RESUMO
Este estudo teve como objetivo analisar os fatores condicionantes e determinantes na incorporação das proposições de promoção da saúde na agenda governamental do setor saúde do estado da Bahia, no período de 2007 a 2014, reconhecendo a incipiência de estudos que analisam o processo de constituição das agendas governamentais de promoção da saúde. A pesquisa foi teoricamente ancorada no modelo de Fluxos Múltiplos, proposto por Kingdon, que destaca a influência dos participantes ativos e dos fluxos de problemas, de alternativas e político na construção da agenda governamental. Além disso, apoiou-se na teoria de Mário Testa para reconhecer os recursos de poder dos participantes. Foi realizado um estudo de caso único, com investigação em fontes secundárias e realização de entrevistas com informantes-chave. Conclui-se que a constituição da agenda de promoção da saúde do estado da Bahia apoiou-se mais em uma representação simbólica que em uma política a ser perseguida. Reconhece-se que os caminhos que levam às escolhas das alternativas de promoção da saúde não apresentam correspondência com problemas concretos, pautando-se essencialmente no fluxo político que envolvia a situação.
PALAVRAS-CHAVE
Promoção da saúde; Política pública; Agenda de prioridades em saúde
Introdução
A incorporação do tema promoção da saúde na agenda de governos nacionais foi pautada, mais fortemente, a partir da década de 1980, quando o ideário da promoção da saúde assumiu posição de destaque no debate internacional, diante da insuficiência das propostas de enfrentamento dos problemas de saúde a partir do modelo de atenção à saúde hospitalocêntrico11 Carvalho SR. Saúde Coletiva e Promoção da Saúde: sujeito e mudança. 2. ed. São Paulo: Hucitec; 2007.,22 Pellegrini Filho A, Buss PM, Esperidião MA. Promoção da Saúde e seus fundamentos: determinantes sociais da saúde, ação intersetorial e políticas saudáveis. In: Paim JS, Almeida Filho N, organizadors. Saúde coletiva: teoria e prática. Rio de Janeiro: MedBook; 2014. p. 305-326..
Diferentes concepções de promoção da saúde têm sido apresentadas com importantes divergências a respeito de sua natureza. Por um lado, destaca-se a perspectiva de mudança dos hábitos de vida dos indivíduos, com ênfase em riscos comportamentais; por outro, tem-se a melhoria da qualidade de vida e a redução das iniquidades sociais com ênfase em ações intersetoriais11 Carvalho SR. Saúde Coletiva e Promoção da Saúde: sujeito e mudança. 2. ed. São Paulo: Hucitec; 2007.,33 Heidmann ITS, Buss AMCP, Boehs AE, et al. Promoção à saúde: trajetória histórica de suas concepções. Texto Contexto Enferm. 2006 jun; 15(2):352-358..
A literatura tem demonstrado dificuldades na constituição de políticas de promoção da saúde11 Carvalho SR. Saúde Coletiva e Promoção da Saúde: sujeito e mudança. 2. ed. São Paulo: Hucitec; 2007.,44 Kickbusch I. The contribution of the World Health Organization to a new public health and health promotion. American J Public Health. 2003; 93:383-388.,55 Mannheimer LN, Lehto J, Östlin P. Window of opportunity for intersectoral health policy in Sweden - open, half-open or half-shut? Health Promot Int. 2007 [acesso em 2015 jul 15]; 22(4):307-315. Disponível em: http://heapro.oxfordjournals.org/.
http://heapro.oxfordjournals.org/... . Mesmo na experiência canadense, um dos berços das ações desta natureza, evidencia-se que a integração dessas ações nos sistemas de saúde ocorreu de forma pouco expressiva, demonstrando que a promoção da saúde não consegue influenciar, de modo significativo, a reorganização do setor saúde11 Carvalho SR. Saúde Coletiva e Promoção da Saúde: sujeito e mudança. 2. ed. São Paulo: Hucitec; 2007..
Em âmbito internacional, quanto à constituição da agenda governamental de promoção da saúde, um estudo55 Mannheimer LN, Lehto J, Östlin P. Window of opportunity for intersectoral health policy in Sweden - open, half-open or half-shut? Health Promot Int. 2007 [acesso em 2015 jul 15]; 22(4):307-315. Disponível em: http://heapro.oxfordjournals.org/.
http://heapro.oxfordjournals.org/... evidenciou que os atores percebiam os problemas diferentemente, dependendo de sua agenda específica e interesse, e que os políticos e especialistas apresentaram uma grande força na construção da agenda e na formulação da política, estando em acordo quanto aos objetivos políticos. Entretanto, o limitado envolvimento do alto escalão foi reconhecido como ponto de dificuldade para implantar a política, assim como a dificuldade em envolver atores de outros setores políticos, além da saúde.
No Brasil, a Política Nacional de Promoção da Saúde (PNPS) formalizada em 2006, apesar de expressar como objetivo a valorização de macropolíticas com intervenções sobre os determinantes sociais, priorizou ações direcionadas à mudança dos hábitos de vida66 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Política Nacional de Promoção da Saúde. Brasília, DF: MS; 2006.. O tema foi pautado na agenda do estado da Bahia em dois períodos de governo consecutivos, 2008-2011 e 2012-2015. Entretanto, observou-se um distanciamento entre a agenda e a execução das proposições, considerando a apreciação de documentos oficiais, que demonstram uma baixa execução das metas físicas e orçamentárias das ações.
Em revisão da literatura nacional, no período de 2007 a 2017, sobre políticas de promoção da saúde, não se identificou a análise do processo de constituição de agendas governamentais. Alguns estudos incidem sobre o processo de formulação da política, a exemplo do estudo que analisa o processo de construção da Política do Estado de Minas Gerais, destacando os valores e princípios, os fundamentos, as estratégias operacionais para tanto77 Campos DSL, Turci MA, Melo EM, et al. Construção participativa da Política Estadual de Promoção de Saúde: caso de Minas Gerais, Brasil. Ciênc. saúde coletiva. 2017 dez; 22 (12): 3955-3964.. Além disso, identifica-se a apreciação do processo de construção da PNPS, caracterizando contextos, discursos e tensões na trajetória da política88 Malta DC, Morais Neto OL, Silva MMA, et al. Política Nacional de Promoção da Saúde (PNPS): capítulos de uma caminhada ainda em construção. Ciênc Saúde Colet. 2016 jun; 21(6):1683-1694., assim como atores e processos organizacionais e relacionais99 Sá RMPF, Rezende R, Akerman M, et al. Autores-atores e processos organizacionais e relacionais na revisão da Política Nacional de Promoção da Saúde. Ciênc Saúde Colet. 2016 jun; 21(6):1707-1716..
Para além do objeto da promoção da saúde, alguns estudos buscam entender a conformação da agenda política e o papel do Estado e da sociedade nesse processo1010 Capella ACN. O processo da agenda-setting na reforma da administração pública (1995-2002) [tese]. São Carlos: Universidade Federal de São Carlos, Centro de Educação e Ciências Humanas; 2004. 245 p.
11 Pinto ICM. Ascensão e Queda de uma Questão na Agenda Governamental: o caso das Organizações Sociais da Saúde na Bahia [tese]. Salvador: Universidade Federal da Bahia, Núcleo de Pós-Graduação em Administração; 2004. 239 p.
12 Caldas EL. Formação de agendas governamentais locais: o caso dos consórcios intermunicipais [tese]. São Paulo: Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas; 2008. 227 p.-1313 Gomide AA. Agenda Governamental e Formulação de Políticas Públicas: o projeto de lei de diretrizes da política nacional de mobilidade urbana. Brasília, DF: Ipea; 2008 [acesso em 2014 jan 20]. Disponível em: www.ipea.gov.br/sites/000/2/publicacoes/tds/td_1334.pdf.
www.ipea.gov.br/sites/000/2/publicacoes/... . Estes estudos partem do pressuposto que discutir como os problemas são conceituados no processo de formação da agenda de um governo e a maneira pela qual as alternativas são apresentadas e selecionadas são questões fundamentais para a compreensão da dinâmica da ação estatal.
Diante da importância de analisar o processo de constituição da agenda governamental, de forma a identificar elementos que possam favorecer a concretização das políticas, especialmente no que se refere a um objeto de ação com a complexidade da promoção da saúde, justifica-se este estudo, cujo objetivo foi analisar a incorporação dessas proposições na agenda governamental do setor saúde no estado da Bahia no período de 2007 a 2014.
Material e métodos
Foi realizado um estudo de caso sobre o processo de inclusão de proposições de promoção da saúde na agenda governamental do âmbito estadual. A unidade de análise foi a Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab); e o período selecionado justifica-se pela inclusão de ações de promoção da saúde nos planos estaduais de saúde em um cenário de continuidade administrativa (2008-2011 e 2012-2015).
Foram utilizados os elementos teóricos do ciclo das políticas públicas, especificamente o modelo analítico proposto por Kingdon1414 Kingdon JW. Agendas, Alternatives, and Public Policies. New York: HarperCollins; 2003., para o processo de construção da agenda pública que tem como base a caracterização dos participantes que influenciaram o processo de definição da agenda, dos fluxos dos problemas e das alternativas e do fluxo político que sustentou o processo, conforme matriz de análise (quadro 1). O Plano Estadual de Saúde (PES) foi o documento reconhecido neste estudo como agenda governamental do setor saúde.
A agenda governamental (ou de decisão) corresponde à lista de assuntos ou problemas que os agentes governamentais e não governamentais focalizam em um dado tempo e é alvo de ação do governo1414 Kingdon JW. Agendas, Alternatives, and Public Policies. New York: HarperCollins; 2003..
Visto que Kingdon1414 Kingdon JW. Agendas, Alternatives, and Public Policies. New York: HarperCollins; 2003., ao analisar a capacidade de intervenção dos participantes, não explora a possibilidade de o ator transitar em diferentes espaços, desenvolvendo relações de poder que vão além da sua posição no processo de constituição da agenda, utilizou-se a análise da tipologia do poder1515 Testa M. Estrategia, coherencia y poder en las propuestas de salud: Cuadernos Médico Sociales. Rosario: Centro de Estudios Sanitarios y Sociales; 1986. proposta por Testa, de forma a reconhecer os diversos recursos manejados pelos atores que participam do processo, devido à posição que ocupam e à sua trajetória. Foram utilizadas três categorias para a análise do poder: técnico, administrativo e político, partindo da apreciação da trajetória dos entrevistados, conforme critérios e classificação caracterizados no quadro 2.
Critérios para apreciação dos recursos de poder dos atores envolvidos na constituição da agenda de promoção da saúde na Secretaria Estadual de Saúde (SES)
A coleta de dados envolveu a análise documental e a realização de 12 entrevistas. Foram analisados documentos oficiais de gestão e documentos resultantes de ações de mobilização sociopolítica desenvolvidas pela Sesab e por outras instâncias afins que apresentaram ideias que sustentaram ou contestaram a agenda de promoção da saúde. Foram entrevistados todos os envolvidos no processo de construção da agenda, utilizando-se a técnica Snow Ball1616 Patton M. Qualitative evaluation and research methods. Beverly Hills, CA: Sage; 1990., quais sejam: o secretário de saúde, os superintendentes, os diretores e os técnicos da Sesab, além dos representantes do Conselho Estadual Saúde (CES), tendo em vista sua importância na formulação da Política de Saúde. Foram utilizados roteiros semiestruturados, sendo que os extratos das fontes de coleta foram classificados com o auxílio do software QSR Nvivo. Os dados foram cotejados segundo as categorias analíticas de investigação, procedendo-se a triangulação entre as fontes de evidência.
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (UFBA), sob o parecer 34772314.7.0000.5030.
Resultados e discussão
Fluxo dos problemas e alternativas
O tema promoção da saúde foi apresentado de forma explícita como prioridade desde o Programa de Governo, apresentado durante a eleição estadual de 2007, indicando elementos que expressam uma concepção ampliada, valorizando a articulação intersetorial para a melhoria das condições de saúde com foco nos determinantes socioambientais, assim como incidindo sobre os eixos prioritários da PNPS. A construção do Programa teve a participação do secretário de saúde e do assessor de planejamento.
O processo de definição das prioridades da Sesab para o PES 2008-2011 partiu de um conjunto de problemas e demandas levantados pela própria organização, mediante o levantamento de informações epidemiológicas, a realização de oficinas regionais de identificação e priorização de problemas de saúde, com a participação de representantes da sociedade civil e da gestão estadual e municipal e a realização da VII Conferência Estadual de Saúde, conforme expressado no próprio documento e corroborado pelas entrevistas. O PES também incluiu demandas sociais levantadas nas diversas regiões do estado, consolidadas no Plano Plurianual de Governo denominado de PPA participativo.
O PES 2008-20111717 Salvador. Secretaria da Saúde do Estado da Bahia. Plano Estadual de Saúde (Gestão 2007-2011). Rev Baiana Saúde Pública. 2009; 33(supl.1). explicitou o consolidado de problemas de saúde, sendo que alguns remetiam, implicitamente, à necessidade de intervenções de promoção da saúde, a saber: 'elevada prevalência de doenças crônicas degenerativas e cardiovasculares', 'elevado índice de causas externas', 'baixa efetividade do controle social' e 'baixa cobertura e resolutividade da atenção básica'. Não foram identificados problemas de natureza socioambiental, o que pode estar relacionado com a ausência de discussão sobre determinantes sociais da saúde.
Quanto às intervenções propostas, o PES 2008-2011 foi estruturado segundo linhas de ação com objetivos, ações estratégicas, responsáveis e metas correspondentes. Uma das linhas de ação era 'Promoção da Saúde, Intersetorialidade e Proteção da Sociedade', e desdobrava-se em dois objetivos: promover ações intersetoriais para a consolidação de políticas públicas saudáveis com vistas à promoção da saúde e promover ações intersetoriais para consolidar as políticas públicas de promoção de hábitos de vida saudáveis, segurança alimentar e proteção da sociedade1717 Salvador. Secretaria da Saúde do Estado da Bahia. Plano Estadual de Saúde (Gestão 2007-2011). Rev Baiana Saúde Pública. 2009; 33(supl.1).. Apesar da limitação no reconhecimento de problemas sociais e ambientais, as proposições priorizavam políticas públicas saudáveis em atenção a alguns determinantes sociais da saúde.
A Superintendência de Vigilância à Saúde (Suvisa) foi designada como responsável, sem a identificação dos órgãos de sua estrutura responsáveis pelas ações de promoção. A Superintendência de Atenção Integral à Saúde (Sais) foi responsabilizada, particularmente quanto ao segundo objetivo, tendo a Diretoria de Atenção Básica (DAB) e a Diretoria de Gestão do Cuidado (DGC) como responsáveis. Em todas as ações, as Secretarias Municipais de Saúde (SMS) foram corresponsabilizadas, apesar das instâncias de representação não serem evidenciadas como participantes ativas na definição da agenda.
Outra linha de ação que incorporou proposições de promoção da saúde foi a 'Gestão Democrática, Solidária e Efetiva do SUS', cujo objetivo era fortalecer a participação e o controle social no SUS-BA, englobando duas ações estratégicas sob a responsabilidade da Diretoria de Gestão da Educação do Trabalho em Saúde (DGETS): uma que previa a efetivação do controle social no Sistema Único de Saúde (SUS) por meio da reestruturação do CES e outra denominada como Projeto Mobiliza SUS. Este projeto apresentava duas estratégias principais de implantação: desenvolvimento de seminários regionais, com a participação de representantes de movimentos sociais, professores e estudantes, para sensibilizá-los e instrumentalizá-los para o exercício da participação social nos territórios e formação de uma rede de articuladores e facilitadores de educação permanente para o controle social no SUS, por intermédio da qualificação de representantes das regionais de saúde e educação, Ministério Público, Conselheiros Municipais de Saúde e movimentos sociais1717 Salvador. Secretaria da Saúde do Estado da Bahia. Plano Estadual de Saúde (Gestão 2007-2011). Rev Baiana Saúde Pública. 2009; 33(supl.1)..
No processo de construção do PES 2012-2015, não foram realizadas as oficinas regionais de levantamento e priorização de problemas. O próprio documento revela que a consulta à sociedade quanto aos problemas priorizados ocorreu por meio do PPA participativo e da VIII Conferência Estadual de Saúde (2011), que trouxe contribuições para a agenda ao apresentar como um dos eixos de trabalho o tema: acesso e acolhimento no SUS - desafios na construção de uma política saudável e sustentável. A este eixo, foram vinculadas várias propostas aprovadas em plenária que incorporavam o tema da promoção da saúde, considerando a articulação intersetorial. A escolha do temário dessa conferência foi induzida pela gestão estadual, com o apoio do espaço acadêmico, em uma perspectiva de legitimar o tema da promoção da saúde nas instâncias de participação da sociedade civil, conforme evidenciado nas entrevistas.
Outro importante movimento em prol da mobilização dos sujeitos internos para o tema foi a realização de uma oficina de trabalho em 2010, coordenada pela Suvisa e conduzida por uma equipe de cooperação técnica UFBA. A oficina, denominada Bahia Saudável, contou com a participação de técnicos e gestores da Sesab, de representantes da Secretaria de Educação, das SMS da região metropolitana, professores e estudantes de pós-graduação em Saúde Coletiva. O produto dessa oficina foi um documento técnico com proposições operativas para a estruturação da Política Estadual de Promoção da Saúde (Peps). Este projeto também foi identificado como um espaço de sensibilização dos sujeitos para entendimento e valorização da promoção da saúde1818 Salvador. Secretaria da Saúde do Estado da Bahia. Promoção da saúde no estado da Bahia: Oficina de trabalho para a formulação da Política Estadual de Promoção da Saúde. Salvador: SESAB; 2011..
A adoção do termo Bahia Saudável surgiu durante a construção do documento Agenda 2023. Este processo, conduzido pela Casa Civil do Governador em 2010, objetivava a elaboração de uma agenda estratégica para direcionar as prioridades dos próximos 13 anos de governo, em que a promoção da saúde foi um projeto defendido pelos representantes do setor saúde.
Os problemas identificados no PES 2012-2015 deram indicativos mais claros da necessidade de ações de promoção da saúde, ao explicitar problemas relacionados com a organização governamental, incluindo a ausência de políticas públicas efetivamente transversais, necessárias à promoção da saúde, bem-estar e proteção da sociedade.
O PES 2012-2015 esteve em correspondência com o PPA do período, que identificava o programa setorial da saúde como Bahia Saudável e designava a promoção da saúde como um dos seus três eixos estruturantes. Esse PES utilizava o termo compromisso para identificar seus objetivos, em um total de 13, sendo que 4 apresentavam ações direcionadas à promoção da saúde.
O primeiro compromisso recomendava ampliar as ações de promoção e proteção da saúde e de prevenção de doenças e agravos no âmbito do SUS, sob responsabilidade da Suvisa, com apenas uma iniciativa operacional relativa à promoção da saúde - a elaboração do marco normativo da política estadual de promoção da saúde1919 Secretaria da Saúde do Estado da Bahia. Plano Estadual de Saúde (Gestão 2012-2015). Rev Baiana Saúde Pública. 2012; 36(supl.1):1-86.. O segundo propunha fortalecer a atenção básica, efetivando a mudança do Modelo de Atenção à Saúde no âmbito do SUS, sob responsabilidade da DAB/Sais, com três iniciativas quanto à promoção da saúde: Academias da Saúde, Política Estadual de Promoção da Saúde implantada e Política Estadual de Atenção Básica com ênfase na promoção da saúde e integração das práticas de vigilância em saúde implantada no território. O terceiro compromisso, vinculado à DGC e à Diretoria de Gestão da Rede Própria (DGRP), recomendava ampliar as ações de cuidado integral ao ser humano no SUS, com vistas a promover o envelhecimento ativo e saudável. Para tanto, identificava iniciativas relacionadas com a promoção da saúde, prevenção e tratamento de doenças e agravos não transmissíveis. Entretanto, as metas se relacionam apenas à redução no número de internações. O quarto compromisso seguia o PES anterior, propondo fortalecer o controle social em saúde, com gestão democrática e participativa, e ampliação dos canais de diálogo com a sociedade para a consolidação do SUS-BA.
As ações expostas no PES 2012-2015 eram mais restritas em comparação ao PES anterior, uma vez que a maioria delas apresentava caráter organizacional. Alguns entrevistados atribuíram tal mudança às dificuldades associadas à implantação das ações propostas no PES anterior, argumentando que o projeto político concebido nesse plano falhou em não apresentar uma análise de viabilidade da capacidade técnico-administrativa e de viabilidade política externa para legitimar as ações que exigiam articulação intersetorial. No PES 2012-2015, os atores adotaram uma postura pragmática, definindo ações cuja execução apresentava governabilidade ao interior da Sesab. Entretanto, observou-se a fragmentação das responsabilidades, a exemplo da elaboração do marco normativo da política, como responsabilidade da Suvisa, enquanto a implantação era responsabilidade da DAB.
Alguns entrevistados, contrariamente, apontaram que o tema no segundo Plano foi valorizado de forma mais integrada entre os grupos da Sesab e apresentou maior articulação externa. Supõe-se que esta percepção estava associada ao movimento da Assessoria de Planejamento (Asplan) com o apoio da Suvisa, durante o processo de elaboração do PPA 2012-2015, no sentido de mobilizar outras secretarias do governo para o desenvolvimento de ações de promoção da saúde. Entretanto, conforme exposto anteriormente, esse não foi um movimento ordenado de forma satisfatória. A mobilização externa foi tímida e desestruturada, caracterizando-se como um movimento de sensibilização.
A importância da promoção da saúde é reconhecida na retórica do conjunto dos atores governamentais, todavia foram evidenciadas oposições quanto à incorporação de proposições na prática, associadas às disputas financeiras e às limitações de articulação interna e externa. A oposição mais evidente se revelou na definição do financiamento das ações. Ao considerar o nível de atenção básica como ordenador do sistema de saúde e buscar favorecer os investimentos para ampliação do acesso a este nível de atenção, tornava-se necessário realocar os recursos que antes eram prioritariamente centrados na rede especializada e hospitalar. Os entrevistados apontam divergências nesse processo, com disputa de poder entre os espaços da Sesab.
Assim, o fluxo dos problemas foi pouco valorizado na constituição da agenda, especialmente no primeiro PES. No segundo período, buscou-se o respaldo institucional com a indução da discussão do tema pela equipe gestora da SES. Apesar disso, a defesa da promoção da saúde enquanto objeto de ação não apresentou respaldo suficiente, nem dos grupos sociais, nem do conjunto da equipe da SES, tampouco de atores externos. Definir o problema é uma estratégia central ao processo de construção da agenda, porque opera a transformação de determinadas interpretações da realidade em percepções compartilhadas, aspecto essencial para a defesa de um propósito2020 Capella ACN. Formação da Agenda Governamental: perspectivas teóricas. In: XXIX Encontro Anual da Anpocs; 2005 ago. São Paulo: Unesp; 2005. [acesso em 2018 out 11]. Disponível em: https://www.anpocs.com/index.php/papers-29-encontro/gt-25/gt19-21/3789-acapella-formacao/file.
https://www.anpocs.com/index.php/papers-... .
Quanto ao fluxo das alternativas, no primeiro PES, as alternativas postas foram fruto da idealização política de alguns atores do alto escalão da Sesab advindos do espaço acadêmico que, imbuídos por valores ideológicos, buscavam a expressão de um projeto político inovador, que valorizasse uma concepção ampliada de saúde, sendo a promoção da saúde a imagem de frente desse projeto. Entretanto, esse processo de definição das alternativas não foi negociado com o conjunto de sujeitos que seriam necessários para fazer avançar as propostas. Cabe ressaltar que não ocorreram objeções ou disputas, nem quanto à constituição do projeto, nem quanto às alternativas adotadas.
No segundo período de governo, evidenciaram-se divergências quanto ao lócus organizativo do projeto na SES. A Suvisa que, no PES 2008-2011, foi identificada como responsável por grande parte das ações, retroagiu, visto que não mais se dispunha a responsabilizar-se por ações sob as quais não possuía governabilidade. Dessa forma, tem-se como resultado uma agenda com responsabilidades fragmentadas. Como exceção, identificam-se ações direcionadas ao incentivo da participação social, que apareceu de forma mais orgânica, conduzida por uma diretoria específica, com objetivos e metas claras e articulações externas bem direcionadas.
Conclui-se que o tema da promoção se elevou à condição de agenda, sendo fruto do interesse apenas do grupo formulador da agenda, ou seja, não foi uma demanda construída historicamente nem condicionada socialmente, elementos necessários para o sucesso do projeto2121 Testa M. Pensamento Estratégico e Lógica de Programação (O caso da saúde). São Paulo: Hucitec; Rio de Janeiro: Abrasco; 1995.. Tal qual evidencia o estudo de Pinto1111 Pinto ICM. Ascensão e Queda de uma Questão na Agenda Governamental: o caso das Organizações Sociais da Saúde na Bahia [tese]. Salvador: Universidade Federal da Bahia, Núcleo de Pós-Graduação em Administração; 2004. 239 p., as preferências não foram definidas com clareza pelos atores, tampouco os objetivos a serem perseguidos.
Fluxo político
No contexto nacional, há que se destacar a formalização da PNPS em 2006 e sua incorporação nos Planos Nacionais de Saúde (PNS) subsequentes. A revisão da PNPS, publicada em 2014, não teve influência sobre a agenda estadual analisada visto que a publicação ocorreu ao final da gestão governamental do Estado.
No PNS 2008-2011, foi criada uma linha de programação orçamentária específica de promoção da saúde2222 Cruz DKA. Da promoção à prevenção: o processo de formulação da Política Nacional de Promoção da Saúde no período de 2003 a 2006 [dissertação]. Recife: Fundação Oswaldo Cruz, Centro de Pesquisa Aggeu Magalhães; 2010. 116 p.,2323 Malta DC, Silva MMA, Albuquerque GM, et al. A implementação das prioridades da Política Nacional de Promoção da Saúde, um balanço, 2006 a 2014. Ciênc Saúde Colet. 2014 nov; 19(11):4301-4312.. Entre 2008-2011, a PNPS foi incluída na agenda interfederativa, por meio do Pacto pela Vida, com a definição de indicadores de monitoramento, com foco na redução da prevalência de sedentarismo e tabagismo nas capitais, e na implantação dos núcleos de prevenção de violências e promoção da saúde2323 Malta DC, Silva MMA, Albuquerque GM, et al. A implementação das prioridades da Política Nacional de Promoção da Saúde, um balanço, 2006 a 2014. Ciênc Saúde Colet. 2014 nov; 19(11):4301-4312.. No PNS 2012-2015, a promoção da saúde apareceu associada às ações de vigilância em saúde sob a diretriz que propunha a redução dos riscos e agravos à saúde da população2424 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria-Executiva. Subsecretaria de Planejamento e Orçamento. Plano Nacional de Saúde - PNS: 2012-2015. Brasília, DF: MS; 2011., cujas ações remetiam basicamente aos eixos prioritários da PNPS.
Entre 2008 e 2015, o governo federal expandiu iniciativas preexistentes e implantou programas relativos à PNPS. Pode-se destacar o lançamento do programa Academia da Saúde (2011), com a implantação de polos para a orientação de práticas corporais, atividade física e de lazer2525 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 719, de 07 de abril de 2011. Institui o Programa Academia da Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde. Diário Oficial da União. 7 Abr 2011.. O Programa representou o início de uma linha de projetos com financiamento proveniente do Piso Variável em Vigilância e Promoção da Saúde e do Piso da Atenção Básica Variável, em substituição ao financiamento de projetos individuais condicionados à aprovação federal, buscando-se assim a sustentabilidade dos projetos2323 Malta DC, Silva MMA, Albuquerque GM, et al. A implementação das prioridades da Política Nacional de Promoção da Saúde, um balanço, 2006 a 2014. Ciênc Saúde Colet. 2014 nov; 19(11):4301-4312.,2626 Sá GBAR, Dornelles GC, Cruz KG, et al. O Programa Academia da Saúde como estratégia de promoção da saúde e modos de vida saudáveis: cenário nacional de implementação. Ciênc Saúde Colet. 2016 jun; 21(6):1849-1860.. Até maio de 2015, havia um total de 2.849 municípios contemplados com o Programa no País, com um total de 4.240 polos, sendo que destes, 1.165 se encontravam com obras finalizadas2626 Sá GBAR, Dornelles GC, Cruz KG, et al. O Programa Academia da Saúde como estratégia de promoção da saúde e modos de vida saudáveis: cenário nacional de implementação. Ciênc Saúde Colet. 2016 jun; 21(6):1849-1860.. Um estudo realizado por Sá et al.2626 Sá GBAR, Dornelles GC, Cruz KG, et al. O Programa Academia da Saúde como estratégia de promoção da saúde e modos de vida saudáveis: cenário nacional de implementação. Ciênc Saúde Colet. 2016 jun; 21(6):1849-1860. revela que, de 2.481 municípios analisados, apenas 856 polos estavam em funcionamento, demonstrando dificuldades na implementação do Programa.
Foram produzidas legislações específicas, com vistas à restrição do consumo de bebidas alcoólicas no trânsito, intensificação da exigência do uso de capacete e outras ferramentas de segurança para motoqueiros, assim como a obrigatoriedade do uso de cadeiras para crianças em veículos2323 Malta DC, Silva MMA, Albuquerque GM, et al. A implementação das prioridades da Política Nacional de Promoção da Saúde, um balanço, 2006 a 2014. Ciênc Saúde Colet. 2014 nov; 19(11):4301-4312.. Em 2010, foi criado o Projeto Vida no Trânsito (PVT), para prevenção de acidentes e mortes no trânsito, por meio da definição dos planos intersetoriais locais2323 Malta DC, Silva MMA, Albuquerque GM, et al. A implementação das prioridades da Política Nacional de Promoção da Saúde, um balanço, 2006 a 2014. Ciênc Saúde Colet. 2014 nov; 19(11):4301-4312.. Em 2012, o PVT abrangia todas as capitais, o Distrito Federal e os municípios com mais de um milhão de habitantes.
Outra iniciativa com importante expansão nesse período foi o Programa Saúde na Escola (PSE), criado em 2007 com o objetivo de articular ações entre os setores da saúde e educação, de forma a contribuir para a formação integral dos estudantes da rede pública de educação básica, por meio de ações de prevenção, promoção e atenção à saúde2323 Malta DC, Silva MMA, Albuquerque GM, et al. A implementação das prioridades da Política Nacional de Promoção da Saúde, um balanço, 2006 a 2014. Ciênc Saúde Colet. 2014 nov; 19(11):4301-4312.. O PSE não estava previsto na PNPS, entretanto, a partir de 2008, passou a incorporar ações que valorizavam diretrizes prioritárias da política.
Para Rocha et al.2727 Rocha DG, Alexandre VP, Marcelo VC, et al. Processo de revisão da Política Nacional de Promoção da Saúde: múltiplos movimentos. Ciênc Saúde Colet. 2014; 19(11):4313-4322., na trajetória desde a publicação da PNPS em 2006, foi possível identificar controvérsias e reorientações, sobretudo no que se refere ao montante de recursos previstos e efetivamente alocados para o desenvolvimento das ações prioritárias.
Cabe destacar os limites das iniciativas de avaliação das ações prioritárias da PNPS, em grande parte descritivas e exploratórias, realizadas pelos próprios agentes do processo, com limitada discussão dos fatores determinantes desse processo. Segundo Magalhães2828 Magalhães R. Avaliação da Política Nacional de Promoção da Saúde: perspectivas e desafios. Ciênc Saúde Colet. 2016; 21(6):1767-1776., a avaliação da implementação das estratégias propostas na PNPS é limitada e dá pouca relevância à teoria dos programas e ao contexto sociopolítico de sua inserção.
Quanto ao contexto estadual, o período analisado caracterizou-se por uma mudança de governo, no qual o Partido dos Trabalhadores (PT) permaneceu no cargo nos dois mandatos e mantinha metade dos dez maiores colégios eleitorais nos municípios do estado da Bahia2929 Dantas Neto PF. Mudança política na Bahia: circulação, competição ou pluralismo de elites. Fundação Joaquim Nabuco [internet]. Recife: Fundaj; 2008 [acesso em 2014 out 30]. Disponível em: http://www.fundaj.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=2160%3Amudanca-politica-na-bahia-circulacao-competicao-ou-pluralismo-de-elites-&catid=58&Itemid=414.
http://www.fundaj.gov.br/index.php?optio... . O PT também estava à frente do governo federal nesse período.
O projeto de mudança governamental trazia como ponto prioritário a participação ampla da sociedade na definição das prioridades de ação. A partir de 2007, a Sesab desenvolveu um planejamento próprio, com indícios de maior participação da sociedade civil e do nível técnico operacional da Sesab no levantamento e priorização das demandas que deram base à elaboração do PES 2008-2011. A valorização da participação social por meio do fortalecimento do CES foi destacada, mediante processo de reestruturação do Conselho no primeiro período de gestão, processo legitimado pelo gestor da saúde.
A agenda de promoção da saúde do PES 2008-2011 não teve o respaldo dos problemas e demandas da sociedade civil, nem oposição tampouco. O projeto era bem-visto no meio acadêmico e foi aceito pelo CES, mas a sua efetivação dependia do respaldo do governo estadual no que se refere à capilaridade nos diversos setores de governo e ao financiamento das ações. A diversidade de interesses partidários nesses setores foi um aspecto sugestivo de dificuldade na articulação entre eles.
O fluxo político constituiu-se como uma policy window, ou seja, uma 'oportunidade de mudança' para colocação do tema como prioridade na agenda de decisão, uma vez que foi instituída a PNPS e que o plano de governo estadual buscava uma imagem política de oposição ao governo anterior em um contexto de mudança de gestão, que, conforme aponta Kingdon1414 Kingdon JW. Agendas, Alternatives, and Public Policies. New York: HarperCollins; 2003., constitui um dos momentos mais propícios para novas questões emergirem na agenda.
No segundo período de gestão, mesmo diante de um contexto estadual desfavorável, que priorizava políticas de crescimento econômico, a agenda da promoção da saúde foi mantida. Nesse caso, a sustentação da agenda ocorreu em função de um contexto federal favorável, de incentivo financeiro a alguns programas específicos, assim como foi apoiada por um fluxo de problemas induzido pela participação ativa de alguns poucos atores internos à Sesab. A equipe de planejamento da Secretaria induziu a colocação do tema como prioridade de discussão em um importante fórum de debate de diversos segmentos da sociedade em prol da saúde, buscando obter o respaldo social para a colocação do tema na agenda de decisão do setor no PES 2012-2015. A Suvisa buscou favorecer a discussão do tema com os demais gestores da Sesab, no sentido de mobilizar novos grupos a se comprometerem com o projeto. Esse movimento, juntamente com o contexto federal de incentivo financeiro a alguns programas específicos de promoção da saúde, representou uma policy window para manutenção do tema na agenda de decisão no segundo período de governo.
Em síntese, o fluxo político aponta a confluência entre a mudança de governo e a valorização de novas concepções e métodos de planejamento, com aparente mobilização pela participação social na nova gestão, coerente com os princípios defendidos pelo partido político do governo em exercício.
Mannheimer et al.55 Mannheimer LN, Lehto J, Östlin P. Window of opportunity for intersectoral health policy in Sweden - open, half-open or half-shut? Health Promot Int. 2007 [acesso em 2015 jul 15]; 22(4):307-315. Disponível em: http://heapro.oxfordjournals.org/.
http://heapro.oxfordjournals.org/... , ao analisar as janelas de oportunidade para a constituição e implementação de uma política intersetorial de promoção da saúde, reconhecem que o envolvimento do alto escalão do governo é essencial, assim como a mobilização no sentido de favorecer pequenas janelas de oportunidade ao longo do processo, uma vez que corresponde a uma política de longo prazo. Os autores salientam como essencial o envolvimento de atores de outros setores, com a negociação das responsabilidades desses em relação à nova ação política.
Os atores do processo
Entre os entrevistados, dez eram atores governamentais; e dois, não governamentais, sendo que dez eram favoráveis à expressão do tema na agenda, e dois tinham posição neutra. Quanto aos recursos de poder, identificou-se a predominância de poder técnico, em detrimento dos recursos de poder administrativo e político, conforme exposto no quadro 3 e detalhado a seguir.
Classificação dos entrevistados segundo o âmbito de atuação, recursos de poder e posição de interferência na agenda de promoção da saúde
Os participantes mais ativos do processo foram atores governamentais do alto escalão da Sesab, com participação direta do secretário, do chefe da Asplan e da superintendente da Suvisa, atores com alto recurso de poder técnico, administrativo e político. Gestores de outras superintendências não participaram ativamente nesse processo.
A amplitude de recursos de poder do secretário de saúde remete ao reconhecimento de uma posição de liderança do gestor, caracterizada por diversos entrevistados. Além disso, o perfil do gestor na condução política foi evidenciado como flexível, sendo que, para além do colegiado de gestão, o acesso a ele e aos seus assessores foi identificado como 'horizontalizado' e 'direto'.
Diversos entrevistados identificaram a superintendente da Suvisa, que atuou no primeiro período de 2007-2010, como uma das principais responsáveis pela mobilização do tema. Destaca-se a participação de gestores e técnicos dessa Superintendência em fóruns nacionais sobre o tema, o que pode ter influenciado o posicionamento desse grupo no sentido de priorizá-lo.
A maioria (6) dos atores governamentais possuía poder técnico alto ou muito alto (quadro 3). Supõe-se que esse aspecto justifica a capacidade de persuasão desse grupo sobre a equipe técnica da SES e sobre os grupos sociais que se mobilizavam em torno do setor, considerando o respaldo técnico associado à ampla formação acadêmica. Todavia, poucos atores apresentavam expertise relacionada com a promoção da saúde.
No que se refere ao terceiro escalão da SES (diretores), evidencia-se a participação dos gestores da DAB, DGC e DGETS apenas nas proposições das alternativas. Não foi identificada a participação direta de diretores da Suvisa no processo de constituição da agenda. Nessa superintendência, apenas a equipe de assessoria atuou.
Quanto aos atores não governamentais, o CES acompanhou a elaboração do PES 2008-2011 por meio da atuação da Comissão de Planejamento, Orçamento e Finanças, que agregava representantes de todos os seguimentos do CES (usuários, trabalhadores e gestão). Apesar disso, reconhece-se uma posição de neutralidade do CES na constituição da agenda de promoção da saúde.
Outro ator não governamental, mas com participação favorável no processo de construção da agenda, foi o Instituto de Saúde Coletiva da UFBA. Um dos docentes da instituição foi consultor no processo de construção do PES 2008-2011; e, ao final de 2010, o Instituto de Saúde Coletiva apoiou a condução da oficina de trabalho para a definição das prioridades na constituição de uma política estadual de promoção da saúde.
A maioria dos atores não apresentava poder administrativo significativo, sendo que oito entrevistados foram classificados como baixo ou médio (quadro 3), o que em muito se relacionava com a falta de experiência anterior em cargos de gestão.
A maioria dos atores não apresentava poder político expressivo, sendo que apenas quatro entrevistados foram classificados com poder alto/muito alto (quadro 3). Verificou-se que menos da metade dos entrevistados (cinco) possuía vínculo político partidário, sendo que apenas um apresentava posição de destaque na hierarquia do partido.
Ao analisar a rede de relações dos entrevistados, verificou-se que metade (6) apresentava trânsito interno na SES satisfatório, ou seja, participavam do colegiado gestor da instituição ou apresentavam interlocução direta com o secretário de saúde e com superintendentes. A interlocução com gestores do alto escalão de outros setores era limitada, ocorrendo de forma mais regular, apenas por intermédio do secretário de saúde.
Evidenciou-se que a acumulação de recursos de poder técnico pelo conjunto de entrevistados, considerando a expertise no campo da saúde coletiva e a articulação com o espaço acadêmico, favoreceu, em tese, uma maior aceitação das proposições de promoção da saúde pelo conjunto de atores responsáveis pela constituição da agenda da Sesab. Entretanto, a expertise limitada na temática da promoção da saúde pode ter influenciado na pouca objetividade das propostas apresentadas e na limitada coerência entre estas e as metas adotadas. Além disso, a falta de objetividade das proposições também pode ter dificultado a advocacy do projeto ante os potenciais parceiros para sua implantação.
A limitação na representação das forças de maior poder administrativo das diversas superintendências da SES aponta para uma baixa capacidade de mobilizar recursos, em especial aqueles de natureza financeira, para constituição do projeto. A isto, associou-se a baixa acumulação de recursos de poder político, especialmente no que se referia à força de articulação externa ao setor.
Conclui-se que os participantes ativos desse processo foram poucos. Apesar de apresentarem importante capacidade técnica e força política interna ao setor, apresentaram limitações de mobilização no âmbito externo, de forma que conseguiram expressar o compromisso, mas não conseguiram o respaldo político e administrativo para integrá-lo na agenda externa, conforme exige o tema. Esses atores, tal qual evidencia Kingdon1414 Kingdon JW. Agendas, Alternatives, and Public Policies. New York: HarperCollins; 2003., podem ser caracterizados como policy entrepreneurs, pessoas empreendedoras que atuam no sentido de interferir nos fluxos. Eles são hábeis negociadores, são persistentes na defesa das suas ideias, levando suas concepções de problemas e alternativas a diferentes fóruns.
Considerações finais
Os resultados deste estudo evidenciam que a constituição da agenda de promoção da saúde do estado da Bahia apoiou-se mais em uma representação simbólica que em uma política a ser perseguida. Os caminhos que levaram às escolhas políticas das alternativas pautaram-se essencialmente no fluxo político e na atuação de policy entrepreneurs.
O conteúdo simbólico da agenda do primeiro período de governo, associado ao contexto político de mudança da gestão estadual e de publicação da PNPS, juntamente com o poder de persuasão de membros do alto escalão da SES caracterizaram uma 'janela de oportunidade' e explicam a ascensão do tema à agenda. A defesa do tema por esses atores, que assumiram a função de empreendedores do processo, foi essencial para pautar a agenda de decisão do governo. Entretanto, tais atores não acumulavam poder administrativo e político suficiente nem realizaram a mobilização necessária para fazer avançar a agenda constituída no primeiro período de governo.
Apesar da mudança dos propósitos de governo, a promoção da saúde permaneceu na agenda no segundo período, traduzida em estratégias com caráter organizativo, limitadas à ação de poucos atores, centrada na própria SES.
Esta pesquisa corrobora o modelo de fluxos múltiplos proposto por Kindon1414 Kingdon JW. Agendas, Alternatives, and Public Policies. New York: HarperCollins; 2003.. A abertura das 'janelas de oportunidade' tem caráter transitório, ou seja, a oportunidade de mudança cessa quando um dos fluxos se desarticula em relação aos demais1414 Kingdon JW. Agendas, Alternatives, and Public Policies. New York: HarperCollins; 2003..
Para além dos limites no processo de construção da agenda, o objeto da promoção da saúde é, por si só, complexo e fluido, diante da diversidade de estratégias pertinentes, envolvida por diferentes percepções. Torna-se, portanto, ainda mais premente uma base de sustentação da agenda amparada por uma problematização ampla e intersetorial que envolva o maior número de atores governamentais e não governamentais, com uma coordenação de consistência política e administrativa, de forma a galgar melhores condições para a sua execução.
Por fim, considera-se que as conclusões deste estudo contribuem para a análise das políticas de promoção da saúde, uma vez que se debruça sobre um momento ainda pouco explorado - a agenda -, no qual são postos os interesses sociais e políticos, bases de sustentação dos projetos governamentais. Assim, acrescentam-se fundamentos que podem ser considerados em outros estudos sobre a constituição de políticas de promoção da saúde, apoiando a identificação de dificuldades que precisam ser transpostas por atores interessados em projetos desta natureza.
- Suporte financeiro: não houve
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
Out 2018
Histórico
- Recebido
15 Jul 2018 - Aceito
18 Set 2018