A publicação do livro 'Saúde global', organizado por Paulo Antônio de Carvalho Fortes e Helena Ribeiro11 Fortes PAC, Ribeiro H, organizadores. Saúde global. Barueri: Manole; 2014., contribui para a consolidação do campo da saúde global no cenário de desconstrução de panoramas. Trata-se de um marco para a própria Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, e representa uma conquista para o corpo docente e para o corpo discente da instituição, principalmente para o programa de pós-graduação do Doutorado em Saúde Global e Sustentabilidade, adensando a dimensão política de todos os programas dessa área. Além disso, a publicação dessa obra contribui para a construção da identidade no âmbito da América Latina e para que estudos e pesquisas adotem este olhar cultural que atravessa as fronteiras e permeia a nova ordem mundial.
Logo no início do primeiro capítulo, conceitua-se a saúde global como um campo de conhecimento científico próprio, que utiliza abordagem multiprofissional e interdisciplinar, com pilares no ensino, na pesquisa e na prática contextualizada em um território extramuros. Importante agenda global para o desenvolvimento sustentável e formação de recursos humanos para saúde.
Por meio de uma linha do tempo detalhada e rica, que abrange conferências internacionais, grandes guerras e conflitos, assim como a relação entre as agendas regionalizadas e de interesse nacional, os autores vão apontando para o tema da saúde internacional e, posteriormente, evidenciam processo por meio do qual houve a desconstrução desse campo objetivando a lapidação da saúde global. O termo carrega em si uma nova abordagem estratégica com interdependência global, contando com a participação de novos atores e agendas no cenário da globalização. Entre os temas apresentados que compõem o campo da saúde global, estão a diplomacia em saúde, a governança global em saúde, a cooperação internacional, a sustentabilidade socioambiental, os novos perfis sociodemográficos, entre outros.
O segundo capítulo aborda o cenário dos novos atores internacionais que contribuem para a construção da saúde global enquanto campo de saber, com diferentes contextos de prática e aprendizado. Ele descreve como essas instituições têm um importante papel no enfrentamento de epidemias e no planejamento de ações com foco na integração da agenda global. Outrossim, ajuda o leitor a entender o papel dessas instituições e a importância delas para o campo da saúde global ao conduzirem as pautas das agendas e inovando na solução ou enfrentamento de novos ou velhos desafios. A liderança em saúde global é destaque e função de algumas agências, como a Organização das Nações Unidas, o escritório da Organização Mundial da Saúde ou mesmo da histórica Fundação Rockefeller.
Já no terceiro capítulo é apresentado de forma íntima o tema da saúde ambiental, um dos campos do Doutorado de Saúde Global e Sustentabilidade da instituição. Escrito pela atual coordenadora do programa de doutorado, a geógrafa e professora Dr.ª Helena Ribeiro, o capítulo traz contribuições importantes para o cuidado do planeta de forma responsável; entre os temas estão os desequilíbrios ambientais, como as mudanças climáticas e as destruições causadas pelas guerras, fazendo o leitor pensar sobre o agir do homem na proteção ou destruição do planeta. É feita a reflexão importante de que as transformações na natureza são sentidas em todo o planeta, com maior ou menor impacto, e que todos somos afetados.
Um dos desafios apontados no livro é a interdisciplinaridade como forma de alcançar a intersetorialidade e a solidariedade de saberes em prol de algo comum: a saúde global das populações mais vulneráveis. Outro tema emergente no cenário global e de grande importância para a análise desse contexto da saúde global é a segurança sanitária. Assim, o quarto capítulo aborda a temática, entrelaçando os conceitos de segurança e risco em saúde ao da saúde global. Isso é feito por meio da descrição desse novo cenário de mudança no perfil epidemiológico da população, bem como do surgimento de novas formas de pensar os binômios saúde e risco, segurança e insegurança, tanto na perspectiva do indivíduo como a nível populacional ante a emergência de novas doenças. Cabe ressaltar o importante papel da vigilância em saúde nesse cenário ao incorporar estratégias, normas e saberes visando à diminuição dos riscos e agravos, mudando o olhar de um aspecto local para uma visão global e construindo, assim, o campo da segurança sanitária e seus desafios; debate necessário para os dias atuais.
O quinto capítulo alinhava os conceitos citados sob uma perspectiva operacional, contextualizando, na prática, sua execução nos serviços e sistemas de saúde, que precisarão estar preparados para esse novo panorama. Ele também aborda a análise das condições de vida e saúde, o olhar para as necessidades reais na definição de políticas e serviços para a população. A partir do novo cenário, aponta-se a necessidade dos novos serviços, habilidades e competências. Dessa forma, o modelo de saúde perpassa necessariamente o modelo de seguro social de direitos, uma abordagem intersetorial na organização dos serviços. O resgate histórico nesse capítulo atrela a industrialização e o conceito de desenvolvimento aos modelos de serviços de saúde ao longo da história, o que contribui para compreendermos as tipologias e arranjos modernos. Além disso, os autores enumeram as crises vividas ao longo dos anos e como elas tiveram papel importante na transformação dos modelos de sociedade, muitas vezes com redução do financiamento, dos direitos e da carteira de serviços ofertados.
O sexto capítulo, que discorre sobre a razão do migrar no contemporâneo, condensa uma discussão sobre como o ser humano vem ocupando esse espaço em conformação, como suas ações e seu movimento por este planeta também caracterizam uma população em constante mutação. O verbo migrar toma forma e contornos em meio aos diferentes motivos para migração, seja por meio da globalização cultural e econômica, seja pela busca de inserção em um mundo que se julga melhor ou mais pacífico, mesmo enfrentando guerras, fome e conflitos armados. Esses movimentos das populações potencializam a união das fronteiras e culturas, porém, também fortalecem barreiras de acesso sob a ótica da segurança nacional.
As relações entre os países, a nova conformação do espaço e a ocupação do território levaram a novas pactuações e cooperações internacionais. Para nosso alívio, porém, o sétimo capítulo aborda como essas cooperações podem ajudar nas relações extrafronteiras, que são linhas invisíveis entre países e povos que ora competem, ora cooperam. A escolha pela cooperação sul-sul no livro já aponta uma abordagem contra-hegemônica de construção de acordos internacionais e, como citado anteriormente, contribuiu para a construção de identidade dos blocos regionais. O olhar para o quadro geopolítico permite reorientar as políticas de cooperação internacional, atendendo às suas necessidades e escopos de desenvolvimento respeitando especificidades. Ele encerra o livro contextualizando a saúde global no cenário internacional, mas com olhar local para as regiões com características ou interesses semelhantes. É a prática da negociação global, da cooperação como forma de unir os países em prol do seu povo. A cooperação sul-sul talvez seja o exemplo concreto da equidade em saúde global, reflexão importante ao longo da leitura.
A leitura dessa obra está localizada no contexto atual e permite fortalecer a discussão dos determinantes sociais de saúde no enfrentamento das desigualdades sociais, ambientais, de saúde e segurança, conectando os temas por meio da discussão de que a saúde global pode contribuir para a garantia de direitos.
- Suporte financeiro: não houve
Referência
- 1Fortes PAC, Ribeiro H, organizadores. Saúde global. Barueri: Manole; 2014.
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
19 Jun 2020 - Data do Fascículo
Dez 2019
Histórico
- Recebido
08 Maio 2019 - Aceito
10 Out 2019