RESUMO
Este artigo teve como objetivo destacar a relevância da vigilância da qualidade da água para consumo humano no contexto do acesso à água potável, com destaque à perspectiva informacional e de comunicação como elemento fundamental para sua completude. Para tanto, aborda a questão do acesso em seu componente qualitativo, elemento fundamental à garantia de saúde, e o estabelecimento da regulação de vigilância da qualidade da água para consumo humano no mundo e no Brasil. As ações de vigilância de qualidade da água no Brasil, pautadas desde a década de 1980, são fundamentais para garantir o direito ao acesso à água. Todavia, embora ações de comunicação de resultados estejam previstas no escopo da vigilância, no sentido de dar poder aos usuários, existe uma fragilidade na produção e na comunicação que acaba por comprometer o acesso, até então, visto prioritariamente sobre a perspectiva mais dura de disponibilidade e qualidade.
PALAVRAS-CHAVE:
Qualidade da água; Água potável; Vigilância
Introdução
O acesso ao saneamento é tido como condição imperativa à dignidade e sobrevivência da pessoa humana, tal qual o provimento adequado de água em quantidade e qualidade. Afirma-se que o envolvimento dos indivíduos na atividade econômica e social depende, primeiramente, de qualidade de vida, por sua vez, viabilizada por acesso ao saneamento, à moradia, à saúde e à educação11 Paganini WS, Galvão Junior AC. Aspectos conceituais da regulação dos serviços de água e esgoto no Brasil. Eng. Sanit. Ambient. 2009; 14(1):79-88.,22 Razzolini MTP, Günther WMR. Impactos na saúde das deficiências de acesso a água. Saúde soc. 2008; 17(1):21-32.. Para além de facilitar o acesso, ou ampliar a cobertura dos sistemas de abastecimento, é fundamental garantir que a água fornecida atenda aos requisitos de qualidade para os usos a que se destinam.
No Brasil, a Portaria de Consolidação nº 05/2017 do Ministério da Saúde33 Brasil. Portaria de Consolidação nº 5, de 28 de setembro de 2017. Consolidação das normas sobre as ações e os serviços de Saúde do Sistema Único de Saúde. Diário Oficial da União. 5 Set 2017., em seu Anexo XX, dispõe sobre o 'controle e vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade', define, entre outros objetivos, garantir que procedimentos de tratamento executados nos chamados sistemas de abastecimento cumpram sua finalidade, ao estabelecer o Programa Nacional de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (Vigiagua), âmbito no qual estão inseridas as ações de controle e vigilância da qualidade, colocadas aqui, como elemento fundamental para garantir acesso, especialmente qualitativo da água.
Como atribuições da vigilância, destaca-se a divulgação permanente e contínua das informações sobre a qualidade da água para consumo e os riscos à saúde associados, regulada pelo Decreto Federal de nº 5.440/2005 que 'disciplina os instrumentos para divulgação da informação ao consumidor sobre a qualidade da água para consumo humano'33 Brasil. Portaria de Consolidação nº 5, de 28 de setembro de 2017. Consolidação das normas sobre as ações e os serviços de Saúde do Sistema Único de Saúde. Diário Oficial da União. 5 Set 2017.
4 Bevilacqua PD, Carmo RF, Melo CM, et al. Vigilância da qualidade da água para consumo humano no âmbito municipal: contornos, desafios e possibilidades. Saúde soc. 2014; 23(2):467-83.
5 Brasil. Decreto nº 5.440, de 04 de maio de 2005. Estabelece definições e procedimentos sobre o controle de qualidade da água de sistemas de abastecimento e institui mecanismos e instrumentos para divulgação de informação ao consumidor sobre a qualidade da água para consumo humano. Diário Oficial da União. 4 Maio 2005.-66 Brasil. Portaria nº 2.914 de 12 de dezembro de 2011. Ministério da Saúde. Dispõe sobre os procedimentos de controle e de vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade. Ministério da Saúde. Diário Oficial da União. 12 Dez 2011.. A sistematização e divulgação dos dados de qualidade da água à população consumidora é um dos níveis de ação de procedimentos de vigilância e, segundo a Organização Pan-americana da Saúde (Opas), tem um grau de complexidade maior e depende do sucesso das demais etapas, como a de monitoramento77 Brasil. Manual de procedimentos em vigilância em saúde ambiental relacionada à qualidade da água para consumo humano. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2006.. Portanto, no contexto da informação, as dificuldades vão desde a geração e conversão dos dados em informações até a disponibilização destas para a sociedade44 Bevilacqua PD, Carmo RF, Melo CM, et al. Vigilância da qualidade da água para consumo humano no âmbito municipal: contornos, desafios e possibilidades. Saúde soc. 2014; 23(2):467-83.,88 Brasil. Vigilância e controle da qualidade da água para consumo humano. Brasília, DF: Ministério da Saúde ; 2006.,99 Freitas MB, Freitas CM. A vigilância da qualidade da água para consumo humano: desafios e perspectivas para o Sistema Único de Saúde. Ciênc. Saúde Colet. 2005; 10(4):993-1004.. Neste artigo, realizou-se uma pesquisa de revisão que tem como objetivo destacar a relevância da vigilância da qualidade da água para consumo humano no contexto do acesso a água potável, com destaque à normatização e perspectiva informacional como elemento fundamental para completude deste.
Metodologia
O presente estudo tem caráter exploratório e descritivo. Realizou-se revisão, levantamento bibliográfico e documental para identificar dispositivos normativos e estratégias da vigilância da qualidade da água, especialmente no contexto brasileiro. O levantamento, e, portanto, a discussão, foca no acesso, normalização da vigilância da qualidade de água e produção de informação por esta com fins de tornar a comunicação de resultados à sociedade mais efetiva.
Água, saúde e a regulação para consumo humano
A relação água e saúde é historicamente conhecida: na Grécia Antiga, Hipócrates, em sua obra 'Água, ar e lugares', desenhava o primeiro esforço sistemático para apresentar as relações de causa e efeito entre o meio físico e a doença1010 Giatti LL. Fundamentos das relações entre saúde e ambiente. In: Giatti LL, organizador. Fundamentos de saúde ambiental. Manaus: UFAM; 2009.
11 Heller L. Saneamento e Saúde. Brasília, DF: OPAS; 1997.
12 Libânio M. Fundamentos de qualidade e tratamento de água. 3. ed. Campinas: Átomo; 2010.-1313 Rezende SC, Heller L. O saneamento no Brasil: políticas e interfaces. 2. ed. rev. e ampliada. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais; 2008. (Coleção Ingenium).. Embora desde a Antiguidade já tenha sido estabelecida relação entre saúde e qualidade das águas, a confirmação dessa relação se deu no século XIX com as observações de John Snow em 1855. Os estudos do médico comprovavam a associação entre água consumida pela população, do distrito de Broad Street, em Londres, e a incidência da cólera. A partir do trabalho de Snow, ocorrem significativos avanços na compreensão da relação entre água contaminada e doenças: a qualidade da água torna-se, então, uma questão de interesse para a saúde pública99 Freitas MB, Freitas CM. A vigilância da qualidade da água para consumo humano: desafios e perspectivas para o Sistema Único de Saúde. Ciênc. Saúde Colet. 2005; 10(4):993-1004.,1414 Rosen G. Uma história da saúde pública. São Paulo: Hucitec; Unesp; 1994..
Nas últimas décadas, inúmeros estudos epidemiológicos apontam incremento de esperança de vida, redução de taxa de mortalidade infantil, entre outros benefícios à saúde, em função da melhoria dos serviços de abastecimento de água. No Brasil, um dos primeiros trabalhos sistemáticos a discorrer sobre a relação saneamento e saúde foi o de Heller1111 Heller L. Saneamento e Saúde. Brasília, DF: OPAS; 1997., que levantou 256 estudos epidemiológicos relacionando doenças de veiculação hídrica e saneamento. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que a água de baixa qualidade, e a precariedade do saneamento e das condições de higiene causam a morte de 200 pessoas/hora. Ainda segundo estatísticas da OMS, 80% das doenças nos países em desenvolvimento são disseminadas pelas águas; seja de maneira direta, como a diarreia, ou indiretamente como a malária, dengue, febre amarela, e outras relacionadas com vetores que dependem da água para sua proliferação1515 Camello TCF, Garcia VS, Araújo SB, et al. Gestão e vigilância em saúde ambiental. Rio de Janeiro: Thex; 2009.,1616 Neves-Silva P, Heller L. O direito humano à água e ao esgotamento sanitário como instrumento para promoção da saúde de populações vulneráveis. Ciênc. Saúde Colet. 2016; 21(6):1861-1870.. Nesse sentido, a OMS estima que os investimentos em água e esgotamento sanitário poderiam impactar em, aproximadamente, 9,1% da carga global de doenças, ou seja, na carga de mortalidade prematura e anos perdidos por conta de doenças1515 Camello TCF, Garcia VS, Araújo SB, et al. Gestão e vigilância em saúde ambiental. Rio de Janeiro: Thex; 2009.,1717 Giatti LL. Precariedades em saneamento básico, doenças de veiculação hídrica e demais moléstias associadas. In: Giatti LL, organizador. Fundamentos de saúde ambiental. Manaus: UFAM ; 2009. p. 24-58.,1818 Oliveira AF, Leite IC, Valente JG. Global burden of diarrheal disease attributable to the water supply and sanitation system in the State of Minas Gerais, Brazil: 2005. Ciênc. Saúde Colet. 2015; 20(4):1027-36..
As evidências produzidas pelos diversos estudos ao longo dos anos apontam que a estreita relação entre o abastecimento de água e saúde é inconteste. O processo de tratamento de água apresenta-se como condição necessária à adequação da qualidade estabelecida por norma, portanto, o controle de doenças77 Brasil. Manual de procedimentos em vigilância em saúde ambiental relacionada à qualidade da água para consumo humano. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2006.. Entretanto, é salutar destacar que, isoladamente, a implantação e a operação de sistemas de tratamento, embora relevantes, não são capazes de garantir a qualidade da água distribuída à população. É fundamental o estabelecimento conjunto de ações de controle e vigilância, medidas estruturais, instituição de marcos conceituais, regulatórios e institucionais, como as normas de potabilidade que apontam os requisitos de segurança e de qualidade da água ofertada1111 Heller L. Saneamento e Saúde. Brasília, DF: OPAS; 1997..
A noção de potabilidade é tida como um conceito universal, entretanto, as normas e os padrões de potabilidade nos diversos países variam em função de aspectos ambientais, como a qualidade das águas captadas, de aspectos sociais, culturais, econômicos e tecnológicos, que juntos podem refletir na viabilidade de aplicação das normas1919 Pinto VG. Análise comparativa de legislações relativas à qualidade da água para consumo humano na América do Sul [dissertação]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais ; 2006.. Cada país deveria estabelecer padrões de potabilidade passíveis de aplicação, monitoramento, controle e vigilância, considerando suas particularidades, aspectos epidemiológicos, ensaios toxicológicos e de qualidade de água.
Nos Estados Unidos, a discussão sobre padrões de potabilidade iniciou-se em 1914 (figura 1), quando o United States Public Health Service referenciou pela primeira vez a contaminação bacteriológica. Entretanto, a norma federal americana estabelecia um padrão de microbiológico apenas para a água produzida por sistema de abastecimento que seria transportada em navios e trens para outros Estados99 Freitas MB, Freitas CM. A vigilância da qualidade da água para consumo humano: desafios e perspectivas para o Sistema Único de Saúde. Ciênc. Saúde Colet. 2005; 10(4):993-1004.,1212 Libânio M. Fundamentos de qualidade e tratamento de água. 3. ed. Campinas: Átomo; 2010.,1919 Pinto VG. Análise comparativa de legislações relativas à qualidade da água para consumo humano na América do Sul [dissertação]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais ; 2006.. Em 1925, a norma supracitada passou pela primeira vez por processo de revisão em que foram inseridas recomendações acerca da proteção dos mananciais de abastecimento e os efeitos da poluição sobre estes. Sugeriu-se, normativamente, que a água para consumo deveria ser inodora, sem gosto e isenta de cor, além de não conter substâncias minerais solúveis. Nos anos seguintes, diversas revisões foram feitas, com destaque para a realizada em 1942, em que foram inseridos pontos de amostragem para coleta e análise bacteriológica na rede de distribuição, e limites para chumbo, cobre, zinco e ferro1212 Libânio M. Fundamentos de qualidade e tratamento de água. 3. ed. Campinas: Átomo; 2010.,1919 Pinto VG. Análise comparativa de legislações relativas à qualidade da água para consumo humano na América do Sul [dissertação]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais ; 2006..
Em 1974, o Congresso Norte Americano aprovou o Safe Drinking Water Act - SDWA (Lei de água de consumo seguro), correspondente da norma de potabilidade do Ministério da Saúde Brasileiro. O SDWA estabeleceu valores máximos e mínimos para uma série de compostos orgânicos e inorgânicos na água de abastecimento; e, à medida que as técnicas laboratoriais foram sendo aprimoradas, novos valores máximos permitidos foram sendo estabelecidos - a lei prevê revisão a cada seis anos. Atualmente, o SDWA é administrado pela United States Environmental Protection Agency (Usepa), que tem adotado duas categorias de padrão de potabilidade: o National Primary Drinking Water Regulation (NPDWR), composto por padrões referentes aos contaminantes que possam representar risco à saúde e tem caráter obrigatório. A esses parâmetros, somam-se o estabelecimento das técnicas e tratamento aplicáveis para alcance dos valores estabelecidos; e o National Secondary Drinking Water Regulation (NSDWR), que não se trata de um padrão normativo compulsório, e, sim, de diretrizes sobre as substâncias que podem produzir impactos estéticos e organolépticos, podendo ou não ser adotados como recomendação pelos Estados99 Freitas MB, Freitas CM. A vigilância da qualidade da água para consumo humano: desafios e perspectivas para o Sistema Único de Saúde. Ciênc. Saúde Colet. 2005; 10(4):993-1004.,1919 Pinto VG. Análise comparativa de legislações relativas à qualidade da água para consumo humano na América do Sul [dissertação]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais ; 2006.,2020 United States Environmental Protection Agency. Understanding the Safe Drinking Water Act. [internet]. 2004 [acesso em 2019 abr 23]. Disponível em: https://www.epa.gov/sites/production/files/2015-04/documents/epa816f04030.pdf.
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Na década de 1950, a OMS lançou as primeiras diretrizes para padronização da qualidade de água para consumo. No ano de 1956, foi publicado o 'Standards of Drinking-Water Quality and Methods of Examination Applicable to European Countries'; a publicação sofreu sua primeira revisão ainda na década de 1950, em 1959. O trabalho foi a primeira iniciativa da OMS na elaboração de diretrizes relativas à potabilidade da água, e tinha o objetivo de padronizar a divulgação dos analíticos1919 Pinto VG. Análise comparativa de legislações relativas à qualidade da água para consumo humano na América do Sul [dissertação]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais ; 2006..
Após o lançamento dos padrões europeus, a OMS publicou, em 1958, a primeira edição do 'International Standards for Drinking-Water', destinado aos demais países. O documento estabelecia os padrões mínimos de qualidade para o abastecimento doméstico, além de determinar em seu bojo os métodos adequados para a análise. A estratégia adotada pela OMS era de estimular outros países a melhorar a qualidade da água ofertada. Entretanto, observava-se um distanciamento entre os padrões adotados como 'europeus' e os chamados 'padrões internacionais': os internacionais estabeleciam padrões mínimos, passíveis de serem alcançados, inclusive, por países em desenvolvimento; ao passo que os europeus, em função do aparato econômico e tecnológico, apresentavam padrões mais rigorosos. Após três edições do 'International Standards for Drinking-Water', os padrões internacionais deram lugar, em 1983, ao 'Guidelines for Drinking Water Quality' (GDWQ), que unificou as recomendações relativas à qualidade da água para consumo humano, sem distinguir os países em função de aparato econômico e tecnológico1919 Pinto VG. Análise comparativa de legislações relativas à qualidade da água para consumo humano na América do Sul [dissertação]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais ; 2006..
Dez anos depois, em 1993, foi publicada a segunda edição; em 2004 a terceira edição; e a quarta e última edição foi a publicada em 2011, tendo sido reeditada em 2017, quando além de estabelecer diretrizes para padrões microbiológicos, químicos, radioativos e organolépticos, trouxe em seu bojo metas de proteção à saúde das populações, priorizando aspectos referentes à gestão da qualidade da água diante das mudanças climáticas e situação de escassez2121 World Health Organization, organizador. Guidelines for drinking-water quality. 4. ed. Geneva: WHO; 2011.,2222 World Health Organization. Guias para lacalidad del agua de consumo humano: cuarta edición que incorpora la primera adenda. Geneva: WHO ; 2017..
A normatização da qualidade da água para consumo humano no Brasil
No Brasil, as normas de potabilidade existentes seguem basicamente os padrões recomendados pela OMS, contidas no 'Guidelines for Drinking Water Quality'. O Decreto Federal nº 79.367, de 09 de março de 1977, atribuiu competência ao Ministério da Saúde para elaborar normas e o padrão de potabilidade de água para consumo humano. No mesmo ano, a primeira norma de potabilidade, a Portaria do Ministério da Saúde nº 562323 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 36, de 19 de janeiro de 1990. Altera a portaria de nº 56/1977. Diário Oficial da União. 20 Jan 1990., foi instituída. Esta, definia os limites máximos para as diversas características físicas, químicas e biológicas inerentes às águas para consumo. Até então, as recomendações do Serviço Norte Americano de Saúde Pública (United States Public Health Service), juntamente com as diretrizes da OMS, norteavam a qualidade de água55 Brasil. Decreto nº 5.440, de 04 de maio de 2005. Estabelece definições e procedimentos sobre o controle de qualidade da água de sistemas de abastecimento e institui mecanismos e instrumentos para divulgação de informação ao consumidor sobre a qualidade da água para consumo humano. Diário Oficial da União. 4 Maio 2005.,99 Freitas MB, Freitas CM. A vigilância da qualidade da água para consumo humano: desafios e perspectivas para o Sistema Único de Saúde. Ciênc. Saúde Colet. 2005; 10(4):993-1004.,1212 Libânio M. Fundamentos de qualidade e tratamento de água. 3. ed. Campinas: Átomo; 2010.. Ainda que a Portaria nº 56 determinasse que os responsáveis pelos sistemas de abastecimento devessem cumprir o estabelecido, nem todos os Estados realizavam efetivo controle para a verificação do atendimento aos padrões normatizados. Como forma de incentivar as secretarias de saúde estaduais a realizar ações no âmbito da vigilância, em 1986, o Ministério da Saúde criou o Programa Nacional de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano99 Freitas MB, Freitas CM. A vigilância da qualidade da água para consumo humano: desafios e perspectivas para o Sistema Único de Saúde. Ciênc. Saúde Colet. 2005; 10(4):993-1004.,2424 Fernandes Neto ML. Norma Brasileira de Potabilidade de Água: Análise dos parâmetros agrotóxicos numa abordagem de avaliação de risco [internet]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz; 2010. p. 169. [acesso em 2016 dez 10]. Disponível em: http://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/2581.
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Posteriormente, o Ministério da Saúde publicou, em janeiro de 1990, a Portaria nº 36, aumentando o número de parâmetros e tornando alguns limites mais restritivos. Em função dessas restrições, a implementação dessa norma foi postergada para o ano de 1992, por solicitação dos entes públicos envolvidos na administração de sistema de abastecimento de água no País1212 Libânio M. Fundamentos de qualidade e tratamento de água. 3. ed. Campinas: Átomo; 2010.,2323 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 36, de 19 de janeiro de 1990. Altera a portaria de nº 56/1977. Diário Oficial da União. 20 Jan 1990.. A Portaria nº 36/1990 inova ao dividir o padrão de potabilidade em três categorias: um referente às características físicas, organolépticas e químicas; uma relativa às características bacteriológicas e outra às características radioativas77 Brasil. Manual de procedimentos em vigilância em saúde ambiental relacionada à qualidade da água para consumo humano. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2006.. Oliveira Junior e colaboradores2525 Oliveira A, Magalhães TB, Mata RN, et al. Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (Sisagua): características, evolução e aplicabilidade*. Epidemiol. Serv. Saúde [internet]. 2019 [acesso em 2019 abr 30]; 28(1):e2018117. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ress/v28n1/2237-9622-ress-28-01-e2018117.pdf.
http://www.scielo.br/pdf/ress/v28n1/2237... acrescentam que a portaria foi marco para o estabelecimento de uma ferramenta importante no contexto da informação: lançou bases para a concepção da primeira versão do Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade para Consumo Humano (Sisagua), disponibilizado apenas no ano 2000, quando, depois de extrapolado o prazo de revisão estabelecido na norma, foi publicada a Portaria de nº 1.469, implementada em janeiro de 2003. No mesmo ano, houve uma mudança estrutural: foi criada a Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS), que assumiu as atribuições da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), razão pela qual, a portaria anterior foi revogada pela Portaria de nº 518, de março de 20041212 Libânio M. Fundamentos de qualidade e tratamento de água. 3. ed. Campinas: Átomo; 2010.,2424 Fernandes Neto ML. Norma Brasileira de Potabilidade de Água: Análise dos parâmetros agrotóxicos numa abordagem de avaliação de risco [internet]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz; 2010. p. 169. [acesso em 2016 dez 10]. Disponível em: http://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/2581.
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A Portaria nº 518/2004 categoriza os parâmetros microbiológicos de acordo com a fase de tratamento. Esta passou a considerar o padrão microbiológico, incluindo padrão de turbidez para água pós-filtração e pré-desinfecção; padrão para substâncias químicas que representam risco à saúde, padrão de radioatividade e padrão de aceitação para consumo humano77 Brasil. Manual de procedimentos em vigilância em saúde ambiental relacionada à qualidade da água para consumo humano. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2006.. Em se tratando de substâncias químicas que oferecem riscos à saúde, a portaria as categorizou como inorgânicas, orgânicas, agrotóxicos, desinfetantes e produtos secundários da desinfecção. Destaca-se que os agrotóxicos não foram caracterizados como substâncias orgânicas, e, sim, como tipologia específica de substâncias, em função de sua persistência nas matrizes ambientais e sua relevância no contexto de saúde pública da época.
A edição seguinte foi estabelecida pela Portaria de nº 2.914/2011, quinta portaria sobre a potabilidade desde 1977. Entre as revisões feitas, essa foi a mais democrática e participativa, contando com o envolvimento de diversos segmentos participantes do controle e vigilância da qualidade da água para consumo humano2626 Ribeiro MCM. Nova portaria de potabilidade de água: busca de consenso para viabilizar a melhoria da qualidade da água potável distribuída no Brasil. Rev. DAE. 2012; (189):1-76.. A nova portaria ajustou os valores máximos e mínimos para diversas substâncias baseada na abordagem de avaliação quantitativa de risco químico. Já o estreitamento do padrão microbiológico seguiu a metodologia de avaliação quantitativa de risco microbiológico, que orientou a definição do padrão de turbidez da água filtrada, como indicador da remoção de protozoários, e dos parâmetros de controle da desinfecção, indicadores da inativação de bactérias, vírus e protozoários2626 Ribeiro MCM. Nova portaria de potabilidade de água: busca de consenso para viabilizar a melhoria da qualidade da água potável distribuída no Brasil. Rev. DAE. 2012; (189):1-76.. O número de substâncias químicas que representam risco à saúde e o padrão organoléptico passaram de 74 substâncias; e características da água, a 87. Destaca-se, ainda, o controle mais rigoroso do padrão de turbidez, como parte do padrão microbiológico, de 1 uT para 0,5 uT. A Portaria esclarece o procedimento de controle dos padrões organolépticos que passam a ser medidos em termos de intensidade máxima de percepção por meio de técnicas padronizadas de avaliação sensorial. O padrão microbiológico mantém a obrigatoriedade da análise de E. coli, considerado como indicador ouro para contaminação fecal. Foi inclusa a exigência de análise periódica de cistos de Giardia e oocistos de Cryptosporidium em mananciais com elevada presença de E. coli66 Brasil. Portaria nº 2.914 de 12 de dezembro de 2011. Ministério da Saúde. Dispõe sobre os procedimentos de controle e de vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade. Ministério da Saúde. Diário Oficial da União. 12 Dez 2011.,2626 Ribeiro MCM. Nova portaria de potabilidade de água: busca de consenso para viabilizar a melhoria da qualidade da água potável distribuída no Brasil. Rev. DAE. 2012; (189):1-76..
Recentemente, o Ministério da Saúde publicou a Portaria de Consolidação nº 5, de 28 de setembro de 2017, por meio desta e de seu art. 864, inciso CXXXIII, revogou a Portaria nº 2.914/1133 Brasil. Portaria de Consolidação nº 5, de 28 de setembro de 2017. Consolidação das normas sobre as ações e os serviços de Saúde do Sistema Único de Saúde. Diário Oficial da União. 5 Set 2017.. O conteúdo referente ao Programa de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano passou a integrar o Anexo XX da referida portaria. A portaria consolidou as normas sobre ações e todos os serviços de saúde ofertados pelo SUS. Sob a perspectiva legal, a consolidação, em teoria, não materializa modificação do alcance dos dispositivos consolidados nem sua força normativa, ela apenas integra normas em um único diploma legal.
O quadro 1 pontua aspectos objetos de mudanças entre as portarias já instituídas ao longo dos anos. Observa-se que, da primeira portaria até a atual, novas definições foram incorporadas, o número de parâmetros a serem monitorados teve um aumento significativo em função do suporte tecnológico. Ademais, evidencia-se que a noção de vigilância da qualidade da água é fortalecida na portaria mais recente, porém, se considerarmos a relevância das ações executadas e magnitude dos seus impactos, a atuação ao longo dos anos ainda é tímida e fragilizada pelos arranjos estruturais dos executores, os municípios.
A vigilância da qualidade da água para consumo humano
Durante as décadas de 1980 e 1990, a reforma sanitária brasileira possibilitou que as ações de vigilância em saúde incluíssem em seu escopo os determinantes socioambientais dos problemas de saúde. Nesse processo, Freitas e Freitas99 Freitas MB, Freitas CM. A vigilância da qualidade da água para consumo humano: desafios e perspectivas para o Sistema Único de Saúde. Ciênc. Saúde Colet. 2005; 10(4):993-1004. conferem destaque à criação do Sistema Único de Saúde (SUS), em 1990, e ao Plano Nacional de Saúde e Ambiente no Desenvolvimento Sustentável, elaborado em 1995, como contribuição brasileira à Conferência Pan-Americana sobre Saúde e Ambiente no Desenvolvimento Humano Sustentável (Copasad), ocorrida em 1992. Por intermédio destes, a vigilância em saúde ambiental passou a ter vínculos com as atribuições do SUS. A Vigilância Ambiental trata-se de um processo contínuo e sistemático de acompanhamento de dados, mais recentemente, definida pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS), em sua Resolução nº 588/2018, como um conjunto de ações e atividades que permitem o conhecimento e identificação dos determinantes e condicionantes ambientais que interferem na saúde humana, e que guardam a finalidade de aprimorar, recomendar e adotar medidas de promoção à saúde, prevenção e monitoramento dos fatores de riscos relacionados com as doenças ou agravos à saúde77 Brasil. Manual de procedimentos em vigilância em saúde ambiental relacionada à qualidade da água para consumo humano. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2006.,1515 Camello TCF, Garcia VS, Araújo SB, et al. Gestão e vigilância em saúde ambiental. Rio de Janeiro: Thex; 2009.,2828 Brasil. Resolução MS/CNS nº 588, de 12 de julho de 2018. Fica instituída a Política Nacional de Vigilância em Saúde (PNVS), aprovada por meio desta resolução. Diário Oficial da União. 13 Ago 2018..
Em 2005, com o advento da Instrução Normativa nº 01/2005, do Ministério da Saúde, foram estabelecidas as competências das diferentes esferas nas aéreas de vigilância de saúde ambiental no País. Essa norma regulamentou o Subsistema Nacional de Vigilância em Saúde Ambiental (SINVSA), que tem entre atribuições a coordenação, avaliação, planejamento, acompanhamento, inspeção e supervisão das ações de vigilância, relacionadas com as doenças e agravos à saúde no que se refere à água para consumo humano, contaminação do solo e ar, desastres naturais, contaminantes ambientais e substâncias químicas, acidentes com produtos perigosos, efeitos dos fatores físicos e condições saudáveis no ambiente de trabalho55 Brasil. Decreto nº 5.440, de 04 de maio de 2005. Estabelece definições e procedimentos sobre o controle de qualidade da água de sistemas de abastecimento e institui mecanismos e instrumentos para divulgação de informação ao consumidor sobre a qualidade da água para consumo humano. Diário Oficial da União. 4 Maio 2005.,1515 Camello TCF, Garcia VS, Araújo SB, et al. Gestão e vigilância em saúde ambiental. Rio de Janeiro: Thex; 2009..
A vigilância da qualidade da água para consumo humano emergiu em 1986, quando o Ministério da Saúde criou o Vigiagua. Na ocasião, a vigilância não tinha o escopo atual: era restrita ao controle laboratorial e normativo. Entretanto, foi com a edição da Portaria nº 1.469/00 que o Vigiagua passou a ser implementado, por meio da Coordenação Geral de Vigilância em Saúde Ambiental (CGVAM)44 Bevilacqua PD, Carmo RF, Melo CM, et al. Vigilância da qualidade da água para consumo humano no âmbito municipal: contornos, desafios e possibilidades. Saúde soc. 2014; 23(2):467-83.,99 Freitas MB, Freitas CM. A vigilância da qualidade da água para consumo humano: desafios e perspectivas para o Sistema Único de Saúde. Ciênc. Saúde Colet. 2005; 10(4):993-1004.,1515 Camello TCF, Garcia VS, Araújo SB, et al. Gestão e vigilância em saúde ambiental. Rio de Janeiro: Thex; 2009.,2727 Brasil. Portaria nº 1469, de 29 de dezembro de 2000. Estabelece os procedimentos e responsabilidades relativos ao controle e vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade, e dá outras providências. 2000. Diário Oficial da União. 30 Dez 2000.. A vigilância em saúde ambiental relacionada com a qualidade da água para consumo humano compreende o conjunto de ações adotadas de forma sistemática e contínua pelas autoridades de saúde pública para garantir que a água consumida pela população atenda ao padrão e às normas estabelecidas na legislação vigente e para avaliar os riscos que a água de consumo representa para a saúde humana88 Brasil. Vigilância e controle da qualidade da água para consumo humano. Brasília, DF: Ministério da Saúde ; 2006..
No escopo do Vigiagua, são contempladas ações de controle e vigilância. As duas vertentes diferenciam-se basicamente por atribuição de competência: vigilância é de responsabilidade do setor saúde; e o controle de qualidade da água para consumo humano, de competência dos responsáveis pela operação dos sistemas de abastecimento. Ambas as ações configuram instrumentos essenciais para a garantia da proteção à saúde dos consumidores66 Brasil. Portaria nº 2.914 de 12 de dezembro de 2011. Ministério da Saúde. Dispõe sobre os procedimentos de controle e de vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade. Ministério da Saúde. Diário Oficial da União. 12 Dez 2011.,88 Brasil. Vigilância e controle da qualidade da água para consumo humano. Brasília, DF: Ministério da Saúde ; 2006..
A vigilância da qualidade da água integra ações de inspeção, de monitoramento e informacionais, necessitando de indicadores operacionais, indicadores físico-químicos e microbiológicos da água, bem como indicadores epidemiológicos, sanitários e ambientais77 Brasil. Manual de procedimentos em vigilância em saúde ambiental relacionada à qualidade da água para consumo humano. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2006.. Um dos desafios é garantir a avaliação integrada, que é compreendida como interpretação conjunta de dados sobre a qualidade de água para consumo humano ao longo do abastecimento e consumo, compondo as partes de um todo dinâmico44 Bevilacqua PD, Carmo RF, Melo CM, et al. Vigilância da qualidade da água para consumo humano no âmbito municipal: contornos, desafios e possibilidades. Saúde soc. 2014; 23(2):467-83.,99 Freitas MB, Freitas CM. A vigilância da qualidade da água para consumo humano: desafios e perspectivas para o Sistema Único de Saúde. Ciênc. Saúde Colet. 2005; 10(4):993-1004..
A Secretaria de Vigilância em Saúde, na tentativa de padronizar as ações de vigilância de qualidade da água, adotou um modelo de atuação com ações divididas em estratégicas e básicas. As ações básicas estão distribuídas em três grupos: ações de informação, ações executivas e ações de gerenciamento de risco (figura 2). As ações de informação dizem respeito à alimentação do Sisagua, análise e avaliação dos dados, comunicação e mobilização social, e disponibilização de informação ao consumidor. Essas ações relacionam-se diretamente com as ações executivas de monitoramento77 Brasil. Manual de procedimentos em vigilância em saúde ambiental relacionada à qualidade da água para consumo humano. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2006.,88 Brasil. Vigilância e controle da qualidade da água para consumo humano. Brasília, DF: Ministério da Saúde ; 2006..
O Sisagua tem sido alimentado com dados de monitoramento de parâmetros microbiológicos, químicos e físico-químicos realizado pelo controle de qualidade da água e pela vigilância. Lembrando que o módulo Vigilância refere-se aos dados do monitoramento da qualidade da água realizado pelas Secretarias de Saúde nos municípios2525 Oliveira A, Magalhães TB, Mata RN, et al. Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (Sisagua): características, evolução e aplicabilidade*. Epidemiol. Serv. Saúde [internet]. 2019 [acesso em 2019 abr 30]; 28(1):e2018117. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ress/v28n1/2237-9622-ress-28-01-e2018117.pdf.
http://www.scielo.br/pdf/ress/v28n1/2237... . O sistema visa dar suporte às ações de vigilância, provendo informações a respeito do fornecimento e a qualidade da água para consumo humano oriunda de todas as formas de abastecimento. A inserção dos dados continuamente no Sisagua é, portanto, condição fundamental para o alcance de objetivos específicos do Vigiagua como o acompanhamento sistemático do monitoramento, a informação da população acerca da qualidade da água e riscos à saúde, gerenciamento de risco em saúde, promoção de educação, comunicação e mobilização social e oferta de subsídios a definição de estratégias de ação pelos entes envolvidos no processo de garantia da qualidade da água77 Brasil. Manual de procedimentos em vigilância em saúde ambiental relacionada à qualidade da água para consumo humano. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2006.,99 Freitas MB, Freitas CM. A vigilância da qualidade da água para consumo humano: desafios e perspectivas para o Sistema Único de Saúde. Ciênc. Saúde Colet. 2005; 10(4):993-1004.,2525 Oliveira A, Magalhães TB, Mata RN, et al. Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (Sisagua): características, evolução e aplicabilidade*. Epidemiol. Serv. Saúde [internet]. 2019 [acesso em 2019 abr 30]; 28(1):e2018117. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ress/v28n1/2237-9622-ress-28-01-e2018117.pdf.
http://www.scielo.br/pdf/ress/v28n1/2237... ,2929 Brasil. Ministério da Saúde. Programa nacional de vigilância em saúde ambiental relacionada à qualidade da água para consumo humano. Brasília, DF: Ministério da Saúde ; 2005. (Série C-Projetos, programas e relatórios)..
Ao avaliar os desafios do Sisagua e das ações de vigilância, Freitas e Freitas99 Freitas MB, Freitas CM. A vigilância da qualidade da água para consumo humano: desafios e perspectivas para o Sistema Único de Saúde. Ciênc. Saúde Colet. 2005; 10(4):993-1004. destacam a geração de dados, análise e disseminação da informação como etapas executadas precariamente. Os autores apontam que a fragilidade na coleta dos dados, análise e alimentação nos bancos de dados geram problemas de disponibilidade das informações para todos os níveis. Esta não disponibilidade de informações, na percepção destes,
contraria uma das atribuições do nível federal, que é o de divulgar informações visando à ampliação da consciência sanitária e à participação da população nas atividades de vigilância e controle de agravos99 Freitas MB, Freitas CM. A vigilância da qualidade da água para consumo humano: desafios e perspectivas para o Sistema Único de Saúde. Ciênc. Saúde Colet. 2005; 10(4):993-1004.(100).
A divulgação de informações ao consumidor, conforme instituído no Decreto nº 5.440/2005, deve ser feita de forma clara e de fácil compreensão55 Brasil. Decreto nº 5.440, de 04 de maio de 2005. Estabelece definições e procedimentos sobre o controle de qualidade da água de sistemas de abastecimento e institui mecanismos e instrumentos para divulgação de informação ao consumidor sobre a qualidade da água para consumo humano. Diário Oficial da União. 4 Maio 2005., o que necessita de um olhar mais cuidadoso para avaliar a adequação do que vem sendo disponibilizado ao público. O anexo XX da Portaria de consolidação nº 5/201733 Brasil. Portaria de Consolidação nº 5, de 28 de setembro de 2017. Consolidação das normas sobre as ações e os serviços de Saúde do Sistema Único de Saúde. Diário Oficial da União. 5 Set 2017., em consonância com o decreto supracitado, destaca que o responsável pelo abastecimento deve sistematizar as informações sobre a qualidade da água de forma compreensível aos consumidores e disponibilizando-os para pronto acesso, assim como delimita que os estados deverão garantir informação à população em conformidade com o Decreto nº 5.440/2005.
Devem ser observados nesse processo de informação aspectos de linguagem, conteúdo veiculado, meios de comunicação empregados, e, sobretudo, deve ser feita uma reflexão sobre a efetividade da comunicação33 Brasil. Portaria de Consolidação nº 5, de 28 de setembro de 2017. Consolidação das normas sobre as ações e os serviços de Saúde do Sistema Único de Saúde. Diário Oficial da União. 5 Set 2017.
4 Bevilacqua PD, Carmo RF, Melo CM, et al. Vigilância da qualidade da água para consumo humano no âmbito municipal: contornos, desafios e possibilidades. Saúde soc. 2014; 23(2):467-83.-55 Brasil. Decreto nº 5.440, de 04 de maio de 2005. Estabelece definições e procedimentos sobre o controle de qualidade da água de sistemas de abastecimento e institui mecanismos e instrumentos para divulgação de informação ao consumidor sobre a qualidade da água para consumo humano. Diário Oficial da União. 4 Maio 2005.. Almeida faz uma crítica à portaria de potabilidade, que define os padrões, mas não permite uma classificação da água dentro de uma escala de qualidade, o que requer explicações adicionais ao público leigo. Dentro dessa perspectiva, outro desafio que pode ser apontado é o da gestão participativa. Na concepção de Freitas e Freitas99 Freitas MB, Freitas CM. A vigilância da qualidade da água para consumo humano: desafios e perspectivas para o Sistema Único de Saúde. Ciênc. Saúde Colet. 2005; 10(4):993-1004., o entendimento de participação dos gestores e técnicos, que atuam na vigilância e controle, tem sido meramente de informar a população e aos conselhos de saúde e meio ambiente, sobre a qualidade da água,
de forma assimétrica e passiva, por meio de relatórios mensais, que registram um determinado estado qualitativo passado, insuficiente para a prevenção de doenças99 Freitas MB, Freitas CM. A vigilância da qualidade da água para consumo humano: desafios e perspectivas para o Sistema Único de Saúde. Ciênc. Saúde Colet. 2005; 10(4):993-1004.1001.
Vigilância, informação e empoderamento
Promover saúde implica promover qualidade de vida, com foco em ambientes saudáveis e sustentáveis, sendo que o alcance de tal engloba o acesso à água de boa qualidade e ao saneamento3131 Toledo RF, Pelicioni MCF. O papel da educação para a promoção da saúde. In: Giatti LL, organizador. Fundamentos de Saúde Ambiental. Manaus: UFAM; 2009.. Deve-se lembrar que o acesso à água é considerado um direito fundamental da pessoa humana. A discussão a esse respeito data de 1977, quando as Nações Unidas afirmaram que todas as pessoas, independentemente da situação econômica e social, tinham direito ao acesso à água potável em quantidade e qualidade suficiente para garantir as necessidades básicas. Em 1979, a 'Convenção pela eliminação de todas as formas de preconceito contra a mulher' reconhecia que era preciso garantir o acesso à água às mulheres. Dez anos depois, em 1989, a 'Convenção pelos Direitos da Criança' estabeleceu o livre acesso à água para as crianças, uma vez que esta seria uma premissa fundamental para seu desenvolvimento. Mais recentemente, na década de 2000, o direito à água foi citado no 'General Comment' para a saúde como direito fundamental à promoção da saúde humana. Apesar dos marcos citados, o acesso à água só veio a ser reconhecido internacionalmente como direito humano pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 2010, com a Resolução A/RES/64/292 que dispunha sobre o Direito Humano à Água e ao Esgotamento Sanitário1616 Neves-Silva P, Heller L. O direito humano à água e ao esgotamento sanitário como instrumento para promoção da saúde de populações vulneráveis. Ciênc. Saúde Colet. 2016; 21(6):1861-1870.,3232 Ribeiro WC. Geografia política da água. São Paulo: Annablume; 2008. (Coleção Cidadania e meio ambiente).,3333 Augusto LGS, Gurgel IGD, Câmara Neto HF, et al. O contexto global e nacional frente aos desafios do acesso adequado à água para consumo humano. Ciênc. Saúde Colet. 2012; 17:1511-1522..
O acesso à água potável é um processo complexo em função dos diversos fatores envolvidos, devendo considerar requisitos como disponibilidade, qualidade/segurança, aceitabilidade de suas características pelo consumidor, acessibilidade física e financeira; além dos princípios gerais dos direitos humanos22 Razzolini MTP, Günther WMR. Impactos na saúde das deficiências de acesso a água. Saúde soc. 2008; 17(1):21-32.,1616 Neves-Silva P, Heller L. O direito humano à água e ao esgotamento sanitário como instrumento para promoção da saúde de populações vulneráveis. Ciênc. Saúde Colet. 2016; 21(6):1861-1870.,3434 Brasil. Plano Nacional de Saneamento Básico - PLANSAB. Brasília, DF: Ministério das Cidades; 2013.. Envolve, portanto, a perspectiva quantitativa e qualitativa; e o simples acesso à rede ou o percentual de cobertura não reflete verdadeiramente a universalização do serviço, tampouco a qualidade deste, devendo, portanto, considerar também elementos socioeconômicos e culturais das comunidades e a qualidade dos serviços ofertados22 Razzolini MTP, Günther WMR. Impactos na saúde das deficiências de acesso a água. Saúde soc. 2008; 17(1):21-32.,3434 Brasil. Plano Nacional de Saneamento Básico - PLANSAB. Brasília, DF: Ministério das Cidades; 2013..
A precariedade do acesso pode implicar risco ao aumento na incidência de doenças associadas à água, e este, por tratar-se de uma questão complexa, carece ser visto sob a perspectiva de promoção da saúde. No processo de promoção da saúde, as comunidades assumem papel relevante, uma vez que, segundo definição proposta pela primeira Conferência Internacional Sobre Promoção da Saúde, realizada em Ottawa, em 1986, a promoção da saúde é um processo de capacitação da comunidade para atuar em prol da melhoria de sua qualidade de vida, possibilitando o controle dos determinantes em saúde, o que compreende um maior engajamento e participação social3535 Buss PM. Promoção da saúde e qualidade de vida. Ciênc. Saúde Colet. 2000; 5(1):163-177.. Reafirmando o valor do papel das comunidades na promoção de saúde, a sexta Conferência Internacional de Promoção da Saúde, realizada no ano de 2005, em Bangkok, Tailândia, enfatizou a relevância de formar recursos humanos para a promoção de saúde, preconizando que a promoção de saúde seja foco também das iniciativas comunitárias e da sociedade civil3131 Toledo RF, Pelicioni MCF. O papel da educação para a promoção da saúde. In: Giatti LL, organizador. Fundamentos de Saúde Ambiental. Manaus: UFAM; 2009..
No Brasil, o SUS encontra-se organizado seguindo algumas diretrizes básicas, entre elas, a participação da comunidade. A vigilância da qualidade da água no Brasil encontra-se fundada nos princípios e diretrizes do SUS, entre os quais evidencia-se os doutrinários, que são os da integralidade, igualdade e equidade; os organizacionais, que versam sobre descentralização, regionalização, hierarquização; e os executivos, que determinam o uso da epidemiologia, integração de ações de saúde, meio ambiente e saneamento, organização dos serviços de modo a evitar duplicidade de meios para fins idênticos, divulgação de informações e participação da comunidade. Além do princípio da essencialidade, entendendo que o acesso à água em quantidade suficiente e qualidade adequada é fundamental à vida humana44 Bevilacqua PD, Carmo RF, Melo CM, et al. Vigilância da qualidade da água para consumo humano no âmbito municipal: contornos, desafios e possibilidades. Saúde soc. 2014; 23(2):467-83..
Destacam-se como componentes fundamentais dentro das ações de vigilância para qualidade da água de consumo humano a coleta de dados, a análise regular destes e a sua disseminação periódica. Esse tripé subsidia as ações de controle, educação e comunicação social88 Brasil. Vigilância e controle da qualidade da água para consumo humano. Brasília, DF: Ministério da Saúde ; 2006.. A disponibilização de informações acerca da qualidade da água ofertada à população deve ser feita de forma clara, dando-lhes autonomia para enfrentamento de seus problemas. Essa autonomia é o que Toledo e Pelicioni3131 Toledo RF, Pelicioni MCF. O papel da educação para a promoção da saúde. In: Giatti LL, organizador. Fundamentos de Saúde Ambiental. Manaus: UFAM; 2009. chamam de empowerment ou empoderamento, trata-se de um processo de ampliação do indivíduo como sujeito social, de desenvolvimento pessoal, interpessoal ou de ampliação de poder político. Segundo os autores, na promoção da saúde, o empoderamento possibilita que os indivíduos ampliem o controle sobre suas vidas pela participação comunitária.
Como extensão da promoção à saúde, surge, na década de 1990, a Atenção Primária em Saúde Ambiental (Apsa), que, segundo a Opas, trata-se de uma estratégia de ação ambiental de caráter preventivo e participativo em nível local que permite a definição de suas responsabilidades e deveres em relação à proteção, conservação e recuperação do ambiente e da saúde em nível individual e comunitário1515 Camello TCF, Garcia VS, Araújo SB, et al. Gestão e vigilância em saúde ambiental. Rio de Janeiro: Thex; 2009.. Em todos os contextos, seja da promoção da saúde, da Apsa ou da vigilância da qualidade da água, o desenvolvimento das comunidades requer um pleno e contínuo acesso à informação, condição fundamental para o processo de empowerment3131 Toledo RF, Pelicioni MCF. O papel da educação para a promoção da saúde. In: Giatti LL, organizador. Fundamentos de Saúde Ambiental. Manaus: UFAM; 2009..
No processo de vigilância da qualidade da água para consumo humano, Freitas e Freitas99 Freitas MB, Freitas CM. A vigilância da qualidade da água para consumo humano: desafios e perspectivas para o Sistema Único de Saúde. Ciênc. Saúde Colet. 2005; 10(4):993-1004. apontam como entraves à participação da sociedade e controle social a limitação na produção da informação. Existe uma clara dificuldade na conversão de dados em informação e indisponibilidade destes as mais distintas esferas e até mesmo à população. A disponibilidade de informações à sociedade assistida por ações de saúde está prevista na Lei Federal nº 8.080/90 (lei de criação do SUS) e no próprio Anexo XX da Portaria de Consolidação nº 5/2017, em que fica claro que compete aos responsáveis pelo controle e vigilância manter a população informada acerca da qualidade da água. Ademais, consta no Código de Defesa do Consumidor na condição de direito básico a informação adequada e clara sobre produtos e serviços. A não disponibilidade contraria ainda o papel da União no sentido de fomentar a consciência sanitária e a participação da população33 Brasil. Portaria de Consolidação nº 5, de 28 de setembro de 2017. Consolidação das normas sobre as ações e os serviços de Saúde do Sistema Único de Saúde. Diário Oficial da União. 5 Set 2017.,77 Brasil. Manual de procedimentos em vigilância em saúde ambiental relacionada à qualidade da água para consumo humano. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2006.,99 Freitas MB, Freitas CM. A vigilância da qualidade da água para consumo humano: desafios e perspectivas para o Sistema Único de Saúde. Ciênc. Saúde Colet. 2005; 10(4):993-1004..
A forma como a comunicação sobre a qualidade da água tem sido feita, muitas vezes, faz-se reducionista, e não direcionada ao público usuário, comumente leigo, excluindo da tomada de decisão a comunidade. A componente informação se põe como elemento fundamental no processo de análise do acesso à água, a sua ausência ou fragilidade acaba por comprometer o acesso à água, dificultando a participação social, estabelecimento de ações de promoção e prevenção em saúde ambiental.
Os dados contidos no Sisagua são de domínio público, podendo, a qualquer tempo, serem solicitados, ademais, os dados inseridos na versão mais recente do sistema, o Sisagua 4, encontram-se disponíveis no Portal Brasileiro de Dados Abertos. Por sua natureza e finalidade, o banco de dados subsidia as ações de vigilância da qualidade da água, além de fornecer indicadores de saúde ambiental e de caracterização do abastecimento de água no Brasil2525 Oliveira A, Magalhães TB, Mata RN, et al. Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (Sisagua): características, evolução e aplicabilidade*. Epidemiol. Serv. Saúde [internet]. 2019 [acesso em 2019 abr 30]; 28(1):e2018117. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ress/v28n1/2237-9622-ress-28-01-e2018117.pdf.
http://www.scielo.br/pdf/ress/v28n1/2237... . Todavia, deve-se destacar que os dados do Sisagua são utilizados pela gestão e instituições de pesquisa. Apesar do avanço no sentido de tornar público e dar transparência ao processo de vigilância, os dados publicados necessitam de tratamento especial, e não há comunicação efetiva ao público usuário.
Considerações
O acesso à água potável, já consolidado como direito fundamental da pessoa humana, deve ser garantido sob o aspecto de disponibilidade quantitativa e qualitativa. No que diz respeito à qualidade, o tratamento não é a única forma de garantir o acesso. Estratégias como a da vigilância, direcionadas aos padrões normatizados de potabilidade, são fundamentais para atendimento desse componente. Normativamente, o processo de vigilância já está consolidado no contexto brasileiro, entretanto, no campo prático, são muitos os desafios. Entre as diversas ações inerentes ao escopo da vigilância em qualidade da água, as de informação, especialmente no campo da comunicação e mobilização social, são, muitas vezes, relegadas a um segundo plano, em função de fragilidades que estão para além das ações de comunicação: são fragilidades em ações executivas, como o monitoramento. Tais lacunas comprometem o acesso em seu componente qualitativo e impedem o atendimento integral dos objetivos da vigilância de qualidade da água. Ademais, tais lacunas podem, ainda, dificultar, em alguma medida, pesquisas que visem ao acompanhamento das Doenças Relacionadas com o Saneamento Ambiental Inadequado (DRSAI) e ao estabelecimento de relações causais com dados de vigilância. Embora recentemente esteja havendo um esforço em disponibilizar esses dados, de forma ampla e aberta, à sociedade, ainda há que se trabalhar melhor a forma de disponibilização destes de modo que inteligível à sociedade. A transparência na produção de dados e a informação têm papel crucial em processos de efetiva mobilização social na busca e defesa do acesso. Em suma, todo processo carece de fortalecimento: faz-se necessário investir nas estruturas de vigilância, aparato laboratorial e capital humano para que as ações básicas em vigilância possam vir a ser mais efetivas.
- Suporte financeiro: não houve
- *Orcid (Open Researcher and Contributor ID).
Agradecimentos
Agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), ao Departamento de Saúde e Saneamento Ambiental da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca/Fundação Oswaldo Cruz (Ensp/Fiocruz) e ao Instituto Federal do Piauí (IFPI).
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
13 Jan 2020 - Data do Fascículo
Dez 2019
Histórico
- Recebido
01 Maio 2019 - Aceito
25 Set 2019