RESUMO
Nesse ensaio, cujo título é inspirado na pequena obra-prima ‘Sobre o conceito da História’, de Walter Benjamin, narra-se a história da saúde coletiva, em conexão com o ser social brasileiro, por meio de doze teses concatenadas e, concomitantemente, independentes entre si; mais precisamente, dadas as divergências pontuais entre os autores, pode-se dizer que o texto apresenta teses e, por assim dizer, algumas antíteses. Sem deixar de reconhecer a relevância que o campo da saúde coletiva e o Movimento Sanitarista possuem nos rumos da saúde pública e da sociedade brasileira, encadeia-se o argumento de que ambos não ficaram imunes àquilo que se cunha aqui de SER (Sexismo, Elitismo e Racismo) - modo de ser constitutivo da modernidade e do ocidente -, responsável pelo não ser da maioria dita ‘minorias’, sobretudo dos cinco ‘pês’ de periferias: pobres, pretos, ‘psicóticos’, ‘putas’ e ‘paraíbas’. Para fundamentar essa tese (ou teses), os autores irmanam-se, cada um à sua maneira, ao conhecimento cultivado e ofertado por intelectuais negras e negros, bem como a autoras e autores que contribuem para a descolonização dos saberes e práticas, incluindo alguns europeus, em direção à libertação coletiva.
PALAVRAS-CHAVE:
Branquitude; Descolonização; Feminismo; Movimento Sanitário; Saúde pública
ABSTRACT
In this essay, whose title is inspired by the master piece ‘On the concept of the History’ by Walter Benjamin, we tell the history of the collective health, in connection to the Brazilian social human being, through twelve theses concatenated and concomitantly independent among them, precisely given some pointed divergences among us - the authors. We can say that the text presents theses and therefore some antitheses. We do acknowledge the relevance that the field of the collective health and the Sanitarian Movement have in the collective health and the Brazilian society; we linked the argument that both would not be immune to that which we here called: SER (Sexism, Elitism, Racism) - a way of being constitutive of our western and modern society -, responsible for the not-being of the majority which is called minority, mainly of the 5 archetypes of the Outskirts: ‘the Poor, the Black, the Psychotic, the Prostitute, the Northeastern’. To ground this thesis (or theses), we fraternized ourselves, each one to his\her way, to the provided and cultivated knowledge by the black scholars as well as the authors who contribute to the decolonization of our knowledge and practices, including some Europeans, towards collective emancipation.
KEYWORDS:
Whitening; Decolonization; Feminism; Sanitarian Movement; Public health
I. Dois perdidos numa noite suja
TONHO: Se acabou, malandro. Se apagou. Foi pras picas. (Paco vai caindo devagar. Tonho fica algum tempo em silêncio, depois começa a rir e vai pegando as coisas de Paco)11 Marcos P. Dois perdidos numa noite suja. In: Zanotto M, organizador. Melhor teatro: Plínio Marcos. São Paulo: Global; 2010. p. 61-134.(134).
Tonho maquina matar Paco por este querer a ‘comodidade’ do bosque da universidade, ao invés de adentrar seus concretos rachados e cinzentos. Paco se defende: “no bosque, como um vampiro brasileiro, eu posso me alimentar da seiva gotejante que brota dos subsolos da anti-memória da Favela do Esqueleto”. Paco trama, paradoxalmente, matar Tonho por este querer liderar, tomado por estranha humildade pretensiosa, o processo que o conduzirá ao seu próprio fim. Tonho ataca:
‘gente como a gente’ precisa morrer, mas não nos matando a nós mesmos, o que não teria redenção alguma, senão sendo mortos por aqueles a quem infligimos os maiores flagelos.
Tonho também quer matar Paco por se autodeclarar branco, ao passo que é filho de mãe negra, empregada doméstica, morta por causa de uma doença da pobreza adquirida na infância em Cruz das Almas, Recôncavo Baiano, bem como por outra quiçá decorrente da sobrecarga de trabalho realizado durante anos a fio na Rua São Salvador, Zona Sul do Rio: doença de Chagas e trombose, respectivamente. Paco ataca:
nunca senti na pele (literalmente), dado o fenótipo igual ao de meu pai, as agruras pelas quais minha mãe passou; não sou, portanto, digno de me reconhecer como negro, embora sonhe me tornar um branco antirracista.
Paco também quer matar Tonho por continuar se vendo como colonizador, filho que é de portugueses comerciantes, apesar de já ter matado os próprios pais e ido ao cinema. Tonho se defende: “Freud, Jung, Engels e Marx não explicam os cinco pês atávicos referentes ao povo de periferia que explorei no balcão de uma padaria e nas pradarias do subúrbio carioca: pretos, pobres, ‘psicóticos’, ‘putas’ e ‘paraíbas’”, ampliando, aqui, os primeiros três pês cunhados por Jurandir Freire Costa e retomados por Marcos Vinicius Ignácio22 Costa JF. A história da psiquiatria brasileira. 4. ed. Rio de Janeiro: Xenon; 1989.,33 Ignácio MVM. A trajetória (descontinuada) do Grupo de Trabalho Racismo e Saúde Mental: Caminhos para o enfrentamento do Racismo no Campo da Reforma Psiquiátrica Brasileira? [dissertação]. Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro; 2019. 145 p..
Deixando a ‘profundidade’ das metáforas e hipérboles de lado (aqui, elas são meros recursos estilísticos de brancos privilegiados, já que, diferentemente do nosso caso, para os ‘cinco pês’, a morte jaz cada vez mais viva ‘na real’), as teses que compõem este ensaio expressam os impasses de dois homens moldados pela branquitude e cis-heteronormatividade em busca dessa tal desconstrução dos seus respectivos modos de SER (Sexismo, Elitismo e Racismo) ocidentais modernos, responsáveis pelo não ser da acachapante maioria dita ‘minorias’. Em que pese a crítica, tanto implícita quanto mais aberta, à persistência da colonialidade do saber e do poder presente ao longo do texto44 Bernardino-Costa J, Maldonado-Torres N, Grosfoguel R, organizadores. Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico. Belo Horizonte: Autêntica; 2019., queremos deixar logo às ‘claras’ (por que não ‘às escuras’?), a começar pelo título que parafraseia um dos escritos mais difundidos do judeu alemão Walter Benjamin55 Benjamin W. Sobre o conceito da História. In: Benjamin W. O anjo da história. Belo Horizonte: Autêntica; 2013. p. 7-20. (cuja vida de ‘fracasso exemplar’ nos revelou os cacos e ruínas do limbo da história, assim como possibilidades de reconstruções66 Gagnebin JM. Walter Benjamin: os cacos da história. São Paulo: N-1 Edições; 2018. ), o fato de ainda nos permitirmos ser contaminados por vírus da velha Europa naquilo que ela tem de ‘melhor’, até mesmo para não proliferarmos, contraditoriamente, o que ela tem de pior, seu rechaço, controle e aniquilação da alteridade. Nós queremos, sim, continuar sendo ‘alterados’ também pelos europeus, conquanto acreditemos, sobre todas as coisas, que é chegada a hora e a vez de nosso continente ameríndio e amefricano reinventar um novo processo civilizatório pautado por valores e ideais que sobrepujem a racionalidade instrumental e utilitária europeia e norte-americana, causa mais profunda do atual mal-estar insuportável da cultura e, por assim dizer, da natureza. Sendo assim, já se tornam patentes as nossas próprias contradições e ambivalências, características com as quais estamos aprendendo a lidar de modo mais positivo após leitura de textos da socióloga boliviana de origem aimará Silvia Cusicanqui, especialmente depois de lermos sua obra-prima ‘Ch′ixinakax utxiwa’77 Cusicanqui RS. Ch'ixinakax utxiwa: una reflexión sobre prácticas y discursos descolonizadores. Buenos Aires: Tinta Limón; 2010..
Feito é feito no referido texto de Benjamin, a seguir subscrevemos várias teses encadeadas e concomitantemente independentes entre si (diferentemente do número 18 ‘cabalístico’ do original, nosso ensaio possui 12 teses... há também antíteses entre nós, conforme será percebido oportunamente), incluindo essa primeira, que, na realidade, tem mais a ver com uma introdução às demais do que uma tese propriamente dita. Todavia, malgrado a influência da ‘branquitude’ do autor de ‘O autor como produtor’, o desafio que nos colocamos foi, inspirado em Frantz Fanon, o de irmanar um conteúdo de ‘pele negra’ com uma forma sem ‘máscaras brancas’88 Fanon F. Peau noire, masques blancs. Paris: Éditions Points; 1952. . Aqui e agora, pois, vamos jogar fora no lixo, metáfora afora, o ‘figurino francês’ que costuma pavonear nossos artigos, teses, livros et cetera com o suposto manto sagrado da cientificidade (no caso, objetividade alegadamente despida de axiologia), sob pena de ele asfixiar o corpo ‘doutrinário’ que queremos preservar sem mumificar. Daí permitirmo-nos contar a história da saúde coletiva e da Reforma Sanitária Brasileira (RSB) para nós mesmos; trata-se, na realidade, de um ensaio ‘para todos e para ninguém’: para todos os 99% (haja heterogeneidade!) que sofrem quaisquer formas de Dominação, Opressão e Repressão (DOR) e para ninguém que faça parte do 1% (‘aja, homogeneidade!’) dos donos do mundo. Para realizar esse intento a contento, filiamo-nos, cada um em gênero e número distinto, à corrente libertária mais consistente e coerente que há, a saber: feminismo negro. É das esfarrapadas da terra que há de emergir a libertação da humanidade inteira.
II. Nem tragédia nem farsa, a história se repete como auto de resistência
O confronto real entre ‘fascismos’ não pode ser, portanto, ‘cronologicamente’ entre o fascismo fascista e o fascismo democrata-cristão, mas entre o fascismo fascista e o fascismo radical, total e imprevisivelmente novo que nasceu daquele ‘algo’ que aconteceu dez anos atrás99 Pasolini PP. Il vuoto del potere ovvero l'articolo dele lucciole. Corriere dela Sera, 1 febbraio 1975. [acesso em 2019 out 31]. Disponível em: https://www.corriere.it/speciali/pasolini/potere.html.
https://www.corriere.it/speciali/pasolin... .
Na famosa sentença de abertura daquela que é reputada como obra inaugural da análise de conjuntura - ‘O 18 de Brumário de Luís Bonaparte’ -, Marx1010 Marx K. O 18 de Brumário de Luís Bonaparte. São Paulo: Boitempo; 2011. sustenta, em admirável suprassunção de Hegel, que a história se repete, sim, mas de modo diferenciado, como se ela fosse encenada aos moldes de dois gêneros dramatúrgicos antagônicos (ou complementares), sucessivamente: primeiro como tragédia, depois como farsa1010 Marx K. O 18 de Brumário de Luís Bonaparte. São Paulo: Boitempo; 2011. . Tentando marxistamente suprassumir Marx, diríamos que os acontecimentos históricos recentes não nos deixam margem para admitirmos a analogia da tragédia, visto que praticamente todos eles, porque não são decorrentes de um destino inexorável, poderiam ter sido perfeitamente evitados; tampouco vemos pertinência na comparação com a farsa, porquanto, em tempos de pós-verdade e fake news, o que houve mesmo, mais do que o ‘fim da era da verdade’, foi o colapso da mentira e da farsa, que, até então, precisavam preencher o pré-requisito da verossimilhança ante o custo de serem, a contragosto dos mentirosos e farsantes, desmascaradas de imediato se muito escancaradas. A mentira perdeu a vergonha e se esbugalhou de vez: nada carece mais parecer que é verdade quando tudo é perecer. Não é só uma simples questão de ‘se deixar levar pelas emoções’: vide as ‘razões’ dos terraplanistas. De qualquer forma, por mais preocupantes que sejam, negacionismo ou picaretagem são sintomas, e não causas, das nossas maiores catástrofes: em plena era de ‘big tech’1111 Morozov E. Big Tech: a ascensão dos dados e a morte da política. São Paulo: Ubu; 2018., a matriz do capitalismo neoliberal da qual vivente algum escapa já não seria ela mesma pura e simplesmente uma grande fake news?
Pulando a moral da história em torno do sentido extramoral da mentira e da verdade1212 Nietzsche FW. Sobre verdade e mentira. São Paulo: Hedra; 2007., o ponto é que aqui na terra onde tudo dá, exceto ornitorrinco (já se é o próprio, diria Chico de Oliveira), especialmente nas comunidades, favelas, ‘inferninhos’, quilombos e tribos, o gênero sempre foi outro: nossa realidade é mais afeita aos autos dramáticos. Outrossim, na ‘dramaticidade da hora atual’ - pegando emprestada a expressão empregada por Paulo Freire na sua ‘Pedagogia do oprimido’1313 Freire P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2018. (obra mais do que nunca urgente em tempos de ‘Escola sem Partido’1414 Souza K, Mendonça A. A atualidade da 'Pedagogia do oprimido' nos seus 50 anos: a pedagogia da revolução de Paulo Freire. Trab. Educ. Saúde. 2019; 17(1):1-12. ), ao referir-se à instauração da Ditadura Civil-Militar que o instou a se instalar no Chile de Allende -, temos dúvidas quanto a ser apropriado como que rotular, jocosamente, de diabólica comédia pós-humana as cenas dantescas antagonizadas pelo clã Bolsonaro e Cia ilimitada. Sem esquecer da força política do riso a sério, não dá só para brincar com uma conjuntura disjuntiva cada vez mais grave. Ademais, estamos a des-comemorar 55 anos de Golpe1515 Reis A, Ridenti M, Motta RA, organizadores. A ditadura que mudou o Brasil: 50 anos do golpe de 1964. Rio de Janeiro: Zahar; 2014., com ‘direito’ à tentativa de festejos macabros; no ano passado, o da fatídica eleição que elegeu Bolsonaro presidente, fez 50 anos que no Brasil caía a uma noite de 21 anos por meio da decretação do AI-5 (Ato Institucional Número Cinco). Será que a história vai se repetir como auto de resistência do povo, tal como as manifestações dos estudantes nos dias 15 e 30 de maio 2019 arejam a esperança, roubando de volta aqui o verdadeiro sentido da expressão que era soturnamente usada (usurpada) pela Polícia Militar - e abolida só em 2012 - em ocasiões de homicídios cometidos por policiais sob ‘legítima defesa’? Já não estaríamos sob a vigência de um Ato Inconstitucional Número 2 desde o começo da Intervenção Militar, que, para não esquecer jamais, assassinou Evaldo dos Santos Rosa, um músico negro, com 80 tiros, no sangrento domingo de 7 de abril de 2019? Só saberemos a posteriori: desafortunadamente, ou afortunadamente (justamente pelo fato de o futuro estar sempre em aberto), só continua sendo possível ler a história retrospectivamente, que nem jornal de segunda, e segundo a ótica dos vencedores. De todo modo, como aqui estamos irmanados à ‘tradição dos oprimidos’ e à ‘autoridade dos moribundos’, queremos olhar para a história mediante a cosmovisão dos vencidos e silenciados.
III. A história do mundo não é a história humana; a memória e os afetos, sim 1616 Bloch E. O princípio esperança. Rio de Janeiro: EdUERJ: Contraponto; 2005. (v. 1).
O passado traz consigo um índice secreto, que o impele à redenção. Pois não somos tocados por um sopro de ar que envolveu nossos antepassados? Não existem, nas vozes a que agora damos ouvidos, ecos das vozes que emudeceram? [...] Se assim é, então existe um encontro secreto marcado entre as gerações precedentes e a nossa. Então, alguém na terra esteve a nossa espera. Se assim é, foi-nos concedida, como a cada geração anterior a nossa, uma frágil força messiânica para a qual o passado dirige um apelo. Esse apelo não pode ser rejeitado impunemente1717 Benjamin W. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. 8. ed. São Paulo: Brasiliense; 2012. (Obras Escolhidas v. 1).(241-242).
‘Nem tragédia e nem farsa’, a história do mundo e da humanidade jamais se repete. Contudo, a memória é referência que está sempre a produzir o nosso passado, presente e futuro. Como espécie, temos tido capacidade inigualável de produzir com o mundo. Isso se dá por uma qualidade que outras espécies não desenvolveram como nós: a de deixar registros da nossa passagem. Seja por meio oral, escrito - nas diversas formas da linguagem -, nos objetos e construções do cotidiano ou nas obras de arte, estamos informando novas gerações sobre o mundo em que estrearam por meio das marcas que deixamos nele. Essa qualidade produz em nós uma distorção sobre a realidade: em cada momento da história - no nosso caso, neste contexto capitalista e contemporâneo de produção do mundo -, a falsa impressão de que o mundo é exatamente como o vemos; adotamos o ponto de vista do grupo humano ao qual pertencemos como a própria realidade. Isso tudo que vemos é só o que o humano pode ver. O mundo é muito mais que nós. E nós sentimos isso...
O mundo suscita medo e esperança em nós. Quando ele nos ameaça, tudo o que temos são a proteção das nossas instituições - família, Estado, o patriarca, entre outras -, a certeza da norma e as memórias da dor; nos orientamos para o passado. Quando o horizonte está aberto, quando o mundo e nós somos potência, produzimos o novo, somos os que podem, sonhamos acordados, as memórias nos inspiram e alegram; nos orientamos para o futuro. Por isso, a imagem que a história humana pode gerar não deve ser a de uma reta, muito menos direcionada para a frente, em progresso. Estamos sempre nos aproximando de experiências e referências passadas para nos lançar ou nos proteger do futuro. Mesmo que essas experiências não se repitam, elas nos inspiram, nos forçam a performances muito próximas às de gerações muito distantes de nós no tempo e no espaço. Vendo desse modo, a forma que a história humana pode ter se assemelharia a um novelo em que o fio do tempo, em sua cronologia, e os seus eventos históricos, apenas se aproxima demais em alguns pontos, sem nunca se sobrepor. Contudo, quando o fio é tensionado com força em sua ponta - o que alguns modernos entendem como aceleração histórica -, todos sabemos o que se dá no novelo: um ou mais nós se formam no seu interior. Quando isto acontece, o novelo se comprime, a ponta se descola e precisa voltar a procurar um caminho pelo qual desfazer os nós. Nestes momentos, a história humana está como que suspensa. Julgamos que vivemos um momento como esse.
IV. Era uma vez um tempo em que RSB significava Revolução Socialista Brasileira
Vengo cantando esta zamba com redoble libertário: mataron al gerrillero Che Comandante Guevara. Selvas, pampas y montañas, patria o muerte su destino. Selvas, pampas y montañas, patria o muerte su destino1818 Jara V. Zamba del "Che". In: Jara V, oraganizador. Pongo en tus manos abiertas. Santiago: Gravadora Alerce; 1969. [acesso em 2020 fev 16]. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=7beUY6CufA4..
Se o contexto político ‘progressista’ que antecedeu ao Golpe de 2016 era o de ‘reforma gradual e pacto conservador’1919 Singer A. Os sentidos do lulismo: reforma gradual e pacto conservador. São Paulo: Companhia das Letras; 2012., o de outrora fora o de Reformas de Base, no qual se insere - por que não dizer? - a chamada RSB. Atualmente, trata-se de sigla inconteste para designar a Reforma Sanitária Brasileira, mas temos boas razões para acreditar que ela já ‘significou’ um dia Revolução Socialista Brasileira: mais do que uma reforma setorial na saúde, esperava-se uma transformação na sociedade brasileira, tendo, sim, a saúde como grande vetor. Cá como acolá, não importa, o dilema é que a participação e resistência populares foram fundamentais nas respectivas lutas à mesma proporção que as narrativas oficiais, com os devidos matizes das matrizes à esquerda e à direita, reduziram o povo à mera passividade e à condição de simples espectador da história. ‘Quem sabe faz a hora, não espera acontecer’ parece ter sido sempre só um belo verso da eterna canção de Geraldo Vandré cuja exortação talvez continue não sendo concebível ‘paratodos’. Dá alento pensar que, em contrapartida, a história do Brasil real está repleta de autos de resistência protagonizados pelos cinco pês. Seja do jeito que for, estranhamente, mesmo narrativas retrospectivas que procuram evidenciar a inclinação ‘socialista revolucionária’ na origem do Movimento Sanitário só o fazem sob a perspectiva daquilo que devemos nomear de dirigismo das massas, destacando o papel ora de lideranças acadêmicas, ora de personalidades atuantes no interior do próprio Estado. Ficamos reféns quase sempre de histórias tecidas com o novelo de cima para baixo, até mesmo quando se tenta atentar para a importância dos movimentos sociais no advento e consolidação do sanitarismo. Ademais, amiúde, o recorte de classe da esquerda mais tradicional deixou de fora das análises outras formas de opressão pelas quais passava, e passa, o povo brasileiro. O imaginário político da esquerda pretensamente mais marxista via na figura do operário/camponês o único sujeito da história legítimo e capaz de fazer a ‘revolução’ por conta de sua condição de oprimido número um do sistema capitalista de exploração de mais valor, deixando de reconhecer a condição de opressão de outros grupos sociais. Nem mesmo esse imaginário mais ‘seletivo’ foi devidamente colocado em prática, uma vez que a classe operária e popular, como admitiriam lideranças como o próprio Sergio Arouca em balanço autocrítico, representava o ‘fantasma da classe ausente’2020 Paim J. Reforma Sanitária Brasileira: contribuição para a compreensão crítica. Salvador: EDUFBA; Rio de Janeiro: Fiocruz; 2008. . A questão a ser discutida é se ela foi uma classe ausente ou, ao contrário, tornada ausente em função justamente do ‘vanguardismo’ majoritariamente encampado por médicos e sanitaristas brancos.
V. Sexismo, Elitismo e Racismo, eis a questão do (não) SER social brasileiro
DANA: Eu era a pior guardiã possível que ele podia ter, uma negra para cuidar dele em uma sociedade que via os negros como sub-humanos, uma mulher para cuidar dele em uma sociedade que via as mulheres como eternas incapazes2121 Butler O. Kindred: laços de sangue. São Paulo: Morro Branco; 2017. [acesso em 2020 fev 16]. Disponível em: https://eunaoseilogaritmo.com.br/2019/08/08/kindred-lacos-de-sangue/..
Assim como nem todo populismo é de esquerda2222 Laclau E. A razão populista. São Paulo: Três Estrelas; 2013. (vide o avanço do populismo de extrema-direita com Trump, Salvini, Bolsonaro, dentre outros), nem todo elitismo é de direita; sem desconsiderar a contundência da tese de Jessé Souza dirigida à elite dirigente do atraso2323 Souza J. A elite do atraso: da escravidão à Lava Jato. Rio de Janeiro: Leya; 2017. . Se, por um lado, o pensamento social brasileiro crítico retratou nosso patrimonialismo2424 Faoro R. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. Rio de Janeiro: Globo; 2001. e coronelismo2525 Leal V. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras; 2012. - seriam, entre outros traços de personalismo e arcaísmo, marcas indeléveis de uma singularidade brasileira supostamente desafinada com os novos acordes da modernidade -, por outro, a difusão da autoimagem de cordialidade ofuscou a faceta mais marcante do caráter do nosso ‘heroísmo’: Sexismo, Elitismo e Racismo (SER). De todo modo, para o bem e para o mal, estamos vivendo um momento histórico singular que poderíamos cunhar de colapso do concilialismo, uma conflagração incontrolável de conflitos por séculos solapados que desmente fragorosamente teses ‘harmoniosas’ como a de democracia racial. Aqui, como já bem-dito (‘amaldiçoado’) por Lélia Gonzalez, a miscigenação começou com a torpeza do estupro de mulheres pretas perpetrados pela nobreza branca2626 Gonzalez L. Primavera para as rosas negras: Lélia Gonzalez em primeira pessoa. In: Gonzalez L. Primavera para as rosas negras: Lélia Gonzalez em primeira pessoa... Diáspora Africana. São Paulo: UCPA; 2018. p. 369-379..
Preocupada única e exclusivamente com a exploração de classe, a elite do ‘progresso’ lutou contra um difuso imperialismo de inimigos externos (teria sido também anticapitalista ou apenas ‘anti-imperialista’?), sem adotar o mesmo tipo de empenho contra as dominações internas. No interior da saúde coletiva, é possível ainda encontrarmos velhos sanitaristas que decerto teriam sido capazes de doar a própria vida se preciso fosse em prol da RSB (aliás, como alguns o fizeram), ao mesmo tempo que são pessoalmente atravessados por condutas sexistas, elitistas e racistas; e curioso: quando, por exemplo, tenta-se discutir racismo estrutural e institucional, na maioria das vezes, ficam sinceramente ofendidos ‘com tais acusações’, especialmente ‘posto que somos todos de esquerda’. Acaba-se, no fundo, por querer individualizar um problema de ordem coletiva; afinal, o que existe é um SER social no qual eles também estão embebidos. Não obstante, essas pessoas de carne e osso atuam como exemplares vivos e indesejáveis do sexismo, elitismo e racismo estruturantes da sociedade brasileira, dos quais grande parte da esquerda tradicional infelizmente não escapa (pior ainda: costumam ser, dada a origem de elite, seres assaz influentes nos espaços em que circulam). SER esse responsável pelo grande não ser da maioria da população, notadamente as mulheres negras - principais vítimas da ‘cordialidade’ patriarcal geradora de feminicídios e violência doméstica, da ‘meritocracia’ legitimadora das desigualdades persistentes e quase ‘inatas’, bem como da ‘democracia racial’ escamoteadora do racismo endêmico.
VI. A condição de privilégios não é um ‘privilégio’ exclusivo da direita
SUSANA: A dor da perda da pátria, dos entes caros, da liberdade fora sufocada nessa viagem [de navio negreiro] pelo horror constante de tamanhas atrocidades2727 Reis MF. Úrsula. Porto Alegre: Zouk; 2018. [acesso em 2020 fev 16]. Disponível em: https://books.google.com.br/books?id=rFt0DwAAQBAJ&pg=PT87&dq=A+dor+da+perda+da+p%C3%A1tria,+dos+entes+caros,+da+liberdade+fora+sufocada+nessa+viagem&hl=pt-BR&sa=X&ved=0ahUKEwi8ypPJqtfnAhWiD7kGHS1IBkUQ6AEIKTAA#v=onepage&q=A%20dor%20da%20perda%20da%20p%C3%A1tria%2C%20dos%20entes%20caros%2C%20da%20liberdade%20fora%20sufocada%20nessa%20viagem&f=false..
O golpe mais duro e difícil de assimilar que a esquerda ‘classista’ sofre hoje da esquerda ‘identitária’ provém do ato de ser incomodamente lembrada de que ela, historicamente, também desfrutou de privilégios de origem exibidos como ‘direitos conquistados’, porquanto, enquanto não forem verdadeiramente universalizados, ‘direitos’ não passam, ao fim e ao cabo, de privilégios. Desde, pelo menos, ‘Retrato do colonizado precedido do retrato do colonizador’, de Albert Memmi, não dá mais para deixar de identificar na categoria de ‘privilégio’ sua conotação de comparação2828 Memmi A. Retrato do colonizado precedido pelo retrato do colonizador. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 1977. ; sendo assim, de fato, grande parte da esquerda tradicional que lutou e luta contra desigualdades e por justiça social, quando pensada relativamente às classes desfavorecidas justamente em nome das quais age, frequentemente ocupa posições vantajosas em função do gênero (homens), da cor/raça (brancos) e mesmo da classe social (no mínimo, média) das quais é oriunda. A questão ético-política fundamental é saber que é possível, e principalmente mandatário, não ser signatário da condição privilegiada da qual se parte, e mais necessário ainda reconhecê-la como tal e lutar para extirpá-la.
A esquerda orientada pela luta de classes reage argumentando que, ao entrar nessa lógica, acabaríamos nos enredando em uma espiral infinita sobre quem é menos privilegiado do que quem, como se estivéssemos participando de uma espécie de Olimpíadas do mérito da desgraça (obviamente, retórica adotada também pela direita), bem como terminaríamos por nos fragmentar em políticas ‘identitárias’ perdendo consequentemente o foco da ‘contradição essencial’ a ser combatida, isto é, a de classes. Ora, ora, falta no mínimo generosidade e solidariedade para reconhecer que mulheres negras sempre viveram na maior das encruzilhadas: sofrem opressão de gênero por serem mulheres, racismo por serem negras e discriminação/exploração por serem pobres na maioria dos casos. Nesse sentido, não apenas a esquerda classista, mas também o feminismo tradicional focado nas opressões sofridas pelas mulheres brancas de classe média e o antirracismo do Movimento Negro voltado para as opressões sofridas pelos homens negros lhes serviram como obstáculos à sua própria libertação. Seu ‘revide’ ancestral está se tornando público e notório, finalmente: embora brancos acadêmicos oportunistas queiram expropriá-lo de sua ‘propriedade’ intelectual, o feminismo negro vem sendo o verdadeiro responsável pela grande teoria de tudo unificada como jamais a esquerda ousou conceber: interseccionalidade/encruzilhada2929 Akotirene C. O que é interseccionalidade? Belo Horizonte: Letramento; 2018. . Enquanto isso, a esquerda tradicional ressentida contra-argumenta que privilégio é coisa de classe dominante; na academia, por exemplo, nós reclamamos que somos trabalhadores mal remunerados e que vivemos em condições precárias de trabalho, esquecendo-nos do ‘privilégio da servidão voluntária’ da maioria da população preta e pobre. Lutar, e é preciso lutar como uma garota, contra as reformas da previdência e do trabalho é majoritariamente um privilégio de gente branca; tanto assim que essas pautas vêm despertando pouca mobilização popular. Parafraseando Memmi, não basta quem tem boas condições já de partida tomar partido pelas pessoas oprimidas, é preciso ser ‘eleito’ (muito mais no sentido ‘filosófico’ do que político partidário) por elas para tal tarefa.
VII. O privilégio gera privilégio e opressão; opressão gera opressão
Onde fica aquele lugar onde o que não deveria ‘acontecer a ninguém’ acontece todo dia? Por que é que, em tantos lugares encontrados em todo canto do espaço global, tantos seres humanos se deparam com aquilo que ‘ninguém merece’? O que possibilita um modo de existência que se dissemina para além das fronteiras jurídicas de um Estado e das fronteiras éticas de todas as nações?3030 Silva DF. Ninguém: direito, racialidade e violência. Meritum. 2014; 9(1):67-117.(68).
Nesta nossa formação social brasileira, no novelo que temos construído - um novelo que se avoluma em torno de um espaço europeu, que tem o fio sob a ‘curatela’ de corpos masculinos e brancos -, muitos humanos têm temido e poucos têm sonhado. As posições de quem teme e de quem sonha são produzidas coletivamente e se transferem por meio dos registros que deixamos. Sobre tais registros, lendo-os enquanto classe social e como marcas de diferenciação - raça, gênero, idade, etnia, entre outras -, temos uma dinâmica entre privilégio e opressão que se alimentam mutuamente. Mesmo entre os mais desprovidos de privilégio, há sempre uma migalha por preservar. Há, nas relações cotidianas, entre pessoas e grupos sociais, uma desigualdade que é preciso preservar, sob o risco de não haver qualquer migalha de dignidade a que se agarrar. Trata-se de uma dinâmica social predatória, em que a opressão é ubíqua e sustentada ativamente por todos nós. Nas palavras de Albert Memmi2828 Memmi A. Retrato do colonizado precedido pelo retrato do colonizador. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 1977., nos países de origem colonial, suas instituições se erguem como ‘pirâmides de tiranos’. Quanto mais privilegiado é o humano e o seu grupo, menor a percepção que se tem da opressão que gera. Quanto mais oprimido é o humano e o seu grupo, maior a percepção que ele tem do seu privilégio, daquilo que ele não pode perder. Os primeiros não se importam com os segundos; os segundos temem os terceiros. Os terceiros, para os primeiros e os segundos, já não são humanos. Eles não deveriam existir. O medo de deixar de existir faz dos segundos uma armadura de proteção dos primeiros. Portanto, a imagem não humana do terceiro como possibilidade de vir a ser é necessária para a afirmação de segundos e primeiros.
Paulo Freire nos advertiu de que só os terceiros podem nos libertar. Será que podemos sugerir tal responsabilidade a eles?
VIII. Não há branco mais branco que brancos bem-intencionados...
O SUS é o resultado de uma luta antiga, da tradição sanitarista não-racialista. O movimento da Reforma Sanitária, calcado no tripé universalidade, integralidade e gratuidade, concebe a saúde como um direito de cidadania. Há um consenso de que a reforma da saúde é um dos mais bem-sucedidos projetos políticos de inclusão dos setores populares. O que falta, de fato, é um amplo e obrigatório debate público sobre políticas de saúde de recorte racial, diferentemente do que ocorre com a atual discussão do projeto de lei sobre cotas raciais nas universidades públicas.
Em contraposição à política pública racializada, ou seja, uma política que define o preconceito racial como o eixo da desigualdade no Brasil, propomos o aperfeiçoamento dos mecanismos das políticas de humanização do SUS. Ao invés de se denunciar o suposto ‘racismo institucional’, em que atos preconceituosos são atribuídos genericamente a entes institucionais, em detrimento da importância das ações dos atores sociais e políticos, devemos nos opor a todas as formas de discriminação.
O SUS é uma conquista de caráter universalista rumo a um país mais justo e igualitário, como nos ensinou em vida o sanitarista Sergio Arouca3131 Maio M, Monteiro S, Rodrigues PH. O SUS é racista? Portal IOC, 2006. [acesso em 2019 out 10]. Disponível em: http://www.ioc.fiocruz.br/pages/informerede/corpo/informeemail/091106/curt_09_09_11.htm.
http://www.ioc.fiocruz.br/pages/informer... .
Carlos Hasenbalg era um branco argentino que, desde a década de 1970, pesquisou sobre a racialização à brasileira. Tinha o ‘negro como tema’, como nas palavras de Lourenço Cardoso3232 Cardoso L. O branco ante a rebeldia do desejo: um estudo sobre a branquitude no Brasil [tese]. Araraquara: Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho; 2014. . Angela Figueiredo, ao prestar homenagem a Hasenbalg quando da sua morte3333 Figueiredo A. A obra de Carlos Hasenbalg e sua importância para os estudos das relações das desigualdades raciais no Brasil. Soc. estado. 2015; 30(1)., ele que fora seu orientador de doutorado, relembrou a sensação do argentino de ter sempre trabalhado no gueto, no isolamento; Angela usa um depoimento de Hasenbalg no qual ele refere à dúvida de se não era visto ou se fingiam que não o viam. Nós, brancos que estamos começando a nos ver como brancos neste início de século XXI, descobrindo noções como branquitude, encantados em nossa vaidade com a própria desconstrução, de brancos ficamos vermelhos quando descobrimos que Alberto Guerreiro Ramos escreveu sobre ‘a patologia social do branco brasileiro’ em 1957. Se nós, desconstruídos, nos desconcertamos, imagine aquele tio mais velho que nunca deixa de falar que a racialização contemporânea brasileira é fruto de um golpe de fundações internacionais iniciado na década de 19903434 Fry P, Maggie Y, Maio MC, et al., organizadores. Divisões perigosas: políticas raciais no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 2007. ?
Pois é, tio branco, está cada vez mais difícil sustentar a ‘neurose cultural brasileira’3535 Gonzalez L. Racismo e Sexismo na Cultura Brasileira. Revista Ciências Sociais Hoje, Anpocs. 1984; 223-244. . Perdeu, já não és universal. Contudo, sabemos bem das suas estratégias, e o crime perfeito está sempre para acontecer: a história do carrasco que mata duas vezes, a segunda pelo esquecimento3636 Munanga K. As ambigüidades do racismo à brasileira. In: Kom NM, Silva ML, Abud CC. O racismo e o negro no Brasil. São Paulo: Perspectiva; 2017. p. 33-44. . A produção de esquecimento é uma estratégia central na construção da racialidade à brasileira: apagam-se corpos, memórias, saberes... para ficarmos no debate acadêmico, como intelectuais negros e importantes feito Beatriz Nascimento, Lélia Gonzalez, Alberto Guerreiro Ramos e Abdias do Nascimento permanecem desconhecidos para a maioria de nós?
Hoje tem um tio branco, Jair Bolsonaro, na presidência do País. O ‘pacto narcísico da branquitude’3737 Bento MAS. Pactos narcísicos no racismo: branquitude e poder nas organizações empresariais e no poder público. [tese]. São Paulo: Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo; 2002. parece ameaçado, e os tios brancos procuram manter a sua república preservada do lixo, que tem falado numa boa e cada vez mais alto3535 Gonzalez L. Racismo e Sexismo na Cultura Brasileira. Revista Ciências Sociais Hoje, Anpocs. 1984; 223-244. . Corpos e povos subalternizados têm feito, eventualmente, os tios brancos calar, algo que estes não têm aceitado...
Já o carrasco, que entre suas várias denominações é também miliciano e segue com o tio que se tornou presidente, mata, mas não sabe como fazer esquecer... a perfeição do crime não parece mais possível: todos agora sabem dele, e Marielle vive.
IX. A tradição sanitária esqueceu que a democracia jamais nasceu
[...] e que no fundo o que não é perdoável em Hitler não é o crime em si, o crime contra o homem, não é a humilhação do homem em si, senão o crime contra o homem branco, é a humilhação do homem branco [...]3838 Césaire A. Discurso sobre o colonialismo. Florianópolis: Letras Contemporâneas; 2010.(21).
Desde a eleição de Trump, do início da controvérsia acerca do Brexit (desfecho inesperado?), do (ab)uso de fake news e, sobretudo, da aparição de um esdrúxulo jogo de aparências escancarado (mesmo ‘intactas’ ou ‘funcionando’, as instituições estariam desempenhando papel contrário [só agora ou desde sempre?] ao que se propõem porque estariam visivelmente ‘corrompidas’ nos bastidores do poder), surgem em profusão mercadológica obras subscrevendo o obituário da democracia, especialmente no mundo estadunidense3939 Runciman D. Como a democracia chega ao fim. São Paulo: Todavia; 2018., como se o imperialismo ianque tivesse sido até aqui algum modelo exemplar de respeito às ‘institucionais estabelecidas’, ou, principalmente, de vigília aos valores de liberdade, oportunidade, tolerância etc. Antes de querer declarar a iminência do fim ou morte da democracia, perguntamo-nos se a indagação pertinente não deveria ser se, de fato, a democracia já existiu. Ora, tal como formulado na tese VIII de ‘Sobre o conceito da História’ de Benjamin, não seria mais correto admitir o ‘estado de exceção como regra’? Se concebermos a história a partir do ponto de vista da tradição dos oprimidos, veremos que raros foram os momentos em que houve ‘governo do povo’ (quando isso ocorre, seus ‘amantes’ logo começam a destilar seu ‘ódio à democracia’4040 Rancière J. O ódio à democracia. São Paulo: Boitempo; 2014. ); isso para não dizer que o mais comum é termos catástrofe, destruição e genocídio aos borbotões. Pergunta ainda mais urgente e incômoda: se a elite ‘esclarecida e humanista’ da Europa viu-se como vítima indefesa durante o advento do fascismo e do nazismo, mesmo tendo se calado diante de, ou até mesmo legitimado por séculos e séculos, atrocidades inomináveis e abomináveis da colonização e da escravidão em outros territórios, não seríamos hoje, também, nós acadêmicos pretensamente ‘herdeiros do iluminismo’ nos trópicos, mais cúmplices de Bolsonaro do que suas meras vítimas? Afinal, o mal que ele quer infringir à esquerda de modo geral não seria o mesmo que negros e indígenas vêm sofrendo desde o ‘Descobrimento do Brasil’ sem que nomeemos todo esse processo histórico de coisificação dos ‘diferentes’ de ‘fascismo’? Convoque ‘seu’ Hitler...
É por isso que o documento ‘A questão democrática na área da saúde’, considerado amiúde a certidão de nascimento do Sistema Único de Saúde - SUS (ainda pulsa?), apresenta limites intransponíveis. Sem deixar de reconhecer sua relevância - notadamente o fato de ter sido uma luz no fim do longo túnel da Ditadura - e de festejar seus 40 anos - assim também o fizeram de modo independente Sonia Fleury4141 Fleury S. Revisitando "A questão democrática na área da saúde": quase 30 anos depois. Saúde debate. 2009; 33(81):156-164. e Ligia Bahia4242 Bahia L. A questão democrática na área da saúde no Brasil do século 21. Saúde debate. 2009; 33(81):65-168. por ocasião de suas três décadas -, ele contribuiu para a disseminação de uma concepção elitista de democracia no interior do campo da saúde coletiva, malgrado sua crítica categórica à política de saúde antipopular e privatizante da época em que foi redigido. Tanto assim que, ao aludir à ‘perspectiva da democratização dos serviços de saúde’, o texto termina elencando oito reivindicações supostamente dos ‘movimentos sociais’, ao passo que todas elas dizem respeito única e exclusivamente aos trabalhadores da saúde: nenhuma menção feita a respeito dos trabalhadores (em tese, alvo da esquerda naquele tempo), muito menos à toda a população propriamente dita. Trata-se, portanto, de um documento emblemático da política antidemocrática feita de cima para baixo, olvidando o fato de que ‘o de cima sobe e o de baixo desce’.
X. A saúde do coletivo da saúde coletiva padece de anemia política e amnésia histórica
Uma ciência histórica que não serve à história do povo de que trata está negando-se a si mesma. Trata-se de uma presunção cientificista e não de uma ciência histórica verdadeira4343 Nascimento A. O Quilombismo: documentos de uma militância pan-africanista. São Paulo: Perspectiva; Rio de Janeiro: Ipeafro; 2019.(287).
Malgrado os diversos problemas apontados até aqui, fato inegável reside na constatação de que, em sua origem, a saúde coletiva foi concebida como um ‘campo científico’ umbilicalmente ligado à RSB - sacramentada na tríade ‘corrente de pensamento, movimento social e prática teórica’4444 Nunes E. Saúde Coletiva: história de uma idéia e de um conceito. Saúde e Sociedade. 1994; 3(2):5-21. ou no binômio ‘produção de conhecimento e estratégia política’4545 Cohn A. Conhecimento e Prática em Saúde Coletiva: o desafio permanente. Saúde e Sociedade. 1992; 1(2):97-109. -, para o bem e para o mal. Ao passo que, atualmente, ela tornou-se quase que totalmente autônoma em relação aos dilemas nacionais da saúde pública nacionais [excluir], embora suas pesquisas pareçam permanecer diretamente vinculadas aos SUS. Haveria ainda, de fato, uma relação orgânica? Aquilo que fomos capazes de vocalizar e fazer pelo sistema de saúde atacado deveria ser a medida da nossa resposta. O ‘campo’ hoje está diante de um grande paradoxo a ser decifrado, se não quisermos nos autodevorar: mesmo com toda a tentativa de desmonte da ciência iniciado pelo Governo Temer e com fortes indícios de ser radicalizado agora pelo bolsonarismo, estamos convictos de que a saúde coletiva vai continuar existindo como um ‘campo’ significativo de produção de conhecimento; realmente, embora esteja como que combalido no CTI (Centro de Terapia Intensiva), nosso sistema de CT&I (Ciência, Tecnologia e Inovação) em geral e a saúde coletiva em particular vão sobreviver à hecatombe. Será? Seja do jeito que for, em tempos de taylorismo acadêmico4646 Domingues I. O sistema de comunicação da ciência e o taylorismo acadêmico: questionamentos e alternativas. Estudos avançados. 2014; 28(81):225-250. ou daquilo que poderíamos chamar jocosa e seriamente de Capestalismo Lattesfundiário (nós termos hoje que defender desesperadamente o Lattes devido a ataques sucessivos à Plataforma não seria um sintoma de que ainda vivemos sob a vigência de sua governança?), a ‘política anêmica’ e ‘amnésia histórica’ nos parecem ser condições requeridas para se ter pretensa ‘força epistêmica’4747 Fuller S. The philosophy of science and technology studies. New York; London: Routledge; 2006. . Sendo assim, ainda que vivendo sob os maus auspícios dos efeitos colaterais do austericídio, a saúde coletiva prosseguirá como um ‘campo’, conquanto de duras batalhas. E aí é que mora na filosofia aquilo que poderíamos denominar drama rodrigueziano (formulado por Simón Rodríguez, professor de Simón Bolívar), reencenado por Hebe Vessuri4848 Vessuri H. "O inventamos o erramos". La ciência como idea-fuerza en América Latina. Bernal: Univ. Nacional de Quilmes Editorial; 2007.: se a antropóloga de dupla nacionalidade (argentina e venezuelana), Vessuri diz, referindo-se à soberania científica latino-americana, ‘ou inventamos ou erramos’, nós ousaríamos dizer, dirigindo-nos à saúde coletiva brasileira: ou nos reinventamos ou pereceremos.
Em contexto de mercantilização da ciência, habitualmente, tornar-se um campo científico ‘meritocrático’ significa ficar refém do produtivismo em sentido amplo. A sanha por publicação é só uma parte, por mais que seja considerável, desse fenômeno social de amplitude maior que consiste em se ter de atuar de acordo com os interesses ou as ‘leis’ dessa entidade metafísica desalmada chamada mercado - cujo valor prioritário é justamente o ‘valor’ - no interior de uma instituição que, em tese, não deveria ter outro ideal senão o do compromisso com o conhecimento e a emancipação. Tudo isso ao valor alto pago pela crítica situação de saúde mental dos docentes, discentes e funcionários, para não falar do angustiante aumento de suicídios. Dramático também é que o produtivismo acadêmico, tal como ocorre no plano capitalista societário mais amplo dos países chamados periféricos, implica, no fundo, dependência externa e desigualdade interna. Importamos critérios internacionais padronizados de implementação e avaliação das políticas de CT&I avessos ao nosso ser social de diversidade e condição histórica de miséria e desigualdade, ao mesmo tempo que produzimos grande hierarquização local entre as instituições de ensino, pesquisa e extensão. Quem poderia em sã consciência negar que, além da competitividade sempre mais acirrada entre nós, nosso ambiente cotidiano, especialmente nos programas de pós-graduação, é o de maquinização dos processos institucionais, dissolução das relações de trabalho, embrutecimento das subjetividades e apagamento quase total e completo dos ideais de companheirismo e solidariedade, valores esses que deveriam justamente servir de base a uma saúde coletiva que pretenda contribuir, efetivamente, com a superação de uma sociedade cada vez mais mercantilizada, individualista e desumanizada? Uma ‘sociedade em redes’ de isolamento, depressão e hostilidade4949 Mendonça AL. Dos valores de medida aos valores como medida: uma avaliação axiológica da avaliação acadêmica. Ensaios Filosóficos. 2014; (10):111-133..
E tem gente boa nossa achando que possíveis ‘novos’ critérios de avaliação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) a serem implementados (por exemplo: valorizar os artigos de ‘impacto social’, a fim de priorizar a ‘qualidade’) podem pôr fim à lógica quantitativista e imediatista, em vez de verem nisso sua radicalização... e isso em plena era em que o Ministro da Educação Weintraub acha suficiente aprender a fazer contas...
XI. A esquerda praticou teorias críticas, mas não teorizou práticas autocríticas
No geral, o feminismo das grevistas antecipa a possibilidade de uma fase nova e sem precedentes da luta de classes: feminista, internacionalista, ambientalista e antirracista5050 Arruza C, Bhattacharya T, Fraser N. Feminismo para os 99%: um manifesto. São Paulo: Boitempo; 2019. [acesso em 2020 fev 16]. Disponível em: https://books.google.com.br/books?id=CJ2HDwAAQBAJ&pg=PT27&lpg=PT27&dq=No+geral,+o+feminismo+das+grevistas+antecipa+a+possibilidade+de+uma+fase+nova+e+sem+precedentes+da+luta+de+classes:+feminista,+internacionalista,+ambientalista+e+antirracista&source=bl&ots=fnKwUb2sRT&sig=ACfU3U2TRM9sWCEQGt4KUjjd2dUstEQ8tw&hl=pt-BR&sa=X&ved=2ahUKEwjprLqYqdfnAhUtLLkGHfqBBZUQ6AEwAXoECAoQAQ#v=onepage&q=No%20geral%2C%20o%20feminismo%20das%20grevistas%20antecipa%20a%20possibilidade%20de%20uma%20fase%20nova%20e%20sem%20precedentes%20da%20luta%20de%20classes%3A%20feminista%2C%20internacionalista%2C%20ambientalista%20e%20antirracista&f=false..
Sem margem para discordância nesse aspecto, se há um traço comum na esquerda é o da divergência constitutiva, o que advém justamente da atitude crítica (a rigor, é a crítica que torna a esquerda tão diversa e heterogênea; a igualização, ou unidade forjada, é produto do embotamento). Dramaticamente, a crítica tanto pode ser nossa salvação quanto condenação, pois, se por um lado, dificilmente incorremos em dogmatismos quando a levamos à risca, por outro, o risco da fragmentação está sempre à espreita. Malgrado não seja sempre definido - a rigor, para ficar só nos europeus brancos, de Kant a Derrida (franco-magrebino), ou dos ‘transcendentais’ à ‘desconstrução’, várias são as concepções acerca do que vem a ser crítica, ainda que nem sempre explicitadas -, o conceito de crítica que nos interessa aqui tem a ver com olhar, atenta e argutamente, por trás do valor de face das coisas de modo a encontrar as verdadeiras condições de possibilidade (variáveis de acordo com a teoria em jogo: valor, interesse, poder etc.) subjacentes aos fatos, acontecimentos e processos sociais. Paradoxalmente, quase um ‘senso-comum’ acerca do pensamento crítico. Mais precisamente, é necessário associar o conceito de crítica ao de ‘ideologia’, que, com as devidas ressalvas, está mais atual do que nunca. Obviamente, após incontáveis críticas pertinentes dirigidas ao conceito de ideologia compreendido como ‘falsa consciência’ - do próprio Marx a Mészáros -, não seria mais recomendável traçar uma linha demarcatória tão nítida entre ‘ideologia’ e ‘verdade’ sem deixar de incorrer em contradições insolúveis (até porque, paradoxalmente, a própria ciência tem se tornado cada vez mais ‘ideologia’ em seu sentido antigo de falsa ou má consciência, tal como é o caso da economia [a rigor, cinismo puro e simples com ares arrogantemente científicos]5151 Mészáros I. O poder da ideologia. São Paulo: Boitempo; 2004. ); não importa de que lado estejamos nas disputas políticas e epistemológicas (ou de qualquer outra ordem), todos nós estamos sempre embebidos no interior de um sistema ideológico totalizante, se por este se entende, como deveria ser o caso, um conjunto de crenças e valores compartilhados por um determinado grupo ou classe social condicionante de sua forma tanto de interagir quanto de ver, sentir, pensar e agir no e sobre o mundo. Ironicamente, tendo roubado o uso antigo do termo, a direita hoje acusa os valores de esquerda de ‘ideológicos’, da mesma forma que se coloca cinicamente de um ponto de vista pretensamente neutro e imparcial. Roubemo-lo, dialeticamente, de volta!
Ademais, faz-se necessário, e oportuno em tempos de mais uma derrota golpeante, caminhar em direção à construção de uma ‘teoria autocrítica’ que nos permita aprender com os próprios equívocos históricos; e aqui a Europa e os EUA já não podem nos ajudar tanto. Verdade seja dita: nós temos, enquanto esquerda ‘iluminista’, pouca tradição em termos de balanço sobre nossos erros, excetuando casos individuais e isolados - e não estamos nos referindo a partidos. Reconhecemos que é bem mais cômodo ou consolador atribuir a sorte de nossas mazelas aos nossos adversários do que à nossa falta de estratégia, de unidade, de tenacidade, ou seja lá mais o que for; até porque também estamos sempre em uma luta por narrativas. Pior ainda: é fácil e simultaneamente inócuo afirmar que quem procura fazer autocrítica em tempos de ‘crise’ está correndo o risco de dar o ouro ao bandido, como esse nosso texto pode inclusive vir a ser acusado. Ora, por que não assumirmos em contra-ataque radical e rebelde nosso ‘banditismo’, tornando-nos, finalmente, ou novamente, ‘classes perigosas’?
XII. Para enfrentar o SER social brasileiro, é preciso mais que falar grosso
[...] a descolonização é sempre um processo violento. [...] a descolonização é simplesmente a substituição de uma ‘espécie’ de homens por outra ‘espécie’ de homens. Sem transição, há substituição total, completa absoluta
A descolonização jamais passa despercebida porque atinge o ser, modifica fundamentalmente o ser, transforma espectadores sobrecarregados de inessencialidade em atores privilegiados. [...]. Introduz no ser um ritmo próprio, transmitido por homens novos, uma nova linguagem, uma nova humanidade. A descolonização é, em verdade, criação de homens novos. Mas esta criação não recebe sua legitimidade de nenhum poder sobrenatural: a ‘coisa’ colonizada se faz no processo mesmo pelo qual se liberta22 Costa JF. A história da psiquiatria brasileira. 4. ed. Rio de Janeiro: Xenon; 1989.(25-26).
Quando aparece a questão da violência no nosso cotidiano, é aquele momento no qual costumamos parar, respirar fundo e mentalizar: ‘sou da paz’. Desejamos a paz para todos, somos da cultura da paz; nos impressionamos com a violência hoje ubíqua e sonhamos com um mundo pacífico. Pois esta é a hora crucial em que assumimos o nosso papel no SER social brasileiro: “Qual a paz que eu não quero conservar para tentar ser feliz”5353 Yuka M. Minha Alma (a paz que eu não quero). In: O Rappa. Lado B, Lado A. Warner/Chappell Music, Inc; 1999. [acesso em 2020 fev 16]. Disponível em: https://open.spotify.com/album/3I1bOo70cU0y7PprxCGgAs?highlight=spotify:track:1Ni0ovtimq9tAGzvOvEiAn.
https://open.spotify.com/album/3I1bOo70c... ?
Pois é, a violência cotidiana é a que garante a nossa paz securitizada e relativa. É nela que gozamos a nossa individualidade, a nossa propriedade e a nossa capacidade de consumo. Não há privilégio sem violência. Dispor-se a se ver privilegiado e, num nível mais profundo, abrir mão destes privilégios é abrir-se para a violência; e não é só a violência do confronto, mas a que se dirige ao que te funda. É a chance de ser atingido por quem não quer se desfazer dos privilégios, e é mais: desestruturar-se e reestruturar-se, pessoal e coletivamente. É fazer tudo isso cuidando para não morrer, pois o lado de lá seguirá atirando. Porém, simplesmente cuidar para não morrer resolve algo? Sabemos que não. Então é preciso ferir...
Temos, com os povos condenados nesta terra pelo nosso SER social, uma dívida impagável5454 Issuu. Denise Ferreira Silva - "A Dívida Impagável: Lendo Cenas de Valor Contra a Flecha do Tempo". 2017. [acesso em 2019 maio 31]. Disponível em: https://issuu.com/amilcarpacker/docs/denise_ferreira_da_silva_-_a_di__vi.
https://issuu.com/amilcarpacker/docs/den... . Você está disposto a assumi-la, a responsabilizar-se por ela? Está disposto a sangrar?
- Suporte financeiro: não houve
- *Orcid (Open Researcher and Contributor ID).
Referências
- 1Marcos P. Dois perdidos numa noite suja. In: Zanotto M, organizador. Melhor teatro: Plínio Marcos. São Paulo: Global; 2010. p. 61-134.
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» https://www.corriere.it/speciali/pasolini/potere.html - 10Marx K. O 18 de Brumário de Luís Bonaparte. São Paulo: Boitempo; 2011.
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
07 Ago 2020 - Data do Fascículo
Dez 2019
Histórico
- Recebido
03 Jun 2019 - Aceito
10 Set 2019