RESUMO
Este estudo avaliou a implantação da reconciliação de medicamentos em um hospital multibloco, filantrópico e de ensino com a utilização de um sistema eletrônico para realizar o registro da atividade com atuação multiprofissional. Foram capacitados 438 profissionais da enfermagem sobre a reconciliação de medicamentos. De outubro de 2017 a março de 2018, foram registradas pelo enfermeiro, no prontuário eletrônico, a informação sobre uso prévio de medicamentos para 1.379 pacientes. Foram reconciliados pelo farmacêutico apenas 347 destes registros, sendo que 106 precisaram de intervenção com médico prescritor. O número de pacientes que tiveram o medicamento informado como de uso prévio prescrito sem nenhuma alteração foi de 180, os que tiveram o medicamento prescrito com alguma alteração foram 47, e os que não possuíam os medicamentos informados prescritos foram 106. A utilização de sistemas informatizados pode ser útil para as equipes executarem a reconciliação medicamentosa, mas depende da correta utilização do sistema e treinamento das equipes. O acompanhamento diário do farmacêutico clínico aumenta a segurança do paciente quanto ao uso de medicamentos dentro dos hospitais, entretanto, para executar a atividade, é necessário realizar algumas medidas de melhoria para obter o cumprimento da reconciliação de medicamentos dos pacientes na sua totalidade.
PALAVRAS-CHAVE
Reconciliação de medicamentos; Segurança do paciente; Erros de medicação
Introdução
Os eventos adversos no processo de assistência à saúde são frequentes em todos os países do mundo, influenciando diretamente na segurança do paciente. Esta, por sua vez, já está sendo considerada como um problema de saúde pública, como a obesidade, os acidentes com veículos motores e o câncer de mama11 Brasil. Ministério da Saúde, Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Fundação Oswaldo Cruz; Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais. Protocolo de Segurança na Prescrição, uso e Administração de Medicamentos. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2013..
Os erros de medicação foram identificados como o tipo de erro mais comum que afetam a segurança dos pacientes e como a causa mais comum possível de ser evitada22 Reis GS, Costa JM. Erros de Medicação no Cotidiano dos Profissionais de um Hospital de Ensino: Estudo Descritivo Exploratório. Rev. Bras. Farm. Hosp. Serv. Saúde. 2012; 3(2):30-33.
3 Feleke SM, Mulatu MA, Yesmaw YS. Medication administration error: magnitude and associated factors among nurses in Ethiopia. BMC nurs. 2015; 14(53):1-8.-44 Schuch AZ, Zuckermann J, Santos MEF, et al. Reconciliação de medicamentos na admissão em uma unidade de oncologia pediátrica. Rev. Bras. Farm. Hosp. Serv. Saúde. 2013; 4(2):35-39..
Erros de medicação contribuem para o aumento da morbidade hospitalar, podendo ou não ser originados no serviço de farmácia hospitalar. Todavia, esta deve participar em todas as etapas e processos envolvendo medicamentos no hospital, sendo, por isso, corresponsável quando da ocorrência de desfechos mórbidos que incluam, entre seus determinantes, medicamentos e terapêutica medicamentosa55 Vilchis JFR, Rems EDS. Politicas farmacêuticas y estudios de actualización de medicamentos em Latinoamérica. México: Universidad Autónoma Metropolitana; 2003..
A farmacoterapia tem um caráter multiprofissional intrínseco, uma vez que envolve diferentes profissionais direta ou indiretamente no cuidado ao paciente. Dessa maneira, todos devem observar e minimizar as possíveis falhas no processo, visando garantir a segurança do paciente e a manutenção das boas práticas assistenciais66 Berdot S, Roudot M, Schramm C, et al. Interventions to reduce nurses' medication administration errors in inpatient settings: a systematic review and meta-analysis. Int J Nurs Stud. 2016; 53:342-350..
Os hospitais atendem a muitos pacientes que utilizam previamente medicamentos no seu domicílio e que devem ser reavaliados em cada atendimento realizado. O correto manejo da farmacoterapia, dessa forma, torna a reconciliação medicamentosa uma ferramenta fundamental para a segurança dos pacientes.
A reconciliação de medicamentos é uma atividade que busca reduzir discrepâncias da prescrição, como duplicidades ou omissões de medicamentos, e tem como objetivo a prevenção de erros de medicação77 Conselho Federal de Farmácia. Serviços farmacêuticos diretamente destinados ao paciente, à família e à comunidade: contextualização e arcabouço conceitual. Brasília, DF: Conselho Federal de Farmácia; 2016.. É descrita como um processo para obtenção de uma lista completa, precisa e atualizada dos medicamentos que cada paciente utiliza em casa (incluindo nome, dosagem, frequência e via de administração), a ser comparada com as prescrições médicas feitas na admissão, transferência, consultas ambulatoriais com outros médicos e alta hospitalar88 Joint Commission on Accreditation of Healthcare Organizations. Hospital National Patient Safety Goals Effective [internet]. 2018 [acesso em 2018 jan 12]. Disponível em: https:// https://www.jointcommission.org/assets/1/6/NPSG_Chapter_HAP_Jan2018.pdf//.
https://www.jointcommission.org/assets/1... ,99 Lindenmeyer LP, Goulart VP, Hegele V. Reconciliação Medicamentosa como Estratégia para a Segurança do Paciente Oncológico: Resultados de um estudo piloto. Rev. Bras. Farm. Hosp. Serv. Saúde. 2013; 4(4):51-55..
As organizações internacionais e nacionais de acreditação consideram a reconciliação medicamentosa como uma prioridade, pois essa atividade é uma ferramenta-chave na prevenção de eventos adversos44 Schuch AZ, Zuckermann J, Santos MEF, et al. Reconciliação de medicamentos na admissão em uma unidade de oncologia pediátrica. Rev. Bras. Farm. Hosp. Serv. Saúde. 2013; 4(2):35-39.,88 Joint Commission on Accreditation of Healthcare Organizations. Hospital National Patient Safety Goals Effective [internet]. 2018 [acesso em 2018 jan 12]. Disponível em: https:// https://www.jointcommission.org/assets/1/6/NPSG_Chapter_HAP_Jan2018.pdf//.
https://www.jointcommission.org/assets/1... .
A Sociedade Espanhola de Farmácia Hospitalar tem como meta implantar, até 2020, em todos os hospitais do País, a normatização do processo de reconciliação tanto no ingresso como na alta hospitalar1010 Marques LFG, Lieber NSR. Segurança do paciente no uso de medicamentos após a alta hospitalar: estudo exploratório. Saúde Soc. 2014; 23(4):1431-1444.. No Brasil, a realidade das instituições é diferente, sendo que mais estudos são necessários sobre a implantação da reconciliação de medicamentos, bem como comprovação dos resultados dessa intervenção quando realizada nos diversos serviços de saúde88 Joint Commission on Accreditation of Healthcare Organizations. Hospital National Patient Safety Goals Effective [internet]. 2018 [acesso em 2018 jan 12]. Disponível em: https:// https://www.jointcommission.org/assets/1/6/NPSG_Chapter_HAP_Jan2018.pdf//.
https://www.jointcommission.org/assets/1... ,99 Lindenmeyer LP, Goulart VP, Hegele V. Reconciliação Medicamentosa como Estratégia para a Segurança do Paciente Oncológico: Resultados de um estudo piloto. Rev. Bras. Farm. Hosp. Serv. Saúde. 2013; 4(4):51-55.,1111 Frizon F, Santos AH, Caldeira LF, et al. Reconciliação de medicamentos em hospital universitário. Rev. enferm. UERJ. 2014; 22(4):454-60..
O paciente está vulnerável e propenso a erros durante a permanência no ambiente hospitalar. Muitas vezes, essa vulnerabilidade é atribuída à comunicação ineficiente entre as diferentes equipes assistenciais e à perda de informações importantes durante seu trajeto dentro do hospital99 Lindenmeyer LP, Goulart VP, Hegele V. Reconciliação Medicamentosa como Estratégia para a Segurança do Paciente Oncológico: Resultados de um estudo piloto. Rev. Bras. Farm. Hosp. Serv. Saúde. 2013; 4(4):51-55.. Informações incompletas ou a falta destas pode prejudicar a terapia medicamentosa durante a internação hospitalar, resultando em eventos adversos99 Lindenmeyer LP, Goulart VP, Hegele V. Reconciliação Medicamentosa como Estratégia para a Segurança do Paciente Oncológico: Resultados de um estudo piloto. Rev. Bras. Farm. Hosp. Serv. Saúde. 2013; 4(4):51-55..
De acordo com a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 585, de 29 de agosto de 2013, elaborar uma lista atualizada dos medicamentos utilizados pelos pacientes durante os processos de admissão, transferência e alta faz parte das atribuições clínicas do profissional farmacêutico1212 Conselho Federal de Farmácia. Resolução número 585, de 29 de agosto de 2013. Regulamenta as atribuições clínicas do farmacêutico e dá outras providências. Diário Oficial da União. 30 Ago 2013.. A Joint Comission International orienta que, para a acreditação hospitalar, deve estar disponível para a farmácia, no prontuário dos pacientes, uma lista dos medicamentos que estes faziam uso antes da internação. Segundo a mesma instituição, essa lista deve ser comparada com a prescrição posterior à internação, de acordo com o processo estabelecido por cada instituição88 Joint Commission on Accreditation of Healthcare Organizations. Hospital National Patient Safety Goals Effective [internet]. 2018 [acesso em 2018 jan 12]. Disponível em: https:// https://www.jointcommission.org/assets/1/6/NPSG_Chapter_HAP_Jan2018.pdf//.
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Na prática, não é só o farmacêutico o responsável por essa atividade. A comunicação entre a equipe multiprofissional é fundamental para que a reconciliação de medicamentos ocorra, pois, além dos farmacêuticos, médicos e toda a equipe de enfermagem atuam diretamente na terapia medicamentosa como responsáveis pela prescrição, dispensação, administração de medicamentos, monitoramento e educação dos pacientes durante a internação hospitalar99 Lindenmeyer LP, Goulart VP, Hegele V. Reconciliação Medicamentosa como Estratégia para a Segurança do Paciente Oncológico: Resultados de um estudo piloto. Rev. Bras. Farm. Hosp. Serv. Saúde. 2013; 4(4):51-55..
A equipe multidisciplinar deve trabalhar para obter uma única lista de medicamentos a ser adequadamente registrada e obtida por meio de entrevista com o paciente no momento da admissão hospitalar, transferências ou alta. Dessa forma, eliminam-se as dúvidas geradas por listas obtidas pelos vários profissionais da equipe em diferentes momentos. Entrevistas realizadas por mais de um profissional e sem a devida comunicação e registro podem gerar insegurança e incômodo ao paciente, pela necessidade de repetir informações já fornecidas, podendo resultar em divergência entre as informações obtidas pelas diferentes fontes1111 Frizon F, Santos AH, Caldeira LF, et al. Reconciliação de medicamentos em hospital universitário. Rev. enferm. UERJ. 2014; 22(4):454-60..
Destarte, o objetivo deste estudo foi avaliar a implantação da reconciliação de medicamentos em um hospital multibloco, filantrópico e de ensino com a utilização de um sistema eletrônico para realizar o registro da atividade com atuação multiprofissional.
Metodologia
Estudo retrospectivo quantitativo dos registros no histórico de saúde do prontuário eletrônico dos pacientes referentes ao uso prévio de medicamentos e o número de reconciliações de medicamentos realizadas pelos farmacêuticos e registradas nos prontuários no período de 1º de outubro de 2017 a 31 de março de 2018.
O local de estudo foi um hospital multibloco de ensino de caráter filantrópico localizado em Porto Alegre (RS) que possui sete hospitais, totalizando mais de mil leitos. Trata-se de um complexo hospitalar que atende às áreas de clínica médica, cirurgia geral, cardiologia, neurocirurgia, pneumologia, oncologia, pediatria e transplantes.
O Serviço de Farmácia do complexo hospitalar desenvolveu um plano de ação no ano de 2017 para a implementação da reconciliação de medicamentos nos sete hospitais. Para iniciar esse plano, foi definido como prioridade realizar a reconciliação de medicamentos durante a internação de novos pacientes, tendo em consideração o tamanho (número de leitos e de pacientes) e a complexidade da instituição.
Os hospitais do complexo trabalham com um sistema de gestão informatizado que inclui a prescrição eletrônica. A estratégia escolhida foi utilizar o sistema de gestão do hospital para registrar a lista de medicamentos de uso prévio à internação dos pacientes.
A enfermagem ficou responsável por registrar no sistema, durante a entrevista de enfermagem, os medicamentos que o paciente relata utilizar antes da internação. À equipe de farmacêuticos, coube comparar os medicamentos informados pelos pacientes com aqueles prescritos após a internação hospitalar, intervindo sempre que necessário com o prescritor responsável.
A enfermagem foi envolvida nessa atividade pelo fato de os enfermeiros serem em maior número (535 profissionais no ano de 2017), enquanto a equipe de farmacêuticos, no mesmo ano, era composta por 24 profissionais, sendo que metade atuava nos setores de produção e metade na assistência.
Outro aspecto considerado para o envolvimento dos enfermeiros é que estes profissionais já realizam uma entrevista com o paciente, registrando no histórico da enfermagem. Dessa forma, buscou-se também evitar que o paciente respondesse a questões sobre o mesmo assunto para diferentes profissionais da equipe.
Foram avaliadas, juntamente com o setor de Tecnologia de Informação (TI) do hospital, quais as funcionalidades do sistema de informação. Entre outras, havia um módulo específico para informações referentes à reconciliação de medicamentos que não estava sendo utilizado. Esse módulo possui interface com o registro denominado Histórico de Saúde no qual é possível incluir a lista dos medicamentos que o paciente informa utilizar previamente à internação.
Nos meses de setembro e outubro de 2017, foram realizados treinamentos com as equipes de enfermagem contemplando enfermeiros e técnicos de enfermagem. Foi abordado o conceito de reconciliação de medicamentos, o módulo do sistema de informação a ser preenchido e quais informações deveriam ser inseridas, a importância do registro correto e completo e as responsabilidades dos outros membros da equipe multidisciplinar. Ao todo, 438 profissionais foram capacitados.
As atividades desenvolvidas para a implementação da reconciliação de medicamentos nesse hospital seguiram o cronograma apresentado no quadro 1:
Após o treinamento, sempre que os enfermeiros realizavam os registros dos medicamentos utilizados pelos pacientes antes da internação no sistema de informação (módulo histórico de saúde), essas informações ficavam visíveis aos farmacêuticos na mesma aba do sistema utilizada pelo profissional para realizar a avaliação da prescrição médica.
Os farmacêuticos ficaram responsáveis por conferir se todos os medicamentos registrados constavam na prescrição do paciente e se as doses, o intervalo de administração e a via estavam em conformidade com o que foi registrado no histórico de saúde pelos enfermeiros.
Sempre que fosse encontrada alguma discrepância entre as informações, o farmacêutico deveria verificar com a equipe médica e esclarecer se a discrepância foi intencional ou não. Uma discrepância intencional ocorre quando um medicamento é prescrito de forma diferente daquela que o paciente vinha utilizando, mas o prescritor o faz intencionalmente, por uma razão específica e de forma deliberada. Já as discrepâncias não intencionais ocorrem quando a prescrição de um medicamento é alterada no momento da admissão, porém o prescritor o faz sem intenção, por exemplo, por descuido ou desconhecimento no momento da prescrição44 Schuch AZ, Zuckermann J, Santos MEF, et al. Reconciliação de medicamentos na admissão em uma unidade de oncologia pediátrica. Rev. Bras. Farm. Hosp. Serv. Saúde. 2013; 4(2):35-39..
Quando constatada a existência de discrepâncias não intencionais, foi definido que o farmacêutico iria contatar o prescritor pessoalmente, por telefone ou utilizando a ferramenta de alerta disponível no prontuário eletrônico da instituição.
São discrepâncias intencionais quando a alteração é justificada pela situação clínica; decisão médica de não prescrever um medicamento ou alterar dose, frequência ou via de acordo com protocolos; substituição terapêutica de acordo com a padronização de medicamentos do hospital. São discrepâncias não intencionais quando ocorre omissão de medicamento necessário; adição de medicamento não justificado pela situação clínica do paciente; substituição sem justificativa clínica ou razão de disponibilidade do produto; diferença na dose, via de administração, frequência, horário ou método de administração; duplicação e interação medicamentosa99 Lindenmeyer LP, Goulart VP, Hegele V. Reconciliação Medicamentosa como Estratégia para a Segurança do Paciente Oncológico: Resultados de um estudo piloto. Rev. Bras. Farm. Hosp. Serv. Saúde. 2013; 4(4):51-55..
As etapas definidas para a implementação da reconciliação medicamentosa estão descritas na figura 1:
As seguintes variáveis foram analisadas:
O número de registros realizados pelos enfermeiros no histórico de saúde;
O número de reconciliações registradas pelo farmacêutico durante avaliação da prescrição;
O número de medicamentos que foram mantidos na prescrição hospitalar sem alteração;
O número de medicamentos que foram prescritos, mas com alguma alteração, como: dose, frequência de administração, via etc.;
O número de medicamentos que não foram prescritos durante a internação, sendo que, para esse número, é necessário que o farmacêutico avalie com o prescritor se foi intencional ou não intencional.
Este estudo segue a legislação vigente, conforme os termos da Resolução nº 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Adulto da Irmandade da Santa Casa de Misericordia de Porto Alegre (ISCMPA) sob o número 83258218.5.0000.5335.
Resultados
Foram registradas informações pela equipe de enfermagem em 1.379 históricos de saúde (prontuário dos pacientes) no sistema de informação, possibilitando realizar a reconciliação de medicamentos desses pacientes.
No histórico de saúde, é registrado se o paciente confirma, nega ou desconhece a utilização de medicamentos anteriores ao período de internação. Em 11 registros (0,8%), os pacientes negaram o uso prévio de medicamentos. Nos 1.386 restantes (99,2%), foi informado que os pacientes faziam uso prévio de medicamentos, indicando a necessidade de realizar a reconciliação de medicamentos.
Nos 11 registros (0,8%) em que os pacientes negaram o uso prévio de medicamentos, foi verificado que existe a necessidade de finalização, pela farmácia, no sistema de informação, de modo a serem considerados como reconciliados, uma vez que não houve necessidade de intervenção do profissional, apenas finalização do registro no sistema eletrônico.
Dos 1.368 históricos de saúde (99,2%) (prontuário dos pacientes) com informações indicando a necessidade de realizar a reconciliação de medicamentos, apenas 347 (25%) foram efetivamente concluídos e reconciliados pelo grupo de farmacêuticos no sistema de informação.
O gráfico 1 apresenta o número de registros no histórico de saúde e as reconciliações de medicamentos realizadas pelos farmacêuticos no sistema de informação no período do estudo.
Número de registros efetivados no histórico de saúde e número de reconciliação medicamentosa realizados pelos farmacêuticos no período de outubro/2017 a março/2018
Para finalizar a reconciliação no sistema de informação, após conferir a prescrição da internação do paciente, prescrição válida dentro do período de 24 horas definido pelo hospital, o farmacêutico precisa informar se o medicamento foi prescrito sem alteração (sem discrepância), se foi prescrito com alguma alteração desejada pelo prescritor (com discrepância intencional), se foi prescrito com alguma alteração desnecessária (com discrepância não intencional) ou se o médico deixou de prescrever o medicamento informado no histórico de saúde de forma intencional ou não intencional.
Analisando, à luz das opções dadas pelo sistema de informação, tem-se que a equipe de farmacêuticos avaliou as discrepâncias em 333 registros (24,14%). Os 14 registros restantes foram finalizados sem a escolha de uma das três opções disponíveis, não caracterizando a conclusão da reconciliação de medicamentos.
No gráfico 2, é possível verificar que o farmacêutico precisou intervir com o prescritor em 106 dos registros (31%) realizados para verificar se a discrepância era intencional ou não intencional.
Avaliação dos registros reconciliados pelos farmacêuticos em relação às discrepâncias no período de outubro/2017 a março/2018
As opções existentes no sistema - medicamento prescrito, mas com alteração, e medicamento não prescrito - não possibilita avaliar se as discrepâncias foram intencionais ou não intencionais. Como já mencionado, essa informação é obtida após a intervenção do farmacêutico com o prescritor e pode ser registrada no campo destinado às observações no sistema de informação. Entretanto, constatou-se que não existe um padrão de registro que possibilitasse essa avaliação.
Discussões
Dos 1.379 registros lançados no histórico de saúde dos pacientes, apenas 333 (24,14%) foram efetivamente concluídos e reconciliados pelo grupo de farmacêuticos no sistema. Esse percentual demonstra a necessidade de adotar algumas medidas para ampliar esse percentual, como, por exemplo, realizar treinamentos com o grupo e incluir a reconciliação de medicamentos entre as prioridades da equipe de farmacêuticos. Há que se considerar, também, o quadro de recursos humanos envolvidos nessa atividade, pois a recomendação da Sociedade Brasileira de Farmácia Hospitalar é de 1 farmacêutico para cada 50 leitos. Como a instituição em análise apresenta em torno de mil leitos, o recomendado seria, pelo menos, 20 profissionais; contudo, o número de farmacêuticos atuando na assistência é de 12, totalizando 1 farmacêutico para cada 83 leitos1313 Sociedade Brasileira de Farmácia Hospitalar. Padrões Mínimos para a Farmácia Hospitalar. Goiânia: Sociedade Brasileira de Farmácia Hospitalar; 2007..
A efetivação da reconciliação de medicamentos permanece um desafio na instituição. É fundamental a manutenção dos registros pelos profissionais de enfermagem assim como a reorganização dos profissionais farmacêuticos para que possam direcionar suas ações para esse processo realizando a reconciliação para todos os pacientes.
O estudo de Santana et al.1414 Santana LL, Sarquis LMM, Miranda FMA, et al. Health indicators of workers of the hospital area. Rev Bras Enferm [internet]. 2016 [acesso em 2018 jan 12]; 69(1):23-32. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/reben/v69n1/0034-7167-reben-69-01-0030.pdf.
http://www.scielo.br/pdf/reben/v69n1/003... realizou uma avaliação da Assistência Farmacêutica (AF) em dez hospitais públicos. Em todos os hospitais avaliados, os autores observaram o menor índice de conformidade no que se refere às atividades de cuidado farmacêutico aos pacientes, encontrando, de forma geral, melhores percentuais nos indicadores relacionados com as etapas logísticas em detrimento das etapas técnico-assistenciais. Fato é que a profissão farmacêutica vem passando por muitas mudanças ao longo dos anos, evoluindo para uma prática voltada à atenção à saúde do paciente1515 Oliveira LE, Munck AK, Vieira RCP. As Percepções dos pacientes de um hospital de ensino quanto à farmacoterapia e à orientação farmacêutica na alta. Rev. Bras. Farm. Hosp. Serv. Saúde. 2014; 5(3):28-33.. Dessa forma, uma participação mais proativa do profissional farmacêutico é fundamental para a sua inserção na equipe multidisciplinar, como o profissional de referência do medicamento1515 Oliveira LE, Munck AK, Vieira RCP. As Percepções dos pacientes de um hospital de ensino quanto à farmacoterapia e à orientação farmacêutica na alta. Rev. Bras. Farm. Hosp. Serv. Saúde. 2014; 5(3):28-33..
A intervenção farmacêutica ocorreu com prescritor em 106 (31%) dos registros realizados para verificar se o médico deixou de prescrever o medicamento informado no histórico de saúde de forma intencional ou não intencional. Foi observado nessa etapa que o processo de registro no sistema de informação precisa ser revisto e padronizado para que o farmacêutico possa registrar adequadamente as discrepâncias e os motivos delas (intencionais ou não intencionais), pois essas informações são relevantes para a atividade de reconciliação e devem ser avaliadas por meio de indicadores.
Outro tópico que precisa ser ajustado no sistema de informação e no indicador da atividade é a forma de registrar a reconciliação de medicamentos de pacientes que negam a utilização prévia de medicamentos. Na avaliação dos resultados, foi observado que o farmacêutico não conclui o registro no sistema de informação, contabilizando como pendente essa ação no momento da avaliação do indicador.
No estudo de Al-Hashar, embora os farmacêuticos tenham relatado saber a importância do serviço de reconciliação de medicamentos, 47% relataram entre as dificuldades para a implementação do serviço a falta de tempo, de recursos e falha na comunicação com os demais profissionais da equipe de saúde1616 Al-Hashar A, Al-Zakwani I, Eriksson T, et al. Whose responsibility is medication reconciliation: Physicians, pharmacists or nurses? A survey in an academic tertiary care hospital Saudi. Saudi pharm. j. 2015; 25:52-58..
Considerações finais
O Serviço de Farmácia do complexo hospitalar alvo deste trabalho deve propiciar as condições necessárias para que os farmacêuticos realizem a reconciliação de medicamentos. Entre elas, figura a adequação do sistema de informação de modo a obter mais dados para conhecer e intervir na natureza das discrepâncias conhecidas quando da avaliação das prescrições. É sabido que melhorias na qualidade e segurança dos cuidados em saúde não podem prescindir da atenção às discrepâncias medicamentosas. Nesse sentido, o processo de reconciliação contribui para minimizar o risco de erros, pois inclui dupla checagem dos medicamentos utilizados, entrevista com paciente, com a família ou com seus cuidadores, comparação das prescrições médicas e a discussão de casos com a equipe99 Lindenmeyer LP, Goulart VP, Hegele V. Reconciliação Medicamentosa como Estratégia para a Segurança do Paciente Oncológico: Resultados de um estudo piloto. Rev. Bras. Farm. Hosp. Serv. Saúde. 2013; 4(4):51-55..
A reconciliação de medicamentos é uma atividade capaz de evitar e corrigir aproximadamente 75% das inconsistências clinicamente relevantes antes de atingirem o paciente1313 Sociedade Brasileira de Farmácia Hospitalar. Padrões Mínimos para a Farmácia Hospitalar. Goiânia: Sociedade Brasileira de Farmácia Hospitalar; 2007.. Da mesma forma, sabe-se que o acompanhamento diário do farmacêutico clínico aumenta a segurança do paciente quanto ao uso de medicamentos dentro das instituições hospitalares. Nesse sentido, os resultados alcançados por esta pesquisa mostram a necessidade da inserção do farmacêutico na equipe multidisciplinar, atuando de forma mais efetiva, contribuindo para as diversas discussões relacionadas com os medicamentos.
O Serviço de Farmácia da instituição deve estabelecer novas ações e realizar esforços para garantir que os farmacêuticos realizem a reconciliação medicamentosa, bem como obter mais dados para mensurar e medir as discrepâncias observadas por meio dos registros conferidos durante a avaliação das prescrições, pois melhorar a qualidade e segurança dos cuidados em saúde inclui atenção às discrepâncias medicamentosas.
- *Orcid (Open Researcher and Contributor ID).
- Suporte financeiro: não houve
Referências
- 1Brasil. Ministério da Saúde, Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Fundação Oswaldo Cruz; Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais. Protocolo de Segurança na Prescrição, uso e Administração de Medicamentos. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2013.
- 2Reis GS, Costa JM. Erros de Medicação no Cotidiano dos Profissionais de um Hospital de Ensino: Estudo Descritivo Exploratório. Rev. Bras. Farm. Hosp. Serv. Saúde. 2012; 3(2):30-33.
- 3Feleke SM, Mulatu MA, Yesmaw YS. Medication administration error: magnitude and associated factors among nurses in Ethiopia. BMC nurs. 2015; 14(53):1-8.
- 4Schuch AZ, Zuckermann J, Santos MEF, et al. Reconciliação de medicamentos na admissão em uma unidade de oncologia pediátrica. Rev. Bras. Farm. Hosp. Serv. Saúde. 2013; 4(2):35-39.
- 5Vilchis JFR, Rems EDS. Politicas farmacêuticas y estudios de actualización de medicamentos em Latinoamérica. México: Universidad Autónoma Metropolitana; 2003.
- 6Berdot S, Roudot M, Schramm C, et al. Interventions to reduce nurses' medication administration errors in inpatient settings: a systematic review and meta-analysis. Int J Nurs Stud. 2016; 53:342-350.
- 7Conselho Federal de Farmácia. Serviços farmacêuticos diretamente destinados ao paciente, à família e à comunidade: contextualização e arcabouço conceitual. Brasília, DF: Conselho Federal de Farmácia; 2016.
- 8Joint Commission on Accreditation of Healthcare Organizations. Hospital National Patient Safety Goals Effective [internet]. 2018 [acesso em 2018 jan 12]. Disponível em: https:// https://www.jointcommission.org/assets/1/6/NPSG_Chapter_HAP_Jan2018.pdf//.
» https://www.jointcommission.org/assets/1/6/NPSG_Chapter_HAP_Jan2018.pdf/ - 9Lindenmeyer LP, Goulart VP, Hegele V. Reconciliação Medicamentosa como Estratégia para a Segurança do Paciente Oncológico: Resultados de um estudo piloto. Rev. Bras. Farm. Hosp. Serv. Saúde. 2013; 4(4):51-55.
- 10Marques LFG, Lieber NSR. Segurança do paciente no uso de medicamentos após a alta hospitalar: estudo exploratório. Saúde Soc. 2014; 23(4):1431-1444.
- 11Frizon F, Santos AH, Caldeira LF, et al. Reconciliação de medicamentos em hospital universitário. Rev. enferm. UERJ. 2014; 22(4):454-60.
- 12Conselho Federal de Farmácia. Resolução número 585, de 29 de agosto de 2013. Regulamenta as atribuições clínicas do farmacêutico e dá outras providências. Diário Oficial da União. 30 Ago 2013.
- 13Sociedade Brasileira de Farmácia Hospitalar. Padrões Mínimos para a Farmácia Hospitalar. Goiânia: Sociedade Brasileira de Farmácia Hospitalar; 2007.
- 14Santana LL, Sarquis LMM, Miranda FMA, et al. Health indicators of workers of the hospital area. Rev Bras Enferm [internet]. 2016 [acesso em 2018 jan 12]; 69(1):23-32. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/reben/v69n1/0034-7167-reben-69-01-0030.pdf
» http://www.scielo.br/pdf/reben/v69n1/0034-7167-reben-69-01-0030.pdf - 15Oliveira LE, Munck AK, Vieira RCP. As Percepções dos pacientes de um hospital de ensino quanto à farmacoterapia e à orientação farmacêutica na alta. Rev. Bras. Farm. Hosp. Serv. Saúde. 2014; 5(3):28-33.
- 16Al-Hashar A, Al-Zakwani I, Eriksson T, et al. Whose responsibility is medication reconciliation: Physicians, pharmacists or nurses? A survey in an academic tertiary care hospital Saudi. Saudi pharm. j. 2015; 25:52-58.
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
05 Ago 2019 - Data do Fascículo
Apr-Jun 2019
Histórico
- Recebido
09 Out 2018 - Aceito
23 Maio 2019