Atitudes e opiniões de profissionais envolvidos na atenção à mulher em situação de violência em 10 municípios brasileiros

Elizangela Gonçalves de Souza Ricardo Tavares Julia Guimarães Lopes Márcia Andréa Nogueira Magalhães Elza Machado de Melo Sobre os autores

RESUMO

Esta pesquisa objetivou analisar opiniões e atitudes de profissionais da rede de atenção às mulheres em situação de violência em 10 municípios brasileiros. Estudo transversal quantitativo, realizado mediante entrevistas semiestruturadas com os participantes de oficinas realizadas nos municípios em estudo, totalizando 438 sujeitos. Realizou-se análise descritiva com distribuição de frequências, análise bivariada e análise de correspondência. O número de profissionais que atenderam casos suspeitos é maior do que o número dos que atenderam casos confirmados de violência contra a mulher. Menos da metade dos profissionais que atenderam casos suspeitos adotou alguma atitude frente a eles. A adoção de alguma atitude pelos profissionais foi mais comum - embora também abaixo da metade para a maioria das ações - diante dos casos confirmados. Subnotificação ocorre nos casos suspeitos e nos casos confirmados. A maioria dos entrevistados considera ser papel do setor saúde desenvolver ações de prevenção da violência contra a mulher, com elevada proporção de respostas deixadas em branco. Conclui-se que falta muito para que a atenção à mulher em situação de violência seja devidamente ofertada; os profissionais rotineiramente encaminham mais do que abordam os casos, notificam pouco, não se sentem capacitados e, às vezes, sequer se veem como responsáveis por essa atenção.

PALAVRAS-CHAVE
Violência contra a mulher; Pessoal de saúde; Atitude do pessoal de saúde; Ação intersetorial

Introdução

A violência é um problema que sempre esteve presente em toda a história da humanidade, sendo sustentada por uma estrutura social marcada por desigualdades e injustiças, as quais se expressam nas relações domésticas, de gênero, de classes e no interior das instituições11 Melo EM. Podemos prevenir a violência: teorias e práticas. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde; 2010..

Relativo à violência contra a mulher, esse é um problema global de saúde pública, que necessita de articulações intersetoriais no empenho tanto da prevenção da ocorrência quanto no provimento de serviços adequados ao atendimento das vítimas. O setor saúde tem um importante papel a desempenhar nesse cenário22 World Health Organization. Global and regional estimates of violence against women: prevalence and health effects of intimate partner violence and nonpartner sexual violence. Geneva: World Health Organization; 2013..

Por se tratar de um fenômeno histórico, social e de saúde, de grande magnitude, esse agravo necessita de intervenções direcionadas à equidade de direitos, proteção e segurança das mulheres que vivenciam situações de violência. Dessa forma, as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) são de que a oferta da assistência à saúde ocorra em diversos locais/pontos da rede de atenção e que os profissionais estejam preparados para atender com respostas intersetoriais22 World Health Organization. Global and regional estimates of violence against women: prevalence and health effects of intimate partner violence and nonpartner sexual violence. Geneva: World Health Organization; 2013.,33 Silva EB, Padoin SMM, Vianna LAC. Mulher em situação de violência: limites da assistência. Ciênc. Saúde Colet. 2015a; 20(1):249-258..

No campo da saúde, as práticas assistenciais limitam-se ao tratamento das consequências da violência, sobretudo aos danos físicos e psicológicos, intensificando, desse modo, a ideia de que seria essa a face do problema que caberia ao setor. Essa perspectiva reforça a tradição biomédica das práticas de recuperação e de prevenção que constituem a base tradicional da atuação profissional no setor, o que dificulta o desenvolvimento de prática social, que requer conhecimento e habilidades tecnológicas que não são de domínio de todos os profissionais44 Kiss LB, Schraiber LB. Temas médico-sociais e a intervenção em saúde: a violência contra mulheres no discurso dos profissionais. Ciênc. Saúde Colet. 2011; 16(3):1943-52.,55 Silva EB, Padoin SMM, Vianna LAC. Violence against women: the limits and potentialities of care practice. Acta Paul Enferm. [internet]. 2013 [acesso em 2016 out 10]; 26(6):608-13. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ape/v26n6/16.pdf.
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. Agregado a isso está o fato de que a violência contra a mulher é pouco identificada nos serviços de saúde, uma vez que muitos profissionais não a associam aos problemas de saúde apresentados pelas mulheres66 Baraldi ACP, Almeida AMD, Perdoná GC, et al. Violência contra a mulher na rede de atenção básica: o que os enfermeiros sabem sobre o problema?. Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil. 2012; 12(3):307-318.,77 Gomes NP, Erdmann AL, Bettinelli LA, et al. Significado da capacitação profissional para o cuidado da mulher vítima de violência conjugal. Escola Anna Nery Revista de Enfermagem. 2013;17(4):683-689.. Nesse sentido, a OMS enfatiza a necessidade urgente de integrar questões relacionadas com a violência em formação clínica, apontando para a necessidade de todos os prestadores de cuidados de saúde compreenderem a relação entre a exposição à violência e os problemas de saúde das mulheres, para que sejam capazes de responder de forma apropriada às demandas trazidas por esse público22 World Health Organization. Global and regional estimates of violence against women: prevalence and health effects of intimate partner violence and nonpartner sexual violence. Geneva: World Health Organization; 2013.. O presente estudo buscou analisar as opiniões e atitudes de profissionais envolvidos na atenção à mulher em situação de violência em 10 municípios brasileiros.

Métodos

Estudo transversal, de natureza quantitativa, realizado dentro do Projeto Para Elas - Por Elas, Por Eles, Por Nós, de abordagem da mulher em situação de violência em âmbito nacional, executado pelo Núcleo de Promoção de Saúde e Paz do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina/Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), por meio do Programa de Pós-graduação e Mestrado Profissional em Promoção da Saúde e Prevenção da Violência, em parceria com o Ministério da Saúde (MS). O projeto tem como uma de suas metas a organização de redes de serviços e equipes de atenção à mulher em situação de violência em 10 municípios brasileiros, sede de Territórios de Cidadania, eleitos pelo Fórum Nacional Permanente de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres do Campo e da Floresta e pela Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), em 2011, como prioritários para a implantação de políticas públicas afins. São eles: Igarapé-Miri (Pará); Cruzeiro do Sul (Acre); Algustinópolis (Tocantins); Irecê (Bahia); Quixadá (Ceará); Santana do Matos (Rio Grande do Norte); Posse (Goiás); São Mateus (Espírito Santo); Registro (São Paulo); e São Lourenço do Sul (Rio Grande do Sul).

O universo de estudo foi composto de profissionais convidados a participar das Oficinas promovidas, em cada município, pelas Secretarias Municipais de Saúde, pelo Ministério da Saúde e pela equipe do projeto 'Para Elas', com os quais foram realizadas entrevistas semiestruturadas. Estiveram presentes os profissionais de diferentes setores e níveis de atenção envolvidos na atenção à mulher em situação de violência, nos 10 municípios estudados. Foram excluídos da pesquisa questionários em branco ou com taxa de resposta inferior a 70%, estudantes não vinculados à rede de atenção à mulher em situação de violência, questionários sem identificação e/ou sem Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e questionário duplicado.

Os dados foram coletados durante as oficinas realizadas nos 10 municípios em estudo, utilizando-se como instrumento de coleta questionário semiestruturado e autoaplicável, contendo dados demográficos (idade; sexo; cidade; estado civil; cor/raça; grau de instrução; formação acadêmica), ocupacionais (instituição; função atual; tempo na função; horas semanais que trabalha na função; vínculo de trabalho; vínculos adicionais) e sobre a atuação dos profissionais (atitudes diante de casos suspeitos e/ou confirmados de violência contra a mulher: abordagem, notificação, discussão com a equipe; retorno; seguimento da mulher; seguimento da família; encaminhamentos, outros; opinião sobre o papel do setor saúde na prevenção da violência contra a mulher). Todos foram utilizados nas análises realizadas.

O questionário foi desenvolvido pela equipe do projeto 'Para Elas' e avaliado por especialistas (professores do mestrado profissional) e profissionais da rede de atenção às mulheres em situação de violência. Foi realizado estudo piloto com mestrandos de outros grupos de pesquisa do mestrado profissional, o que levou à realização de ajustes do questionário. O período de coleta de dados estendeu-se de 2013 a 2015.

As informações foram armazenadas em banco de dados, utilizando o software Statistical Package for Social Sciences - SPSS, versão 17.0. Foram realizadas: a) análise descritiva com distribuição de frequência; b) análise bivariada; e c) análise multivariada, especificamente, a análise de correspondência.

O presente estudo obedeceu a todas as disposições contidas na Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, sobre diretrizes e normas de pesquisa envolvendo seres humanos. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais, no dia 5 de junho de 2013, com emissão do parecer nº 14187513.0.0000.5149. Os participantes foram informados sobre os objetivos da pesquisa, sobre o direito à confidencialidade e do caráter voluntário da participação, tendo sido assinado o TCLE.

Resultados

O perfil demográfico dos participantes da pesquisa pode ser observado na tabela 1, que mostra, também, a opinião dos profissionais sobre o papel do setor saúde na prevenção da violência contra a mulher. A população em estudo foi composta de 438 sujeitos. Houve uma maioria de indivíduos do sexo feminino (82,4%), com discreto predomínio dos casados (54,1%). A faixa etária de maior frequência (60,5%) foi de pessoas entre 20 e 40 anos, com maior participação da raça/cor parda (44,1%).

Tabela 1
Opiniões dos profissionais sobre a função do setor saúde na prevenção da violência contra a mulher, segundo variáveis sociodemográficas, em 10 municípios brasileiros, 2016

As informações sobre trabalho (tabela 2) mostram que a maioria dos participantes ocupava alguma função relacionada à assistência de nível superior (39%), estava na função há mais de 3 anos (36,8%), trabalhava de 31 a 40 horas por semana (66,9%), durante dois turnos (72,8%), pertencia à esfera municipal (84,2%), era concursada (42%), não possuía outro vínculo de trabalho (70,8%) e era pertencente a Atenção Primária à Saúde (APS) (35,6%) e à gestão (31,7%).

Tabela 2
Opiniões dos profissionais sobre a função do setor saúde na prevenção da violência contra a mulher, segundo características de trabalho no setor saúde, em 10 municípios brasileiros, 2016

No que se refere à formação, a grande maioria (79,6%) possui ensino superior e está representada, principalmente, por Enfermeiros(as) (37,2%), seguidos de Assistentes sociais (9,4%), Psicólogos(as) e Médicos(as), que apresentaram o mesmo percentual de representação (3,9%), e graduandos(as) (3,7%).

A proporção de respostas relativas à opinião dos participantes sobre ser uma das funções do setor saúde o desenvolvimento de ações para a prevenção da violência contra a mulher foi de 83,5%, onde 332 (75,8%) responderam 'sim', 4 (0,9%) responderam 'não', 72 profissionais (16,4%) deixaram em branco e 30 (6,8%) afirmaram não ter opinião formada, conforme observado nas tabelas 1 e 2. Nesse sentido, a maioria dos entrevistados respondeu positivamente, com pequenas diferenças para as variáveis sexo, estado civil e horas trabalhadas por semana, havendo, no entanto, diferenças maiores para as variáveis faixa etária, cor/raça, função atual, tempo na função, turno de trabalho, esfera administrativa, vínculo de trabalho, ter mais de um vínculo, grau de instrução, formação acadêmica e nível de atenção.

Merecem destaque alguns aspectos: o elevado percentual de respostas deixadas em branco ou daqueles que alegaram não ter opinião formada, fato que ganha importância quando se constata haver participantes que atuam na gestão e na referência técnica, os assistentes sociais e profissionais de nível médio, entre eles, os Agentes Comunitários de Saúde (ACS), apresentando esse tipo de resposta. Observou-se um declínio das respostas positivas em função do aumento da idade, sendo que, entre os participantes acima de 61 anos, apenas 62,5% responderam 'sim'.

O número de entrevistados que suspeitou de violência cometida contra a mulher em algum atendimento realizado foi de 264 (60,2%). O número de profissionais que afirmou já ter atendido alguma mulher em situação de violência foi menor: 202 (46,1%). Embora a maior parcela de profissionais relate ter atendido casos suspeitos, menos da metade deles adotou alguma atitude com relação a esses casos, tanto para o conjunto das ações como para cada uma, em particular. A adoção de alguma atitude por parte dos profissionais foi mais comum - embora também abaixo da metade para a maioria das ações - diante dos casos confirmados, em todas as categorias analisadas, com exceção da categoria 'outras atitudes', que aparece discretamente mais elevada nos casos suspeitos. Merecem destaque as atitudes 'abordou' e 'notificou', que apresentaram diferenças maiores entre os dois tipos de casos, suspeitos e confirmados (figura 1).

Figura 1
Atitudes dos profissionais frente a casos suspeitos e confirmados de violência contra a mulher, em 10 municípios brasileiros

O mapa de correspondência entre as atitudes e as situações de enfrentamento (figura 2) mostra a associação entre as atitudes dos profissionais segundo os casos, sejam eles suspeitos ou confirmados. Para a interpretação da associação entre os níveis dos perfis linha (atitudes) e dos perfis coluna (enfrentamento), deve ser analisada a tabela 3. No que se refere às atitudes, revela-se melhor representação de todos os níveis na dimensão 1 (em negrito), exceto para 'encaminhou', que deve ser interpretado na dimensão 2 (em negrito). Com relação às situações de enfrentamento, revela-se melhor representação dos níveis 'Sim_Suspeita' e 'Não_Suspeita' a dimensão 2 (em negrito), enquanto todos os demais níveis dão uma contribuição maior se interpretados na dimensão 1 (em negrito).

Figura 2
Mapa de correspondência entre as atitudes adotadas pelos profissionais e as situações de enfrentamento da violência contra a mulher em 10 municípios brasileiros, 2016

Ab – Abordou; No- Notificou; Di – Discutiu o caso com a equipe; Ag – Agendou retorno; SM – Seguimento da mulher; SF – Seguimento familiar; OA – outras atitudes; En – Encaminhou.

Tabela 3
Contribuições relativas das dimensões 1 e 2 sobre perfis de linha (atitudes) e perfis de coluna (enfrentamento).

Com base na figura 2 e levando em conta o peso das contribuições das duas dimensões, como apresentado na tabela 3, verifica-se uma associação muito forte entre os entrevistados que afirmaram ter atendido uma mulher suspeita de violência e aqueles que afirmaram ter tomado a atitude de encaminhar, bem como aqueles que discutiram o caso com a equipe. Observou-se, também, uma forte associação entre os entrevistados que afirmaram ter atendido casos de violência contra mulheres e aqueles que fizeram seguimento da mulher e de familiar, bem como com aqueles que abordaram e aqueles que agendaram retorno. Uma associação fraca foi observada entre os entrevistados que atenderam casos de violência contra mulheres e aqueles que notificaram.

Discussão

A existência de um maior número de profissionais que atenderam casos suspeitos do que o número dos que atenderam casos confirmados poderia estar associada ao fato de os profissionais, rotineiramente, adotarem uma postura de não buscar a identificação dos casos suspeitos, deixando, desse modo, os casos de violência instalada na invisibilidade, fato corroborado em estudo realizado com profissionais da Estratégia Saúde da Família em Santa Catarina/Brasil, onde os participantes relataram muitas vezes suspeitar de situações de violência, preferindo, porém, calarem-se por não saberem como dar seguimento ao atendimento em caso de violência confirmada77 Gomes NP, Erdmann AL, Bettinelli LA, et al. Significado da capacitação profissional para o cuidado da mulher vítima de violência conjugal. Escola Anna Nery Revista de Enfermagem. 2013;17(4):683-689.. Por outro lado, a dificuldade de detecção de casos de violência se revela pelo baixo percentual de profissionais que relataram ter atendido mulheres em tal situação - menos da metade para casos confirmados e, em proporção um pouco maior, mas ainda insuficiente, para os casos suspeitos -, fato corroborado pela literatura, por exemplo, em estudo com profissionais de um hospital em Barcelona/Espanha. Esse relato ocorreu com menos da metade dos entrevistados88 Coll-Vinent B, Echeverría T, Farràs Ú, et al. El personal sanitario no percibe la violencia doméstica como un problema de salud. Gaceta Sanitaria. 2008;22(1):7-10.. Outro estudo com profissionais de saúde, em Múrcia/Espanha, revelou que apenas um quarto dos entrevistados relatou já ter atendido casos de violência contra a mulher em sua prática profissional98 Coll-Vinent B, Echeverría T, Farràs Ú, et al. El personal sanitario no percibe la violencia doméstica como un problema de salud. Gaceta Sanitaria. 2008;22(1):7-10.. A baixa detecção de casos é relatada, ainda, em estudo com profissionais da atenção primária, em Madri1010 Arredondo-Provecho AB, Broco-Barredo M, Alcalá-Ponce de León T, et al. Profesionales de atención primaria de madrid y violencia de pareja hacia la mujer en el año 2010. Revista Española de Salud Pública. 2012; 86(1):85-99., e também por profissionais de saúde em Angola1111 Nascimento EFGA, Ribeiro AP, Souza ER. Perceptions and practices of Angolan health care professionals concerning intimate partner violence against women. Cad. Saúde Pública. 2014; 30(6):1229-38.. Ramsay et al.1212 Ramsay J, Rutterford C, Gregory A, et al. Domestic violence: knowledge, attitudes, and clinical practice of selected UK primary healthcare clinicians. Br J Gen Pract. 2012; 62(602):e647-e655., ao estudar uma coorte de médicos e enfermeiros nas cidades de Londres e Bristol/Inglaterra, constataram que mais da metade dos profissionais não pergunta às mulheres sobre abuso em sua rotina de trabalho, sendo que 40% dos profissionais admitiram nunca - ou só raramente - interrogar a mulher sobre vivência de situações de violência, mesmo na presença de lesões físicas. D'Oliveira et al.1313 D'Oliveira AFPL, Schraiber LB, Hanada H, et al. Atenção integral à saúde de mulheres em situação de violência de gênero - uma alternativa para a atenção primária em saúde. Ciênc. Saúde Colet. 2009; 14(4):1037-50., por sua vez, afirmam a importância desses achados, uma vez que podem implicar, tanto para as mulheres quanto para os profissionais, a banalização da ocorrência, sua descaracterização e sua percepção como problema não inerente ao setor saúde.

A omissão dos profissionais mediante a violência ganha visibilidade ainda maior ao se verificar a alta proporção dos profissionais que não adotaram alguma atitude para condução dos casos, sejam eles suspeitos ou confirmados (embora um pouco menor para os últimos). Sabe-se que a busca do serviço de saúde de fato se dá, muitas vezes, pelas lesões físicas decorrentes da violência, no entanto, o atendimento a esses casos não deve restringir-se ao tratamento de tais lesões.

Embora o percentual de profissionais que agem frente à violência esteja muito aquém do desejado, é necessário reconhecer que há um melhor desempenho quando se trata de caso confirmado, pelo menos em termos quantitativos, como mostra a associação encontrada entre casos confirmados e atitudes de seguimento e agendamento de retorno da mulher, seguimento familiar e abordagem dos casos, na análise de correspondência. A explicação para tal achado seria o fato de que na evidência clara de uma violência instalada, seja pela presença de lesões ou pelo próprio relato da mulher, o profissional se sinta na obrigação de adotar alguma atitude frente a esses casos, mesmo que sejam atitudes pontuais, situação que foi explicitada por um dos participantes de uma pesquisa realizada por Kind et al.1414 Kind L, Orsini MLP, Nepomuceno V, et al. Subnotificação e (in)visibilidade de violência contra mulheres na atenção primária à saúde. Cad. Saúde Pública. 2013; 29(3):1805-1815.. Se esse é um achado positivo, a situação, no conjunto, é complexa e preocupante, por tudo que foi dito antes e ainda pelo fato a se acrescentar, agora, de que uma das atitudes mais frequentemente adotadas é exatamente o encaminhamento. Como o problema é complexo, ele demanda o envolvimento de vários setores e profissionais, com vistas à garantia de uma atenção integral a essas mulheres. No entanto, o encaminhamento sem um sistema de referência e contrarreferência e sem o conhecimento dos fluxos e de articulações bem definidas não garante a continuidade do cuidado1111 Nascimento EFGA, Ribeiro AP, Souza ER. Perceptions and practices of Angolan health care professionals concerning intimate partner violence against women. Cad. Saúde Pública. 2014; 30(6):1229-38., ao contrário disso, representaria apenas uma 'transferência' de responsabilidade a setores e profissionais que estariam mais bem preparados para esse tipo de atendimento1515 Almeida LR, Silva ATMC, Machado LS. The object, the purpose and the instruments of healthcare work processes in attending to gender-based violence in a primary care service. Interface (Botucatu) [internet]. 2014 [acesso em 2016 fev 12]; 18(48):47-59. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/icse/v18n48/1807-5762-icse-18-48-0047.pdf.
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16 Almeida LR, Silva ATMC, Machado LS. Jogos para capacitação de profissionais de saúde na atenção à violência de gênero. Revista Brasileira de Educação Médica. 2013; 37(1):110-119.
-1717 Cortes LF, Padoin SMM, Vieira LB, et al. Cuidar mulheres em situação de violência: empoderamento da enfermagem em busca de equidade de gênero. Rev. Gaúcha Enferm. 2015; 36(esp):77-84..

Outro problema crucial concerne às notificações. Os resultados mostraram que os profissionais notificam mais os casos confirmados do que os suspeitos, e, ainda assim, a análise de correspondência mostrou associação fraca entre casos confirmados e atitude de notificar, revelando, portanto, subnotificação tanto em casos suspeitos quanto em casos confirmados de violência contra a mulher. Essa realidade é identificada, também, por outros pesquisadores55 Silva EB, Padoin SMM, Vianna LAC. Violence against women: the limits and potentialities of care practice. Acta Paul Enferm. [internet]. 2013 [acesso em 2016 out 10]; 26(6):608-13. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ape/v26n6/16.pdf.
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,1414 Kind L, Orsini MLP, Nepomuceno V, et al. Subnotificação e (in)visibilidade de violência contra mulheres na atenção primária à saúde. Cad. Saúde Pública. 2013; 29(3):1805-1815.,1515 Almeida LR, Silva ATMC, Machado LS. The object, the purpose and the instruments of healthcare work processes in attending to gender-based violence in a primary care service. Interface (Botucatu) [internet]. 2014 [acesso em 2016 fev 12]; 18(48):47-59. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/icse/v18n48/1807-5762-icse-18-48-0047.pdf.
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,1818 Visentin F, Letícia BV, Trevisan I, et al. Women's primary care nursing in situations of gender violence. Invest. Educ. Enferm. 2015; 33(3):556-564..

Sabe-se que a notificação é um importante dispositivo para a geração de dados epidemiológicos que permitem desvelar a magnitude da violência contra a mulher e subsidiar a elaboração de políticas públicas de enfrentamento do problema. No Brasil, desde 2003 a suspeita ou a confirmação de casos de violência contra a mulher configura-se em agravo de notificação compulsória pelos serviços de saúde públicos ou privados1919 Brasil. Lei nº 10.778, de 24 de novembro de 2003. Estabelece a notificação compulsória, no território nacional, do caso de violência contra a mulher que for atendida em serviços de saúde públicos ou privados. Diário Oficial da União. 25 Nov 2003.. Todavia, a compulsoriedade por si só não garante o aumento das notificações1414 Kind L, Orsini MLP, Nepomuceno V, et al. Subnotificação e (in)visibilidade de violência contra mulheres na atenção primária à saúde. Cad. Saúde Pública. 2013; 29(3):1805-1815., fato que pode ser corroborado na presente pesquisa e por outros autores que mencionam a precariedade da realização desse ato em seus estudos55 Silva EB, Padoin SMM, Vianna LAC. Violence against women: the limits and potentialities of care practice. Acta Paul Enferm. [internet]. 2013 [acesso em 2016 out 10]; 26(6):608-13. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ape/v26n6/16.pdf.
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,2020 Gomes NP, Erdmann AL. Violência conjugal na perspectiva de profissionais da "Estratégia Saúde da Família": problema de saúde pública e a necessidade do cuidado à mulher. Revista Latino-Americana de Enfermagem. 2014; 22(1):1-9.. Em pesquisa realizada com profissionais de saúde na cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais/Brasil, Kind et al.1414 Kind L, Orsini MLP, Nepomuceno V, et al. Subnotificação e (in)visibilidade de violência contra mulheres na atenção primária à saúde. Cad. Saúde Pública. 2013; 29(3):1805-1815. buscaram identificar as dificuldades enfrentadas com a notificação de violências, e concluíram que esses profissionais vivenciam vários dilemas e atravessamentos diante da violência contra a mulher. Medo de retaliações, dificuldade ou constrangimento de preencher a Ficha, sobrecarga no cotidiano do serviço e dificuldade em lidar com os casos foram justificativas apresentadas para a não realização da notificação. Houve, ainda, aspectos observados pelas pesquisadoras que, segundo elas, dificultam o avanço nas discussões e ações atinentes ao problema, como, por exemplo, a concepção da notificação e da denúncia como sinonímias.

Não obstante o desempenho insuficiente dos profissionais, predomina entre eles o reconhecimento da violência contra a mulher como um problema inerente ao setor saúde, o que é também encontrado em outros estudos sobre essa temática1010 Arredondo-Provecho AB, Broco-Barredo M, Alcalá-Ponce de León T, et al. Profesionales de atención primaria de madrid y violencia de pareja hacia la mujer en el año 2010. Revista Española de Salud Pública. 2012; 86(1):85-99.

11 Nascimento EFGA, Ribeiro AP, Souza ER. Perceptions and practices of Angolan health care professionals concerning intimate partner violence against women. Cad. Saúde Pública. 2014; 30(6):1229-38.
-1212 Ramsay J, Rutterford C, Gregory A, et al. Domestic violence: knowledge, attitudes, and clinical practice of selected UK primary healthcare clinicians. Br J Gen Pract. 2012; 62(602):e647-e655.,2020 Gomes NP, Erdmann AL. Violência conjugal na perspectiva de profissionais da "Estratégia Saúde da Família": problema de saúde pública e a necessidade do cuidado à mulher. Revista Latino-Americana de Enfermagem. 2014; 22(1):1-9.,2121 Gomes NP, Garcia TCS, Conceição CR, et al. Violência conjugal: elementos que favorecem o reconhecimento do agravo. Saúde debate. 2012; 36(95):514-522.. O fato de ser esse reconhecimento maior entre profissionais mais jovens é corroborado por Machado et al.2222 Machado C, Matos M, Saavedra R, et al. Crenças e atitudes dos profissionais face à violência conjugal: estudos com profissionais de saúde, polícias e professores. Acta médica portuguesa [internet]. 2009 [acesso em 2015 dez 11]; 22(6):735-742. Disponível em: http://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/30941/1/Revista%20Ata%20Me%CC%81dica%20VD%20crenc%CC%A7as%20e%20atitudes%20dos%20profissionais.pdf.
http://repositorium.sdum.uminho.pt/bitst...
, ao estudar as crenças e atitudes de profissionais da saúde, agentes de segurança e professores, em face da violência conjugal. As autoras analisam esse achado como resultante do fato de os profissionais mais novos terem crescido num contexto social onde se assiste a uma consciência cada vez maior dos direitos humanos, da importância da igualdade nas relações íntimas e dos efeitos deletérios da violência na vida das mulheres, nos aspectos psicológicos, sociais e de saúde.

Apesar desse conhecimento, há trabalhos que revelam, assim como aconteceu com uma parcela significativa de participantes da nossa pesquisa, que muitos profissionais não reconhecem a violência contra a mulher como objeto de trabalho em saúde44 Kiss LB, Schraiber LB. Temas médico-sociais e a intervenção em saúde: a violência contra mulheres no discurso dos profissionais. Ciênc. Saúde Colet. 2011; 16(3):1943-52.,88 Coll-Vinent B, Echeverría T, Farràs Ú, et al. El personal sanitario no percibe la violencia doméstica como un problema de salud. Gaceta Sanitaria. 2008;22(1):7-10.,1515 Almeida LR, Silva ATMC, Machado LS. The object, the purpose and the instruments of healthcare work processes in attending to gender-based violence in a primary care service. Interface (Botucatu) [internet]. 2014 [acesso em 2016 fev 12]; 18(48):47-59. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/icse/v18n48/1807-5762-icse-18-48-0047.pdf.
http://www.scielo.br/pdf/icse/v18n48/180...
,1616 Almeida LR, Silva ATMC, Machado LS. Jogos para capacitação de profissionais de saúde na atenção à violência de gênero. Revista Brasileira de Educação Médica. 2013; 37(1):110-119.,2323 D'Oliveira AFPL, Schraiber LB. Mulheres em situação de violência: entre rotas críticas e redes intersetoriais de atenção. Rev. Med (São Paulo). 2013; 92(2):134-40.,2424 Vale SLL, Medeiros CMR, Cavalcanti CO, et al. Repercussões psicoemocionais da violência doméstica: perfil de mulheres na atenção básica. Revista da Rede de Enfermagem do Nordeste. 2013; 14(4):683-93.. Assim, ainda que nossos resultados sejam positivos ao identificar níveis relativamente baixos de não reconhecimento da relação inerente à violência e à saúde das mulheres e, portanto, do seu enfrentamento pelo setor saúde, não se pode minimizar a presença de respostas negativas ou omissas, principalmente quando elas envolvem parcela de profissionais que ocupam cargos na gestão, na referência técnica/coordenação de atenção à mulher em situação de violência e papel direto na atenção, como, por exemplo, assistentes sociais e profissionais de nível médio, entre eles, os ACS, pois, atuando na rede de atenção à mulher em situação de violência em diversos setores, esses profissionais são os responsáveis pelo enfrentamento do problema e pela promoção de uma atenção integral às mulheres que vivenciam tais situações.

Os gestores desempenham papel fundamental no planejamento e na implementação das ações e políticas públicas, além de participarem da alocação de recursos para instrumentalizar os serviços e profissionais que lidam com o problema da violência contra a mulher em seu cotidiano de trabalho. Os responsáveis pela saúde da mulher, na qualidade de coordenadores ou de referências técnicas, trabalham na formação e na capacitação de prestadores de cuidado e ainda têm a função de articuladores da rede de atenção de forma a fornecer uma resposta intersetorial para o problema da violência contra a mulher. Contudo, parece subsistir uma relutância ou hesitação por parte desses profissionais responsáveis pela saúde da mulher em intervir, e essa postura pode dever-se à falta de conhecimento e de reconhecimento da violência como problema a ser enfrentado pelo setor saúde, conforme aponta um estudo que analisou as agendas públicas locais de saúde, direcionadas ao enfrentamento da violência contra as mulheres rurais, na perspectiva dos gestores de municípios da Metade Sul do Rio Grande do Sul2525 Costa MC, Lopes MJM, Soares JSF. Agendas públicas de saúde no enfrentamento da violência contra mulheres rurais: análise do nível local no Rio Grande do Sul, Brasil. Ciênc. Saúde Colet. 2015; 20(5):1379-1387.. As autoras identificaram uma tendência de 'transferência de responsabilidade' do setor saúde para o setor de segurança, o que, na opinião delas, resulta na exclusão da violência nas prioridades em saúde, no entendimento de que a violência é de competência de outra esfera.

Não é, contudo, apenas entre gestores e responsáveis pela atenção à saúde da mulher que essa concepção foi identificada, apesar de, como já se disse, a violência contra a mulher ser um problema complexo, que produz demandas das mulheres que extrapolam o poder de resolutividade de um único setor1515 Almeida LR, Silva ATMC, Machado LS. The object, the purpose and the instruments of healthcare work processes in attending to gender-based violence in a primary care service. Interface (Botucatu) [internet]. 2014 [acesso em 2016 fev 12]; 18(48):47-59. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/icse/v18n48/1807-5762-icse-18-48-0047.pdf.
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,2626 Menezes PRM, Lima IS, Correia CM, et al. Enfrentamento da violência contra a mulher: articulação intersetorial e atenção integral. Saúde e sociedade. 2014; 23(3):778-786.. Os assistentes sociais também demonstraram falta de reconhecimento do papel do setor saúde no enfrentamento desse problema, fato que revela a necessidade de se buscar, entre esses profissionais, uma melhor compreensão das diferentes dimensões da existência do sofrimento das mulheres em situação de violência, entre elas, os prejuízos à saúde.

Reafirmando tal necessidade, Gomes et al.2727 Gomes NP, Erdmann AL, Gomes NR, et al. Apoio social à mulher em situação de violência conjugal. Rev. salud pública. 2015; 17(6):823-835. referem que o assistente social vem ganhando espaço de atuação no cenário da saúde, a partir do reconhecimento do potencial que esse profissional possui de identificar e intervir nos problemas sociais que interferem no processo de adoecimento das mulheres em situação de violência.

A necessidade de aumentar o reconhecimento da violência contra as mulheres como objeto de atuação do setor saúde se estende, também, à parcela dos profissionais de nível médio, entre eles, os ACS, pois tais profissionais, como apontam alguns estudos2828 Berger SMD, Barbosa RHS, Soares CT, et al. Educating Community Health Agents to face gender violence: contributions from Popular Education and feminist pedagogy. Interface (Botucatu) [internet]. 2014 [acesso em 2016 jan 10];18(supl):1241-1254. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/icse/v18s2/1807-5762-icse-18-s2-1241.pdf.
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29 Fonseca RMGS, Leal AERB, Skubs T, et al. Violência doméstica contra a mulher na visão do agente comunitário de saúde. Revista Latino-Americana de Enfermagem. 2009; 17(6):974-80.
-3030 Signorelle MC, Auad D, Pereira PPG. Violência doméstica contra mulheres e a atuação profissional na atenção primária à saúde: um estudo etnográfico em Matinhos, Paraná, Brasil. Cad. Saúde Pública. 2013; 29(6):1230-1240., são atores estratégicos na atenção a mulheres em situação de violência. Estudo que buscou compreender a visão do ACS acerca da violência contra a mulher mostrou que as posições e concepções desses profissionais estavam majoritariamente apoiadas no senso comum e pautadas na ideologia da dominação masculina com relação à violência de gênero2929 Fonseca RMGS, Leal AERB, Skubs T, et al. Violência doméstica contra a mulher na visão do agente comunitário de saúde. Revista Latino-Americana de Enfermagem. 2009; 17(6):974-80., o que coloca em evidência o despreparo desses profissionais frente à violência contra a mulher. Nesse sentido, a capacitação do ACS pode ser um foco importante, pois o reconhecimento desses agravos requer um elevado grau de suspeição e sensibilidade para a sua adequada detecção, capaz de desnaturalizar situações, estimular e fornecer subsídios para o agir3131 Hesler LZ, Costa MC, Resta DG, et al. Violência contra as mulheres na perspectiva dos agentes comunitários de saúde. Rev. Gaúcha Enferm. 2013; 34(1):180-186.. Ainda no mesmo sentido, Silva et al.3232 Silva EB, Padoin SMM, Vianna LAC. Violência contra a mulher e a prática assistencial na percepção dos profissionais da saúde. Texto Contexto Enferm. 2015b; 24(1):229-37. referem que a reflexão e a discussão da prática assistencial, na perspectiva do gênero, podem subsidiar os profissionais na construção de condutas e fazer com que pensem em mecanismos que suplantem as dificuldades conjugais de mulheres e homens que vivem em situação de violência, geradas pelas desigualdades de gênero.

No tocante às razões da falta de reconhecimento identificada entre os profissionais participantes da pesquisa, da violência contra a mulher como problemática a ser enfrentada pelo setor saúde, a literatura atual sobre o tema aponta vários fatores que despontam como hipóteses explicativas para esse achado, todos indicativos de deficiências no processo de formação dos profissionais para lidarem com questões complexas como a violência contra a mulher1515 Almeida LR, Silva ATMC, Machado LS. The object, the purpose and the instruments of healthcare work processes in attending to gender-based violence in a primary care service. Interface (Botucatu) [internet]. 2014 [acesso em 2016 fev 12]; 18(48):47-59. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/icse/v18n48/1807-5762-icse-18-48-0047.pdf.
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,2525 Costa MC, Lopes MJM, Soares JSF. Agendas públicas de saúde no enfrentamento da violência contra mulheres rurais: análise do nível local no Rio Grande do Sul, Brasil. Ciênc. Saúde Colet. 2015; 20(5):1379-1387., 3333 Guedes RN, Fonseca RMGS, Egry EY. Limites e possibilidades avaliativas da Estratégia de Saúde da Família para a violência de gênero. Rev. Esc. Enferm. USP. 2013; 47(2):304-11.,3434 Pedrosa CM, Spink MJP. A violência contra mulher no cotidiano dos serviços de saúde: desafios para a formação médica. Saúde Soc. São Paulo. 2011; 20(1):124-135..

A nosso ver, o sucesso no reconhecimento e no enfrentamento da violência contra as mulheres pelos profissionais que as atendem, seja nos serviços de saúde ou em outros pontos da rede de atenção, tem como ponto central a forma como os profissionais abordam essa questão junto às mulheres por eles atendidas, em contradição com a reconhecida dificuldade dos profissionais, sobretudo os da saúde, na condução desse processo, como mostram os inúmeros estudos sobre o tema44 Kiss LB, Schraiber LB. Temas médico-sociais e a intervenção em saúde: a violência contra mulheres no discurso dos profissionais. Ciênc. Saúde Colet. 2011; 16(3):1943-52.,1515 Almeida LR, Silva ATMC, Machado LS. The object, the purpose and the instruments of healthcare work processes in attending to gender-based violence in a primary care service. Interface (Botucatu) [internet]. 2014 [acesso em 2016 fev 12]; 18(48):47-59. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/icse/v18n48/1807-5762-icse-18-48-0047.pdf.
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, 2323 D'Oliveira AFPL, Schraiber LB. Mulheres em situação de violência: entre rotas críticas e redes intersetoriais de atenção. Rev. Med (São Paulo). 2013; 92(2):134-40.,2525 Costa MC, Lopes MJM, Soares JSF. Agendas públicas de saúde no enfrentamento da violência contra mulheres rurais: análise do nível local no Rio Grande do Sul, Brasil. Ciênc. Saúde Colet. 2015; 20(5):1379-1387.,3535 Hanada H, D'Oliveira AFPL, Schraiber LB. Os psicólogos na rede de assistência a mulheres em situação de violência. Estudos Feministas. 2010; 18(1):33-60.,3636 Schraiber LB, D'Oliveira AFPL, Hanada H, et al. Assistência a mulheres em situação de violência: da trama de serviços à rede intersetorial. Athenea Digital [internet]. 2012 [acesso em 2017 maio 21]; 12(3):237-54. Disponível em: http://atheneadigital.net/article/view/v12-n3-schraiber-pires-hanada-etal/1110-pdf-pt.
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.

Importante aspecto que guarda relação com o reconhecimento desse agravo pelos profissionais que lidam com mulheres em situação de violência diz respeito à construção social de gênero2121 Gomes NP, Garcia TCS, Conceição CR, et al. Violência conjugal: elementos que favorecem o reconhecimento do agravo. Saúde debate. 2012; 36(95):514-522.. Muitos estudos revelam que os profissionais, sobretudo os da saúde, trazem para o campo da prática profissional fortes traços da construção da identidade de gênero44 Kiss LB, Schraiber LB. Temas médico-sociais e a intervenção em saúde: a violência contra mulheres no discurso dos profissionais. Ciênc. Saúde Colet. 2011; 16(3):1943-52.,2929 Fonseca RMGS, Leal AERB, Skubs T, et al. Violência doméstica contra a mulher na visão do agente comunitário de saúde. Revista Latino-Americana de Enfermagem. 2009; 17(6):974-80.,3333 Guedes RN, Fonseca RMGS, Egry EY. Limites e possibilidades avaliativas da Estratégia de Saúde da Família para a violência de gênero. Rev. Esc. Enferm. USP. 2013; 47(2):304-11., 3434 Pedrosa CM, Spink MJP. A violência contra mulher no cotidiano dos serviços de saúde: desafios para a formação médica. Saúde Soc. São Paulo. 2011; 20(1):124-135.,3737 De Ferrante FG, Santos MA, Vieira EM. Violência contra a mulher: percepção dos médicos das unidades básicas de saúde da cidade de Ribeirão Preto, São Paulo. Interface Comun. Saúde Educ. [internet]. 2009 [acesso em 2016 maio 19]; 13(31):287-99. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/icse/v13n31/a05v1331.pdf.
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, que reproduzem a naturalização da opressão feminina no âmbito da atenção à saúde1616 Almeida LR, Silva ATMC, Machado LS. Jogos para capacitação de profissionais de saúde na atenção à violência de gênero. Revista Brasileira de Educação Médica. 2013; 37(1):110-119., fato que dificulta o exercício da prática profissional como instrumento de emancipação social da mulher2929 Fonseca RMGS, Leal AERB, Skubs T, et al. Violência doméstica contra a mulher na visão do agente comunitário de saúde. Revista Latino-Americana de Enfermagem. 2009; 17(6):974-80.,3333 Guedes RN, Fonseca RMGS, Egry EY. Limites e possibilidades avaliativas da Estratégia de Saúde da Família para a violência de gênero. Rev. Esc. Enferm. USP. 2013; 47(2):304-11.. Desse modo, as intervenções direcionadas às mulheres em situação de violência são orientadas pelo entendimento que os profissionais têm sobre o fenômeno e as necessidades apresentadas pelas pessoas que o vivenciam, necessitando, portanto, que esses profissionais tenham consciência e clareza das próprias crenças e concepções, de forma que julgamentos morais não interfiram negativamente em suas ações3535 Hanada H, D'Oliveira AFPL, Schraiber LB. Os psicólogos na rede de assistência a mulheres em situação de violência. Estudos Feministas. 2010; 18(1):33-60..

Uma das dificuldades da inclusão da violência nas agendas de saúde se associa à 'invisibilidade' do fenômeno pelos gestores e responsáveis pela saúde da mulher nos municípios estudados, uma vez que, se o problema 'não existe', ele não se coloca enquanto problemática geradora de práticas em saúde2525 Costa MC, Lopes MJM, Soares JSF. Agendas públicas de saúde no enfrentamento da violência contra mulheres rurais: análise do nível local no Rio Grande do Sul, Brasil. Ciênc. Saúde Colet. 2015; 20(5):1379-1387..

Por várias razões, as mulheres que buscam atendimento nos serviços de saúde apresentam dificuldades em relatar aos profissionais a vivência de violência, estabelecendo-se, então, uma espécie de pacto tácito onde 'as mulheres não contam e os profissionais não perguntam'66 Baraldi ACP, Almeida AMD, Perdoná GC, et al. Violência contra a mulher na rede de atenção básica: o que os enfermeiros sabem sobre o problema?. Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil. 2012; 12(3):307-318.. Esse fenômeno, nomeado como a 'invisibilidade' da violência no campo da saúde2323 D'Oliveira AFPL, Schraiber LB. Mulheres em situação de violência: entre rotas críticas e redes intersetoriais de atenção. Rev. Med (São Paulo). 2013; 92(2):134-40.,3838 Schraiber LB, D'Oliveira AFPL. Violência contra mulheres: interfaces com a saúde. Interface Comum. Saúde Educ. [internet] 1999 [acesso em 2016 jun 13]; 3(5):11-26. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/icse/v3n5/03.pdf.
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,3939 Schraiber LB, D'Oliveira AFPL, Hanada H, et al. Violência vivida: a dor que não tem nome. Interface Comun. Saúde Educ. [internet]. 2003 [acesso em 2016 maio 12]; 7(12):41-54. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/icse/v7n12/v7n12a03.pdf.
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, tem sido atribuído por muitos autores, em grande medida, pelas práticas assistenciais reduzidas ao biologicismo e fragmentadas, hegemônicas nas profissões em saúde44 Kiss LB, Schraiber LB. Temas médico-sociais e a intervenção em saúde: a violência contra mulheres no discurso dos profissionais. Ciênc. Saúde Colet. 2011; 16(3):1943-52.,2424 Vale SLL, Medeiros CMR, Cavalcanti CO, et al. Repercussões psicoemocionais da violência doméstica: perfil de mulheres na atenção básica. Revista da Rede de Enfermagem do Nordeste. 2013; 14(4):683-93.,3434 Pedrosa CM, Spink MJP. A violência contra mulher no cotidiano dos serviços de saúde: desafios para a formação médica. Saúde Soc. São Paulo. 2011; 20(1):124-135.. Ao se reduzir o problema ao âmbito biológico, ocorre uma valorização da queixa física e do sinal para reconhecer a patologia, tratar e cuidar3232 Silva EB, Padoin SMM, Vianna LAC. Violência contra a mulher e a prática assistencial na percepção dos profissionais da saúde. Texto Contexto Enferm. 2015b; 24(1):229-37., fato que leva os profissionais a direcionar seus olhares ao corpo individualizado e apartado da sua existência psíquica, das especificidades de sua inserção social e das significações culturais atribuídas à experiência do indivíduo no mundo, conforme muito bem colocado por Kiss e Schraiber44 Kiss LB, Schraiber LB. Temas médico-sociais e a intervenção em saúde: a violência contra mulheres no discurso dos profissionais. Ciênc. Saúde Colet. 2011; 16(3):1943-52..

Aliada aos fatores já descritos, a falta de capacitação profissional para lidar com a questão tem sido amplamente difundida na literatura atual como um fator que dificulta a atenção às mulheres em situação de violência, especialmente ao reconhecimento do agravo pelos profissionais22 World Health Organization. Global and regional estimates of violence against women: prevalence and health effects of intimate partner violence and nonpartner sexual violence. Geneva: World Health Organization; 2013.,33 Silva EB, Padoin SMM, Vianna LAC. Mulher em situação de violência: limites da assistência. Ciênc. Saúde Colet. 2015a; 20(1):249-258.,1515 Almeida LR, Silva ATMC, Machado LS. The object, the purpose and the instruments of healthcare work processes in attending to gender-based violence in a primary care service. Interface (Botucatu) [internet]. 2014 [acesso em 2016 fev 12]; 18(48):47-59. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/icse/v18n48/1807-5762-icse-18-48-0047.pdf.
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,1818 Visentin F, Letícia BV, Trevisan I, et al. Women's primary care nursing in situations of gender violence. Invest. Educ. Enferm. 2015; 33(3):556-564.,2525 Costa MC, Lopes MJM, Soares JSF. Agendas públicas de saúde no enfrentamento da violência contra mulheres rurais: análise do nível local no Rio Grande do Sul, Brasil. Ciênc. Saúde Colet. 2015; 20(5):1379-1387.,2626 Menezes PRM, Lima IS, Correia CM, et al. Enfrentamento da violência contra a mulher: articulação intersetorial e atenção integral. Saúde e sociedade. 2014; 23(3):778-786.,4040 Stewart DE, Aviles R, Guedes A, et al. Latin American and Caribbean countries' baseline clinical and policy guidelines for responding to intimate partner violence and sexual violence against women. BMC Public Health. 2015; 15(1):665..

Um estudo realizado no Rio Grande do Sul/Brasil, com o objetivo de analisar as limitações da prática assistencial de profissionais de equipes de saúde da família a mulheres em situação de violência, mostrou que o despreparo desses profissionais para lidar com a violência foi por eles apontado como uma das condições restritivas a uma prática eficiente33 Silva EB, Padoin SMM, Vianna LAC. Mulher em situação de violência: limites da assistência. Ciênc. Saúde Colet. 2015a; 20(1):249-258..

Ainda no mesmo sentido, em uma pesquisa com macrogestores da saúde, enfermeiros, médicos, psicólogos e técnicos de enfermagem, em três hospitais nacionais de Luanda/Angola, a visão de que a falta de capacitação profissional representa a maior dificuldade de atuação frente às situações de violência foi unânime entre os entrevistados1111 Nascimento EFGA, Ribeiro AP, Souza ER. Perceptions and practices of Angolan health care professionals concerning intimate partner violence against women. Cad. Saúde Pública. 2014; 30(6):1229-38.. Realidade apresentada, também, em outro trabalho realizado em Londres e Bristol/Inglaterra, com médicos e enfermeiros, que constatou a falta de preparo desses profissionais para atender às necessidades de mulheres em situação de violência1212 Ramsay J, Rutterford C, Gregory A, et al. Domestic violence: knowledge, attitudes, and clinical practice of selected UK primary healthcare clinicians. Br J Gen Pract. 2012; 62(602):e647-e655..

Essa deficiência incide negativamente, é claro, no processo de reconhecimento e abordagem da violência contra a mulher pelos prestadores de cuidados e falaria a favor da necessidade de capacitação profissional identificada, que, neste estudo, elucida o baixo desempenho dos profissionais para abordar casos suspeitos e confirmados de violência contra a mulher, bem como para a realização de ações direcionadas a esse público na rotina dos serviços. Dessa constatação também emerge a necessidade de integrar temas relacionados à violência contra a mulher nos currículos de graduação de todos os prestadores de cuidados à mulher em situação de violência, bem como a formação em serviço, conforme tem sido, também, apontado por muitos estudos22 World Health Organization. Global and regional estimates of violence against women: prevalence and health effects of intimate partner violence and nonpartner sexual violence. Geneva: World Health Organization; 2013.,1212 Ramsay J, Rutterford C, Gregory A, et al. Domestic violence: knowledge, attitudes, and clinical practice of selected UK primary healthcare clinicians. Br J Gen Pract. 2012; 62(602):e647-e655.,1818 Visentin F, Letícia BV, Trevisan I, et al. Women's primary care nursing in situations of gender violence. Invest. Educ. Enferm. 2015; 33(3):556-564.,2020 Gomes NP, Erdmann AL. Violência conjugal na perspectiva de profissionais da "Estratégia Saúde da Família": problema de saúde pública e a necessidade do cuidado à mulher. Revista Latino-Americana de Enfermagem. 2014; 22(1):1-9.,3434 Pedrosa CM, Spink MJP. A violência contra mulher no cotidiano dos serviços de saúde: desafios para a formação médica. Saúde Soc. São Paulo. 2011; 20(1):124-135..

Em que pese à reivindicação por capacitação profissional e a reafirmação, na literatura brasileira, da capacitação de profissionais como estratégia eficaz, é intrigante reparar, conforme foi revelado em revisão sistemática que avaliou a eficácia das intervenções para a prevenção da violência contra mulheres e meninas, que a formação do pessoal da segurança e da polícia e a capacitação de profissionais de saúde, de forma isolada, não constituem caminho adequado para o investimento de recursos, pois não há evidência científica suficiente para recomendá-las. Ao contrário disso, a evidência indica que ações multicomponentes podem ser mais eficazes do que ação isolada4141 Jewkes R, Hilker LM, Khan S, et al. What works to prevent violence against women and girls - Evidence Reviews: Response mechanisms to prevent violence against women and girls [internet]. What Works to Prevent Violence; 2015 [acesso em 2018 dez 12]. Disponível em: https://www.whatworks.co.za/documents/publications/36-global-evidence-reviews-paper-3-response-mechanisms-to-prevent-violence-against-women-and-girls/file.
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. Corroborando tal formulação, estudo realizado na Alemanha sobre a experiência de implantação de projeto piloto para melhorar a abordagem de médicos a mulheres em situação de violência mostrou que a combinação da abordagem pessoal (sensibilização) desses profissionais, formação específica e trabalho em rede, produziu melhorias na abordagem desse problema4242 Graß H, Berendes L, Mützel E, et al. Medizinische Intervention gegen Gewalt an Frauen. Rechtsmedizin. 2013; 23(3):180-185..

Outro importante estudo controlado randomizado, realizado em Londres e Bristol/Inglaterra, que avaliou a eficácia de treinamento associado à implantação de programa informatizado para dar suporte aos encaminhamentos feitos, com fluxos bem definidos e ainda combinado com suporte ao profissional e às mulheres encaminhadas por eles, concluiu por fortes evidências que tal intervenção melhora a resposta dos clínicos às mulheres em vivência de violência doméstica, além de permitir o acesso à defesa, que, nesse caso, tem o potencial de reduzir a revitimização e melhorar a qualidade de vida e os resultados de saúde dessas mulheres4343 Feder G, Davies RA, Baird K, et al. Identification and Referral to Improve Safety (IRIS) of women experiencing domestic violence with a primary care training and support programme: a cluster randomised controlled trial. The Lancet. 2011; 378(9805):1788-1795..

Considerações finais

Desvelar a violência contra a mulher é um desafio que precisa ser assumido como compromisso pelos profissionais que atuam na rede de atenção às mulheres. Em que pese a sua elevada magnitude e repercussões que causam na vida das mulheres, a violência é um problema que permanece oculto e, por vezes, ignorado pelos profissionais. O baixo desempenho na abordagem dos casos de violência contra a mulher, sejam eles suspeitos ou confirmados, identificado neste estudo, faz um convite à reflexão sobre o cuidado que tem sido prestado às mulheres em situação de violência. A promoção de uma atenção integral a esse público exige o reconhecimento do problema em toda a sua complexidade, requerendo dos profissionais que o atendem sensibilidade para acolher a violência como demanda das mulheres, além da reorientação das práticas profissionais de forma a romper com o modelo tradicional hegemônico, fragmentado e exclusivamente biológico.

Ainda que a notificação de casos de violência seja de cunho obrigatório em todo território nacional, o predomínio da subnotificação aponta para a necessidade de sensibilizar os profissionais quanto à importância dessa ação para dar visibilidade ao problema da violência e subsidiar políticas para seu enfrentamento.

O estudo aponta, ainda, a necessidade de elevar o reconhecimento da violência contra a mulher como um problema inerente, não apenas, mas também, ao setor saúde, sendo a falta de reconhecimento indicativa de deficiências na formação dos profissionais para lidar com questões complexas como a violência. As atitudes profissionais pautadas em valores e crenças pessoais, práticas assistenciais fragmentadas e com enfoque biológico e a falta de capacitação profissional despontam como fatores que dificultam o reconhecimento desse agravo pelos profissionais e constituem um grande obstáculo para uma atuação eficiente frente aos casos de violência contra a mulher.

Os desafios são grandes e, como problema complexo, exigem, também, soluções complexas. A inclusão de temas relacionados à violência contra a mulher nos currículos de graduação dos profissionais e a capacitação profissional para o atendimento aos casos se configuram como estratégias muito importantes, no entanto, só terão eficácia de fato se integradas a outros componentes, como, por exemplo, a sensibilização dos profissionais para trabalharem com essa problemática e a capacitação para o trabalho em rede e de forma interdisciplinar.

  • Suporte financeiro: não houve

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2018

Histórico

  • Recebido
    30 Maio 2017
  • Aceito
    19 Nov 2018
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde RJ - Brazil
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