O tratamento de doenças raras no Brasil: a judicialização e o Complexo Econômico-Industrial da Saúde

Pedro Ivo Martins Caruso D'Ippolito Carlos Augusto Grabois Gadelha Sobre os autores

RESUMO

Este estudo apresenta o panorama do tratamento de doenças raras no Brasil, enfocando questões relacionadas à judicialização e ao Complexo Econômico-Industrial da Saúde. São analisadas as estruturas jurídicas e econômicas pertinentes ao tema, questionando a ausência de soluções nacionais articuladas, o que torna a judicialização para o tratamento de doenças raras a solução – ineficiente e insatisfatória, segundo se diz – para o cumprimento do dispositivo. Saúde como um direito. Nesse contexto, são debatidas estratégias para mitigar a dependência tecnológica e econômica, a fim de sustentar o acesso universal, integral e equitativo à saúde. Metodologicamente, a perspectiva do trabalho é primariamente teórica, exploratória e baseada em informações documentais e literatura acadêmica sobre o assunto, passando pelas normas administrativas, decisões judiciais e textos explicativos sobre o assunto em sua dimensão jurídica, econômica e institucional. Concluindo, percebe-se que os gastos com saúde podem comprometer uma parcela significativa do orçamento nacional, dada a importação de medicamentos e outros tratamentos. Portanto, a interação entre o judiciário e o poder executivo e seus órgãos técnicos executivos é mensurada com urgência para fornecer uma racionalidade sanitária e econômica ao sistema, para garantir acesso universal, equitativo e integral ao atendimento de doenças raras.

PALAVRAS-CHAVE
Direitos humanos; Doenças raras; Judicialização da saúde; Política Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação; Acesso a medicamentos essenciais e tecnologias em saúde

Apresentação

Este trabalho analisa as questões referentes a doenças raras e suas relações com o acesso universal e integral em saúde. Investiga-se a maneira pela qual, na lógica da saúde pública, pode-se garantir o tratamento para doenças raras, ainda que pela atuação do Poder Judiciário.

Conforme a Portaria nº 199/2014 do Ministério da Saúde11 Brasil. Portaria nº 199, de 30 de janeiro de 2014 [internet]. Brasília, DF: Ministério da Saúde. [acesso em 2019 mar 23]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2014/prt0199_30_01_2014.html.
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, que institui a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras, tais moléstias são aquelas que afetam até 65 pessoas a cada 100 mil indivíduos. Há, outrossim, outros parâmetros para a caracterização de uma moléstia como rara.

Consideraremos as doenças cujos tratamentos são calcados na dependência externa, isto é, que dependem de importação. O estudo do Complexo Econômico-Industrial de Saúde (Ceis) torna-se relevante, mormente em sua vertente relativa à produção e comercialização de medicamentos22 Gadelha CAG, Temporão JG. Desenvolvimento, Inovação e Saúde: a perspectiva teórica e política do Complexo Econômico-Industrial da Saúde. Ciênc. Saúde Colet. 2018; 23(6):1891-1902..

O tema ganha relevância diante dos casos, cada vez mais frequentes, de judicialização de pedidos de fornecimento de tratamento de doenças raras, incluindo, até mesmo, dispendiosas terapias em outros países. Segundo o Ministério da Saúde33 Brasil. Ministério da Saúde. Da excepcionalidade às linhas de cuidado: o Componente Especializado da Assistência Farmacêutica. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2010., tramitam, aproximadamente, 60 mil ações nas três esferas de governo, o que gera despesas fora da programação financeira superiores a R$ 500 milhões anuais.

As doenças raras consubstanciam uma responsabilidade deveras intensa para o Sistema Único de Saúde (SUS), já que representam dispêndios cada vez mais elevados. Há, pois, um embate entre o acesso universal à saúde e a capacidade orçamentária dos entes públicos. Conforme informações do Ministério da Saúde44 Thomé C. Pacientes com doenças raras enfrentam processos judiciais para terem tratamento [internet]. O Estado de São Paulo. 2016 jun 12. [acesso em 2019 abr 15]. Disponível em: https://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,pacientes-com-doencas-raras-enfrentam-processos-judiciais-para-terem-tratamentos,10000056698.
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, os gastos com demandas judiciais saltaram de R$ 139,6 milhões, em 2010, para R$ 1,2 bilhão, em 2015, envolvendo, em grande parte, demandas afetas a doenças raras.

Não obstante, analisa-se se tal responsabilidade deve recair sobre planos de saúde, que poderiam assumir, ao menos em parte, tratamentos de doenças raras de seus clientes.

Assim, o trabalho tem por objetivo apresentar três perspectivas que envolvem o tema referente ao tratamento de doenças raras: i) jurídica: o arcabouço legislativo que justificaria a atuação do Poder Público e entes privados; ii) organização do sistema: forma com que as diferentes esferas públicas e particulares se organizam; iii) Ceis, especificamente no que tange à produção e ao fornecimento de medicamentos.

Metodologia

A perspectiva do trabalho é, primordialmente, teórica, exploratória e baseada em informações documentais e na literatura acadêmica sobre o tema, perpassando os regramentos administrativos, as decisões judiciais e textos explicativos sobre a temática em sua dimensão jurídica, econômica e institucional. Foi efetuado um amplo levantamento do aparato jurídico e normativo, tais como portarias e resoluções de órgãos públicos, decisões judiciais – do Supremo Tribunal Federal (STF), Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro – e textos explicativos sobre a temática.

Dessa forma, em resumo, a consecução deste artigo envolveu os seguintes procedimentos metodológicos: i) pesquisa documental jurídica e institucional; ii) levantamento e incorporação das teorias da base jurídica acerca do direito à saúde ao tema proposto; iii) embasamento acadêmico: literatura teórica sobre o Ceis e acesso a medicamentos; iv) levantamento exploratório de alternativas para garantir o acesso universal, equânime e integral mediante arranjos institucionais eficientes para o cuidado relacionado com as doenças raras.

Aspecto jurídico

O presente tópico aborda a questão do delineamento jurídico do direito ao adequado tratamento de doenças raras. Trata-se de uma projeção do direito fundamental à saúde, dado que a própria Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB)55 Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil [internet]. Brasília, DF: Senado Federal; 1988. [acesso em 2019 abr 15]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
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o positiva. Entretanto, para melhor compreensão do alcance de tal afirmação, é imperioso um escorço acerca da temática dos direitos fundamentais.

Para fins de sistematização do tema, os direitos fundamentais são vistos sob perspectivas geracionais.

Todavia, a ideia de gerações de direitos não redunda na preterição da anterior com o advento da ulterior. Os direitos de primeira geração, calcados nos ideais das revoluções liberais do século XVIII, são talhados na ideia de abstenção do Estado, germinadores do dever de não intervenção em aspectos da vida privada dos indivíduos. São inerentes às liberdades individuais, fundamentando os direitos ao patrimônio, de consciência, reunião e à inviolabilidade de domicílio. Entretanto, o reconhecimento da igualdade apenas formal entre as pessoas teve por consequência o incremento das desigualdades sociais. Nesse contexto de refutação à matiz absenteísta do Estado, incrementam-se os chamados direitos fundamentais de segunda geração, caracterizados, precipuamente, por prestações a ser adimplidas, tais como saúde, educação e previdência, estabelecendo condições mínimas de acesso a bens essenciais. A consecução da justiça social passa ser o escopo do reconhecimento dessa geração de direitos. Para tanto, é exigida uma maior intervenção do Estado na economia, com o desiderato de corrigir graves assimetrias no acesso a bens essenciais e meios de produção. A CRFB55 Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil [internet]. Brasília, DF: Senado Federal; 1988. [acesso em 2019 abr 15]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
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, por exemplo, prevê um extenso rol de direitos sociais, consagrando, em seu art. 196, o acesso universal à saúde.

Dessa forma, se os direitos fundamentais de primeira geração são qualificados pela privação de atuação estatal, os de segunda são relacionados com prestações positivas por parte do Poder Público.

Posteriormente, por conta do advento, principalmente, do fenômeno da globalização, surgem os chamados direitos fundamentais de terceira geração, caracterizados pela metaindividualidade e congregação de interesses, tais como o meio ambiente, probidade administrativa, higidez da ordem econômica e consumerista, entre outros.

Desde a criação das Nações Unidas, em 1945, mas, principalmente, a partir da década de 1980, diante de expressiva concentração de renda nos países centrais, discutiu-se acerca do chamado direito ao desenvolvimento, alçado, por alguns doutrinadores, à quarta geração dos direitos fundamentais. Com efeito, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, em 1986, promulgou a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento66 Organização das Nações Unidas. Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento. Adotada pela Revolução nº 41/128 da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 4 de dezembro de 1986 [internet]. [acesso em 2019 jun 11]. Disponível em: http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/legislacao/direitos-humanos/decl_direito_ao_desenvolvimento.pdf.
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Consoante art. 1º, § 1º da Resolução66 Organização das Nações Unidas. Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento. Adotada pela Revolução nº 41/128 da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 4 de dezembro de 1986 [internet]. [acesso em 2019 jun 11]. Disponível em: http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/legislacao/direitos-humanos/decl_direito_ao_desenvolvimento.pdf.
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,

[...] o direito ao desenvolvimento é um direito humano inalienável, em virtude do qual toda pessoa e todos os povos estão habilitados a participar do desenvolvimento econômico, social, cultural e político, para ele contribuir e dele desfrutar, no qual todos os direitos humanos e liberdades fundamentais possam ser plenamente realizados.

Dessa forma, o direito ao desenvolvimento representa, em síntese, a igualdade de oportunidades econômicas e sociais relativamente a Estados e pessoas, de modo a incrementar o bem-estar e buscar uma distribuição mais equânime dos recursos gerados. A CRFB55 Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil [internet]. Brasília, DF: Senado Federal; 1988. [acesso em 2019 abr 15]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
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prevê, em diversos dispositivos, o direito ao desenvolvimento. Exemplificando, o art. 3º, I estabelece como objetivo da República a construção de uma sociedade livre, justa e solidária.

Nesse contexto, a CRFB55 Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil [internet]. Brasília, DF: Senado Federal; 1988. [acesso em 2019 abr 15]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
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prevê o direito fundamental ao desenvolvimento, o que não redunda, tão somente, em crescimento econômico, mas, principalmente, em acesso ao conhecimento e ao bem-estar de toda a população. Nesse aspecto, inscreve-se o papel do Estado para o desenvolvimento científico e tecnológico.

Assim, a própria CRFB55 Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil [internet]. Brasília, DF: Senado Federal; 1988. [acesso em 2019 abr 15]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
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dedicou um capítulo à ciência e tecnologia, posteriormente aperfeiçoado pela Emenda Constitucional de nº 85/201555 Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil [internet]. Brasília, DF: Senado Federal; 1988. [acesso em 2019 abr 15]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
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, que inseriu a ideia de inovação. Consoante o art. 218 da CRFB55 Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil [internet]. Brasília, DF: Senado Federal; 1988. [acesso em 2019 abr 15]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
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, “o Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa, a capacitação científica e tecnológica e a inovação”. Em complemento, o § 1º do dispositivo estabelece que

a pesquisa científica básica e tecnológica receberá tratamento prioritário do Estado, tendo em vista o bem público e o progresso da ciência, tecnologia e inovação55 Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil [internet]. Brasília, DF: Senado Federal; 1988. [acesso em 2019 abr 15]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
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Apresentadas as gerações, ressalte-se que não há discussão acerca da natureza fundamental do direito à saúde. Todavia, é necessária uma análise qualitativa de tal direito, mormente em relação à sua extensão e abrangência.

Assim, ganha relevância o estudo dos chamados 'direitos sociais', que podem ser classificados como espécies de direitos fundamentais, caracterizados por um viés de provimento por parte do Poder Público. São, pois, direitos fundamentais de segunda geração.

A CRFB55 Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil [internet]. Brasília, DF: Senado Federal; 1988. [acesso em 2019 abr 15]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
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, prevê um extenso rol de direitos prestacionais, estabelecendo, em seu art. 6º, que

são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição55 Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil [internet]. Brasília, DF: Senado Federal; 1988. [acesso em 2019 abr 15]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
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Com efeito, no sistema constitucional brasileiro, toda a disciplina jurídica referente aos direitos fundamentais, tais como sua aplicabilidade imediata, incide, plenamente, em relação aos direitos sociais.

Comparativamente a outros países, o tratamento jurídico dos direitos sociais no Brasil exsurge como uma realidade ímpar. Assim,

[...] em países como Alemanha, França, Portugal, Espanha e Itália (e tal perfil pode ser ampliado para a grande maioria dos países europeus), isso tem impedido, de modo geral e ressalvadas exceções, a admissão de uma aplicabilidade direta das normas constitucionais de direitos sociais, o que – pelo menos em regra! – os torna exigíveis, na condição de direitos subjetivos, apenas na forma e de acordo com os limites da legislação ordinária conformadora77 Sarlet I, Marinoni LG, Mitidiero D. Curso de direito constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva; 2017.(640).

A despeito das divergências conceituais, consoante o art. 196 da CRFB55 Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil [internet]. Brasília, DF: Senado Federal; 1988. [acesso em 2019 abr 15]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
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,

a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

A par dos variados direitos sociais previstos na CRFB55 Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil [internet]. Brasília, DF: Senado Federal; 1988. [acesso em 2019 abr 15]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
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, ganha relevo o relativo à saúde. O art. 196 da CRFB é o ponto de partida do tratamento normativo do direito à saúde. Posteriormente,

[...] a Constituição remete a regulamentação das ações e serviços de saúde ao legislador (art. 197), além de criar e fixar diretrizes do sistema único de saúde (art. 198), oportunizando a participação (em nível complementar) da iniciativa privada na prestação da assistência à saúde (art. 199), bem como estabelecendo, em caráter exemplificativo, as atribuições (nos termos da lei) que competem ao sistema único de saúde77 Sarlet I, Marinoni LG, Mitidiero D. Curso de direito constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva; 2017.(676).

Ao mencionar que a saúde é um direito de todos e dever do Estado, a Carta Política55 Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil [internet]. Brasília, DF: Senado Federal; 1988. [acesso em 2019 abr 15]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
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estabelece ao cidadão um direito público subjetivo, que independe de interposição legislativa. Com efeito, dado o plexo de obrigações decorrentes da norma constitucional, para melhor atendimento na área de saúde, faz-se necessária a formulação de políticos públicas e econômicas que racionalizem a alocação dos limitados recursos orçamentários. Ademais, a incumbência para tal organização orçamentária recai sobre o Poder Executivo, de modo que eventual intervenção judicial deve ser pontual.

Por outro vértice, para fins de organização e estruturação das prestações na área da saúde, a CRFB55 Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil [internet]. Brasília, DF: Senado Federal; 1988. [acesso em 2019 abr 15]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
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arquitetou um modelo básico, abrangendo todos os entes federativos, sem olvidar da participação popular, nos termos de seu art. 198.

Outro tema de relevância ao presente estudo se refere à conexão entre o princípio da separação dos poderes e os direitos fundamentais. Menciona-se que não caberia ao Judiciário determinar a adoção de políticas públicas por parte do Executivo, este, sim, o vetor administrativo do Estado, com os conhecimentos técnico-científicos necessários à alocação eficiente dos recursos. Não obstante, a despeito das críticas apontadas, percebe-se um incremento da chamada judicialização, não sendo raras as decisões judiciais que determinam a implementação de medidas por parte do Executivo.

Entretanto, em relação ao direito à saúde, o STF tem jurisprudência no sentido de que, constatada a desídia administrativa, cumpre ao Judiciário sua colmatação.

Nesse diapasão, o STF já se pronunciou no sentido de que:

[...] o direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). [...] O direito à saúde – além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas – representa consequência constitucional indissociável do direito à vida88 Brasil. Agravo no Recurso Extraordinário nº 271.286-8 [internet]. Brasília, DF: Supremo Tribunal Federal; 2000. [acesso em 2019 abr 15]. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=335538.
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Com efeito, não são os direitos fundamentais que devem se curvar à separação de poderes. Ao revés, uma vez que a própria dispersão das atribuições estatais tem por aspiração a consecução dos direitos fundamentais. A Lei Maior55 Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil [internet]. Brasília, DF: Senado Federal; 1988. [acesso em 2019 abr 15]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
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não é, portanto, um ideário inócuo, razão pela qual reclama concretização e efetividade de suas normas.

Prosseguindo, realizadas as considerações acerca da possibilidade de atuação no Poder Judiciário, resta a análise sobre a argumentação referente à reserva do possível.

A reserva do possível circunscreve-se, precipuamente, ao óbice financeiro do Estado para concretização de direitos prestacionais. É tema relacionado com a escassez de recursos e com as 'escolhas trágicas'. Não se deve descurar que a implementação de políticas públicas demanda o dispêndio de recursos financeiros por parte do Estado. Dessa forma, questiona-se se o Poder Público deve garantir, e em que amplitude, toda a sorte de direitos sociais, a despeito de eventuais contingências com recursos orçamentários.

Com efeito, não se deve perder de vista a realidade econômico-financeira de diversos entes de nossa federação. Deveras, no Estado brasileiro, não há recursos suficientes para a satisfação de todas as necessidades da população.

Em casos tais, poder-se-ia cogitar de uma inversão do ônus probatório, de forma que competiria ao ente público demonstrar sua impossibilidade financeira. Assim, comprovada a inviabilidade de assunção de despesas com determinados direitos sociais, sem prejuízo de seu funcionamento básico, o ente federativo poderia se eximir dessa reponsabilidade.

Não obstante, contornando tais situações, no caso específico da saúde, que é o pertinente ao presente estudo, a própria CRFB55 Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil [internet]. Brasília, DF: Senado Federal; 1988. [acesso em 2019 abr 15]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
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apresenta a solução, ao prever a solidariedade entre todos os entes da federação no oferecimento do adequado tratamento. Dessa forma, independentemente da existência de prévios ajustes entre os entes federativos quanto ao fornecimento de medicamentos, por exemplo, não deve ser afastada sua responsabilidade solidária, podendo o indivíduo demandar contra qualquer deles.

Por outro lado, dada a sua envergadura constitucional, os direitos fundamentais possuem eficácia horizontal, devendo ser observados, inclusive, pelos particulares; e não apenas os chamados direitos de primeira geração: os de segunda geração, igualmente, podem ser objeto de imposição a agentes privados.

Conforme aduz Nelson Rosenvald,

o princípio da solidariedade é o sustentáculo da constitucionalidade de normas que estabelecem restrições à autonomia privada a ponto de erigirem prestações positivas por parte de agentes econômicos99 Rosenvald N. O Ministério Público e a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais sociais. Salvador: Jus Podivm; 2013. Temas do Ministério Público. n. 4.(123).

Registre-se que a própria CRFB55 Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil [internet]. Brasília, DF: Senado Federal; 1988. [acesso em 2019 abr 15]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
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, em seu art. 3º, I e III, estabelece como objetivo fundamental da República a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, com vistas à erradicação da pobreza e das desigualdades sociais e regionais. Dessa forma, os particulares também são sujeitos passivos dos direitos fundamentais, incluindo os sociais. Não se discute que o Estado possui a responsabilidade originária quanto à oferta de direitos sociais. Não obstante, aos particulares não é dada imunidade ao dever de solidariedade social.

Entretanto, ainda conforme Rosenvald99 Rosenvald N. O Ministério Público e a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais sociais. Salvador: Jus Podivm; 2013. Temas do Ministério Público. n. 4.(125), “para evitar a demagogia que converte solidariedade em tirania, culminando por inviabilizar a atividade econômica”, são necessários dois critérios para a imposição de prestações sociais aos agentes privados: i) “a existência de alguma relação jurídica mantida pelas partes” 99 Rosenvald N. O Ministério Público e a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais sociais. Salvador: Jus Podivm; 2013. Temas do Ministério Público. n. 4.(125); e ii) “o objeto da demanda se imbrique com o mínimo existencial, entendido como um bem essencial para o alcance de parâmetros elementares de uma vida digna” 99 Rosenvald N. O Ministério Público e a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais sociais. Salvador: Jus Podivm; 2013. Temas do Ministério Público. n. 4.(125).

Exemplificando, o enunciado de nº 302 da súmula da jurisprudência predominante do Superior Tribunal de Justiça1010 Brasil. Súmula nº 302 [internet]. Brasília, DF: Superior Tribunal de Justiça; 2004 [acesso em 2018 nov 3]. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/docs_internet/revista/eletronica/stj-revista-sumulas-2011_24_capSumula302.pdf.
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, pelo qual “é abusiva a cláusula contratual de plano de saúde que limita no tempo a internação hospitalar do segurado”.

Decompondo-se o verbete sumular, observa-se o cumprimento das duas condicionantes. Primeiramente, deve haver prévia relação jurídica entre o segurado e o plano de saúde. Portanto, a entidade privada não é obrigada a custear a internação hospitalar de toda e qualquer pessoa; apenas de seus clientes. Outrossim, deve existir conexão com direito circunscrito ao mínimo existencial – no caso, limitação ao tempo de internação hospitalar. Destarte, ao plano de saúde não deve ser imposta, por exemplo, a oferta de procedimentos meramente estéticos.

Conquanto, as críticas asseveram a insegurança gerada por essa interposição judiciária, com repercussões no campo econômico e jurídico, mormente em se tratando de atividades intensamente reguladas pelo Poder Público.

Em relação aos contratos de plano de saúde, tema afeito ao presente trabalho, destaque-se que:

[...] as operadoras de saúde são administradas a partir do pressuposto do mutualismo, ou seja, da contribuição de um grupo de pessoas, em valores prefixados que deverão ser pagos em período de tempo previamente fixado e com rigor no cumprimento do compromisso, para que se possa constituir um fundo comum do qual serão extraídos os valores necessários para o pagamento das despesas que cada um dos contribuintes terá ao longo do período de vigência do contrato1111 Carlini A. A judicialização da saúde privada no Brasil: reflexões a partir da segurança jurídica e do protagonismo judicial. In: Rêgo W, coordenador. Segurança jurídica e protagonismo judicial: desafios em tempos de incertezas - estudos jurídicos em homenagem ao Ministro Carlos Velloso. Rio de Janeiro: GZ Editora; 2017.(37).

Não se deve perder de vista que, a despeito de guarnecerem direitos fundamentais, as decisões judiciais que imponham tratamentos que não sejam baseados em evidências científicas, a par de sua imprevisibilidade, podem onerar de modo não justificado os planos de saúde, com a possibilidade de acarretar efeitos deletérios para toda a sorte de usuários.

Dessa forma, uma apurada prudência deve ser adotada quando da imposição a particulares de observância de qualquer direito social, e não apenas de um direito à saúde. Isso porque não se pode olvidar que as atividades econômicas privadas podem ficar inviabilizadas acaso absorvam, sem a sinalagmática contraprestação, toda sorte de demandas sociais.

Estrutura de atendimento

O presente tópico discorre sobre a organização do sistema de saúde em torno do tratamento de doenças raras, apresentando os órgãos governamentais que atuam no setor. À luz dos arts. 196 e seguintes da CRFB55 Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil [internet]. Brasília, DF: Senado Federal; 1988. [acesso em 2019 abr 15]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
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, a responsabilidade pela garantia do direito à saúde recai sobre todos os entes da federação.

Entretanto, como forma de racionalizar o atendimento, evitando-se desperdícios, sobreposições e, principalmente, lacunas, foi editada, pelo Ministério da Saúde, a Portaria nº 199/201411 Brasil. Portaria nº 199, de 30 de janeiro de 2014 [internet]. Brasília, DF: Ministério da Saúde. [acesso em 2019 mar 23]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2014/prt0199_30_01_2014.html.
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, que

institui a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras, aprova as Diretrizes para Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras no âmbito do SUS e institui incentivos financeiros de custeio.

Entre os objetivos da Política Nacional de Atenção Integral às Doenças Raras, previstos no art. 5º da mencionada Portaria, estão

I – garantir a universalidade, a integralidade e a equidade das ações e serviços de saúde em relação às pessoas com doenças raras, com consequente redução da morbidade e mortalidade, [bem como] V – garantir às pessoas com doenças raras, em tempo oportuno, acesso aos meios diagnósticos e terapêuticos disponíveis conforme suas necessidades11 Brasil. Portaria nº 199, de 30 de janeiro de 2014 [internet]. Brasília, DF: Ministério da Saúde. [acesso em 2019 mar 23]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2014/prt0199_30_01_2014.html.
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Como princípios da Política Nacional, destaque-se que a Portaria, em seu art. 6º, estabelece

IV – garantia de acesso e de qualidade dos serviços, ofertando cuidado integral e atenção multiprofissional, [além da] VI – incorporação e uso de tecnologias [...] que devem ser resultados das recomendações formuladas [...] a partir do processo de avaliação e aprovação pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) [...]11 Brasil. Portaria nº 199, de 30 de janeiro de 2014 [internet]. Brasília, DF: Ministério da Saúde. [acesso em 2019 mar 23]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2014/prt0199_30_01_2014.html.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...
.

Depreende-se, portanto, que o Estado assumiu a responsabilidade pelo integral, universal e equânime atendimento na seara das doenças raras buscando garantir serviços de qualidade e atenção multiprofissional, levando em consideração os parâmetros ditados pela Conitec.

Sem embargo, no que tange à incorporação de tecnologias e medicamentos, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) assume especial relevo. Criada pela Lei nº 9.782/19991212 Brasil. Lei nº 9.782, de 26 de janeiro de 1999 [internet]. Define o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, cria a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, e dá outras providências. Diário Oficial da União. 27 Jan 1999. [acesso em 2019 mar 23]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9782.htm.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEI...
, a Anvisa tem por finalidade institucional, conforme o art. 6º,

[...] promover a proteção da saúde da população, por intermédio do controle sanitário da produção e da comercialização de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária, inclusive dos ambientes, dos processos, dos insumos e das tecnologias a eles relacionados, bem como o controle de portos, aeroportos e de fronteiras.

Sem prejuízo, consoante o art. 7º da Lei nº 9.782/19991212 Brasil. Lei nº 9.782, de 26 de janeiro de 1999 [internet]. Define o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, cria a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, e dá outras providências. Diário Oficial da União. 27 Jan 1999. [acesso em 2019 mar 23]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9782.htm.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEI...
, compete à Anvisa

[...] autorizar o funcionamento de empresas de fabricação, distribuição e importação dos produtos mencionados no art. 8º desta Lei e de comercialização de medicamentos.

Por seu turno, o art. 8º prevê que

incumbe à Agência, respeitada a legislação em vigor, regulamentar, controlar e fiscalizar os produtos e serviços que envolvam risco à saúde pública, [tais como] medicamentos de uso humano, suas substâncias ativas e demais insumos, processos e tecnologias1212 Brasil. Lei nº 9.782, de 26 de janeiro de 1999 [internet]. Define o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, cria a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, e dá outras providências. Diário Oficial da União. 27 Jan 1999. [acesso em 2019 mar 23]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9782.htm.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEI...
.

Por sua vez, a Conitec é órgão da estrutura do Ministério da Saúde criado pela Lei nº 12.401/2011 e regulamentado pelo Decreto nº 7.646/20111313 Brasil. Decreto nº 7.646, de 21 de dezembro de 2011 [internet]. Dispõe sobre a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde e sobre o processo administrativo para incorporação, exclusão e alteração de tecnologias em saúde pelo Sistema Único de Saúde - SUS, e dá outras providências. Diário Oficial da União. 22 Dez 2011. [acesso em 2019 mar 23]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/decreto/d7646.htm.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
. Conforme art. 2º do referido Decreto,

[...] a Conitec, órgão colegiado de caráter permanente, integrante da estrutura regimental do Ministério da Saúde, tem por objetivo assessorar o Ministério da Saúde nas atribuições relativas à incorporação, exclusão ou alteração pelo SUS de tecnologias em saúde, bem como na constituição ou alteração de protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas1313 Brasil. Decreto nº 7.646, de 21 de dezembro de 2011 [internet]. Dispõe sobre a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde e sobre o processo administrativo para incorporação, exclusão e alteração de tecnologias em saúde pelo Sistema Único de Saúde - SUS, e dá outras providências. Diário Oficial da União. 22 Dez 2011. [acesso em 2019 mar 23]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/decreto/d7646.htm.
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.

Dentre suas principais atribuições, vale destacar que, nos termos do art. 4º do Decreto nº 7.646/2011, compete à Conitec emitir relatórios sobre “a incorporação, exclusão ou alteração pelo SUS de tecnologias em saúde”1313 Brasil. Decreto nº 7.646, de 21 de dezembro de 2011 [internet]. Dispõe sobre a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde e sobre o processo administrativo para incorporação, exclusão e alteração de tecnologias em saúde pelo Sistema Único de Saúde - SUS, e dá outras providências. Diário Oficial da União. 22 Dez 2011. [acesso em 2019 mar 23]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/decreto/d7646.htm.
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, bem como “propor a atualização da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais – Rename”1313 Brasil. Decreto nº 7.646, de 21 de dezembro de 2011 [internet]. Dispõe sobre a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde e sobre o processo administrativo para incorporação, exclusão e alteração de tecnologias em saúde pelo Sistema Único de Saúde - SUS, e dá outras providências. Diário Oficial da União. 22 Dez 2011. [acesso em 2019 mar 23]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/decreto/d7646.htm.
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.

A composição da Conitec1313 Brasil. Decreto nº 7.646, de 21 de dezembro de 2011 [internet]. Dispõe sobre a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde e sobre o processo administrativo para incorporação, exclusão e alteração de tecnologias em saúde pelo Sistema Único de Saúde - SUS, e dá outras providências. Diário Oficial da União. 22 Dez 2011. [acesso em 2019 mar 23]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/decreto/d7646.htm.
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é disciplinada pelo art. 7º do mencionado Decreto, pelo qual serão 13 os membros titulares, indicados pelo Ministério da Saúde, Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Anvisa, Conselho Nacional de Saúde (CNS), Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) e pelo Conselho Federal de Medicina (CFM)1313 Brasil. Decreto nº 7.646, de 21 de dezembro de 2011 [internet]. Dispõe sobre a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde e sobre o processo administrativo para incorporação, exclusão e alteração de tecnologias em saúde pelo Sistema Único de Saúde - SUS, e dá outras providências. Diário Oficial da União. 22 Dez 2011. [acesso em 2019 mar 23]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/decreto/d7646.htm.
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.

Para o que é pertinente ao nosso trabalho, a Conitec1313 Brasil. Decreto nº 7.646, de 21 de dezembro de 2011 [internet]. Dispõe sobre a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde e sobre o processo administrativo para incorporação, exclusão e alteração de tecnologias em saúde pelo Sistema Único de Saúde - SUS, e dá outras providências. Diário Oficial da União. 22 Dez 2011. [acesso em 2019 mar 23]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/decreto/d7646.htm.
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exerce o papel de selecionar as tecnologias na área de saúde que serão incorporadas, ou excluídas, no âmbito do SUS. Percebe-se, pois, que a Comissão é órgão especializado, de elevados conhecimentos técnicos. Não obstante, não se deve descurar que há um deficit de representatividade popular na composição da Conitec1313 Brasil. Decreto nº 7.646, de 21 de dezembro de 2011 [internet]. Dispõe sobre a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde e sobre o processo administrativo para incorporação, exclusão e alteração de tecnologias em saúde pelo Sistema Único de Saúde - SUS, e dá outras providências. Diário Oficial da União. 22 Dez 2011. [acesso em 2019 mar 23]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/decreto/d7646.htm.
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, ao arrepio da própria disposição constitucional, pela qual é diretriz do SUS a participação da comunidade (art. 198, III da CRFB).

Outrossim, dada a sua importância na estrutura organizacional do SUS, dever-se-ia reforçar o caráter independente da Conitec1313 Brasil. Decreto nº 7.646, de 21 de dezembro de 2011 [internet]. Dispõe sobre a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde e sobre o processo administrativo para incorporação, exclusão e alteração de tecnologias em saúde pelo Sistema Único de Saúde - SUS, e dá outras providências. Diário Oficial da União. 22 Dez 2011. [acesso em 2019 mar 23]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/decreto/d7646.htm.
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, cogitando-se, por conseguinte, de sua alçada à categoria de Agência Reguladora. Como tal, a Comissão teria natureza jurídica de autarquia, pessoa jurídica de direito público com personalidade própria, de modo a gozar de autonomia técnica e orçamentária, além de que mandatos fixos de seus dirigentes, que não poderiam ser exonerados ad nutum.

Dessa forma, as decisões da Conitec seriam, mais ainda, exaradas com autonomia, independentemente da sorte de pressões de atores públicos e particulares, em uma atuação o mais livre possível de conflito de interesses, com o intuito de ver incorporada, ou não, determinada tecnologia. Com efeito, seria medida salutar uma maior representatividade da sociedade civil na diretoria da Comissão – incluindo, por exemplo, associação de pessoas portadores de doenças raras e membros da Academia –, como forma de equilibrar as forças nas deliberações.

Assim, a Conitec poderia, por exemplo, ser um órgão de auxílio à tomada de decisões judiciais quanto ao pedido de fornecimento de determinados tratamentos de doenças raras, dada a expertise necessária.

Complexo Econômico-Industrial da Saúde

O presente tópico discute o panorama de produção de tecnologia para terapias contra as moléstias raras, debatendo a respeito da economia que pode ser gerada a partir do incremento da capacidade produtiva nacional.

Assim, em relação ao tratamento de doenças raras, a atuação do Estado brasileiro pode ocorrer, resumidamente, por meio de compras públicas; produção de medicamentos em laboratórios públicos; pesquisa e inovação; e incorporação tecnológica.

Com efeito, imperioso o estudo do Ceis, considerando que a existência de uma base tecnológica e produtiva nacional constitui um fator essencial para viabilizar o acesso universal para tratamentos que requerem o cuidado estável em longo prazo, de acordo com protocolos clínicos precisos22 Gadelha CAG, Temporão JG. Desenvolvimento, Inovação e Saúde: a perspectiva teórica e política do Complexo Econômico-Industrial da Saúde. Ciênc. Saúde Colet. 2018; 23(6):1891-1902.,1414 Gadelha CAG, Barbosa PR, Maldonado JMSV, et al. O Complexo Econômico-Industrial da Saúde: conceitos e características gerais. Informe CEIS. 2010; 1(1):1-17..

O Ceis abrange as atividades econômicas relacionadas, a par do segmento de serviços na área de saúde, com as indústrias: i) química e biotecnológica, como as farmacêuticas, vacinas, hemoderivados, entre outras; ii) de base mecânica, eletrônica e de materiais, como as relativas a equipamentos e materiais médicos1414 Gadelha CAG, Barbosa PR, Maldonado JMSV, et al. O Complexo Econômico-Industrial da Saúde: conceitos e características gerais. Informe CEIS. 2010; 1(1):1-17..

Sobre o ponto, saliente-se que:

[...] a caracterização do Ceis parte de uma compreensão sistêmica da saúde, que reconhece não somente a demanda da sociedade por bens e serviços como também a base produtiva responsável por sua oferta. O conjunto dessas atividades produtivas e tecnológicas, que mantêm relações intersetoriais de compra e venda de bens e serviços e (ou) de conhecimentos e tecnologias, configura a base produtiva da saúde. A dinâmica entre os segmentos industriais e os serviços referentes à prestação de cuidados à saúde implica uma relação sistêmica entre determinados setores industriais e serviços sociais, estabelecendo o que atualmente é conhecido como complexo da saúde ou complexo econômico-industrial da saúde1515 Gadelha CAG, Costa LS, Maldonado JMSV. O complexo econômico-industrial da saúde e a dimensão social e econômica do desenvolvimento. Rev. Saúde Pública. 2012; 46(supl):21-28.(22).

Nesse diapasão, dada a abrangência do Ceis, que envolve condicionantes que abarcam desde as pesquisas científicas até as atividades de comercialização, para delineação do presente trabalho, consideraremos o aspecto da produção e comercialização dos medicamentos para tratamento de doenças raras.

Buscar-se-ão, portanto, fundamentos relacionados com a base produtiva e de inovação para que o SUS avance na incorporação tecnológica de maneira organizada e abrangente, sem se afastar de um enfoque racional e sistêmico. Isso porque uma incorporação fragmentada e alternativa, tal como a decorrente da judicialização, em que não são sopesados os aspectos gerais e relevantes da política de atendimento, acarreta efeitos deletérios sob o âmbito orçamentário, o que pode limitar o desenvolvimento em longo prazo do sistema de saúde.

Por conseguinte,

[...] para que o sistema de saúde brasileiro atenda à demanda da população, é necessária a expansão da base produtiva da saúde e a consolidação de uma dinâmica de inovação endógena ao País1515 Gadelha CAG, Costa LS, Maldonado JMSV. O complexo econômico-industrial da saúde e a dimensão social e econômica do desenvolvimento. Rev. Saúde Pública. 2012; 46(supl):21-28.(23).

Em vista disso, sem prejuízo da inerente geração de tecnologia, renda e empregos, o Ceis deve, como apresentado de modo claro em seu conceito, ser pautado pela demanda social de saúde. Dessa maneira, a formulação de políticas públicas deve ser o norte para o funcionamento do sistema, congregando os aspectos econômicos e tecnológicos com o atendimento das demandas sociais.

Destarte, o Estado exerce função relevante, visto que harmonizador dos atores envolvidos, bem como direcionador e indutor das atividades públicas e privadas, com vistas à consecução de políticas públicas de maior abrangência possível. Há atividades deveras importantes para a sociedade, que não podem ficar dependentes das contingências econômicas privadas, de modo que exsurge imperiosa não apenas a regulação por parte do Estado, mas, igualmente, a própria prestação por parte de entidades estatais.

No caso brasileiro, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS)1616 Chade J. Gasto público do Brasil com saúde é inferior à média mundial [internet]. O Estado de São Paulo. 2015 maio 13. [acesso em 2019 maio 14]. Disponível em: https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,gasto-publico-do-brasil-com-saude-e-inferior-a-media-mundial,1686846.
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, em 2012, o gasto público anual com saúde foi inferior à média mundial, chegando a ser dez vezes menor se comparado a países desenvolvidos – US$ 512 por cidadão contra US$ 615,00.

Outrossim, ainda conforme a OMS1616 Chade J. Gasto público do Brasil com saúde é inferior à média mundial [internet]. O Estado de São Paulo. 2015 maio 13. [acesso em 2019 maio 14]. Disponível em: https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,gasto-publico-do-brasil-com-saude-e-inferior-a-media-mundial,1686846.
https://saude.estadao.com.br/noticias/ge...
, em nosso país, os gastos privados alcançam o patamar superior ao dos públicos – na proporção de 57% a 43% dos gastos totais em saúde aproximadamente. A título de comparação, países como Reino Unido, Cuba, Japão, Itália, Alemanha e Espanha possuem participação pública superior a 70%.

Saliente-se, ainda, que os gastos totais em saúde atingiram, em 2015, quase 10% do Produto Interno Bruto (PIB) no Brasil, ao passo que, em países desenvolvidos, a média é de 16%. No caso específico dos gastos públicos, o patamar alcançado é de 3,8% do PIB, estando muito abaixo do patamar mínimo de qualquer outro sistema universal do mundo (em todos os casos, superior a 6,5% do PIB)1717 Brasil. Aspectos Fiscais da Saúde no Brasil [internet]. Brasília, DF: Secretaria do Tesouro Nacional; 2018. [acesso em 2019 mar 12]. Disponível em: https://www.tesouro.fazenda.gov.br/documents/10180/318974/AspectosFiscaisSa%C3%BAde2018/a7203af9-2830-4ecb-bbb9-4b04c45287b4.
https://www.tesouro.fazenda.gov.br/docum...
.

Percebe-se, portanto, comparativamente a outros Estados, que há margem para crescimento do investimento público em saúde no Brasil, o que permitiria não apenas o desenvolvimento de políticas públicas para atendimento direto dos usuários do sistema, mas, igualmente, o estímulo às atividades de pesquisa, de desenvolvimento tecnológico e de produção, essenciais para a estabilidade do tratamento de doenças raras.

O tema foi abordado quando da promulgação da Emenda Constitucional de nº 85/201555 Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil [internet]. Brasília, DF: Senado Federal; 1988. [acesso em 2019 abr 15]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
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, que, em relação ao direito à saúde, alterou o art. 200, V da CRFB, ressaltando que é atribuição do SUS “incrementar, em sua área de atuação, o desenvolvimento científico e tecnológico e a inovação”55 Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil [internet]. Brasília, DF: Senado Federal; 1988. [acesso em 2019 abr 15]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con...
. Como visto acima, nos países desenvolvidos, há mais abundância de investimentos, principalmente de origem pública, no setor de saúde, o que redunda em maiores estímulos às atividades de pesquisa e desenvolvimento.

Dessa forma, não se deve perder de vista a dimensão econômica da saúde quando da formulação de políticas públicas, afastando-se a ideia de que os gastos respectivos redundam, inexoravelmente, em despesas. Ao revés, visto que exercem função na geração de conhecimento, renda e empregos.

Para melhor esclarecer o acima exposto, frise-se que se

[...] considera que ciência, tecnologia e inovação em saúde constituem atividades estratégicas não apenas por seu papel na geração de conhecimento – ainda mais no contexto da 3ª Revolução Tecnológica – mas também por sua interface com a dinamização de segmentos produtivos com potencial de geração de investimentos, emprego e renda. Por outro, o reconhecimento da dimensão econômica da saúde, não restrita à ótica do gasto, abre oportunidades para inserir a área em estratégias de desenvolvimento mais amplas. Por exemplo, a implantação ou ampliação de uma planta farmacêutica, o estímulo a fitoderivados, a participação da saúde em centros e polos de geração e difusão de inovações, a instalação de uma nova unidade hospitalar de referência em uma região específica, entre outras, são possibilidades que abrem caminhos para fortalecer a saúde como área estratégica de desenvolvimento1818 Gadelha CAG, Maldonado JMSV, Vargas MA, et al. Complexo econômico-industrial da Saúde. In: Gadelha, CAG, Costa LS, Bahia L, editores. Saúde, desenvolvimento e inovação. Rio de Janeiro: Cepesc-IMS/UERJ-Fiocruz; 2015. Volume 2.(59).

Outrossim, frise-se que o Estado, na qualidade de consumidor, exerce função relevante no mercado de saúde, tendo em vista sua demanda por produtos e serviços, impulsionando o desenvolvimento produtivo e inovativo. Trata-se, pois, de exemplo de atuação indireta do Estado no domínio econômico, por meio do fomento dos investimentos nas áreas de serviços e produção de bens.

Sem prejuízo, a par da atuação como comprador de produtos e serviços para sua disponibilização universal à população, o Estado exerce função primordial no que tange à regulação do mercado de saúde, mormente em relação às atividades de saúde suplementar.

Com efeito, poder-se-ia cogitar de uma dicotomia inconciliável entre as dimensões econômica e social da saúde. Não obstante, em detida análise, não há, pois, antinomia entre tais realidades. Isso porque, para que os serviços de saúde sejam oferecidos com qualidade à população, é essencial o investimento na base produtiva nacional, mormente por intermédio do Estado, que, como visto, comparativamente a outros países, ainda despende pouco na área. Compete ao Poder Público, pois, conciliar o acesso ao sistema integral de saúde com a lógica econômicas inerentes aos agentes do setor produtivo.

Finalizando o presente trabalho, o tema da judicialização deve ser exposto. O termo judicialização da saúde refere-se, em linhas gerais, a uma realidade cotidiana nos tribunais brasileiros, em que são propostas ações judiciais para fins de obtenção de algum serviço ou produto na área de saúde, em face do Estado ou entidades de saúde complementar, tais como internações hospitalares, tratamentos específicos, medicamentos etc.

Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, no ano de 2016, tramitavam, em todo o Brasil, mais de 1,3 milhão de processos judiciais em que se discutiam temas relacionados com a saúde. Tal massificação de demandas judiciais acarreta consequências para dinamização do Ceis, já que pode refrear o desenvolvimento de tecnologias nacionais.

Tal realidade deriva, inexoravelmente, do tratamento constitucional dado aos chamados direitos sociais, incluindo a saúde, uma vez que podem ser reivindicados em face do Estado. Consequentemente, é crescente o protagonismo do Judiciário para efetivação dos direitos relativos à saúde, dado o seu poder de coerção em relação aos administradores públicos.

Outrossim, não se deve olvidar dos efeitos deletérios da chamada judicialização da saúde, especialmente em relação ao aspecto do direito do cidadão e da base concreta econômica e orçamentária. Sem uma organização institucional que abarque desde as questões atinentes ao acesso racional e sistêmico à saúde até o desenvolvimento tecnológico e produtivo, o Estado, condenado ao fornecimento imediato de determinado produto ou serviço em saúde, acaba por não se organizar para fins da garantia eficiente do acesso e do estímulo à produção e à tecnologia nacional.

Com efeito,

[...] operando sem grande poder de administrar compras e dentro de um mercado monopolizado, o SUS não alcança economias de escala que seriam esperáveis sob outras circunstâncias. Em um sistema de aquisições centralizado é de se esperar que a compra de um maior volume de um medicamento esteja relacionada a um maior poder de barganha e a uma série de economias que, em conjunto, reduzem preços finais1919 Diniz D, Medeiros M, Schwartz IVD. Consequências da judicialização das políticas de saúde: custos de medicamentos para as mucopolissacaridoses. Cad. Saúde Pública. 2012; 28(3):479-489.(483).

Por conseguinte, como corolário da judicialização de questões de saúde, a incorporação de novas tecnologias apresenta-se mais fragmentada e desagregada, alheia a uma visão sistêmica e programada, o que gera um aumento de custos, ineficiência de escala e de alocação de recursos, além da diminuição da capacidade de administração das aquisições.

Considerações finais

À guisa de conclusão, registre-se que o direito à saúde é direito fundamental, previsto no texto da CRFB e em tratados internacionais. Não se deve perder de vista que os gastos com saúde podem comprometer parcela expressiva do orçamento nacional, mormente por conta da importação de medicamento e outros tratamentos. Todavia, o estudo do Ceis, em suas vertentes da inovação e do desenvolvimento produtivo, tem por objetivo último a garantia estrutural do acesso em bases integrais, incluindo a diminuição de custos em bases estáveis, haja vista que a produção de tecnologia no País reduz a dependência e o risco de flutuações na oferta e nos preços, incrementando o acesso e a racionalidade do tratamento das doenças raras no Brasil. O Ceis constitui a contrapartida produtiva e tecnológica do direito à saúde e da integralidade, sendo parte indissociável do direito ao tratamento das doenças raras.

Pretendeu-se registrar que a judicialização da saúde é uma realidade que, embora mitigável, é inafastável, mormente se o Poder Executivo não qualificar sua estruturação e não fornecer subsídios técnicos para a tomada de decisões pelo Judiciário.

Assim, é medida premente a interação do Judiciário com o Poder Executivo e com os órgãos executivos técnicos, de modo a articular a organização do sistema de saúde e de sua base produtiva e tecnológica, o que evitaria, em muitos casos, a prolação de decisões judiciais determinando o fornecimento de remédios ou tratamentos inaptos a esse grupo de doenças. Somente com essa visão sistêmica e com a organização do Estado, além da participação da sociedade civil, será possível garantir o acesso, superando a falsa dicotomia entre o direito à saúde e as ações concretas para sua realização.

  • Suporte financeiro: a pesquisa contou com suporte do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) por meio de bolsa de produtividade de pesquisa para Carlos Augusto Grabois Gadelha. Processo: 310695/2016-3 – Nível PQ-2

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    Dez 2019

Histórico

  • Recebido
    11 Set 2019
  • Aceito
    05 Nov 2019
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