Função matriciadora dos Núcleos Ampliados de Saúde da Família: uma revisão integrativa da literatura

André Lucas Maffissoni Kátia Jamile da Silva Carine Vendruscolo Letícia de Lima Trindade Fernanda Karla Metelski Sobre os autores

RESUMO

Revisão integrativa da literatura que buscou identificar as concepções teórico-conceituais que sustentam a criação e o desenvolvimento dos Núcleos Ampliados de Saúde da Família e Atenção Básica (Nasf-AB) como dispositivo de apoio no âmbito desse nível assistencial, bem como analisar o processo de matriciamento de acordo com as características apresentadas pela literatura científica atual, a partir da análise de manuscritos publicados nas bases da Biblioteca Virtual em Saúde, PubMed e Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), utilizando-se o termo ‘Núcleo de Apoio à Saúde da Família’. Após a aplicação dos critérios de inclusão, resultaram 33 trabalhos. Evidenciou-se predomínio de estudos qualitativos, os quais sinalizam características de atuação do Nasf-AB, organizadas em atividades técnico-pedagógicas com as equipes de Saúde da Família, e clínico-assistenciais, voltadas para o atendimento dos usuários e coletivos. As informações encontradas na literatura científica demonstram dificuldades e desafios relacionados com a operacionalização do trabalho do Nasf-AB.

PALAVRAS-CHAVE
Gestão em saúde; Atenção Primária à Saúde; Saúde da família

Introdução

A Atenção Primária à Saúde (APS), ou Atenção Básica (AB) no Brasil, configura-se como um dos principais avanços no Sistema Único de Saúde (SUS), sendo ordenadora da Rede de Atenção à Saúde (RAS) e principal porta de entrada do usuário nesse Sistema11 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão das diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União. 22 Set 2017.. Por meio de equipes multiprofissionais generalistas da Estratégia Saúde da Família (ESF), que representa o seu eixo estruturador, a AB busca atender aos atributos de universalidade, integralidade, longitudinalidade e coordenação do cuidado, em âmbito individual e coletivo, ampliando o acesso e impactando os condicionantes/determinantes da saúde dos habitantes do território11 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão das diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União. 22 Set 2017..

A implantação de equipes de Saúde da Família (eSF) para estruturar a AB ampliou de modo significativo o acesso à saúde, no entanto, há consenso em relação à necessidade de investimentos na qualificação dos profissionais, sobretudo, para aumentar a resolubilidade nesse nível de atenção22 Tesser CD, Norman AH. Repensando o acesso ao cuidado na Estratégia Saúde da Família. Saúde Soc. 2014; 23(3):869-883.. São recorrentes as situações em que os profissionais generalistas da AB se deparam com obstáculos, principalmente, quanto à resolubilidade da atenção. Diante disso, para dar suporte às eSF, o Ministério da Saúde (MS) criou, em 2008, mediante a Portaria GM nº 15433 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM nº 154 de 24 de janeiro de 2008. Cria os núcleos de Apoio à Saúde da Família - Nasf. Diário Oficial da União. 25 Jan 2008., os Núcleos de Apoio à Saúde da Família (Nasf). Estes emergem com o propósito de apoiar a consolidação da AB, ampliando as ofertas de serviços de saúde, o potencial resolutivo e a abrangência das ações realizadas no nível primário de atenção33 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM nº 154 de 24 de janeiro de 2008. Cria os núcleos de Apoio à Saúde da Família - Nasf. Diário Oficial da União. 25 Jan 2008.,44 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Cadernos de Atenção Básica [internet]. Ministério da Saúde: [acesso em 2017 mar 15] 2014; 39. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/nucleo_apoio_saude_familia_cab39.pdf.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
. Recentemente, com a revisão da Política Nacional de Atenção Básica à Saúde (PNAB), esse dispositivo passa a ser reconhecido como Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica (Nasf-AB)11 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão das diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União. 22 Set 2017..

Aos Nasf-AB, cabe a realização do matriciamento das eSF e das equipes de Atenção Básica (eAB). Essa atividade é possível, basicamente, por duas formas de apoio: clínico-assistencial, no qual os profissionais do Nasf-AB ofertam atendimento clínico, individual ou coletivo, aos usuários; e técnico-pedagógico, em que os profissionais do Nasf-AB compartilham saberes e práticas de seus núcleos profissionais com os trabalhadores da ESF44 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Cadernos de Atenção Básica [internet]. Ministério da Saúde: [acesso em 2017 mar 15] 2014; 39. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/nucleo_apoio_saude_familia_cab39.pdf.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
.

A literatura científica aborda a construção do Nasf-AB como uma possibilidade para criar arranjos de gestão e processos de trabalho capazes de reorientar o modo como se produz saúde na AB, no âmbito do SUS22 Tesser CD, Norman AH. Repensando o acesso ao cuidado na Estratégia Saúde da Família. Saúde Soc. 2014; 23(3):869-883.. Contudo, por ser uma determinação relativamente recente do MS, existem dificuldades na compreensão dos reais atributos dos Núcleos e de suas funções, principalmente com relação ao processo de apoio matricial às eSF55 Tesser CD. Núcleos de Apoio à Saúde da Família, seus potenciais e entraves: uma interpretação a partir da atenção primária à saúde. Interface (Botucatu) [internet]; 2017 [acesso em 2017 jun 11]; 21(62):565-578. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/icse/v21n62/1807-5762-icse-1807-576220150939.pdf.
http://www.scielo.br/pdf/icse/v21n62/180...
.

Por esse motivo, gestores e profissionais devem compreender quais são os pilares teóricos e legais que sustentam a atuação do Nasf-AB e, além disso, identificar quais práticas têm sido utilizadas para desenvolver o processo de matriciamento no cotidiano do trabalho. Nesse sentido, objetiva-se identificar as concepções teórico-conceituais que sustentam a criação e o desenvolvimento do Nasf-AB como dispositivo de apoio no âmbito desse nível assistencial, bem como analisar o processo de matriciamento a partir das características apresentadas pela literatura científica atual.

Não há pretensão em esgotar o assunto, extenuar possibilidades ou estabelecer padrões que indiquem como o Nasf-AB deve ou não atuar no campo da saúde coletiva e/ou quais deveriam ser suas ações específicas. Considera-se que uma revisão integrativa da literatura sobre o tema pode promover aportes teóricos capazes de subsidiar reflexões relacionadas com a prática profissional dos seus componentes, o que é substancial para aperfeiçoar o trabalho no SUS.

Metodologia

Estudo de revisão integrativa da literatura, com delineamento qualitativo, desenvolvido mediante validação de protocolo por pesquisador não envolvido com a pesquisa e com experiência na temática.

A revisão foi conduzida por seis etapas: escolha da pergunta de pesquisa; estabelecimento dos critérios de inclusão e exclusão dos estudos; seleção da amostra; busca pelas informações desejadas nos manuscritos; inclusão dos trabalhos selecionados; discussão e análise dos resultados66 Ganong LH. Integrative reviews of nursing research. Rev Nurs Health. 1987; 10(1):1-11..

A pesquisa partiu do seguinte questionamento: como a literatura científica aborda as concepções teórico-conceituais que sustentam a criação e o desenvolvimento do Nasf-AB como dispositivo de apoio no âmbito desse nível assistencial a partir da sua função matriciadora? Para a busca de estudos, foram utilizados como critérios de inclusão: trabalhos publicados no formato de artigos científicos (artigos originais, revisões sistematizadas, ensaios teóricos, reflexões, relatos de experiência e editorais); trabalhos disponíveis on-line na forma completa em inglês, português ou espanhol; e estudos cujos títulos, resumos ou palavras-chave abordassem o tema no período de 2008 a 2016. Este intervalo de tempo foi delimitado em função da criação do Nasf-AB ter sido aprovada no Brasil pela Portaria nº 154, de 24 de janeiro de 200833 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM nº 154 de 24 de janeiro de 2008. Cria os núcleos de Apoio à Saúde da Família - Nasf. Diário Oficial da União. 25 Jan 2008.. Os artigos duplicados foram considerados uma única vez.

A busca pelos estudos ocorreu nos meses de março, abril e maio de 2017, nas bases de dados da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), PubMed e Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). A seleção da amostra foi desenvolvida a partir da busca livre por artigos com o termo ‘Núcleo de Apoio à Saúde da Família’, sem aspas. Por se tratar de uma pesquisa em âmbito nacional e pelo fato de o Nasf-AB ser uma política exclusiva do Brasil, considerou-se que somente a partir dessa estrutura de busca os objetivos seriam alcançados. Como na época da coleta de dados a PNAB ainda não havia sido revista, manteve-se o termo com nome original. O fluxo de realização da busca pelos estudos é ilustrado na figura 1.

Figura 1
Fluxograma dos estudos selecionados para a pesquisa

Os estudos pré-selecionados foram encontrados completos nas bases, ou buscados via Google Acadêmico, ou, ainda, no site do periódico. Na sequência, foram organizados em tabelas/quadros do Word®, após identificação e exclusão de artigos duplicados; posteriormente, foi realizada a extração de dados para a construção de uma matriz com as especificações individuais dos trabalhos. A matriz foi composta pelos 33 artigos selecionados após leitura do material na íntegra e sistematizada a partir dos seguintes itens: título, periódico em que foi publicado, ano de publicação, autores e categoria profissional do primeiro autor, objetivo, metodologia, principais resultados, conclusões e observações dos pesquisadores.

Ressalta-se que todo o processo de análise foi realizado por pares, além disso, a seleção final de 33 artigos passou por análise duplo-cega, realizada por pesquisadoras do tema, a fim de conferir maior rigor científico e adequação dos estudos encontrados aos objetivos da revisão integrativa.

A análise dos dados foi realizada com fundamento à proposta da Análise Temática de Conteúdo, orientada pelas etapas de pré-análise, exploração do material, tratamento e interpretação dos resultados77 Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec; 2014.. Na pré-análise, realizou-se leitura flutuante dos trabalhos completos, o que possibilitou identificar aspectos gerais da matriz como: tipos de estudo (pesquisa qualitativa, quantitativa, pesquisa de método misto, estudo de caso e revisão integrativa), objetivos dos trabalhos, periódicos em que os estudos foram publicados, ano de publicação, região do país em que o estudo foi realizado e categoria profissional dos autores. Tais elementos deram origem à categoria ‘perfil dos estudos’. A exploração do material transcorreu por meio de novas leituras dos textos completos, sendo que, na matriz, foi realizado um recorte dos principais achados/conclusões e da dimensão dos estudos. Posteriormente, ocorreu a agregação e classificação dos dados, de modo a estruturar as categorias de discussão: ‘origem e concepções teóricas’ e ‘matriciamento na prática’.

Importa ressaltar que, devido à complexidade do contexto que envolve o objeto de estudo em questão, as discussões não se limitaram somente ao escopo de artigos encontrados na revisão. Assim, foram articulados ao debate, principalmente na categoria ‘origem e concepções teóricas’, resultados de outros estudos, realizados por autores reconhecidamente importantes nesta área de saber, bem como orientações provenientes de documentos ministeriais.

Resultados

Características dos autores e estudos

No que diz respeito à autoria, os 33 estudos foram publicados por 102 autores, sendo 86 sujeitos autores ou coautores de apenas um artigo, 12 autores ou coautores de dois estudos e quatro autores ou coautores de três artigos.

Com o objetivo de identificar de modo mais específico o perfil profissional dos sujeitos que escrevem sobre o tema do Nasf-AB, foi realizada busca dos currículos do primeiro autor de cada trabalho na Plataforma Lattes. Os dados demonstraram que a maioria dos autores (86,7%) possui vínculo profissional em instituições de saúde ou de educação públicas, os demais atuam em instituições de ensino privadas (10%) ou com entidades estrangeiras (3,3%). Quanto à atuação profissional, 15 são docentes do ensino superior e/ou ensino técnico e/ou pesquisadores em saúde, sete são estudantes de curso de mestrado, doutorado ou residência multiprofissional em saúde, cinco atuam na assistência ou na gestão à saúde em contexto público ou privado e três são profissionais que trabalham no Nasf-AB. Cumpre destacar que não foram encontradas informações profissionais dos autores de dois trabalhos e, também, que um mesmo estudioso da temática é primeiro autor de dois artigos.

Os resultados apontam que os autores que estudam o Nasf-AB, em sua maioria, possuem vínculo público em instituições de ensino superior. Nota-se uma pequena parcela de indivíduos atuantes profissionalmente no Nasf-AB como autor principal dos estudos. Este fato, ao mesmo tempo que assinala a necessidade de maior número de produções advindas do campo prático, reflete o interesse de alguns profissionais em apresentar o trabalho realizado com e nos Núcleos ao meio científico.

Com relação ao tipo de estudo, 31 se caracterizaram como pesquisas originais e duas são revisões de literatura. Quanto à abordagem, 24 estudos foram identificados pelos autores como estudos qualitativos e dois quantitativos, sendo que um assumiu uso da abordagem mista (quantiqualitativa) e os demais (n=6) não especificaram a abordagem.

Origem e concepções teóricas

A ideia de matriciamento que direciona a atuação do Nasf-AB passou por longa trajetória de construção antes de ser incorporada como recurso metodológico em uma política pública de saúde. Logo após a criação do SUS, alguns pesquisadores da área começaram a descrever, em seus estudos, que a produção de saúde no contexto da AB demandava outros conhecimentos, para além do aporte técnico-científico dos profissionais generalistas das eSF, incorporando núcleos de conhecimentos específicos88 Gastão WSC, Figueiredo MD, Pereira Júnior N, et al. A aplicação da metodologia Paideia no apoio institucional, no apoio matricial e na clínica ampliada. Interface (Botucatu) 2014; 18(supl1):983-995.,99 Castro CP, Oliveira MM, Campos GWS. Apoio Matricial no SUS Campinas: análise da consolidação de uma prática interprofissional na rede de saúde. Ciênc. Saúde Colet. 2016; 21(5):1625-1636..

A fim de subsidiar ajustes nessa direção, Campos e colaboradores88 Gastão WSC, Figueiredo MD, Pereira Júnior N, et al. A aplicação da metodologia Paideia no apoio institucional, no apoio matricial e na clínica ampliada. Interface (Botucatu) 2014; 18(supl1):983-995. lapidaram a concepção teórica e metodológica Paidéia. Os autores relatam que essa rede conceitual tem o objetivo de dar suporte à cogestão de coletivos na AB para o trabalho em redes, tendo funcionalidade a partir de três eixos de aplicação: apoio institucional, apoio matricial e clínica ampliada e compartilhada88 Gastão WSC, Figueiredo MD, Pereira Júnior N, et al. A aplicação da metodologia Paideia no apoio institucional, no apoio matricial e na clínica ampliada. Interface (Botucatu) 2014; 18(supl1):983-995..

A Metodologia de Formação e Apoio Paidéia propõe compreender e interferir nas questões de compartilhamento de poder, conhecimento e afeto em espaços coletivos. Assim, os três eixos representam estratégias para a política e a gestão operarem com o poder (apoio institucional); a pedagogia, com o conhecimento (apoio matricial); e a clínica subjetiva, a partir do afecto dos encontros (clínica ampliada). Na organização dos processos da saúde, essas três dimensões disciplinares parecem estar fragmentadas, quando, na realidade, deveriam atuar de modo simultâneo para estabelecer base sólida de cogestão, mediante relações dialógicas e compartilhamento de conhecimentos e práticas88 Gastão WSC, Figueiredo MD, Pereira Júnior N, et al. A aplicação da metodologia Paideia no apoio institucional, no apoio matricial e na clínica ampliada. Interface (Botucatu) 2014; 18(supl1):983-995..

A tríade proposta pela Metodologia Paidéia pode ser entendida como uma forma de construir condições para reflexões dialógicas constantes, a partir de pessoas e concepções de mundo distintas, capazes de estimular a qualificação dos processos no âmbito da atenção em saúde. Tal método visa ao aumento da capacidade de compreensão e intervenção dos indivíduos sobre um determinado contexto, refletindo sobre os outros e sobre si, com vistas à democracia e ao bem-estar social88 Gastão WSC, Figueiredo MD, Pereira Júnior N, et al. A aplicação da metodologia Paideia no apoio institucional, no apoio matricial e na clínica ampliada. Interface (Botucatu) 2014; 18(supl1):983-995.

9 Castro CP, Oliveira MM, Campos GWS. Apoio Matricial no SUS Campinas: análise da consolidação de uma prática interprofissional na rede de saúde. Ciênc. Saúde Colet. 2016; 21(5):1625-1636.

10 Campos GWS, Cunha GT, Figueiredo MD. Práxis e Formação Paideia: apoio e cogestão em saúde. São Paulo: Hucitec; 2013.
-1111 Moura RH, Luzio CA. O apoio institucional como uma das faces da função apoio no Núcleo de Apoio à Saúde da Família (Nasf): para além das diretrizes. Interface (Botucatu) 2014; 18(supl1):957-970..

Na revisão da literatura realizada, estudos recentes88 Gastão WSC, Figueiredo MD, Pereira Júnior N, et al. A aplicação da metodologia Paideia no apoio institucional, no apoio matricial e na clínica ampliada. Interface (Botucatu) 2014; 18(supl1):983-995.,99 Castro CP, Oliveira MM, Campos GWS. Apoio Matricial no SUS Campinas: análise da consolidação de uma prática interprofissional na rede de saúde. Ciênc. Saúde Colet. 2016; 21(5):1625-1636.,1212 Patrocínio SSSM, Machado CV, Fausto MCR. Núcleo de Apoio à Saúde da Família: proposta nacional e implementação em municípios do Rio de Janeiro. Saúde debate 2015; 39(esp):105-119. demonstram que os conceitos da Metodologia Paidéia estão sendo, gradativamente, inseridos nas políticas e programas do SUS, entre eles o Nasf-AB. Com objetivo de ampliar a abrangência, o escopo e a resolubilidade das ações da AB, o MS adotou o apoio matricial como centro funcional dos Núcleos44 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Cadernos de Atenção Básica [internet]. Ministério da Saúde: [acesso em 2017 mar 15] 2014; 39. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/nucleo_apoio_saude_familia_cab39.pdf.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
e estabeleceu como princípio de atuação a produção da saúde mediante utilização da clínica ampliada1313 Oliveira MM, Campos GWS. Apoios matricial e institucional: analisando suas construções. Ciênc. Saúde Colet. 2015; 20(1):229-238..

Autores1414 Brasil. Departamento de Atenção Básica. Sala de Apoio à Gestão estratégica [internet]. 2009 [acesso em 2017 jun 20]. Disponível em: http://sage.saude.gov.br/.
http://sage.saude.gov.br/...
evidenciam que, em âmbito internacional, a clínica por meio do compartilhamento de ações vem ganhando espaço desde a década de 1990. Movimentos no Reino Unido, Irlanda, Austrália, Canadá e Espanha, com distintas nomenclaturas e modos operativos diferenciados, apresentam sinergia ao proporem novos modos de produção da saúde que contemplam os princípios do apoio matricial. No Brasil, o município de Campinas, em São Paulo, foi o primeiro a utilizar o Método de apoio matricial nos anos de 1990. Na época, percebeu-se que esse apoio seria pertinente para qualificar a atenção, especialmente na área da saúde mental, passando a ser implementado por iniciativa dos próprios profissionais da rede do SUS99 Castro CP, Oliveira MM, Campos GWS. Apoio Matricial no SUS Campinas: análise da consolidação de uma prática interprofissional na rede de saúde. Ciênc. Saúde Colet. 2016; 21(5):1625-1636.. Na mesma década, outros estados brasileiros também começaram a incorporar os conceitos de apoio matricial, buscando maior interprofissionalidade na organização da saúde.

Reconhece-se que, apesar de não possuírem relação direta com o Nasf-AB, já que este foi proposto em âmbito ministerial apenas em 2008, as iniciativas supracitadas, tanto nacionais como estrangeiras, representam o princípio dos conceitos que sustentam teoricamente os Núcleos; processos embrionários para a construção do que é proposto pelo MS atualmente.

A revisão integrativa1212 Patrocínio SSSM, Machado CV, Fausto MCR. Núcleo de Apoio à Saúde da Família: proposta nacional e implementação em municípios do Rio de Janeiro. Saúde debate 2015; 39(esp):105-119.

13 Oliveira MM, Campos GWS. Apoios matricial e institucional: analisando suas construções. Ciênc. Saúde Colet. 2015; 20(1):229-238.
-1414 Brasil. Departamento de Atenção Básica. Sala de Apoio à Gestão estratégica [internet]. 2009 [acesso em 2017 jun 20]. Disponível em: http://sage.saude.gov.br/.
http://sage.saude.gov.br/...
e os documentos ministeriais11 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão das diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União. 22 Set 2017.,33 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM nº 154 de 24 de janeiro de 2008. Cria os núcleos de Apoio à Saúde da Família - Nasf. Diário Oficial da União. 25 Jan 2008.,44 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Cadernos de Atenção Básica [internet]. Ministério da Saúde: [acesso em 2017 mar 15] 2014; 39. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/nucleo_apoio_saude_familia_cab39.pdf.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
sinalizam que o processo de trabalho do Nasf-AB é fundamentado no compartilhamento de responsabilidades com as eSF. As equipes de Nasf-AB buscam se inserir na AB/ESF compondo uma rede de conhecimentos e complementando as ações das eSF, a partir de pressupostos como integralidade, interprofissionalidade, multidisciplinaridade, cuidado compartilhado, cogestão, corresponsabilização e clínica ampliada.

Desse modo, o processo de trabalho dos Nasf-AB é orientado por dois conjuntos de atividades: técnico-pedagógicas, com o intuito de promover educação permanente com os profissionais da ESF; e clínico-assistenciais, quando demandado atendimento para casos específicos44 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Cadernos de Atenção Básica [internet]. Ministério da Saúde: [acesso em 2017 mar 15] 2014; 39. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/nucleo_apoio_saude_familia_cab39.pdf.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
, seja para um ou para um coletivo de indivíduos. As primeiras atividades se voltam ao suporte das equipes na mediação das demandas dos usuários e nas suas próprias demandas, e as atividades clínico-assistenciais devem ser realizadas em conjunto com a eSF, compartilhando saberes e produzindo conhecimento de modo coletivo, inclusive com os usuários.

A concepção de núcleo e campo de saber aparece nos estudos como centro operador do Nasf88 Gastão WSC, Figueiredo MD, Pereira Júnior N, et al. A aplicação da metodologia Paideia no apoio institucional, no apoio matricial e na clínica ampliada. Interface (Botucatu) 2014; 18(supl1):983-995.,1212 Patrocínio SSSM, Machado CV, Fausto MCR. Núcleo de Apoio à Saúde da Família: proposta nacional e implementação em municípios do Rio de Janeiro. Saúde debate 2015; 39(esp):105-119.,1414 Brasil. Departamento de Atenção Básica. Sala de Apoio à Gestão estratégica [internet]. 2009 [acesso em 2017 jun 20]. Disponível em: http://sage.saude.gov.br/.
http://sage.saude.gov.br/...
. O núcleo de saber é composto pelos conhecimentos específicos que determinam a identidade de uma profissão, como as atribuições clínicas específicas da enfermagem, nutrição, psicologia, medicina, entre outras. Já o campo de saber representa um espaço de conhecimentos comuns a todas as profissões, os quais sobressaem às especialidades de cada categoria88 Gastão WSC, Figueiredo MD, Pereira Júnior N, et al. A aplicação da metodologia Paideia no apoio institucional, no apoio matricial e na clínica ampliada. Interface (Botucatu) 2014; 18(supl1):983-995.. Assim, é possível compreender que o apoio matricial do Nasf atua na lógica de complementar saberes e experiências de um núcleo de saber especializado para um campo multidisciplinar - o da saúde coletiva - que, neste caso, é representado pelas eSF.

A partir desse aporte teórico, as equipes do Nasf-AB vêm desenvolvendo, desde 2008, importante papel na reorganização das práticas de atenção em saúde e, atualmente, totalizam 3.797 que integram a rede de atenção à saúde do SUS em todo o território nacional1414 Brasil. Departamento de Atenção Básica. Sala de Apoio à Gestão estratégica [internet]. 2009 [acesso em 2017 jun 20]. Disponível em: http://sage.saude.gov.br/.
http://sage.saude.gov.br/...
.

Matriciamento na prática

Há consenso na literatura de que a principal função do Nasf é dar suporte/apoio às eSF por meio do apoio matricial. Contudo, são escassas as orientações sobre como devem operar os profissionais do Nasf-AB no cotidiano prático, seja no apoio clínico-assistencial individual ou coletivo, seja no apoio técnico-pedagógico. É possível observar nos manuscritos1515 Souza SC, Loch MR. Intervenção do profissional de educação física nos Núcleos de Apoio à Saúde da Família em municípios do norte do Paraná. Rev. Bras. Ativ. Fís. Saúde. 2012; 16(1):5-10.

16 Sampaio J, Souza CSM, Marcolino EC, et al. O Nasf como dispositivo da gestão: limites e possibilidades. Rev. Bras. Ciênc. Saúde. 2012; 16(3):317-324.

17 Lancman S, Gonçalves RMA, Cordone NG, et al. Estudo do trabalho e do trabalhar no Núcleo de Apoio à Saúde da Família. Rev. Saúde Pública. 2013; 47(5):968-975.

18 Souza MC, Bomfim AL, Souza JN, et al. Fisioterapia e Núcleo de Apoio à Saúde da Família: conhecimento, ferramentas e desafios. Mund. Saúde. 2013; 37(2):176-218.

19 Souza FLD, Chacur EP, Rabelo MRG, et al. Implantação do Núcleo de Apoio à Saúde da Família: percepção do usuário. Saúde debate. 2013; 37(97):233-240.

20 Costa LS, Alcântara LM, Alves RS, et al. A prática do fonoaudiólogo nos Núcleos de Apoio à Saúde da Família em municípios paraibanos. Codas. 2013; 25(4):381-387.

21 Leite DC, Andrade AB, Bosi ML. A inserção da Psicologia nos Núcleos de Apoio à Saúde da Família. Physis (Rio J.). 2013; 23(4):1167-1187.

22 Fernandes TL, Nascimento CMB, Sousa FOS. Análise das atribuições dos fonoaudiólogos do Nasf em municípios da região metropolitana do Recife. Rev CEFAC. 2013; 15(1):153-159.

23 Sampaio J, Martiniano CS, Rocha AMO, et al. Núcleo de Apoio à Saúde da Família: Refletindo sobre Acepções Emergentes da Prática. Rev. Bras. Ciênc. Saúde. 2013; 17(1):47-54.

24 Hori AA, Nascimento AF. O Projeto Terapêutico Singular e as práticas de saúde mental nos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (Nasf) em Guarulhos (SP), Brasil. Ciênc. Saúde Colet. 2014; 19(8):3561-3571.

25 Andrade AF, Lima MM, Monteiro NP, et al. Avaliação das ações da Fonoaudiologia no Nasf da cidade do Recife. Audiol. Commun. Res. 2014; 19(1):52-60.

26 Ferro LF, Silva EC, Zimmermann AB, et al. Interdisciplinaridade e intersetorialidade na Estratégia Saúde da Família e no Núcleo de Apoio à Saúde da Família: potencialidades e desafios. Mund. Saúde. 2014; 38(2):129-138.

27 Rodrigues DCM, Bosi MLM. O lugar do nutricionista nos Núcleos de Apoio à Saúde da Família. Rev Nutr PUCCAMP. 2014; 27(6):735-746.

28 Gonçalves RMA, Lancman S, Sznelwar LI, et al. Estudo do trabalho em Núcleos de Apoio à Saúde da Família (Nasf), São Paulo, Brasil. Rev. Bra. Saúde Ocup. 2015; 40(131):59-74.

29 Soleman C, Martins CL. O trabalho do fonoaudiólogo no núcleo de apoio à saúde da família (Nasf) - especificidades do trabalho em equipe na atenção básica. Rev. CEFAC 2015; 17(4):1241-1253.

30 Hirdes A. A perspectiva dos profissionais da Atenção Primária à Saúde sobre o apoio matricial em saúde mental. Ciênc. Saúde Colet. 2015; 20(2):371-382.

31 Cela M, Oliveira IF. O psicólogo no Núcleo de Apoio à Saúde da Família: articulação de saberes e ações. Estud. Psicol. (Natal). 2015; 20(1):31-39.

32 Sousa D, Oliveira IF, Costa ALF. Entre o especialismo e o apoio: psicólogos no Núcleo de Apoio à Saúde da Família. Psicol. USP 2015; 26(3)474-483.

33 Volponi PRR, Garanhani ML, Carvalho BG. Núcleo de Apoio à Saúde da Família: potencialidades como dispositivo de mudança na Atenção Básica em saúde. Saúde debate. 2015; 39(esp):221-231.

34 Barros JO, Gonçalves RMA, Kaltner RP, et al. Estratégia do apoio matricial: a experiência de duas equipes do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (Nasf) da cidade de São Paulo, Brasil. Ciênc. Saúde Colet. 2015; 20(9):2847-2856.

35 Santana JS, Azevedo TL, Reichert APS, et al. Núcleo de apoio a saúde da família: atuação da equipe junto à estratégia saúde da família. Rev. Pesqui. Cuid. Fundam. 2015; 7(2):2362-2371.

36 Nascimento DDG, Oliveira MAC. Análise do sofrimento no trabalho em Núcleos de Apoio à Saúde da Família. Rev. Esc. Enferm. USP. 2016; 50(5):848-854.

37 Raimundi DM, Ferreira FF, Lima FCA, et al. Análise de uma Clínica da Família, visão dos enfermeiros do serviço. Rev. Esc. Enferm. USP. 2016; 50(esp):130-138.

38 Ribeiro MDA, Bezzera EMA, Costa MS, et al. Avaliação da atuação do Núcleo de Apoio à Saúde da Família. Rev. Bras. Promoç. Saúde. 2014; 27(2):224-231.

39 Martinez JFN, Silva MS, Silva AM. O Núcleo de Apoio à Saúde da Família em Goiânia (GO): percepções dos profissionais e gestores. Saúde debate. 2016; 40(110):95-106.

40 Macedo MAV, Ximenes-Guimarães JM, Sampaio JJC, et al. Análise do processo de trabalho no núcleo de apoio à saúde da família em município do nordeste brasileiro. Rev. Gerenc. Polít. Salud. 2016; 15(30):194-211.

41 Nakamura CL, Leite SN. A construção do processo de trabalho no Núcleo de Apoio à Saúde da Família: a experiência dos farmacêuticos em um município do sul do Brasil. Ciênc. Saúde Colet. 2016; 21(5):1565-1572.
-4242 Reis ML, Medeiros M, Pacheco LR, et al. Avaliação do trabalho multiprofissional do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (Nasf). Texto Contexto Enferm. 2016; 25(1):e2810014. que o apoio matricial é compreendido de diferentes formas pelas equipes dos Núcleos, assim como pelas eSF e gestores.

A análise global dos manuscritos1616 Sampaio J, Souza CSM, Marcolino EC, et al. O Nasf como dispositivo da gestão: limites e possibilidades. Rev. Bras. Ciênc. Saúde. 2012; 16(3):317-324.,2121 Leite DC, Andrade AB, Bosi ML. A inserção da Psicologia nos Núcleos de Apoio à Saúde da Família. Physis (Rio J.). 2013; 23(4):1167-1187.,2323 Sampaio J, Martiniano CS, Rocha AMO, et al. Núcleo de Apoio à Saúde da Família: Refletindo sobre Acepções Emergentes da Prática. Rev. Bras. Ciênc. Saúde. 2013; 17(1):47-54.,2828 Gonçalves RMA, Lancman S, Sznelwar LI, et al. Estudo do trabalho em Núcleos de Apoio à Saúde da Família (Nasf), São Paulo, Brasil. Rev. Bra. Saúde Ocup. 2015; 40(131):59-74.,3434 Barros JO, Gonçalves RMA, Kaltner RP, et al. Estratégia do apoio matricial: a experiência de duas equipes do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (Nasf) da cidade de São Paulo, Brasil. Ciênc. Saúde Colet. 2015; 20(9):2847-2856. sinaliza para a ausência de informações ministeriais mais precisas sobre o modo de atuar do Nasf-AB. Além disso, pesquisador55 Tesser CD. Núcleos de Apoio à Saúde da Família, seus potenciais e entraves: uma interpretação a partir da atenção primária à saúde. Interface (Botucatu) [internet]; 2017 [acesso em 2017 jun 11]; 21(62):565-578. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/icse/v21n62/1807-5762-icse-1807-576220150939.pdf.
http://www.scielo.br/pdf/icse/v21n62/180...
da área também menciona que o matriciamento realizado pelo Nasf-AB não é bem definido, o que abriu precedente para a polarização das discussões nesse âmbito, com alguns pesquisadores/gestores da área defendendo que o matriciamento dos Núcleos se esgota no apoio técnico-pedagógico, enquanto outros argumentam que o apoio clínico-assistencial também faz parte das atribuições do Nasf-AB.

O conjunto de artigos que compuseram a revisão indica a realização do apoio matricial de três modos diferenciados: predominantemente clínico-assistencial, predominantemente técnico-pedagógico, e, de forma mais escassa, por meio da união das duas práticas anteriores.

O ‘apoio clínico-assistencial’ foi detalhado em alguns estudos1515 Souza SC, Loch MR. Intervenção do profissional de educação física nos Núcleos de Apoio à Saúde da Família em municípios do norte do Paraná. Rev. Bras. Ativ. Fís. Saúde. 2012; 16(1):5-10.,2020 Costa LS, Alcântara LM, Alves RS, et al. A prática do fonoaudiólogo nos Núcleos de Apoio à Saúde da Família em municípios paraibanos. Codas. 2013; 25(4):381-387.,2424 Hori AA, Nascimento AF. O Projeto Terapêutico Singular e as práticas de saúde mental nos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (Nasf) em Guarulhos (SP), Brasil. Ciênc. Saúde Colet. 2014; 19(8):3561-3571.,2727 Rodrigues DCM, Bosi MLM. O lugar do nutricionista nos Núcleos de Apoio à Saúde da Família. Rev Nutr PUCCAMP. 2014; 27(6):735-746.,3131 Cela M, Oliveira IF. O psicólogo no Núcleo de Apoio à Saúde da Família: articulação de saberes e ações. Estud. Psicol. (Natal). 2015; 20(1):31-39.,3232 Sousa D, Oliveira IF, Costa ALF. Entre o especialismo e o apoio: psicólogos no Núcleo de Apoio à Saúde da Família. Psicol. USP 2015; 26(3)474-483. como principal atividade demandada e realizada pelos profissionais do Nasf-AB. Essas pesquisas afirmam que o apoio realizado pelos Núcleos está centrado em atendimentos, geralmente, individuais, sob demanda patológica, com características curativistas e de reabilitação.

As atividades coletivas do Nasf-AB, realizadas com foco na promoção da saúde e prevenção de doenças, totalizam um número pequeno de ações quando comparadas aos atendimentos individuais. Além disso, na maioria das vezes, ocorrerem de maneira fragmentada, com caráter prescritivo e a partir do núcleo de saber de uma única profissão1515 Souza SC, Loch MR. Intervenção do profissional de educação física nos Núcleos de Apoio à Saúde da Família em municípios do norte do Paraná. Rev. Bras. Ativ. Fís. Saúde. 2012; 16(1):5-10.,1717 Lancman S, Gonçalves RMA, Cordone NG, et al. Estudo do trabalho e do trabalhar no Núcleo de Apoio à Saúde da Família. Rev. Saúde Pública. 2013; 47(5):968-975.,2020 Costa LS, Alcântara LM, Alves RS, et al. A prática do fonoaudiólogo nos Núcleos de Apoio à Saúde da Família em municípios paraibanos. Codas. 2013; 25(4):381-387., caracterizando um fazer em saúde com pouca proximidade daquele proposto no arcabouço teórico que orienta a atuação do Nasf-AB.

Em relação ao ‘apoio técnico-pedagógico’, um estudo2121 Leite DC, Andrade AB, Bosi ML. A inserção da Psicologia nos Núcleos de Apoio à Saúde da Família. Physis (Rio J.). 2013; 23(4):1167-1187. realizado com psicólogos do Ceará demostrou que estes praticam, predominantemente, o matriciamento ao pautarem suas ações no apoio, no suporte e na orientação às eSF e mediante parcerias intersetoriais. Em conjunto com a ESF, o Nasf-AB toma conhecimento da realidade de determinado território e dos problemas mais frequentes, a fim de direcionar suas ações a partir da demanda das equipes generalistas - eSF3535 Santana JS, Azevedo TL, Reichert APS, et al. Núcleo de apoio a saúde da família: atuação da equipe junto à estratégia saúde da família. Rev. Pesqui. Cuid. Fundam. 2015; 7(2):2362-2371.,4141 Nakamura CL, Leite SN. A construção do processo de trabalho no Núcleo de Apoio à Saúde da Família: a experiência dos farmacêuticos em um município do sul do Brasil. Ciênc. Saúde Colet. 2016; 21(5):1565-1572.,4242 Reis ML, Medeiros M, Pacheco LR, et al. Avaliação do trabalho multiprofissional do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (Nasf). Texto Contexto Enferm. 2016; 25(1):e2810014..

Em estudos realizados nas regiões Nordeste2525 Andrade AF, Lima MM, Monteiro NP, et al. Avaliação das ações da Fonoaudiologia no Nasf da cidade do Recife. Audiol. Commun. Res. 2014; 19(1):52-60., Sul2626 Ferro LF, Silva EC, Zimmermann AB, et al. Interdisciplinaridade e intersetorialidade na Estratégia Saúde da Família e no Núcleo de Apoio à Saúde da Família: potencialidades e desafios. Mund. Saúde. 2014; 38(2):129-138.,3030 Hirdes A. A perspectiva dos profissionais da Atenção Primária à Saúde sobre o apoio matricial em saúde mental. Ciênc. Saúde Colet. 2015; 20(2):371-382., Sudeste2929 Soleman C, Martins CL. O trabalho do fonoaudiólogo no núcleo de apoio à saúde da família (Nasf) - especificidades do trabalho em equipe na atenção básica. Rev. CEFAC 2015; 17(4):1241-1253. e Centro-Oeste3737 Raimundi DM, Ferreira FF, Lima FCA, et al. Análise de uma Clínica da Família, visão dos enfermeiros do serviço. Rev. Esc. Enferm. USP. 2016; 50(esp):130-138., também foi possível perceber o apoio matricial como uma estratégia efetiva: à medida que compartilha saberes, promove a interdisciplinaridade/intersetorialidade e contribui para a elaboração de Planos Terapêuticos Singulares (PTS), mediante utilização das diferentes áreas do conhecimento com a finalidade de apoiar os serviços da AB. Esse processo possibilita o atendimento integral aos coletivos em seus territórios99 Castro CP, Oliveira MM, Campos GWS. Apoio Matricial no SUS Campinas: análise da consolidação de uma prática interprofissional na rede de saúde. Ciênc. Saúde Colet. 2016; 21(5):1625-1636.,3434 Barros JO, Gonçalves RMA, Kaltner RP, et al. Estratégia do apoio matricial: a experiência de duas equipes do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (Nasf) da cidade de São Paulo, Brasil. Ciênc. Saúde Colet. 2015; 20(9):2847-2856..

A realização do matriciamento a partir do exercício simultâneo do apoio clínico-assistencial e do apoio técnico-pedagógico apareceu em alguns estudos1717 Lancman S, Gonçalves RMA, Cordone NG, et al. Estudo do trabalho e do trabalhar no Núcleo de Apoio à Saúde da Família. Rev. Saúde Pública. 2013; 47(5):968-975.,2121 Leite DC, Andrade AB, Bosi ML. A inserção da Psicologia nos Núcleos de Apoio à Saúde da Família. Physis (Rio J.). 2013; 23(4):1167-1187.,2525 Andrade AF, Lima MM, Monteiro NP, et al. Avaliação das ações da Fonoaudiologia no Nasf da cidade do Recife. Audiol. Commun. Res. 2014; 19(1):52-60.,2828 Gonçalves RMA, Lancman S, Sznelwar LI, et al. Estudo do trabalho em Núcleos de Apoio à Saúde da Família (Nasf), São Paulo, Brasil. Rev. Bra. Saúde Ocup. 2015; 40(131):59-74.,3333 Volponi PRR, Garanhani ML, Carvalho BG. Núcleo de Apoio à Saúde da Família: potencialidades como dispositivo de mudança na Atenção Básica em saúde. Saúde debate. 2015; 39(esp):221-231.,4040 Macedo MAV, Ximenes-Guimarães JM, Sampaio JJC, et al. Análise do processo de trabalho no núcleo de apoio à saúde da família em município do nordeste brasileiro. Rev. Gerenc. Polít. Salud. 2016; 15(30):194-211. como prática natural e recorrente do Nasf, indo ao encontro do que é preconizado pelas normativas oficiais para o Nasf11 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão das diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União. 22 Set 2017.,44 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Cadernos de Atenção Básica [internet]. Ministério da Saúde: [acesso em 2017 mar 15] 2014; 39. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/nucleo_apoio_saude_familia_cab39.pdf.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
. Diante disso, pode-se perceber que o modo como se conduz o matriciamento decorre, muitas vezes, da própria maturidade dos profissionais que compõem os Núcleos, dos trabalhadores das eSF e dos gestores.

Pesquisadores2020 Costa LS, Alcântara LM, Alves RS, et al. A prática do fonoaudiólogo nos Núcleos de Apoio à Saúde da Família em municípios paraibanos. Codas. 2013; 25(4):381-387.,2626 Ferro LF, Silva EC, Zimmermann AB, et al. Interdisciplinaridade e intersetorialidade na Estratégia Saúde da Família e no Núcleo de Apoio à Saúde da Família: potencialidades e desafios. Mund. Saúde. 2014; 38(2):129-138.,3939 Martinez JFN, Silva MS, Silva AM. O Núcleo de Apoio à Saúde da Família em Goiânia (GO): percepções dos profissionais e gestores. Saúde debate. 2016; 40(110):95-106. discorrem que o modo como as atividades dos Núcleos devem se desenvolver está presente no ideário dos profissionais e é defendido, ideologicamente, por eles, entretanto, é pouco aplicado na prática. Essa realidade pode estar relacionada com o número reduzido de equipes de Nasf-AB, com a demanda por assistência dos usuários, com o amplo território adscrito e com a primazia do modelo biomédico e curativista2626 Ferro LF, Silva EC, Zimmermann AB, et al. Interdisciplinaridade e intersetorialidade na Estratégia Saúde da Família e no Núcleo de Apoio à Saúde da Família: potencialidades e desafios. Mund. Saúde. 2014; 38(2):129-138.,3939 Martinez JFN, Silva MS, Silva AM. O Núcleo de Apoio à Saúde da Família em Goiânia (GO): percepções dos profissionais e gestores. Saúde debate. 2016; 40(110):95-106.,4040 Macedo MAV, Ximenes-Guimarães JM, Sampaio JJC, et al. Análise do processo de trabalho no núcleo de apoio à saúde da família em município do nordeste brasileiro. Rev. Gerenc. Polít. Salud. 2016; 15(30):194-211..

Em estudos1616 Sampaio J, Souza CSM, Marcolino EC, et al. O Nasf como dispositivo da gestão: limites e possibilidades. Rev. Bras. Ciênc. Saúde. 2012; 16(3):317-324.,3232 Sousa D, Oliveira IF, Costa ALF. Entre o especialismo e o apoio: psicólogos no Núcleo de Apoio à Saúde da Família. Psicol. USP 2015; 26(3)474-483. realizados em dois municípios da região Nordeste, foi possível observar que a iniciativa de definir o cuidado especializado como principal estratégia de matriciamento às eSF não partiu da equipe do Nasf-AB, e sim por orientação direta da gestão municipal ou coordenação dos serviços, em resposta à grande demanda da população por atendimento especializado.

Outras pesquisas realizadas na região Nordeste4040 Macedo MAV, Ximenes-Guimarães JM, Sampaio JJC, et al. Análise do processo de trabalho no núcleo de apoio à saúde da família em município do nordeste brasileiro. Rev. Gerenc. Polít. Salud. 2016; 15(30):194-211., Sul2626 Ferro LF, Silva EC, Zimmermann AB, et al. Interdisciplinaridade e intersetorialidade na Estratégia Saúde da Família e no Núcleo de Apoio à Saúde da Família: potencialidades e desafios. Mund. Saúde. 2014; 38(2):129-138.,4141 Nakamura CL, Leite SN. A construção do processo de trabalho no Núcleo de Apoio à Saúde da Família: a experiência dos farmacêuticos em um município do sul do Brasil. Ciênc. Saúde Colet. 2016; 21(5):1565-1572. e Sudeste3636 Nascimento DDG, Oliveira MAC. Análise do sofrimento no trabalho em Núcleos de Apoio à Saúde da Família. Rev. Esc. Enferm. USP. 2016; 50(5):848-854. apontam a falta de compreensão por parte da gestão e eSF quanto às reais funções do Nasf-AB, o que pode resultar na restrição das atividades desses profissionais ao atendimento individual e na resistência e pouca integração entre apoiador e eSF1919 Souza FLD, Chacur EP, Rabelo MRG, et al. Implantação do Núcleo de Apoio à Saúde da Família: percepção do usuário. Saúde debate. 2013; 37(97):233-240.,2626 Ferro LF, Silva EC, Zimmermann AB, et al. Interdisciplinaridade e intersetorialidade na Estratégia Saúde da Família e no Núcleo de Apoio à Saúde da Família: potencialidades e desafios. Mund. Saúde. 2014; 38(2):129-138.,3131 Cela M, Oliveira IF. O psicólogo no Núcleo de Apoio à Saúde da Família: articulação de saberes e ações. Estud. Psicol. (Natal). 2015; 20(1):31-39.. Profissionais de psicologia, por exemplo, revelam dificuldades relacionadas com a demarcação de seu papel específico no Nasf-AB e a necessidade de maior tempo nas eSF, semanalmente2121 Leite DC, Andrade AB, Bosi ML. A inserção da Psicologia nos Núcleos de Apoio à Saúde da Família. Physis (Rio J.). 2013; 23(4):1167-1187..

Observou-se um quantitativo expressivo de manuscritos que criticaram o privilégio dado ao apoio clínico-assistencial, principalmente, por meio do atendimento individual, no Nasf-AB1616 Sampaio J, Souza CSM, Marcolino EC, et al. O Nasf como dispositivo da gestão: limites e possibilidades. Rev. Bras. Ciênc. Saúde. 2012; 16(3):317-324.,2020 Costa LS, Alcântara LM, Alves RS, et al. A prática do fonoaudiólogo nos Núcleos de Apoio à Saúde da Família em municípios paraibanos. Codas. 2013; 25(4):381-387.,2626 Ferro LF, Silva EC, Zimmermann AB, et al. Interdisciplinaridade e intersetorialidade na Estratégia Saúde da Família e no Núcleo de Apoio à Saúde da Família: potencialidades e desafios. Mund. Saúde. 2014; 38(2):129-138.,3232 Sousa D, Oliveira IF, Costa ALF. Entre o especialismo e o apoio: psicólogos no Núcleo de Apoio à Saúde da Família. Psicol. USP 2015; 26(3)474-483.,3636 Nascimento DDG, Oliveira MAC. Análise do sofrimento no trabalho em Núcleos de Apoio à Saúde da Família. Rev. Esc. Enferm. USP. 2016; 50(5):848-854.. Em outros estudos2727 Rodrigues DCM, Bosi MLM. O lugar do nutricionista nos Núcleos de Apoio à Saúde da Família. Rev Nutr PUCCAMP. 2014; 27(6):735-746.,2828 Gonçalves RMA, Lancman S, Sznelwar LI, et al. Estudo do trabalho em Núcleos de Apoio à Saúde da Família (Nasf), São Paulo, Brasil. Rev. Bra. Saúde Ocup. 2015; 40(131):59-74. isso é justificado, inclusive, por conta da demanda da comunidade por assistência individual.

Nos estudos selecionados, pouco se encontra sobre a aplicação do PTS e outras práticas coletivas entre Saúde da Família/ESF e Nasf-AB, o que sugere a falta de produção de saberes e itinerários terapêuticos compartilhados, a subvalorização das reuniões de planejamento em conjunto, a supervalorização do conhecimento técnico nucleado e a preferência por atendimentos individuais sob a demanda patológica. Dessa forma, a lógica dos encaminhamentos se mantém, o que foge dos preceitos de interdisciplinaridade, corresponsabilização e atendimento compartilhado do núcleo1515 Souza SC, Loch MR. Intervenção do profissional de educação física nos Núcleos de Apoio à Saúde da Família em municípios do norte do Paraná. Rev. Bras. Ativ. Fís. Saúde. 2012; 16(1):5-10.,2626 Ferro LF, Silva EC, Zimmermann AB, et al. Interdisciplinaridade e intersetorialidade na Estratégia Saúde da Família e no Núcleo de Apoio à Saúde da Família: potencialidades e desafios. Mund. Saúde. 2014; 38(2):129-138.,3131 Cela M, Oliveira IF. O psicólogo no Núcleo de Apoio à Saúde da Família: articulação de saberes e ações. Estud. Psicol. (Natal). 2015; 20(1):31-39.,3232 Sousa D, Oliveira IF, Costa ALF. Entre o especialismo e o apoio: psicólogos no Núcleo de Apoio à Saúde da Família. Psicol. USP 2015; 26(3)474-483., bem como fragiliza o modelo provocado pela implantação do trabalho em RAS.

Importa mencionar que o apoio matricial, decorrente de uma iniciativa de atenção especializada (com foco assistencial), não se configura como um obstáculo a ser superado pela equipe do Nasf-AB, justamente, porque compõe seu arsenal de atribuições44 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Cadernos de Atenção Básica [internet]. Ministério da Saúde: [acesso em 2017 mar 15] 2014; 39. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/nucleo_apoio_saude_familia_cab39.pdf.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
. É preciso que o cuidado especializado seja ressignificado, tendo sua operacionalização em concordância aos seus pressupostos teóricos e mediante comprometimento dos profissionais dos Núcleos, das eSF e da gestão. O apoio clínico-assistencial é inerente à atuação do Nasf-AB, no entanto, deve ser articulado às outras estratégias de atuação, como o apoio técnico-pedagógico, pois, se realizado de modo isolado, é incapaz de garantir os objetivos apresentados pelo programa.

Estudos mostram que tal perspectiva vem sendo adotada pelo trabalho dos Núcleos em algumas regiões, nas quais os trabalhadores buscam atender à demanda de usuários e coletividades de maneira integral, promover a compreensão dos sujeitos (gestores, profissionais da ESF e usuários) sobre as ações desenvolvidas pelo Nasf-AB2121 Leite DC, Andrade AB, Bosi ML. A inserção da Psicologia nos Núcleos de Apoio à Saúde da Família. Physis (Rio J.). 2013; 23(4):1167-1187.,2626 Ferro LF, Silva EC, Zimmermann AB, et al. Interdisciplinaridade e intersetorialidade na Estratégia Saúde da Família e no Núcleo de Apoio à Saúde da Família: potencialidades e desafios. Mund. Saúde. 2014; 38(2):129-138..

Experiências do Nordeste demonstram que, apesar das dificuldades no compartilhamento das atividades entre Nasf-AB e ESF, foi possível realizar práticas de atenção do Nasf-AB pautadas em visitas domiciliares, atividades preventivas e promoção da saúde, com articulação de equipamentos sociais, atendimentos conjuntos e intervenções coletivas2121 Leite DC, Andrade AB, Bosi ML. A inserção da Psicologia nos Núcleos de Apoio à Saúde da Família. Physis (Rio J.). 2013; 23(4):1167-1187.,2525 Andrade AF, Lima MM, Monteiro NP, et al. Avaliação das ações da Fonoaudiologia no Nasf da cidade do Recife. Audiol. Commun. Res. 2014; 19(1):52-60..

Observa-se que as dificuldades para a efetivação do trabalho do Nasf-AB estão relacionadas, principalmente, com a realização do matriciamento distante da realidade de cada território, com a criação de vínculos entre ESF e Nasf-AB3535 Santana JS, Azevedo TL, Reichert APS, et al. Núcleo de apoio a saúde da família: atuação da equipe junto à estratégia saúde da família. Rev. Pesqui. Cuid. Fundam. 2015; 7(2):2362-2371., com a falta de compreensão sobre como opera o programa, com a escassez de insumos (falta de computadores, falhas no acesso à internet, impressora, carro, motorista, entre outros) e quantitativo inadequados de profissionais1818 Souza MC, Bomfim AL, Souza JN, et al. Fisioterapia e Núcleo de Apoio à Saúde da Família: conhecimento, ferramentas e desafios. Mund. Saúde. 2013; 37(2):176-218.,3939 Martinez JFN, Silva MS, Silva AM. O Núcleo de Apoio à Saúde da Família em Goiânia (GO): percepções dos profissionais e gestores. Saúde debate. 2016; 40(110):95-106..

Além disso, a maneira como o Nasf-AB opera também tem relação com os processos de formação dos profissionais que compõem a equipe. Em pesquisas realizadas com profissionais de fonoaudiologia2222 Fernandes TL, Nascimento CMB, Sousa FOS. Análise das atribuições dos fonoaudiólogos do Nasf em municípios da região metropolitana do Recife. Rev CEFAC. 2013; 15(1):153-159. e com a equipe multiprofissional do Nasf-AB4040 Macedo MAV, Ximenes-Guimarães JM, Sampaio JJC, et al. Análise do processo de trabalho no núcleo de apoio à saúde da família em município do nordeste brasileiro. Rev. Gerenc. Polít. Salud. 2016; 15(30):194-211.

41 Nakamura CL, Leite SN. A construção do processo de trabalho no Núcleo de Apoio à Saúde da Família: a experiência dos farmacêuticos em um município do sul do Brasil. Ciênc. Saúde Colet. 2016; 21(5):1565-1572.
-4242 Reis ML, Medeiros M, Pacheco LR, et al. Avaliação do trabalho multiprofissional do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (Nasf). Texto Contexto Enferm. 2016; 25(1):e2810014., percebeu-se que os aspectos de formação dos profissionais influenciam na qualidade do atendimento. Notou-se que a partir da reformulação de Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos da área saúde, os profissionais emergiam com uma visão mais interdisciplinar e ampliada sobre a saúde coletiva.

A análise da literatura também permite defender que, independentemente do modo como as equipes desenvolvem o matriciamento, as contribuições do Nasf-AB se configuram como um dispositivo de mudança, o qual instiga o repensar dos profissionais, o fortalecimento de vínculos e a coparticipação e corresponsabilização no fazer, no âmbito da AB3333 Volponi PRR, Garanhani ML, Carvalho BG. Núcleo de Apoio à Saúde da Família: potencialidades como dispositivo de mudança na Atenção Básica em saúde. Saúde debate. 2015; 39(esp):221-231.,3737 Raimundi DM, Ferreira FF, Lima FCA, et al. Análise de uma Clínica da Família, visão dos enfermeiros do serviço. Rev. Esc. Enferm. USP. 2016; 50(esp):130-138.,3838 Ribeiro MDA, Bezzera EMA, Costa MS, et al. Avaliação da atuação do Núcleo de Apoio à Saúde da Família. Rev. Bras. Promoç. Saúde. 2014; 27(2):224-231..

Além disso, notou-se em estudos2626 Ferro LF, Silva EC, Zimmermann AB, et al. Interdisciplinaridade e intersetorialidade na Estratégia Saúde da Família e no Núcleo de Apoio à Saúde da Família: potencialidades e desafios. Mund. Saúde. 2014; 38(2):129-138.,3939 Martinez JFN, Silva MS, Silva AM. O Núcleo de Apoio à Saúde da Família em Goiânia (GO): percepções dos profissionais e gestores. Saúde debate. 2016; 40(110):95-106. que a perspectiva de alguns profissionais dos Núcleos é de que, futuramente, as eSF estejam estruturadas na lógica do Nasf-AB, com maior incorporação de referenciais teóricos norteadores dessa política, os quais apontam para ações de cuidado integral, coletivo e para a promoção da saúde e prevenção de doenças e agravos.

Considerações finais

Apesar de a lógica do Nasf-AB exigir percepção mais ampliada sobre as práticas de atenção à saúde e, muitas vezes, desafiar os profissionais para uma atuação que vai além do cuidado médico centrado e curativista, a literatura demonstra que essa estratégia de apoio/assistência compartilhada com as eSF está sendo, gradativamente, incorporada e valorizada pelos trabalhadores da AB.

Os estudos mostram que o Núcleo vem pautando sua atuação em atividades técnico-pedagógicas, com o foco para o apoio matricial às eSF, e clínico-assistenciais, votadas para indivíduos e coletivos. O apoio matricial é compreendido de diferentes formas pelos profissionais do Nasf-AB, ESF e gestores, de acordo com a sua maturidade e concepções sobre o que é o matriciamento. A escassez de informações ministeriais mais precisas sobre o modo como as equipes devem atuar e a carência de estratégias de educação continuada e permanente podem ser considerados agravantes nesse processo.

O discurso sobre o modo como as atividades devem ser desenvolvidas está presente no ideário dos profissionais, porém as práticas de atenção à saúde mostram que existe uma distância considerável entre o saber e o fazer. Assim, o suporte clínico-assistencial do Nasf-AB é desenvolvido a partir das demandas da população por atendimento especializado, em contraponto à diretriz de servir como apoio, oferecendo cuidado compartilhado, clínica ampliada, executando a cogestão e compartilhando responsabilidades com as eSF.

O Nasf-AB é reconhecido como um dispositivo de mudança que promove o repensar profissional, independentemente de como as equipes desenvolvem suas práticas de atenção, porque favorece a instituição de vínculos e a coparticipação nas ações cotidianas de atenção à saúde (longitudinalidade), além de implicar na resolubilidade da AB. Entretanto, faz-se necessário estabelecer um equilíbrio entre as práticas clínico-assistenciais e técnico-pedagógicas que têm orientado o trabalho dos profissionais do Nasf-AB, a fim de prevenir que essa equipe absorva e mascare os problemas da falta de resolutividade da AB, emergindo como um novo dispositivo com resoluções paliativas, que não se centra no fortalecimento efetivo dos generalistas.

A revisão integrativa, como método de escolha para o desenvolvimento do presente estudo, favoreceu a construção de um panorama da atuação dos Núcleos, apesar do limite da seleção de um único termo para a busca dos estudos e do próprio método, que não capturou todo o universo de estudos sobre a temática. Ainda assim, a pesquisa contribui para a compreensão sobre os modos de atuação do Nasf-AB, favorecendo a reflexão sobre a importância da incorporação de metodologias e práticas educativas e solidárias para avançar na resolutividade do cuidado na AB.

  • Suporte financeiro: não houve

Referências

  • 1
    Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão das diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União. 22 Set 2017.
  • 2
    Tesser CD, Norman AH. Repensando o acesso ao cuidado na Estratégia Saúde da Família. Saúde Soc. 2014; 23(3):869-883.
  • 3
    Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM nº 154 de 24 de janeiro de 2008. Cria os núcleos de Apoio à Saúde da Família - Nasf. Diário Oficial da União. 25 Jan 2008.
  • 4
    Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Cadernos de Atenção Básica [internet]. Ministério da Saúde: [acesso em 2017 mar 15] 2014; 39. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/nucleo_apoio_saude_familia_cab39.pdf
    » http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/nucleo_apoio_saude_familia_cab39.pdf
  • 5
    Tesser CD. Núcleos de Apoio à Saúde da Família, seus potenciais e entraves: uma interpretação a partir da atenção primária à saúde. Interface (Botucatu) [internet]; 2017 [acesso em 2017 jun 11]; 21(62):565-578. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/icse/v21n62/1807-5762-icse-1807-576220150939.pdf
    » http://www.scielo.br/pdf/icse/v21n62/1807-5762-icse-1807-576220150939.pdf
  • 6
    Ganong LH. Integrative reviews of nursing research. Rev Nurs Health. 1987; 10(1):1-11.
  • 7
    Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec; 2014.
  • 8
    Gastão WSC, Figueiredo MD, Pereira Júnior N, et al. A aplicação da metodologia Paideia no apoio institucional, no apoio matricial e na clínica ampliada. Interface (Botucatu) 2014; 18(supl1):983-995.
  • 9
    Castro CP, Oliveira MM, Campos GWS. Apoio Matricial no SUS Campinas: análise da consolidação de uma prática interprofissional na rede de saúde. Ciênc. Saúde Colet. 2016; 21(5):1625-1636.
  • 10
    Campos GWS, Cunha GT, Figueiredo MD. Práxis e Formação Paideia: apoio e cogestão em saúde. São Paulo: Hucitec; 2013.
  • 11
    Moura RH, Luzio CA. O apoio institucional como uma das faces da função apoio no Núcleo de Apoio à Saúde da Família (Nasf): para além das diretrizes. Interface (Botucatu) 2014; 18(supl1):957-970.
  • 12
    Patrocínio SSSM, Machado CV, Fausto MCR. Núcleo de Apoio à Saúde da Família: proposta nacional e implementação em municípios do Rio de Janeiro. Saúde debate 2015; 39(esp):105-119.
  • 13
    Oliveira MM, Campos GWS. Apoios matricial e institucional: analisando suas construções. Ciênc. Saúde Colet. 2015; 20(1):229-238.
  • 14
    Brasil. Departamento de Atenção Básica. Sala de Apoio à Gestão estratégica [internet]. 2009 [acesso em 2017 jun 20]. Disponível em: http://sage.saude.gov.br/
    » http://sage.saude.gov.br/
  • 15
    Souza SC, Loch MR. Intervenção do profissional de educação física nos Núcleos de Apoio à Saúde da Família em municípios do norte do Paraná. Rev. Bras. Ativ. Fís. Saúde. 2012; 16(1):5-10.
  • 16
    Sampaio J, Souza CSM, Marcolino EC, et al. O Nasf como dispositivo da gestão: limites e possibilidades. Rev. Bras. Ciênc. Saúde. 2012; 16(3):317-324.
  • 17
    Lancman S, Gonçalves RMA, Cordone NG, et al. Estudo do trabalho e do trabalhar no Núcleo de Apoio à Saúde da Família. Rev. Saúde Pública. 2013; 47(5):968-975.
  • 18
    Souza MC, Bomfim AL, Souza JN, et al. Fisioterapia e Núcleo de Apoio à Saúde da Família: conhecimento, ferramentas e desafios. Mund. Saúde. 2013; 37(2):176-218.
  • 19
    Souza FLD, Chacur EP, Rabelo MRG, et al. Implantação do Núcleo de Apoio à Saúde da Família: percepção do usuário. Saúde debate. 2013; 37(97):233-240.
  • 20
    Costa LS, Alcântara LM, Alves RS, et al. A prática do fonoaudiólogo nos Núcleos de Apoio à Saúde da Família em municípios paraibanos. Codas. 2013; 25(4):381-387.
  • 21
    Leite DC, Andrade AB, Bosi ML. A inserção da Psicologia nos Núcleos de Apoio à Saúde da Família. Physis (Rio J.). 2013; 23(4):1167-1187.
  • 22
    Fernandes TL, Nascimento CMB, Sousa FOS. Análise das atribuições dos fonoaudiólogos do Nasf em municípios da região metropolitana do Recife. Rev CEFAC. 2013; 15(1):153-159.
  • 23
    Sampaio J, Martiniano CS, Rocha AMO, et al. Núcleo de Apoio à Saúde da Família: Refletindo sobre Acepções Emergentes da Prática. Rev. Bras. Ciênc. Saúde. 2013; 17(1):47-54.
  • 24
    Hori AA, Nascimento AF. O Projeto Terapêutico Singular e as práticas de saúde mental nos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (Nasf) em Guarulhos (SP), Brasil. Ciênc. Saúde Colet. 2014; 19(8):3561-3571.
  • 25
    Andrade AF, Lima MM, Monteiro NP, et al. Avaliação das ações da Fonoaudiologia no Nasf da cidade do Recife. Audiol. Commun. Res. 2014; 19(1):52-60.
  • 26
    Ferro LF, Silva EC, Zimmermann AB, et al. Interdisciplinaridade e intersetorialidade na Estratégia Saúde da Família e no Núcleo de Apoio à Saúde da Família: potencialidades e desafios. Mund. Saúde. 2014; 38(2):129-138.
  • 27
    Rodrigues DCM, Bosi MLM. O lugar do nutricionista nos Núcleos de Apoio à Saúde da Família. Rev Nutr PUCCAMP. 2014; 27(6):735-746.
  • 28
    Gonçalves RMA, Lancman S, Sznelwar LI, et al. Estudo do trabalho em Núcleos de Apoio à Saúde da Família (Nasf), São Paulo, Brasil. Rev. Bra. Saúde Ocup. 2015; 40(131):59-74.
  • 29
    Soleman C, Martins CL. O trabalho do fonoaudiólogo no núcleo de apoio à saúde da família (Nasf) - especificidades do trabalho em equipe na atenção básica. Rev. CEFAC 2015; 17(4):1241-1253.
  • 30
    Hirdes A. A perspectiva dos profissionais da Atenção Primária à Saúde sobre o apoio matricial em saúde mental. Ciênc. Saúde Colet. 2015; 20(2):371-382.
  • 31
    Cela M, Oliveira IF. O psicólogo no Núcleo de Apoio à Saúde da Família: articulação de saberes e ações. Estud. Psicol. (Natal). 2015; 20(1):31-39.
  • 32
    Sousa D, Oliveira IF, Costa ALF. Entre o especialismo e o apoio: psicólogos no Núcleo de Apoio à Saúde da Família. Psicol. USP 2015; 26(3)474-483.
  • 33
    Volponi PRR, Garanhani ML, Carvalho BG. Núcleo de Apoio à Saúde da Família: potencialidades como dispositivo de mudança na Atenção Básica em saúde. Saúde debate. 2015; 39(esp):221-231.
  • 34
    Barros JO, Gonçalves RMA, Kaltner RP, et al. Estratégia do apoio matricial: a experiência de duas equipes do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (Nasf) da cidade de São Paulo, Brasil. Ciênc. Saúde Colet. 2015; 20(9):2847-2856.
  • 35
    Santana JS, Azevedo TL, Reichert APS, et al. Núcleo de apoio a saúde da família: atuação da equipe junto à estratégia saúde da família. Rev. Pesqui. Cuid. Fundam. 2015; 7(2):2362-2371.
  • 36
    Nascimento DDG, Oliveira MAC. Análise do sofrimento no trabalho em Núcleos de Apoio à Saúde da Família. Rev. Esc. Enferm. USP. 2016; 50(5):848-854.
  • 37
    Raimundi DM, Ferreira FF, Lima FCA, et al. Análise de uma Clínica da Família, visão dos enfermeiros do serviço. Rev. Esc. Enferm. USP. 2016; 50(esp):130-138.
  • 38
    Ribeiro MDA, Bezzera EMA, Costa MS, et al. Avaliação da atuação do Núcleo de Apoio à Saúde da Família. Rev. Bras. Promoç. Saúde. 2014; 27(2):224-231.
  • 39
    Martinez JFN, Silva MS, Silva AM. O Núcleo de Apoio à Saúde da Família em Goiânia (GO): percepções dos profissionais e gestores. Saúde debate. 2016; 40(110):95-106.
  • 40
    Macedo MAV, Ximenes-Guimarães JM, Sampaio JJC, et al. Análise do processo de trabalho no núcleo de apoio à saúde da família em município do nordeste brasileiro. Rev. Gerenc. Polít. Salud. 2016; 15(30):194-211.
  • 41
    Nakamura CL, Leite SN. A construção do processo de trabalho no Núcleo de Apoio à Saúde da Família: a experiência dos farmacêuticos em um município do sul do Brasil. Ciênc. Saúde Colet. 2016; 21(5):1565-1572.
  • 42
    Reis ML, Medeiros M, Pacheco LR, et al. Avaliação do trabalho multiprofissional do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (Nasf). Texto Contexto Enferm. 2016; 25(1):e2810014.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2018

Histórico

  • Recebido
    19 Mar 2018
  • Aceito
    10 Out 2018
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde RJ - Brazil
E-mail: revista@saudeemdebate.org.br