Trajetórias e aproximações entre a saúde coletiva e a agroecologia

Trajectories and approaches between collective health and agroecology

Andre Campos Burigo Marcelo Firpo de Souza Porto Sobre os autores

RESUMO

O artigo, em forma de ensaio, discute a trajetória da aproximação entre a saúde coletiva e a agroecologia. O texto apresenta uma sistematização da história recente em torno da seguinte questão: desde quando e sob quais condições, contextos e temas os diálogos entre saúde e agroecologia passaram a se fortalecer no Brasil? Ainda que a agroecologia, por sua própria concepção, sempre tenha estado a serviço da promoção da saúde, a aproximação entre os dois campos tem envolvido um longo percurso marcado por diálogos entre movimentos sociais e setores acadêmicos que contribuíram para a construção de políticas públicas que, recentemente, vêm passando por sérias restrições. Além de revisão bibliográfica, análises dos relatórios de Conferências Nacionais de Saúde e de políticas públicas, o artigo se baseia em experiências acadêmicas e militantes dos autores nas diversas entidades, fóruns, redes e movimentos sociais que serviram de espaços de articulações entre a saúde coletiva e a agroecologia. Ao longo do artigo, discute-se o contexto histórico, institucional, político e epistêmico desse diálogo, que tem sido aprofundado somente nos últimos anos. Ao final, discutem-se alguns desafios e questões estratégicas para sua continuidade diante dos graves retrocessos em curso.

PALAVRAS-CHAVE:
Saúde pública; Agricultura sustentável; Ecologia da nutrição; Agroindústria; Agroquímicos; Sistemas alimentares

ABSTRACT

The article, which is an essay, discusses the trajectory of the approach between collective health and agroecology. The text presents a systematization of the recent history trying to answer the following question: since when and under what conditions, contexts, and themes did the dialogues between health and agroecology begin to be strengthened in Brazil? Although agroecology, by its very conception, has always been at the service of health promotion, the rapprochement between the two fields has involved a long journey marked by dialogues between social movements and academic sectors that contributed to the construction of public policies which have recently been under serious restrictions. In addition to a bibliographical review, analysis of the National Health Conferences and public policy reports, the article is based on the authors’ academic and militant experiences with various entities, forums, networks, and social movements that served as spaces for articulation between collective health and agroecology. The article discusses the historical, institutional, political, and epistemic context of this dialogue, which has only been deepened in recent years, and at the end we discuss some challenges and strategic issues for its continuity in the face of serious setbacks.

KEYWORDS:
Public health; Sustainable agriculture; Nutrition ecology; Agribusiness; Agrochemicals; Food systems

Introdução: a estratégica aproximação entre saúde coletiva e a agroecologia

O artigo, em forma de ensaio e sistematização da história recente, discute a trajetória da aproximação entre a saúde coletiva e a agroecologia a partir de uma questão central: desde quando e sob quais condições, contextos e temas os diálogos entre saúde e agroecologia passaram a se fortalecer?

Para responder a essa pergunta, utilizamos como metodologia revisão bibliográfica em periódicos, análise de relatórios de conferências nacionais de saúde e de políticas públicas, um levantamento dos encontros que abordaram a relação entre saúde e agroecologia, além de nos aproveitarmos das experiências acadêmicas e militantes dos autores com diversas entidades, fóruns, redes e movimentos sociais que serviram de espaços de articulações entre a saúde coletiva e a agroecologia. Privilegiamos aquelas políticas públicas, encontros e publicações nas quais as relações entre saúde e agroecologia são ou foram objeto direto de discussão.

Embora não seja objetivo do texto aprofundar as possíveis semelhanças e diferenças, tanto a saúde coletiva como a agroecologia são entendidas seja como campos de conhecimentos e práticas11 Campos GWS. Saúde pública e saúde coletiva: campo e núcleo de saberes e práticas. Ciênc. Saúde Colet. 2000; 5(2):219-250.,22 Wezel A, Bellon S, Doré T, et al. Agroecology as a science, a movement and a practice. Agron. Sust. Develop. 2009; (29):503., ou enquanto comunidades epistêmicas33 Haas PM. Introduction: Epistemic communities and international policy coordination. Internat. Organ. 1992; 46(1):1-35. articuladas a políticas e instituições. Os objetos de produção de conhecimentos e de práticas para as duas comunidades são de grande relevância e inter-relacionados para qualquer sociedade: na saúde coletiva, os processos como as pessoas vivem, adoecem e morrem, atravessados por dimensões sociais, ambientais e políticas; na agroecologia, as questões agrária e agrícola voltadas à produção e à qualidade dos alimentos para a segurança e soberania alimentar, em agroecossistemas sustentáveis em harmonia com os povos que neles vivem e produzem.

A aproximação entre saúde e agroecologia é importante por, pelo menos, duas razões. Primeiro, vivemos um momento de agravamento das crises democrática, social, sanitária e ecológica não só no País, mas também no conjunto do planeta. Vivemos tempos contraditórios de neoliberalismo e globalização de fluxos financeiros e mercadorias, com o acirramento de disputas geopolíticas internacionais, que conduziram a um sistema agroalimentar indutor do consumo de agrotóxicos e transgênicos44 Carneiro FF, Augusto LGS, Rigotto RM, et al. Dossiê ABRASCO: um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde. Rio de Janeiro; São Paulo: EPSJV; Expressão Popular: 2015. e a uma sindemia de obesidade, desnutrição e mudanças climáticas55 Swinburn BA, KraakVI, Allender S, et al. The Global Syndemic of Obesity, Undernutrition, and Climate Change: The Lancet Commission report. The Lancet. 2019; 393(10173):791-846. . As conquistas da reforma sanitária, como a concepção ampliada de saúde, a institucionalização do Sistema Único de Saúde (SUS) e de vários grupos de pesquisa na saúde coletiva, fazem parte dos avanços pós-redemocratização no Brasil que agora se encontram fortemente ameaçados por processos de austeridade, privatização e desregulamentação66 Oniec K, Dall'alba R, King L. Brazil's health catastrophe in the making. The Lancet, 2018; 392(10149):731-732.

Uma segunda razão diz respeito ao próprio significado da questão agrária e da agroecologia para a saúde coletiva. O País é marcado pela concentração de terras, de poder e de acesso a riquezas naturais, e isso guarda relação estrutural com desigualdades sociais e iniquidades em saúde, como as manifestações da miséria e da fome. Os avanços ocorridos nos últimos anos, ainda que limitados, estão sendo esvaziados66 Oniec K, Dall'alba R, King L. Brazil's health catastrophe in the making. The Lancet, 2018; 392(10149):731-732 . Como veremos, a questão agrária esteve bastante ausente na consolidação da saúde coletiva desde seu início nos anos 1970. Porém, nas últimas décadas, a relação da saúde com a questão agrária e o enfrentamento do agronegócio, principalmente a partir da agenda dos agrotóxicos, vêm crescendo de importância estratégica. Recentemente, ainda, estudos a partir da abordagem de sistemas (agro)alimentares têm trazido luz à integração de análises de grande relevância para a saúde coletiva44 Carneiro FF, Augusto LGS, Rigotto RM, et al. Dossiê ABRASCO: um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde. Rio de Janeiro; São Paulo: EPSJV; Expressão Popular: 2015.,77 International Panel of Experts on Sustainable Food Systems. Unravelling the Food-Health Nexus: Addressing practices, political economy, and power relations to build healthier food systems. Bruxelas: IPES-Food; 2017..

De um lado, tal crescimento se dá por razões sociais, políticas e econômicas, e que inclui o fortalecimento de novos movimentos sociais organizados ligados ao campo. São movimentos que renascem, surgem e se atualizam após o fim do regime militar, inseridos em conflitos simultaneamente de natureza social, territorial e ambiental. Envolvem grupos sociais como camponeses, indígenas, quilombolas e outras populações tradicionais que vivem em forte conexão com a natureza. Nesse processo de enfrentamento, torna-se cada vez mais clara a importância do agronegócio como base do capitalismo e do neoextrativismo no Brasil.

O diálogo entre saúde e agroecologia também desperta questões epistemológicas que colocam em xeque paradigmas ainda hegemônicos na saúde coletiva. Por exemplo, a biomedicina, a medicalização e suas influências na concepção e organização do SUS88 Ayres JRCM. Uma concepção hermenêutica de saúde. Physis, 2007; 17(1):43-62., ou ainda as próprias ciências sociais críticas que influenciaram a teoria da determinação social da saúde ao assumirem uma visão eurocêntrica de transformação social99 Borde E, Hernandez-Alvarez M, Porto MFP. Uma análise crítica da abordagem dos Determinantes Sociais da Saúde a partir da medicina social e saúde coletiva latino-americana. Saúde debate. 2015; 39(106):841-854. . No Brasil, essa visão reduziu, durante um bom tempo, a relevância de questões como a violência contra negros, indígenas, mulheres e comunidades LGBTI+, já que essas eram vistas como identitárias e não conectadas às dimensões estruturais dos conflitos de classe. Ainda em termos epistemológicos, somente nos últimos 20 anos, a questão ecológica vem sendo atualizada pela saúde coletiva dentro de um enfoque socioambiental crítico1010 Porto MFS, Rocha DF, Finamore R. Saúde coletiva, território e conflitos ambientais: bases para um enfoque socioambiental crítico. Ciênc. Saúde Colet. 2014; 19(10):4071-4080..

O início da aproximação a partir dos anos 1970 ante os avanços da ‘revolução verde’

O surgimento da saúde coletiva, a partir dos anos 1970, enquanto campo acadêmico e movimento político - Movimento da Reforma Sanitária Brasileira - por democratização da sociedade brasileira e direito à saúde, é contemporâneo da organização do Movimento Agroecológico no Brasil, ainda que naquela época autodenominado de ‘agricultura alternativa’. Este último foi protagonizado tanto por técnicos e pesquisadores das áreas agrárias como também por camponeses e agricultores familiares que, em diferentes regiões do Brasil, passaram a se organizar para resistir e denunciar os impactos da expansão da agricultura capitalista, com destaque para o trabalho das Comunidades Eclesiais de Base. O I Encontro Brasileiro de Agricultura Alternativa (EBAA), em 1981, e o encontro de experiências pautadas pelo estímulo ao uso de tecnologias e processos alternativos à revolução verde e fundado nas capacidades organizativas locais, que resultou na criação do Projeto Tecnologias Alternativas (PTA), em 1983, são marcos históricos importantes dessa história1111 Monteiro D, Londres F. Pra que a vida nos de^ Flor e Frutos - notas sobre a trajetória do Movimento Agroecológico no Brasil. In: Sambuichi RHR, Moura IF, Mattos LM, et al., organizadores. A política nacional de agroecologia e produção orgânica no Brasil: uma trajetória de luta pelo desenvolvimento rural sustentável. Brasília, DF: Ipea; 2017. p. 53-86..

Disseminado no pós-guerra a partir dos Estados Unidos da América (EUA) e Europa Ocidental, a revolução verde representa a expansão da lógica industrial capitalista dentro da agricultura tendo como motes de sua narrativa o aumento da produtividade agrícola por meio da larga escala das áreas plantadas, da mecanização, da introdução de insumos agroquímicos (fertilizantes e agrotóxicos) e, posteriormente, de biotecnologias, em especial, as sementes transgênicas. Esse modelo de agricultura, conhecido como agronegócio, inseriu o Brasil no mercado global capitalista nas últimas décadas como grande liderança mundial na exportação de commodities agrícolas.

O avanço da revolução verde no marco do capitalismo brasileiro aumentou a concentração de terras e o desmatamento, e agravou a crise ecológica, incluindo a degradação de ecossistemas, a redução da biodiversidade e a escassez e/ou poluição do ciclo das águas, além de outros ciclos como os do carbono, fósforo e nitrogênio, os quais estão fortemente associados à agricultura industrial. Gerou também problemas sociais, como as disparidades de renda, o êxodo rural e a consequente expansão das desigualdades socioespaciais nas cidades, assim como a taxa de exploração da força de trabalho, cujo exemplo paradigmático são os trabalhadores do corte da cana de açúcar. Também cresceu a taxa de autoexploração nas propriedades agrícolas menores, com piora da qualidade de vida da população trabalhadora do campo1212 Palmeira M. Modernização, Estado e questão agrária. Rev Estud. Avançados, 1989; 3(7):87-108.,1313 Alessi NP, Navarro VL. Saúde e trabalho rural: o caso dos trabalhadores da cultura canavieira na região de Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil. Cad. Saúde Pública, 1997; 13(supl2):111-21..

Visibilizar e denunciar os impactos dos conflitos territoriais e da contaminação e intoxicação por agrotóxicos, marcas do avanço da revolução verde, têm unido esforços entre os campos da saúde e da agroecologia, incluindo articulações entre grupos acadêmicos, instituições e movimentos sociais. Entretanto, apesar da consolidação do movimento sanitarista brasileiro, a conquista da Lei nº 7.802/1989 - hoje defendida conjuntamente pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e pela Associação Brasileira de Agroecologia (ABA-Agroecologia)1414 Associação Brasileira de Saúde Coletiva; Associação Brasileira de Agroecologia. Dossiê Científico e Técnico contra o Projeto de Lei do Veneno (PL 6.299/2002) e a favor do Projeto de Lei que institui a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos - PNARA [internet]. 2018. [acesso em 2018 dez 12]. Disponível em: https://www.abrasco.org.br/site/outras-noticias/movimentos-sociais/abrasco-lanca-dossie-contra-o-pacote-do-veneno/35812/.
https://www.abrasco.org.br/site/outras-n...
-, também conhecida como Lei dos Agrotóxicos, foi resultado de uma luta protagonizada basicamente por organizações da agricultura alternativa na década de 1980. Nesse caso, a unidade política foi construída sobretudo entre certos movimentos ambientalistas e entidades profissionais de agrônomos, assim como para a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), Organização Não governamental (ONG) com papel destacado na conquista da Lei de Agrotóxicos do Rio Grande do Sul1515 Franco CR, Pelaez V. A (des)construção da agenda política de controle dos agrotóxicos no Brasil. Rev. Amb. Soc. 2016; 19(3):215-232..

A VIII Conferência Nacional de Saúde (CNS), realizada em 1986, reuniu pela primeira vez em uma CNS representantes de vários segmentos da sociedade civil organizada. O relatório dessa Conferência define a saúde como um direito de todos e dever do Estado, a necessidade de criar um SUS, estabelece os princípios e diretrizes para esse sistema e cria o conceito ampliado de saúde.

Em seu sentido mais abrangente, a saúde é resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse de terra e acesso a serviços de saúde. [...] A saúde não é um conceito abstrato. Define-se no contexto histórico de determinada sociedade e num dado momento de seu desenvolvimento, devendo ser conquistada pela população em suas lutas cotidianas1616 Brasil. Ministério da Saúde. Conferência Nacional de Saúde, 8. Relatório Final. Brasília, DF: 1986.(4).

A VIII CNS teve como desdobramento prático a criação da Comissão Nacional de Reforma Sanitária (CNRS), por meio de uma Portaria dos Ministérios da Educação, Saúde e Previdência que, segundo Campos1717 Campos GWS. A reforma sanitária necessária. In: Berlinguer G, Teixeira SMF, Campos GWS, organizadores. Reforma Sanitária: Itália e Brasil. São Paulo: Hucitec; Cebes; 1988. p. 179-194.(183), viria a se constituir em um dos principais instrumentos do “partido sanitário da ordem”, por conta de sua composição. Esta incluía um forte componente governamental, de representantes patronais e corporativos, incluindo prestadores de serviço e profissionais de saúde. Apenas três centrais sindicais de trabalhadores e uma representação dos chamados ‘usuários’ contrabalançavam essa tendência ‘da ordem’.

Interessa-nos aqui chamar a atenção para a presença da Confederação Nacional de Trabalhadores na Agricultura (Contag) e da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) nessa Comissão, o que indica a presença de lutas relacionadas com o campo. Por outro lado, em pesquisa realizada nos termos definidos como localizadores para o acesso aos arquivos do acervo documental do I Plano Nacional de Reforma Agrária da Nova República (1985), percebeu-se que não há, entre os 659 termos, registro das palavras ‘saúde’ ou ‘movimento sanitário’. Isso indica a relativa ausência da saúde nas lutas pela reforma agrária, e vice-versa.

O projeto de sistema de saúde para a população brasileira resultante da VIII CNS foi defendido na constituinte de 1988 e, em parte, aprovado. Passados dois anos, os artigos da Constituição Federal referentes especificamente à saúde (arts. 196 a 200) foram regulamentados pelas Leis Orgânicas da Saúde. Importante conquista do movimento sanitário é a noção de saúde como produção social. Porém, ‘o acesso e posse de terra’ não estão mais incluídos no conceito de saúde reconhecido pelo Estado brasileiro (Lei nº 8.080/90, art. 3º)1818 Brasil. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diário Oficial da União. 20 de Set 1990..

A XIX CNS1919 Brasil. Ministério da Saúde. Conferência Nacional de Saúde 9. Relatório Final. Brasília, DF: MS; 1992. realiza-se em 1992, em momento de resistência à agenda neoliberal que se contrapunha à efetivação da Constituição de 1988, e representa a reafirmação do projeto político da reforma sanitária brasileira, que contempla a necessidade da realização da reforma agrária no País.

A X CNS2020 Brasil. Ministério da Saúde. Conferência Nacional de Saúde 10. Relatório Final. Brasília, DF: MS; 1996., realizada em 1996 com o lema ‘SUS - construindo um modelo de atenção à saúde para a qualidade de vida’, apontou avanços conceituais importantes. Pela primeira vez, defendeu uma “nova política agrária e desenvolvimento agrícola”, que incluía “o estímulo à agroecologia, ao comprometimento com o desenvolvimento sustentável e ao respeito aos ecossistemas”2020 Brasil. Ministério da Saúde. Conferência Nacional de Saúde 10. Relatório Final. Brasília, DF: MS; 1996.(16). O relatório aborda ainda os diferentes impactos dos agrotóxicos e a importância de serviços de vigilância em saúde do trabalhador e de fiscalização serem incluídos nos serviços de saúde. Por fim, o documento aprovou que deveriam ser incorporadas no SUS “práticas de saúde como a fitoterapia, acupuntura e homeopatia, em todo o país, contemplando as terapias alternativas e práticas populares”2020 Brasil. Ministério da Saúde. Conferência Nacional de Saúde 10. Relatório Final. Brasília, DF: MS; 1996.(64). No relatório da XI CNS2121 Brasil. Ministério da Saúde. Conferência Nacional de Saúde 11. Relatório Final. Brasília, DF: MS; 2000., realizada em 2000, reafirma-se a necessidade de mudanças efetivas nas políticas agrária e agrícola, por meio de uma reforma agrária com sustentabilidade, substituindo o modelo agrícola que utiliza agroquímicos de forma excessiva. Assim como a importância que o SUS chegue até os povos indígenas e populações rurais e ribeirinhas.

A área de alimentação e nutrição tem contribuição fundamental na aproximação entre saúde e agroecologia, muito em função das relações entre produção de conhecimento, políticas públicas e luta contra a fome que, desde a década de 1970, articulam os temas de nutrição, agricultura e alimentação. Cabe reconhecer o sanitarista Josué de Castro como o precursor dessa história, e que, até a recriação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), em 2003, as políticas de alimentação e nutrição, desde meados do século XX, estavam ancoradas no Ministério da Saúde2222 Castro AM. A Trajetória do Combate à Fome no Brasil. In: Aranha A, organizadora. Fome Zero: uma história brasileira. Brasília, DF: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome; 2010. p. 18-25. (vol 1)..

Desdobramentos de lutas em defesa da reforma agrária e por ética na política, ações da sociedade civil articuladas em torno da Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida exerceram forte pressão na década de 1990 sobre o governo Itamar Franco e influenciaram na criação do Consea e na realização da I Conferência Nacional de Segurança Alimentar do País em 1994. Logo no início do Governo Fernando Henrique Cardoso, o Consea é extinto, e o locus da política pública de alimentação continua a ser o Ministério da Saúde. Em 1999, no contexto de reconhecimento internacional e nacional da chamada dupla carga da má nutrição, é criada a Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN)2323 Brasil. Política Nacional de Alimentação e Nutrição do Setor Saúde. Informe Técnico Operacional. Ministério da Saúde. Rev Saúde Pública. 2000; 34(1):104-108..

A intensificação dos diálogos nas últimas duas décadas

Nos últimos 20 anos, há um avanço importante nos diálogos, até então episódicos, entre saúde e agroecologia. Sem pretendermos esgotar todos os componentes desses diálogos, destacamos seis processos que, de forma complexa e por vezes contraditória, retroalimentaram-se e contribuíram para esses avanços. Em cada um deles, apresentamos uma seleção de elementos que marcam a aproximação entre saúde e agroecologia a partir da virada do milênio.

O avanço do campo agroecológico

Avanços importantes do campo agroecológico ocorreram com a criação da Articulação Nacional de Agroecologia - ANA (2002) e da ABA-Agroecologia (2004) como organizações nacionais, assim como a crescente incorporação do enfoque agroecológico por movimentos sociais, sindicatos rurais e instituições públicas que atuam em diferentes escalas territoriais. Para exemplificar a complexidade e a amplitude do Movimento Agroecológico, a Articulação do Semiárido (ASA) reúne mais de 1.200 organizações que construíram mais de 1 milhão de cisternas de placas para captar água de chuva para consumo humano2424 Souza M. Programa Uma Terra e Duas águas (P1+2): uma iniciativa inovadora para o enfrentamento da pobreza rural. Rev. Agricult. Exp. em agroecol. 2014; 11(2):12-15. . Citamos, ainda, a publicação do marco referencial em agroecologia da Embrapa2525 Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. Marco referencial em agroecologia. Embrapa. Brasília, DF: Embrapa; 2006. e o fato de dezenas de instituições, a maioria pública, desenvolverem cursos de graduação e pós-graduação lato senso e stricto sensu em agroecologia2626 Massukado LM, Balla JV. Panorama dos cursos e da pesquisa em agroecologia no Brasil. Rev. Eletrôn. Jornalismo Cient [internet]. 2016 [acesso 2019 abril 10]; (182):1-6. Disponível em: http://www.comciencia.br/comciencia/handler.php?section=8&edicao=127&id=1548.
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.

A evolução da internalização do paradigma agroecológico por movimentos sociais camponeses vai resultar na reivindicação apresentada pelas mulheres do campo e da floresta durante a IV Marcha das Margaridas (2011) que culminou na conquista da Política Nacional de Agroecologia de Produção Orgânica (PNAPO, 2012)2727 Sambuichi RHR, Moura IF, Mattos LM, et al. Introdução. In: Sambuichi RHR, Moura IF, Mattos LM, et al. A política nacional de agroecologia e produção orgânica no Brasil: uma trajetória de luta pelo desenvolvimento rural sustentável. Brasília, DF: Ipea; 2017. . Assim como o Encontro Nacional Unitário de trabalhadores e trabalhadoras, povos do campo, das águas e das florestas (2012) - ‘Por Terra, Território e Dignidade!’ - declara o compromisso com um projeto de sociedade de base agroecológica:

a agroecologia como base para a sustentabilidade e organização social e produtiva da agricultura familiar e camponesa, em oposição ao modelo do agronegócio. A agroecologia é um modo de produzir e se relacionar na agricultura, que preserva a biodiversidade, os ecossistemas e o patrimônio genético, que produz alimentos saudáveis, livre de transgênicos e agrotóxicos, que valoriza saberes e culturas dos povos do campo, das águas e das florestas e defende a vida2828 Anais do 28º Encontro Nacional Unitário de trabalhadores e trabalhadoras, povos do campo, das águas e das florestas; 20-22 Ago. 2012. Brasília, DF; 2012.(3).

A complexificação da sociedade e a criação de fóruns e redes

O segundo elemento foi a complexificação da sociedade civil, expresso na criação de Fóruns e Redes, como a Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA), criada em 2001, e o Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN) em 1998. Este articula pesquisadores críticos de diferentes áreas e setores, ONG e movimentos sociais em torno de lutas que envolvem dois conceitos centrais: Segurança e Soberania Alimentar e Nutricional (SAN) e de Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA). O Fórum passou a atuar em diálogo com a ANA e com a Abrasco, protagonizando ações por normas sanitárias mais justas e contextualizadas a realidade da agricultura familiar e de povos e comunidades tradicionais2929 Dias J, Chiffoleau M, Cintrão RP, et al. Por normas sanitárias mais justas e inclusivas - em defesa da Comida como Patrimo^nio e da Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional. Rev Agri. Exp. Agroecol. 2018; 14(2):33-39..

O movimento por justiça ambiental no Brasil busca integrar a “dimensão ambiental com as do direito e da democracia através de ações transformadoras”3030 Porto MFS. Complexidade, processos de vulnerabilização e justiça ambiental: Um ensaio de epistemologia política. Rev. Crítica Ciênc. Soc. 2011; 93:31-58.(33) e se constituiu enquanto articulação solidária entre movimentos sociais, organizações ambientalistas, ONG, associações de moradores, sindicatos, pesquisadores universitários e núcleos de instituições de pesquisa e ensino3030 Porto MFS. Complexidade, processos de vulnerabilização e justiça ambiental: Um ensaio de epistemologia política. Rev. Crítica Ciênc. Soc. 2011; 93:31-58. . O desenvolvimento da ecologia política, suporte conceitual do movimento por justiça ambiental, seria incorporado progressivamente aos campos da saúde coletiva e da agroecologia na crítica dos modelos de desenvolvimento e da ideia de desenvolvimentismo ou neoextrativismo3131 Porto MFS. Uma Ecologia Política dos Riscos: princípios para integrarmos o local e o global na promoção da saúde e da justiça ambiental. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2007.,3232 Collado AC, Gallar D, Candon J. Agroecología Política: la transicion social hacia Sistemas Agroalimentararios Sustentables. Rev. Econ. Crítica. 2013; (16):244-277..

Também destacamos a criação do setor Saúde do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e de seu Coletivo Nacional, a partir de 1998, que vai protagonizar um conjunto de ações comprometidas com um projeto de saúde na reforma agrária e provocar vários grupos da saúde coletiva a contribuir e assumir as pautas relacionadas com a questão agrária.

A consolidação de áreas temáticas dentro do campo da saúde coletiva

O terceiro elemento foi o processo de consolidação de áreas temáticas dentro do campo da saúde coletiva, como a de ‘saúde e ambiente’ com a incorporação de referenciais teóricos e metodológicos que fornecem maior centralidade às dinâmicas territoriais e articulações com movimentos sociais1010 Porto MFS, Rocha DF, Finamore R. Saúde coletiva, território e conflitos ambientais: bases para um enfoque socioambiental crítico. Ciênc. Saúde Colet. 2014; 19(10):4071-4080.,3333 Tambellini AT, Burigo AC, Miranda AC, et al. Histórias e desafios na construção coletiva de uma ciência engajada para a transformação social. In: Rigotto RM, Aguiar ACP, Ribeiro LAD, organizadores. Tramas para a justiça ambiental: diálogo de saberes e práxis emancipatórias. Fortaleza: Ediço~es UFC; 2018. p. 303-344. . Por exemplo, em 2007, uma seção debate da revista Ciência & Saúde Coletiva tem como artigo provocador ‘Neoliberalismo, uso de agrotóxicos e a crise da soberania alimentar no Brasil’3434 Miranda AC, Moreira JC, Carvalho R, et al. Neoliberalismo, uso de agrotóxicos e a crise da soberania alimentar no Brasil. Ciênc. Saúde Colet. 2007; 12(1):7-14. . No contexto da economia neoliberal e globalizada, o Brasil já vinha se afirmando como um grande exportador de commodities agrícolas. A expansão do agronegócio em torno da soja, da cana-de-açúcar, do milho e do algodão, com a incorporação de sementes transgênicas, intensificou o consumo de agrotóxicos e diversos impactos socioambientais. Talvez esse seja o primeiro debate acadêmico no campo da saúde coletiva sobre questão agrária e saúde, em que reflexões sobre agroecologia são apresentadas por vários autores.

A era do PT no governo federal

O quarto elemento são os governos liderados pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Logo no início do governo Lula, destacamos a estratégia Fome Zero que envolveu a criação do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, a criação do Programa de Aquisição de Alimentos, o fortalecimento do Programa Nacional de Alimentação Escolar e a recriação do Consea. A partir daí, várias políticas públicas, eventos e processos fortaleceram a aproximação entre saúde e agroecologia, inclusive, contraditória e dialeticamente, o estímulo ao agronegócio e o aumento do consumo de agrotóxicos no País.

A Campanha Contra Agrotóxicos e o Encontro Nacional Diálogos e Convergências

O quinto elemento, considerado estratégico, foram os aprendizados políticos, teóricos e metodológicos na Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida, e no Encontro Nacional Diálogos e Convergências. A partir deles, vários processos e eventos são disparados que intensificam a aproximação entre saúde e agroecologia.

Publicações e encontros nacionais e internacionais sobre saúde e agroecologia

Destacamos como sexto elemento a emergência na década atual de publicação de artigos em revistas da saúde coletiva que trazem para o centro das reflexões as contribuições da agroecologia para a promoção da saúde: criação de ambientes saudáveis, produção de alimentos saudáveis, fortalecimento da intersetorialidade, empoderamento local e mobilização comunitária3535 Azevedo E, Pelicioni MCF. Agroecologia e promoção da saúde no Brasil. Rev Panam Salud Publica. 2012; 31(4):290-295.

36 Azevedo E, Pelicioni MCF. Promoção da Saúde, Sustentabilidade e Agroecologia: uma discussão intersetorial. Saúde Soc. 2011 [acesso em 2020 fev 21]; 20(3):715-729. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-12902011000300016.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
-3737 Navolar TS, Rigon AS, Philippi JMS. Diálogo entre Agroecologia e Promoção da Saúde. RBPS. 2010; 23(1):69-79. . A Agroecologia é reconhecida em si como “estratégia intersetorial de promoção da saúde, de sustentabilidade e de segurança alimentar e nutricional”3636 Azevedo E, Pelicioni MCF. Promoção da Saúde, Sustentabilidade e Agroecologia: uma discussão intersetorial. Saúde Soc. 2011 [acesso em 2020 fev 21]; 20(3):715-729. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-12902011000300016.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
, cuja aproximação com o setor saúde pode vir a enriquecer a discussão e a concepção de políticas públicas3535 Azevedo E, Pelicioni MCF. Agroecologia e promoção da saúde no Brasil. Rev Panam Salud Publica. 2012; 31(4):290-295..

Da mesma forma, internacionalmente, surgem esforços para aprofundar essas conexões. Propõem-se agendas de pesquisa integrativas entre a agricultura, a ecologia e as ciências da saúde humana para “expandir a vanguarda da pesquisa agroecológica e ampliar sua base de partes interessadas”3838 O'Rourke ME, De Longe MS, Salvador R. Insights from agroecology and a critical next step: integrating human health. Agroecol. Sust. Food Syst. 2017 [acesso em 2020 fev 21]; 41(7):880-884. Disponível em: https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/21683565.2017.1326073., bem como abordem os desafios complexos atuais e que contribuam com a transição para a sustentabilidade global do sistema alimentar3939 Vandermeer J, Aga A, Allgeier J, et al. Feeding Prometheus: An Interdisciplinary Approach for Solving the Global Food Crisis. Front. Sustain. Food Syst. 2018; 2(39). . Outra publicação foi o informe oficial do relator da Organização das Nações Unidas (ONU) para o Direito Humano à Alimentação (2008-2014) à Assembleia Geral da ONU. Nele, apresenta-se um quadro de crise alimentar, ecológica e energética relacionada com o modelo de agricultura dominante no mundo, sendo a agroecologia defendida como um modelo de desenvolvimento agrícola viável e necessário4040 De Schutter O. Informe del relator especial sobre el Derecho a la Alimentación [internet]. 2010. [acesso em 2014 jul 10]. Disponível em: http://www.srfood.org/images/stories/pdf/officialreports/20110308_a-hrc-16-49_agroecology_es.pdf.
http://www.srfood.org/images/stories/pdf...
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O I Encontro Diálogos e Convergências: Saúde e Agroecologia, organizado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), ABA-Agroecologia, ANA e o Fórum de Comunidades Tradicionais de Angra dos Reis, Paraty e Ubatuba, realizado no Quilombo do Campinho da Independência, em 2018, representa um marco histórico de reconhecimento da agroecologia como uma agenda estratégica para a Instituição.

A realização de eventos Internacionais, como dois Simpósios Internacionais sobre Agroecologia (2014 e 2018), organizados pela ONU para a Alimentação e a Agricultura (FAO), em Roma, e a III Conferência Internacional Agricultura e Alimentação em uma Sociedade Urbanizada (2018), no Brasil, têm no centro das reflexões a necessidade de mudanças no sistema alimentar global e de aumentar a escala da agroecologia para atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)4141 Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação. Segundo Simpósio Internacional sobre Agroecología: ampliar la escala de la agroecología para alcanzar los Objetivos de Desarrollo Sostenible (ODS) [internet]; 3-5 Abr. 2018; Roma: Sede de la FAO; 2018. [acesso em 2018 maio 20]. Disponível em: http://www.fao.org/about/meetings/second-international-agroecology-symposium/es/.,4242 III Conferência Internacional Agricultura e Alimentação em uma Sociedade Urbanizada. 17-21 Set. 2018; Porto Alegre (RS): UFRGS; 2018..

Nos próximos parágrafos desse item, apresentaremos, em ordem cronológica, uma síntese de eventos e fatos marcantes que dão concretude aos seis processos apontados anteriormente.

A realização da II Conferência Nacional de SAN (2004) estabeleceu as bases para se instituir um Sistema Nacional que resulta na Lei Orgânica de SAN (2006). As conexões entre saúde e agroecologia foram fortalecidas nesse processo mediadas pelo direito humano à alimentação, que, em 2010, passa a ser reconhecido na Constituição Federal entre os direitos sociais fundamentais. O Guia Alimentar para a População Brasileira4343 Brasil. Guia Alimentar para a População Brasileira. Promovendo a Alimentação Saudável. Ministério da Saúde. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2006. recomenda o consumo de produtos orgânicos. Conceitua agroecologia enquanto uma variação da agricultura orgânica, cuja preferência se deve ao menor impacto ambiental e ao ‘provável’ menor risco à saúde humana.

Também em 2006, foram criadas duas políticas públicas: a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos (PNPMF) e a de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC). A PNPMF envolve ações intersetoriais como o acesso seguro e uso racional de plantas medicinais e fitoterápicos, uso sustentável da biodiversidade e o desenvolvimento do Complexo Produtivo da Saúde, e estaria articulada a outras ações do Estado para a superação da pobreza. Para tanto, estimulava-se a criação e o fortalecimento de cadeias e arranjos produtivos, com valorização da agricultura familiar agroecológica e o estímulo à pesquisa em agroecologia4444 Brasil. Ministério da Saúde. Política e Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2016. . A PNPIC defende ‘as boas práticas de cultivo orgânico’ de plantas medicinais e estimula a oferta in natura por meio da criação de hortas e hortos comunitários nos órgãos públicos4545 Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS - PNPIC-SUS. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2006. . Contudo, limita aos profissionais de saúde receitar seu uso. Há, também, experiências que estimulam a troca de saberes e práticas populares, comunitários e tradicionais com os serviços de Atenção Primária à Saúde, incluindo diálogos com a agricultura familiar4646 Antonio GD, Tesser CD, Moretti-Pires RO. Contribuições das plantas medicinais para o cuidado e a promoção da saúde na atenção primária. Interface (Botucatu). 2013; 17(46):615-33..

Em 2008, é aprovada no Conselho Nacional de Saúde a Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo, da Floresta e das Águas (PNSIPCFA), que só viria a ser instituída no SUS em 2011. Essa Política é resultado do trabalho do Grupo da Terra, criado em 2004, que reunia representantes de movimentos sociais do campo, da floresta e das águas e das secretarias e órgãos ligados ao Ministério da Saúde, e que teve por objetivo viabilizar o diálogo sobre as pautas desses movimentos, além de criar e monitorar a Política4747 Carneiro FF, Burigo AC, Dias AP. Saúde no Campo. In: Caldart RS, Pereira IB, Alentejano P, et al., organizadores. Dicionário da educação do campo. Rio de Janeiro: EPSJV; Expressão Popular, 2012. p. 691-698. . O texto da PNSIPCFA enfatiza a importância de uma Política de Saúde centrada nos territórios, mas não faz qualquer referência à ‘agroecologia’. A hipótese que levantamos sobre isso é que, na época da aprovação da Política, em 2008, os movimentos sociais ainda estavam em processo de reflexões sobre a agenda da agroecologia. Entretanto, a existência do Grupo da Terra viabilizou a execução de projetos reivindicados por movimentos, e algumas experiências dos diálogos entre saúde e agroecologia foram desenvolvidos. Possivelmente, essa ausência de uma integração com a perspectiva agroecológica vai ter consequências nos diferentes debates e estudos sobre saúde e reforma agrária e sobre saúde dos povos do campo, floresta e águas que, mesmo publicados mais recentemente, não apresentam ou aprofundam reflexões entre saúde e agroecologia.

Há poucos textos disponíveis que relacionam saúde e agroecologia no início dos anos 2000. Leroy4848 Leroy JP. Debatendo o Capítulo Ambiente, Espaço, Território e o Campo da Saúde: a agricultura. In: Minayo MCS, Miranda AC, organizadores. Saúde e ambiente sustentável: estreitando nós. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2002. p. 61-66., em debate sobre as relações entre agricultura e saúde, problematizava o conceito de doenças negligenciadas relacionadas com as populações rurais e da periferia urbana, questionando que essas populações, em boa parte ‘invisíveis’, eram vistas enquanto problema, e não como ‘populações potencialmente produtoras’ que poderiam contribuir para o avanço do País. A agricultura familiar e os assentamentos rurais, se concebidos de forma sustentável, argumentava o autor, possuem papel insubstituível na sustentabilidade, proteção e produção de biodiversidade e das águas, e na promoção da segurança alimentar e nutricional.

Azevedo desenvolve estudo pioneiro ao trabalhar as conexões entre produção e consumo de alimentos, e os conceitos de saúde social, ambiental e humana. A autora utiliza os sistemas agroalimentares para analisar e questionar as implicações do agronegócio e abre um debate sobre os benefícios de alimentos orgânicos4949 Azevedo E. Alimentos orgânicos: ampliando conceitos de saúde humana, social e ambiental. Florianópolis: Insular; 2003..

Em 2007, as revistas de agroecologia que fazem parte da Rede Leisa lançam números temáticos de saúde contemplando alimentação saudável, medicina popular, impactos dos agrotóxicos e a importância da água para a saúde5050 Leisa. Salud y Agricultura. Leisa Revista de Agroecologia. 2007; 23(3):1-44.,5151 Leisa Brasil. Saúde pela Natureza. Leisa Revista de Agroecologia. 2007; 4(4):1-40. . Foi dada visibilidade a experiências em redes como a Articulação Pacari, uma rede de mulheres que protegem o cerrado por meio dos conhecimentos de plantas e raízes, e a Rede Fitovida, uma articulação de conhecimentos e práticas em cuidados populares em saúde do Rio de Janeiro. Atuação em rede, solidariedade, autonomia, fortalecimento comunitário e protagonismo de mulheres estão entre as características que atuam em processos de cura, de prevenção e promoção da saúde5050 Leisa. Salud y Agricultura. Leisa Revista de Agroecologia. 2007; 23(3):1-44..

Também em 2007, ao analisar as consequências do avanço do agronegócio, Miranda e colaborares3434 Miranda AC, Moreira JC, Carvalho R, et al. Neoliberalismo, uso de agrotóxicos e a crise da soberania alimentar no Brasil. Ciênc. Saúde Colet. 2007; 12(1):7-14. apresentavam como questão central mais imediata para a saúde pública os impactos dos agrotóxicos, e como questão geral a crise de soberania alimentar no Brasil. Outros artigos do mesmo número apontam a necessidade de rever o modelo de agricultura e apontam a transição agroecológica5252 Stotz EN. A "questão agrária" e a saúde pública: considerações em torno de uma crítica ao neoliberalismo. Ciênc. Saúde Colet. 2007; 12(1):15-17.,5353 Carneiro FF, Almeida VES. Os riscos socioambientais no contexto da modernizaça~o conservadora da agricultura. Ciênc. Saúde Colet. 2007; 12(1):22-23..

Em 2008, o Brasil supera os EUA e se torna o maior mercado de agrotóxicos do mundo44 Carneiro FF, Augusto LGS, Rigotto RM, et al. Dossiê ABRASCO: um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde. Rio de Janeiro; São Paulo: EPSJV; Expressão Popular: 2015. . Como resposta, movimentos sociais do campo organizam, em 2010, um Seminário Nacional que reúne representantes de diversas organizações da sociedade civil, acadêmicos de diferentes áreas do conhecimento, incluindo a saúde coletiva, para avaliar a situação dos impactos dos agrotóxicos que resultou na criação da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida. Fica evidente, desde o início, que as lutas contra o uso indiscriminado de agrotóxicos no Brasil devem ser acompanhadas de esforços para o avanço de outro paradigma de agricultura: a agroecologia. A Campanha articula dezenas de organizações e busca o fortalecimento de atuação em Rede desses diferentes atores sociais. Para o campo da saúde, representou, ao mesmo tempo, um chamado para organizar a atuação, assim como um campo de estudo, formação e aproximação do campo agroecológico3333 Tambellini AT, Burigo AC, Miranda AC, et al. Histórias e desafios na construção coletiva de uma ciência engajada para a transformação social. In: Rigotto RM, Aguiar ACP, Ribeiro LAD, organizadores. Tramas para a justiça ambiental: diálogo de saberes e práxis emancipatórias. Fortaleza: Ediço~es UFC; 2018. p. 303-344..

No mesmo período, mais especificamente entre 2009 e 2011, é construído o Encontro Nacional de Diálogos e Convergências: Agroecologia, Saúde e Justiça Ambiental, Soberania Alimentar, Economia Solidária e Feminismo (ENDC) que tem sua culminância em 2011. O ENDC é convocado pela ANA, ABA-Agroecologia, FBSSAN, Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES); RBJA, Rede Alerta contra o Deserto Verde; Marcha Mundial das Mulheres, Articulação de Mulheres Brasileiras e Abrasco5454 Carta Política [internet]. 2011. [acesso em 2018 maio 3]. Disponível em: https://agroecologia.org.br/wp-content/uploads/2013/01/carta-politica-do-encontro-nacional-de-dialogos-e-convergencias.pdf.
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O ENDC foi disparado pela ANA, a partir de uma reflexão interna sobre as disputas territoriais que o conjunto de redes locais que faziam parte do Movimento Agroecológico - experiências e territórios da agricultura familiar, camponesa e dos povos indígenas e demais povos e comunidades tradicionais - enfrentavam com projetos de desenvolvimento hegemônico. Reconhecia-se o avanço de um conjunto de experiências agroecológicas nos últimos 20 ou 30 anos, ao mesmo tempo que se constatava que elas permaneciam na invisibilidade “para a grande maioria da população e para os governos”1111 Monteiro D, Londres F. Pra que a vida nos de^ Flor e Frutos - notas sobre a trajetória do Movimento Agroecológico no Brasil. In: Sambuichi RHR, Moura IF, Mattos LM, et al., organizadores. A política nacional de agroecologia e produção orgânica no Brasil: uma trajetória de luta pelo desenvolvimento rural sustentável. Brasília, DF: Ipea; 2017. p. 53-86.(78).

O agronegócio e grandes projetos de mineração que se expandem nos territórios procuram se associar às noções de progresso e desenvolvimento, esforçando-se para ocultar os impactos negativos e para invisibilizar ou desqualificar a agricultura familiar e as experiências em agroecologia em curso nos territórios1111 Monteiro D, Londres F. Pra que a vida nos de^ Flor e Frutos - notas sobre a trajetória do Movimento Agroecológico no Brasil. In: Sambuichi RHR, Moura IF, Mattos LM, et al., organizadores. A política nacional de agroecologia e produção orgânica no Brasil: uma trajetória de luta pelo desenvolvimento rural sustentável. Brasília, DF: Ipea; 2017. p. 53-86.(78).

A ANA convida as demais organizações a assumiram o ENDC para uma construção compartilhada de vivências e exercício do diálogo entre si, a partir de territórios encontrar as convergências de ações, reconhecendo-se um conhecimento muito heterogêneo entre os diferentes campos. A metodologia de construção do ENDC expressou-se de várias formas: no esforço pedagógico de exercitar a escuta e o diálogo horizontal na busca que valoriza a unidade na diversidade; na pedagogia do território, com reflexões ancoradas nas experiências práticas e na organização de caravanas territoriais; no exercício das denúncias e resistências articuladas à construção ou ao anúncio das alternativas; na confiança e na paciência de sistematizar os temas estratégicos durante dois anos de diálogos; na valorização da comunicação e da cultura popular como elementos estratégicos5454 Carta Política [internet]. 2011. [acesso em 2018 maio 3]. Disponível em: https://agroecologia.org.br/wp-content/uploads/2013/01/carta-politica-do-encontro-nacional-de-dialogos-e-convergencias.pdf.
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Dos aprendizados políticos, teóricos e metodológicos da Campanha e do ENDC, considerados aqui o quinto elemento, decorrem vários processos e eventos: é disparado na Abrasco o processo de elaboração do ‘Dossiê Abrasco: um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde’, lançado em 2012 e no formato de livro, revisado e ampliado em 201544 Carneiro FF, Augusto LGS, Rigotto RM, et al. Dossiê ABRASCO: um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde. Rio de Janeiro; São Paulo: EPSJV; Expressão Popular: 2015. ; é organizada a participação da Abrasco no III e IV ENAs (2014, 2018); constrói-se o II Simpósio Brasileiro de Saúde e Ambiente - Sibsa (2014) incorporando aprendizados do ENDC; realiza-se a Jornada Nacional de Saúde e Ambiente (2015), em que se avalia o II Sibsa nos movimentos sociais e se formula a ideia-força de Sibsa em Movimento, que resulta em duas Caravanas Territoriais organizadas com o campo agroecológico em bacias hidrográfias distintas: na bacia do Rio Doce, em abril de 2016, meses após a tragédia-crime de rompimento da barragem do Fundão; e na bacia do médio São Francisco em 20173333 Tambellini AT, Burigo AC, Miranda AC, et al. Histórias e desafios na construção coletiva de uma ciência engajada para a transformação social. In: Rigotto RM, Aguiar ACP, Ribeiro LAD, organizadores. Tramas para a justiça ambiental: diálogo de saberes e práxis emancipatórias. Fortaleza: Ediço~es UFC; 2018. p. 303-344..

A PNAPO, criada em 2012, é uma política pública que articula agroecologia e saúde de várias formas. Tem por objetivo “integrar, articular e adequar as diversas políticas, programas e ações desenvolvidas no âmbito do governo federal, que visam induzir a transição agroecológica e fomentar a produção orgânica e de base agroecológica”2727 Sambuichi RHR, Moura IF, Mattos LM, et al. Introdução. In: Sambuichi RHR, Moura IF, Mattos LM, et al. A política nacional de agroecologia e produção orgânica no Brasil: uma trajetória de luta pelo desenvolvimento rural sustentável. Brasília, DF: Ipea; 2017.(11), reunindo os diferentes órgãos do governo federal, o que inclui o setor saúde, no diálogo permanente com a sociedade civil.

Apesar dos avanços, houve um aumento da tensão entre duas tendências contraditórias ocorridas nos governos do PT. De um lado, a evolução da incorporação do paradigma agroecológico por um conjunto de organizações da sociedade brasileira que resultaram em conquistas de políticas públicas e reconhecimento de ações que promoveram a agricultura familiar agroecológica e a segurança alimentar e nutricional. De outro, o reforço das formas convencionais de produção agropecuária pelo Estado via agronegócio levou os ideólogos da modernização a exaltar o Brasil como uma das grandes potências agrícolas do mundo5555 Petersen P, Mussoi EM, Soglio FD. Institucionalización del enfoque agroecológico em Brasil: avances y desafios. Agroecol. 2013; 8(2):73-79..

Tal contradição está presente na 2ª edição do ‘Guia Alimentar para a População Brasileira’5656 Brasil. Ministério da Saúde. Guia Alimentar para a População Brasileira. Promovendo a Alimentação Saudável. 2. ed. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2014. que adverte para o avanço de sistemas alimentares baseados em monoculturas fornecedoras de matérias-primas para a produção de alimentos industriais ultraprocessados, com uso intensivo de agroquímicos e sementes transgênicas, e a manutenção da dupla carga nutricional. Por um lado, a manutenção da fome, por outro, o avanço rápido e cada vez mais precoce da obesidade como importante fator de risco associado com morbidades que se manifestam em altas taxas de mortalidade e morbidades por Doenças Crônicas Não Transmissíveis, como diabetes, hipertensão, alguns tipos de câncer e doenças cardiovasculares. Por meio do Guia, o Ministério da Saúde defende o incentivo à agricultura familiar, orgânica e agroecológica como estratégia de promoção da saúde da população, apontando como uma necessidade para a garantia ao direito à alimentação a transição para sistemas alimentares agroecológicos.

Apesar das contradições, a implantação da Vigilância em Saúde de Populações Expostas a Agrotóxicos (VSPEA) nas 27 unidades da federação, sob coordenação do Ministério da Saúde, é um dos resultados do primeiro Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (2013-2015). A VSPEA reconhece a Agroecologia como tema emergente e assume o estímulo à agroecologia como ações de promoção da saúde5757 Brasil. Ministério da Saúde. Relatório Nacional de Vigilância em Saúde de Populações Expostas a Agrotóxicos. In: Brasil. Ministério da Saúde. Agrotóxicos na ótica do Sistema Único de Saúde. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2018. p. 191 (v. 1, t. 2)..

Considerações inacabadas: desafios entre retrocessos, resistências e agendas para outro futuro possível

Ao longo do artigo, buscamos apresentar diversos processos e contextos que marcaram o fortalecimento do diálogo entre saúde coletiva e agroecologia. Nos anos 1990, em um contexto de neoliberalismo e tensões políticas, reafirmam-se as lutas por reforma agrária e ações de combate à fome e por uma agenda de SAN.

Na virada do milênio, houve uma intensificação nos diálogos entre a saúde e a agroecologia. Desde a X CNS (1996), o debate sobre a agroecologia estava presente em espaços da saúde pública, mas, somente a partir dos anos 2000, começaram a ser publicados os primeiros trabalhos acadêmicos na saúde coletiva, bem como foi sendo construído um conjunto de políticas públicas (inter)setoriais de integração da pauta agroecológica ao SUS.

Os processos de formulação e implementação dessas políticas, em âmbito federal, estadual e municipal, envolveram muitos atores sociais e produziram um conjunto rico e complexo de experiências que merecem maior dedicação por parte da saúde coletiva. Como Leroy4545 Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS - PNPIC-SUS. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2006. nos alertou, as populações que desenvolvem essas experiências precisam ser visibilizadas por um olhar apropriado e solidário: as saídas para a encruzilhada civilizatória de nosso tempo histórico do capitalismo estão sendo construídas em grande parte nesses territórios.

Um aspecto político importante para a intensificação dos diálogos foi a própria eleição de Lula e dos governos do PT, com o fortalecimento da participação social em um conjunto de iniciativas e políticas públicas formuladas e executadas nesse período referentes ao direito à saúde e à alimentação, assim como expansão das instituições públicas de pesquisa, ensino e extensão dedicadas ao tema. Paradoxalmente, o avanço hegemônico do projeto do agronegócio impulsionado pelas ideologias desenvolvimentistas ou neoextrativistas trouxe um conjunto de impactos estruturais na sociedade brasileira, cujas contradições influenciaram a ruptura democrática que culminou no impeachment da presidenta Dilma em 2016. A bancada ruralista teve papel decisivo nesse processo e posteriormente associou-se aos grupos políticos que culminaram com a eleição do atual governo apoiado por grupos de extrema-direita e militares.

Há, portanto, a necessidade de se compreender melhor o papel do agronegócio e das corporações associadas ao processo político e ideológico em curso no País que vem quebrando direitos, fragilizando instituições democráticas e promovendo rapidamente graves retrocessos nas políticas sociais e ambientais. O momento atual é de aprofundamento das crises social, econômica, ambiental e ética, e isso exige de todos, intelectuais e ativistas, ampliar capacidades de interpretar a realidade e propor ações de resistência. O aprofundamento da questão agrária brasileira, da necessidade da defesa dos territórios de povos e comunidades tradicionais e da realização da reforma agrária no Brasil são fundamentais para o avanço da agroecologia e o fortalecimento da saúde coletiva.

As organizações de povos do campo, da floresta e das águas, assim como muitas entidades que constroem experiências de agricultura urbana no País, estão comprometidas com um projeto de sociedade de base agroecológica. Consideramos estratégico dar continuidade aos diálogos e convergências de ações intersetoriais, interinstitucionais e de fortalecimento da participação social que vieram em um crescente, principalmente desde 2011, na construção e defesa da saúde coletiva, incluindo suas instituições de pesquisa e o SUS, e da agroecologia. Reconhecer as condições e experiências que fortaleceram o diálogo entre saúde e agroecologia pode nos inspirar a pensar em estratégias para a manutenção e o avanço dessa articulação em tempos difíceis.

É importante que a produção do conhecimento na saúde coletiva siga contribuindo para revelar os impactos na saúde do agronegócio, bem como aprofunde as contribuições entre saúde e agroecologia e caminhos coerentes do SUS nesse sentido. O conceito de sistemas (agro)alimentares tem tido centralidade e possibilita justamente uma visão integradora da realidade5555 Petersen P, Mussoi EM, Soglio FD. Institucionalización del enfoque agroecológico em Brasil: avances y desafios. Agroecol. 2013; 8(2):73-79..

Em agosto de 2019, aconteceu a XVI CNS, que retomou a memória da VIII CNS e a centralidade do tema ‘Saúde e Democracia’. Defendemos as aproximações entre os movimentos sanitário e agroecológico como caminho fértil com espaços para que diversas áreas e profissionais da saúde coletiva e agroecologistas possam se engajar em uma agenda emancipatória de trabalho que contribua para outros futuros possíveis.

  • Suporte financeiro: não houve

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Ago 2020
  • Data do Fascículo
    Dez 2019

Histórico

  • Recebido
    10 Jun 2019
  • Aceito
    13 Set 2019
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