões do País, houve aumento na taxa de pacientes em cuidados paliativos por 100.000 habitantes, com destaque para a região Norte, com um aumento acima de 300%, enquanto a região Sul registrou o menor aumento (tabela 1).

Em todo o período, houve uma predominância do sexo masculino em cuidados paliativos na atenção domiciliar, com aumento ao longo dos anos, chegando a representar 55% dos casos em 2015 (gráfico 1).

Gráfico 1
Proporção de pacientes com neoplasias malignas em cuidados paliativos atendidos na atenção domiciliar por sexo e ano, Brasil, 2013-2015

Das principais neoplasias que demandaram cuidado paliativo no atendimento domiciliar em homens, a de próstata foi a mais recorrente, seguida pela neoplasia dos pulmões, em 2013 e 2015, e cólon e reto, em 2014. Para as mulheres, a mais frequente nos três anos foi neoplasia maligna de mama, seguida da de encéfalo, em 2013, e de cólon e reto, em 2014 e 2015 (quadro 1).

Quadro 1
Neoplasias malignas mais frequentes de pacientes em cuidados paliativos atendidos na atenção domiciliar por sexo e ano, Brasil, 2013-2015.

Na distribuição das cinco neoplasias mais frequentes em homens e mulheres em cuidados paliativos no atendimento domiciliar por faixa etária observa-se que o tumor mais frequente muda de acordo com a faixa etária. Nas mulheres com menos de 40 anos, a neoplasia mais recorrentes foi de cólon e reto. A partir dos 40 anos, passou a ser o câncer de mama, enquanto os casos de câncer de colo do útero se mantiveram constantes nas quatro faixas etárias. Já entre os homens, percebe-se aumento da ocorrência dos casos de câncer de próstata com o envelhecimento, chegando a ser o mais prevalente a partir dos 60 anos. Entre os com menos de 40 anos, as neoplasias mais frequentes em cuidado paliativo foram encéfalo, seguida de cólon e reto. E na faixa etária de 40 a 59 anos, a mais frequente foi a de laringe (figura 1).

Figura 1
Neoplasias mais frequentes por faixa etária em mulheres (a) e em homens (b) em cuidados paliativos para atenção domiciliar, Brasil, 2013-2015

Nos três anos analisados, mais de 45% dos encaminhamentos em cuidados paliativos para atenção domiciliar foram realizados pela atenção básica. Observa-se, também, pequeno aumento dos encaminhamentos oriundos das internações hospitalares e uma diminuição dos encaminhamentos feitos por centros oncológicos (gráfico 2).

Gráfico 2
Ponto da rede responsável pelo encaminhamento dos pacientes com neoplasia maligna em cuidados paliativos para atenção domiciliar, Brasil, 2013-2015

Discussão

As neoplasias mais frequentes em pacientes em cuidados paliativos na atenção domiciliar vão ao encontro das que mais acometem homens e mulheres no País: câncer de próstata e mama, respectivamente, excluído o câncer de pele não melanoma1515 Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer José de Alencar Gomes da Silva. Estimativa 2016: incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Nacional de Câncer José de Alencar Gomes da Silva; 2015. p. 122..

Os cânceres de pulmão, laringe e esôfago - que estão entre os dez mais incidentes em homens - também foram recorrentes entre os pacientes em cuidados paliativos na atenção domiciliar. Esses tumores malignos têm em comum o tabaco como principal fator de risco1616 Menezes AM, Horta BL, Oliveira ALB, et al. Risco de câncer de pulmão, laringe e esôfago atribuível ao fumo. Rev Saúde Pública. 2002 Abr; 36(2):129-34.,1717 Moura MAS, Bergmann A, Aguiar SS, et al. The magnitude of the association between smoking and the risk of developing cancer in Brazil: a multicenter study. BMJ Open. 2014 Fev; 4(2):e003736.. Ainda que pesquisas1818 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria-Executiva da CONICQ. Observatório da Política Nacional de Controle do Tabaco [internet]. 2016 [acesso em 2017 mar 2013]. Disponível em: http://www2.inca.gov.br/wps/wcm/connect/observatorio_controle_tabaco/site/home/dados_numeros/prevalencia-de-tabagismo.
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apontem para uma diminuição no consumo aparente do tabaco, ele continua sendo um importante fator de risco para doenças crônicas não transmissíveis, principalmente entre indivíduos com menor escolaridade e renda1919 Bazotti A, Finokiet M, Conti IL, et al. Tabagismo e pobreza no Brasil: uma análise do perfil da população tabagista a partir da POF 2008-2009. Ciênc Saúde Coletiva. 2016 Jan; 21(1):45-52..

Entre as mulheres, a frequência de casos em cuidados paliativos por câncer de colo do útero também está em acordo com os dados de incidência dessa neoplasia, que é a segunda mais frequente após o câncer de mama1515 Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer José de Alencar Gomes da Silva. Estimativa 2016: incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Nacional de Câncer José de Alencar Gomes da Silva; 2015. p. 122.. Contudo, por ser um câncer passível de prevenção pela detecção precoce de lesões precursoras2020 Brasil. Ministério da Saúde. Departamento de Atenção Básica. Rastreamento. Brasília, DF: MS; 2010., através de um exame simples e disponibilizado em toda atenção básica do País, é preocupante que tantos casos evoluam a ponto de necessitarem de cuidados paliativos.

Comparando o quadro que apresentou por ano as neoplasias mais recorrentes com o gráfico que estratificou por idade, percebe-se que considerar a faixa é uma estratégia importante para que se atinjam os objetivos pretendidos com as ações de controle da doença e de detecção precoce e para a programação dos cuidados, ainda que nem todas as neoplasias relacionadas entre as cinco mais recorrentes por faixa etária sejam passíveis de ações de detecção precoce, como, por exemplo, encéfalo e pulmão2121 World Health Organization. Cancer control: knowledge into action: WHO guide for effective programmes; module 3. Geneva: World Health Organization; 2007..

O perfil do ponto da rede responsável pelo encaminhamento dos pacientes com neoplasia maligna em cuidados paliativos para atenção domiciliar chama atenção, na medida em que os centros de oncologia surgem com pouca representatividade se comparados à atenção básica. Considerando que a atenção domiciliar efetuada pela equipe de atenção básica pressupõe cuidados de menor complexidade, uma possível explicação para esse resultado é a possibilidade de essas equipes estarem efetuando o cuidado em localidades onde a implantação das equipes AD2 e AD3 ainda não esteja a contento. Assim sendo, pacientes encaminhados pelos centros oncológicos para cuidados paliativos poderiam estar sendo encaminhados para permanência em cuidados paliativos pela atenção básica. Todavia, essa é uma hipótese que necessita de investigação para melhor compreensão, visto que a unidade hospitalar especializada é que deve ser a responsável pela gestão desse cuidado1313 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM no 874, de 16 de maio de 2013. Institui a Política Nacional para a Prevenção e Controle do Câncer na Rede de Atenção à Saúde das Pessoas com Doenças Crônicas no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da República Federativa do Brasil. 2013 Maio 29..

O acesso às informações dos cuidados prestados na atenção domiciliar abre uma nova possibilidade de análise da rede de atenção à saúde, que merece ser explorada, dada a importância dessa modalidade de cuidado. Haja vista o percentual de casos em estádios avançados (estádio III e IV) entre os cinco tipos de tumores mais frequentes (mama, colo do útero, cólon e reto, pulmão e próstata) presentes nos Registros Hospitalares de Câncer no período de 2007 a 2011, que, possivelmente, necessitarão de cuidados paliativos no País2222 Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer José de Alencar Gomes da Silva. Informativo Vigilância do Câncer. Perfil da assistência oncológica no Brasil, de 2007 a 2011 [internet]. INCA; 2015 [acesso em 2017 mar 13]. Disponível em: http://www1.inca.gov.br/inca/Arquivos/publicacoes/informativovigilancia2015.pdf.
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Os dados aqui apresentados não devem ser interpretados como uma descrição da realidade assistencial de cada estado do Brasil quanto ao cuidado prestado aos usuários oncológicos na atenção domiciliar, já que foram extraídos de um sistema de informação ainda pouco maduro, por ser recente e por apresentar todas as fragilidades existentes em dados secundários. Contudo, acredita-se que eles possam suscitar o interesse de equipes locais em acompanhar o itinerário terapêutico dos usuários oncológicos até o fim de vida, se for o caso, bem como em zelar pela qualidade das informações inseridas nos sistemas de informação, para que estes possam cada vez mais subsidiar o monitoramento das redes de atenção à saúde.

Conclusões

O presente estudo apresenta resultados de interesse para vigilância da evolução dos diferentes tipos de câncer e para o monitoramento da linha de cuidado, principalmente dos cânceres passíveis de detecção precoce.

Ainda que apresente como limitação a impossibilidade de afirmar que todos os pacientes oncológicos em cuidados domiciliares por Emap e Emad estejam de fato em cuidados paliativos, a análise realizada é uma iniciativa que visa a contribuir para o monitoramento do cuidado integral desses pacientes.

Além disso, destaca a importância dos sistemas de informação do SUS, ao possibilitarem uma aproximação do cenário epidemiológico e assistencial, ainda que essa não seja a finalidade primeira desses sistemas.

Espera-se que, além de estimular o conhecimento do fluxo do cuidado integral do usuário oncológico, o estudo contribua para a prática do monitoramento e da avaliação da rede de atenção à saúde no que tange os cuidados paliativos.

  • Suporte financeiro: não houve

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2018

Histórico

  • Recebido
    17 Jan 2017
  • Aceito
    27 Nov 2017
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