Núcleo de Apoio à Saúde da Família: reflexão do seu desenvolvimento através da avaliação realista

Jonatan Willian Sobral Barros da Silva Jaslene Carlos da Silva Sydia Rosana de Araujo Oliveira Sobre os autores

RESUMO

O estudo objetiva avaliar o desenvolvimento de uma equipe do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (Nasf) da cidade do Recife (PE). Trata-se de um estudo avaliativo, com enfoque qualitativo, com base na avaliação realista. Foram realizadas a identificação e a análise dos contextos, mecanismos e resultados produzidos por uma equipe do Nasf. A pesquisa se iniciou com a formulação da teoria inicial da intervenção, a partir de pesquisa documental e oficinas com informantes do programa. Em seguida, foram realizados grupos focais, com os profissionais de uma equipe de Saúde da Família apoiada e de usuários do território, assim como entrevistas semiestruturadas com os gestores do programa, nos níveis distrital e municipal. Foram identificados treze contextos, sete mecanismos e quatro resultados que, juntos, interagem produzindo seis Contextos-Mecanismos-Padrão de Resultado. A equipe Nasf avaliada produz um perfil dual que compartilha o aspecto técnico-pedagógico em concomitância com o aspecto clínico-assistencial. Essa dualidade produz resultados que, em conjunto, significam uma maior resolutividade da Atenção Básica (AB). Entretanto, observa-se, em determinados momentos, a produção de uma lógica ambulatorial em sua atuação junto à AB e aos usuários no território. A identificação dos elementos e suas interações são fundamentais para a sustentabilidade e a disseminação dessa intervenção no contexto brasileiro.

PALAVRAS-CHAVE
Avaliação em saúde; Mecanismos de avaliação da assistência à saúde; Atenção Primária à Saúde

Introdução

A Atenção Primária à Saúde (APS), denominada Atenção Básica (AB) no Brasil, é estratégica na organização do Sistema Único de Saúde (SUS). Compreende a realização de ações voltadas à promoção da saúde, prevenção de agravos, riscos e doenças, ao diagnóstico, tratamento e reabilitação da saúde11 Pannizi M. Avaliação da implantação dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família - NASF [tese]. Florianópolis: Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal de Santa Catarina; 2015.. A Estratégia Saúde da Família (ESF) foi concebida para consolidar o processo de municipalização da organização da APS e para coordenar a integralidade da assistência à saúde com as equipes de Saúde da Família (eSF) junto ao território adscrito22 Andrade LOM, Barreto ICH, Bezerra RCR. Atenção Primária à Saúde e Estratégia Saúde da Família. In: Campos GWS, Minayo MCS, Akerman M, organizadores. Tratado de Saúde Coletiva. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2009. p. 783-830..

Diante das demandas e necessidades de saúde presentes no território e dos limites e dificuldades encontrados no processo de implantação das eSF, foram criados, em 2008, os Núcleos de Apoio à Saúde da Família (Nasf), com o objetivo de ampliação do escopo de ofertas de cuidados aos usuários e maior resolubilidade da AB33 Santos RAG, Uchoa-Figueiredo LR, Lima LC. Apoio matricial e ações na atenção primária: experiência de profissionais de ESF e Nasf. Saúde debate. 2017; 41(114):694-706..

Em 2017, com a revisão da PNAB44 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União. 22 Set 2017. (Política Nacional da Atenção Básica), o Nasf passou a ser denominado Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica (Nasf-AB), devendo atuar de forma integrada para dar suporte clínico, sanitário e pedagógico aos profissionais da ESF. Neste estudo, utilizar-se-á a nomenclatura Nasf, por compreender que sua proposta de atuação deva ser baseada na metodologia de trabalho do apoio matricial, na ampliação da clínica, corresponsabilização, gestão integrada do cuidado e integralidade na AB55 Nascimento DDG, Oliveira MAC. Reflexões sobre as competências profissionais para o processo de trabalho nos Núcleos de Apoio à Saúde da Família. O Mundo da Saúde. 2010; 34(1):92-96..

A proposta do Nasf e seu processo de implantação direcionam a AB para uma diversidade de configurações, incompreensões e distorções66 Nascimento CMB. A organização e desenvolvimento da atenção à saúde pelo Núcleo de Apoio a Saúde da Família [tese]. Recife: Instituto Aggeu Magalhães, Fundação Oswaldo Cruz; 2014.. Ao mesmo tempo que o Nasf se apresenta relevante e desafiador, as necessidades de saúde da população têm se mostrado mais complexas e relacionadas aos contextos e condições de vida das pessoas, ordenando uma atenção interdisciplinar e multiprofissional11 Pannizi M. Avaliação da implantação dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família - NASF [tese]. Florianópolis: Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal de Santa Catarina; 2015..

Neste sentido, o Nasf apresenta-se como uma intervenção/programa complexa, sendo compreendida a partir da interação de componentes múltiplos, com diferentes dimensões de complexidade, incluindo a dificuldade de sua implementação, e os seus níveis organizacionais77 Campbell M, Fitzpatrick R, Haines A, et al. Quadro de desenho e avaliação de intervenções complexas para melhorar a saúde. BMJ. 2000; 321:694-696..

As intervenções complexas apresentam características comuns, quais sejam: ter uma série de componentes que podem atuar de forma independente ou dependente; possuir fatores e ingredientes ativos que não são fáceis de definir; podendo ser entregues no nível individual, organizacional ou populacional e direcionados aos usuários, direta ou indiretamente, por meio de profissionais de saúde ou sistemas de saúde88 Lewin S, Hendry M, Chandler J, et al. Assessing the complexity of interventions within systematic reviews: development, content and use of a new tool (iCAT_SR). BMC, 2017; 17(76).,99 Craig P, Dieppe P, Macintyre S, et al. Developing and evaluating complex interventions: the new Medical Research Council guidance. BMJ. 2008; 337.. Não seguem padrões estabelecidos, tendo diferentes formas em diferentes contextos1010 Hawe P, Shiell A, Riley T. Complex interventions: how "out of control" can a randomised controlled trial be? Br Med J. 2004; 328:1561-1563..

O processo de desenvolvimento das intervenções é etapa do modelo explicativo para entender o ciclo de vida das intervenções1111 Scheirer MA. Is sustainability possible? A review and commentary on empirical studies of program sustainability. Am. j. eval. 2005; 26(3):320-347.,1212 Bopp M, Saunders RP, Lattimore D. The tug-of-war: fidelity versus adaptation throughout the health promotion program life cycle. J. prim. prev. 2013; 34(3):193-207.. A perspectiva de ciclo de vida compreende que novos programas de saúde prosseguem por meio da sobreposição de uma série de etapas: implementação, desenvolvimento, avaliação, manutenção/interrupção e, às vezes, disseminação para outros lugares ou beneficiários1313 Livit M, Wandersman A. Organizational functioning: Facilitating effective interventions and increasing the odds of program success. In: Wandersman DMFA, editor. Empowerment evaluation principals in practice. New York: Guilford; 2004. p. 123-142.

14 Pluye P, Potvin L, Denis JL. Making public health programs last: conceptualizing sustainability. Evaluation and Program Planning [internet], 2004; 27(2):121-133.
-1515 Oliveira SRA. Sustentabilidade da estratégia saúde da Família: o caso de um município baiano [tese]. Salvador: Universidade Federal da Bahia; 2014..

A compreensão do desenvolvimento de uma intervenção é imprescindível para sua replicação e sustentação. Através da identificação dos fatores contextuais e mecanismos, é possível refletir sobre os entraves e as potencialidades que a intervenção possui, trazendo a possibilidade de um planejamento maior das ações, incidindo na sua sustentabilidade1616 Oliveira SRA, Potvin L, Medina MG. Sustentabilidade de intervenções em promoção da saúde: uma sistematização do conhecimento produzido. Saúde debate. 2015; 39(107):1149-1161..

Em intervenções complexas e abrangentes onde os limites entre o contexto e a intervenção não são claramente evidentes, como o Nasf, estudos avaliativos que se proponham a compreender o desenvolvimento das intervenções podem se utilizar de avaliações diferenciadas, como as baseadas pela teoria11 Pannizi M. Avaliação da implantação dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família - NASF [tese]. Florianópolis: Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal de Santa Catarina; 2015..

Compreendendo a necessidade de expressar como as intervenções complexas evoluem em seu contexto e adquirem continuidade, este estudo tem como objetivo avaliar o desenvolvimento de uma equipe Nasf (eNasf) na cidade do Recife (PE) e, a partir disso, identificar os elementos contextuais, mecanismos e resultados produzidos pelo programa Nasf. Reconhece-se que tais elementos são fatores que impulsionam ou dificultam a sustentabilidade do programa nos diferentes contextos brasileiros e seu perfil clínico-assistencial e técnico-pedagógico.

Procedimentos metodológicos

Trata-se de uma pesquisa avaliativa qualitativa, do processo de desenvolvimento de uma equipe do Nasf, a partir da tríade Contexto-Mecanismo-Padrão de Resultado (CMR) da avaliação realista1717 Pawson R, Tilley N. Realistic evaluation. London: Sage; 1997., na cidade do Recife (PE). A avaliação realista é considerada uma avaliação baseada pela teoria e parte de uma epistemologia realista crítica. Orienta-se por modelos teórico-conceituais e, por meio desses modelos, formula lições cumulativas e transferíveis do processo de evolução das intervenções.

Para entender melhor as relações estabelecidas pela Tríade CMR, que influencia o desenvolvimento e a implantação do Nasf, é essencial considerar diferentes pontos de vista das partes interessadas e promover sua participação ativa no processo de avaliação. Pawson e Tilley1818 Pawson R, Tilley N. Realist Evaluation. London: Sage; 2004. afirmam que uma avaliação realista inclui diferentes tipos de participantes, a fim de alcançar os objetivos de pesquisa.

Seguindo as recomendações da literatura para avaliações realistas, a presente pesquisa seguiu quatro etapas: (1) Desenvolvimento da teoria inicial da equipe Nasf; (2) Produção de dados; (3) Análise dos dados e validação; (4) Refinamento da teoria da equipe Nasf 1717 Pawson R, Tilley N. Realistic evaluation. London: Sage; 1997.,1818 Pawson R, Tilley N. Realist Evaluation. London: Sage; 2004..

Primeira etapa: desenvolvimento da teoria inicial da equipe Nasf

A pesquisa se iniciou com a formalização da teoria inicial da equipe Nasf, através de uma pesquisa documental e pela realização de oficinas com indivíduos ligados ao programa Nasf, os quais foram chamados de informantes.

Foram utilizados as portarias e os decretos do Nasf desde a sua criação, assim como o modelo lógico do Nasf1919 Correia PCI, Goulart PM, Furtado JP. A avaliabilidade dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (Nasf). Saúde debate. 2017; 41:345-359. e o modelo teórico do Nasf2020 Souza TT, Calvo MCM. Avaliabilidade dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família com foco na integração às equipes apoiadas. Rev. saúde pública. 2018; 52(41):01-11., identificando os elementos contextuais e mecanismos subjacentes que explicam os resultados do programa. Após a leitura dos documentos, foi construída uma pré-teoria inicial da equipe Nasf.

A pré-teoria inicial foi apresentada aos informantes que deram subsídios e alteraram os elementos presente na Pré-teoria para a construção da teoria inicial da equipe Nasf, através de duas oficinas. Participaram dessas oficinas: um gestor da Secretaria Estadual de Saúde ligado ao Nasf de Pernambuco; um gestor de uma cidade circunvizinha de Recife, que coordena o programa Nasf; e um trabalhador do Nasf de uma cidade circunvizinha de Recife, que está no programa há mais de 1 ano.

Ao fim das duas oficinas, foram consolidados a teoria inicial da equipe Nasf e seus elementos do contexto, mecanismos e resultados. A partir dos elementos presentes na teoria inicial, foram criados os roteiros dos grupos focais e as entrevistas semiestruturadas da etapa seguinte da pesquisa.

Segunda etapa: produção de dados

O processo de produção de dados validou e melhorou as informações dos elementos do contexto, mecanismos e resultados descritos na teoria inicial. A medição desses elementos do Nasf foi realizada com os usuários cobertos pela eSF, apoiada pela equipe Nasf do estudo, pelos trabalhadores da eSF, da equipe Nasf e pelos gestores distrital e municipal, através de grupos focais e entrevistas semiestruturadas.

Foram realizados três grupos focais: um grupo focal com os trabalhadores do Nasf, com o objetivo de identificar os diferentes elementos do contexto e mecanismos que subsidiam os resultados encontrados; um grupo focal com os trabalhadores da eSF e um grupo com usuários da ESF, ambos com o objetivo de identificar os resultados produzidos pelo Nasf aos usuários e profissionais da eSF referenciada, bem como elementos do contexto.

Grupos focais podem ser entendidos como uma técnica de pesquisa qualitativa, derivada das entrevistas grupais, que coleta informações por meio das interações grupais2121 Morgan DL. Focus group as qualitative research. 2. ed. California: Sage; 1997.. A escolha da realização dos grupos focais como principal estratégia de coleta de dados considerou que as percepções, atitudes e opiniões e suas expressões são mais facilmente identificadas durante um processo de interação. Nos grupos focais, os comentários de alguns sujeitos podem fazer emergir a opinião de outros. Além disso, é possível perceber não somente ‘o que’ pensam os sujeitos, mas os motivos de eles pensarem daquela forma2222 Westphal MF, Bógus CM, Faria MM. Grupos focais: experiências precursoras em programas educativos em saúde no Brasil. Bol. Oficina Sanit. Panam. 1996; 120(6):472-481..

Os grupos focais foram coordenados pelos pesquisadores, que atuaram como moderadores da discussão, buscando viabilizar que cada participante pudesse expressar suas opiniões e seus pareceres a respeito do tema proposto e dando enfoque nos debates para as questões mais pertinentes. A fim de garantir a fidedignidade na coleta dos dados, as discussões foram audiogravadas e transcritas, com o conhecimento e a autorização dos participantes que assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Os gestores distrital e municipal do Nasf foram entrevistados através de um questionário semiestruturado, com o objetivo de coletar informações que complementem os elementos do contexto e de mecanismos identificados com os trabalhadores da equipe Nasf avaliada.

Terceira etapa: análise dos dados e validação

A terceira etapa da pesquisa consistiu na análise dos dados coletados para identificar e destacar as regularidades e relações entre elementos do contexto, os mecanismos e resultados e o desenvolvimento das cadeias CMR. A análise dos dados foi feita de forma interativa e não linear.

As categorias utilizadas para análise dos dados foram definidas com base na avaliação realista, que se orienta por modelos teórico-conceituais inspirados por CMR. O quadro 1, abaixo, sistematiza as 4 categorias de análise que foram utilizadas.

Quadro 1
Categorias analíticas, suas definições e operacionalizações

A análise dos dados foi feita a partir da análise de conteúdo, que permitiu a identificação dos temas recorrentes. Bardin2323 Bardin L. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2009. define a análise de conteúdo como um conjunto de técnicas de análise das comunicações, em que utilizam-se procedimentos sistemáticos e objetivos para descrição do conteúdo das mensagens.

Os grupos focais foram gravados e transcritos pelos pesquisadores envolvidos na pesquisa; a interpretação dos dados se deu através da análise das transcrições verbais, dos debates e das falas dos indivíduos participantes dos grupos focais e das entrevistas, bem como das anotações registradas.

Quarta etapa: refinamento da teoria da equipe Nasf

A quarta e última etapa consistiu no refinamento da teoria inicial da equipe Nasf, acoplando as modificações encontradas por essa pesquisa, introduzindo elementos do contexto, mecanismos, resultados e CMR que não estavam contempladas antes e retirando elementos que não foram encontrados durante a pesquisa.

Foram atendidas todas as considerações éticas e o cumprimento dos requisitos da Resolução nº 466/12 e suas complementares. A pesquisa, estando dentro da pesquisa maior, ‘Avaliação de intervenções de Atenção Primária à Saúde no Estado de Pernambuco’, foi aprovada pelo comitê de ética do Instituto Aggeu Magalhães (IAM/PE), através do Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) 73416217.3.0000.5190, parecer 2.622.899. Os dados e materiais coletados foram utilizados, exclusivamente para os fins da pesquisa, e todos os indivíduos do estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), garantindo o anonimato e o sigilo das informações relativas a cada indivíduo.

Resultados

Foram identificados 13 contextos que influenciam o processo de desenvolvimento da equipe Nasf avaliada, sete mecanismos e quatro resultados. A figura 1 ilustra a teoria da equipe Nasf.

Figura 1
Teoria da equipe Nasf

Os resultados encontrados na parte superior representam os efeitos positivos e esperados pelo programa desde sua criação, representados pelo objetivo principal do Nasf, o aumento da resolutividade da AB. No entanto, a pesquisa nos mostra que a equipe produz, em concomitância aos resultados esperados, o efeito negativo de aumento do perfil ambulatorial da AB, reproduzindo a lógica de ambulatório em alguns momentos, ativados através de contextos específicos.

Foram construídas seis CMR, as quais articulam e demonstram como os diferentes contextos influenciam e permitem a ativação dos sete mecanismos, produzindo os quatro resultados encontrados (quadro 2).

Quadro 2
CMR da teoria da equipe Nasf

CMR 1 – A qualificação dos encaminhamentos para outros níveis de atenção à saúde

A CMR 1 ilustra que a qualificação dos encaminhamentos para os outros níveis de atenção à saúde (R1), resultado produzido e encontrado pela atuação da eNasf na eSF apoiada, é produzida a partir da atuação dos três mecanismos: o apoio matricial aos profissionais da eSF (M1), associado ao fortalecimento das ações de assistência, promoção e prevenção (M2) e a integração entre os níveis de atenção à saúde para integralidade do cuidado ao usuário (M3).

Os contextos presentes na CMR1 são: formação, competências e experiência em saúde coletiva pelos profissionais da eNasf (C1); Vínculo entre a eSF e a eNasf (C2); gestão horizontal, com formação e conhecimento para gerenciamento do Nasf (C3); e profissional de referência da eNasf para a eSF (C4). Ao analisar as falas dos grupos focais e as entrevistas com coordenações municipal e distrital, foram identificados esses quatro elementos, como contextos necessários para a ativação dos mecanismos de mudança.

M1, M2 e M3 só poderão ser ativados em concomitância se os profissionais da eNasf tiveram em seu processo de formação a construção de competências e experiências para o trabalho em equipe e com as singularidades que a AB possui, associado a uma gestão do programa horizontal e com conhecimento para seu desenvolvimento pleno.

O processo de trabalho do Nasf e seu papel de apoio para a eSF devem, antes de mais nada, passar pela construção do vínculo e da confiança entre as equipes, o que foi potencializada pela determinação de um técnico de referência da eNasf para a eSF.

CMR 2 – Ampliação da clínica na AB pelo apoio matricial e fortalecimento das ações

A ampliação da clínica (R2) caracteriza-se pelo aumento do escopo de ações que a ESF realiza, pela melhora na qualidade do atendimento e das atividades individuais e coletivas que são ofertadas no território adscrito e para a própria eSF. Ao se analisar tal resultado, identifica-se que ele é produzido a partir de mecanismos diferentes, associados a contextos específicos.

Nesta CMR 2, observa-se que o R2 é ativado a partir do compartilhamento de dois mecanismos, M1 e M2, e estes só são ativados dentro da realidade da eNasf a partir dos contextos C1, C2, C4, C5, C6 e C7.

Ao analisar os dados, identificou-se que a relação interpessoal e o vínculo positivo entre os profissionais da eNasf formam um contexto importante para a produção do R2, pelo apoio matricial e fortalecimento das ações da eSF. A eNasf precisa se enxergar enquanto equipe, atuar de forma compartilhada e estabelecer conexão constante entre os seus componentes, para, então, dialogar com a eSF.

CMR 3 – Ampliação da clínica na AB pelo fortalecimento do autocuidado

O R2, apresentado nesta CMR3, é produzido a partir da ativação do fortalecimento do autocuidado na saúde dos usuários (M3). O programa Nasf, dentro do seu campo de atuação, realiza atividades que potencializam a corresponsabilidade dos usuários com sua saúde e seu cuidado.

Ao conduzir um grupo de dor e realizar atividades de promoção da saúde, a eNasf avaliada amplia a clínica da AB, através do incentivo ao autocuidado, com mudanças nas práticas alimentares e exercícios físicos.

O território e os usuários precisam enxergar a eNasf como pertencente à ESF e à própria eSF, dando aos profissionais da eNasf confiança para o trabalho e a realização das atividades educativas e clínico-assistenciais. Os usuários podem até não compreender como um todo o papel que o programa e a eNasf possuem dentro da Unidade Saúde da Família (USF), mas reconhecem que esses profissionais são parte da equipe e demonstram confiança em suas práticas.

CMR 4 – Ampliação da clínica na AB pelo fortalecimento das ações intersetoriais e serviços de saúde

O CMR 4 ainda traz como resultado a ampliação da clínica na AB, encerrando as CMR que explicam como o R2 é produzido pela eNasf avaliada. Nesta CMR, observam-se os mecanismos M3 e o Fortalecimento das ações intersetoriais (M5), ambos mecanismos que discorrem sobre as ações extramuros da própria ESF.

Ainda que a rede de atenção à saúde esteja desarticulada e que os profissionais eNasf precisem criar sua própria rede de contatos para direcionar os usuários com casos que surjam do território (C10), a eNasf avaliada realiza várias articulações com diversos setores públicos e privados, assim como procura diálogo com a rede de atenção à saúde do SUS.

CMR 5 – Organização do processo de trabalho da AB e das necessidades do território

O CMR 5 ilustra como a organização do processo de trabalho da AB e das necessidades do território (R3) é produzida pela eNasf avaliada. O processo é feito através da ativação dos mecanismos M2 e do planejamento conjunto das ações da AB (M6). A eNasf planeja e fortalece as ações que serão realizadas junto à eSF, a partir das demandas colocadas nas reuniões mensais.

De forma concomitante e contrastante com os outros CMR, foi identificado o aumento do perfil ambulatorial da AB (R4) e que ele é produzido pela reprodução do aspecto clínico-assistencial na AB (M7).

CMR 6 – Aumento do perfil ambulatorial na AB

A presente avaliação, durante seu percurso metodológico, encontrou elementos favoráveis à produção dos resultados esperados, resultados estes que a própria normativa do programa Nasf indica. No entanto, dentro do processo de avaliação, verificou-se a presença de fatores contextuais que impulsionam a eNasf a ativar o M7, relacionado com a supremacia da dimensão clínico-assistencial em dados momentos do trabalho, em comparação ao seu teor educativo e matricial.

Apesar da eNasf produzir os resultados R1, R2 e R3 que reverberam no aumento da resolutividade da AB, de forma concomitante e antagônica, reproduz e reforça um perfil ambulatorial muitas vezes marcado por consultas individuais. A falta de rede de atenção à saúde articulada (C9), junto à falta de compreensão por parte da eSF e dos usuários do papel do programa Nasf, ativa o M7, que produz o resultado inesperado.

Discussão

Avaliar o desenvolvimento de uma equipe Nasf na cidade do Recife-PE através da avaliação realista foi o resultado almejado por este estudo. Através da identificação dos elementos do contexto, mecanismos, resultados e suas relações com a construção das CMR, é possível fomentar a discussão em torno desses elementos e sua influência na continuidade, no perfil e nos resultados a serem produzidos por essa intervenção na AB.

Ao analisar a teoria da equipe Nasf, observa-se uma equipe que produz hegemonicamente o aumento da resolutividade da AB, mas que de forma concomitante reforça um perfil clínico-assistencial, que produz, muitas vezes, um cuidado ambulatorial e fragmentado. Essa informação proporciona um questionamento em torno do processo de implementação e desenvolvimento do Nasf, em diferentes contextos, que, em níveis heterogênicos, fogem do texto político e dos resultados esperados, desde a sua criação.

A qualificação dos encaminhamentos, resultado produzido pela intervenção, aponta para a relação do Nasf com os outros níveis de atenção à saúde, que se dá através da ativação do apoio matricial aos profissionais da eSF, junto ao fortalecimento das ações e à integração entre os níveis de atenção à saúde.

Andrade et al.2424 Andrade LMB, Quandt FL, Campos DA, et al. Análise da implantação dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família no interior de Santa Catarina. Saúde transform. soc. 2012; 3(1):18-31. discorrem que é fundamental a compreensão das ações do Nasf, para que este atue na qualificação e na redução dos encaminhamentos para a atenção especializada. Entretanto, é importante ressaltar e refletir sobre como essa qualificação é produzida. O Nasf e seu processo de implantação devem propor o redirecionamento e a formação das práticas de saúde da AB, utilizando ferramentas tecnológicas de trabalho, como o apoio matricial, o fortalecimento e o planejamento das ações e a integração entre os níveis55 Nascimento DDG, Oliveira MAC. Reflexões sobre as competências profissionais para o processo de trabalho nos Núcleos de Apoio à Saúde da Família. O Mundo da Saúde. 2010; 34(1):92-96..

A falta de serviços especializados pode induzir o Nasf ao funcionamento equivocado, gerando propostas de atendimentos ambulatoriais2525 Cunha GT, Campos GWS. Apoio matricial e Atenção Primária em Saúde. Saúde Soc . 2011; 20(4):961-970. e produzindo um Nasf com caráter substitutivo aos serviços especializados insuficientes da rede de atenção, o que dialoga com os achados deste estudo na CMR 6.

Ao analisar a CMR 6, verifica-se que os contextos disparadores do M7 e a produção do R4 estão ligados à falta de rede de atenção à saúde, à quebra de vínculo dada pela alta rotatividade dos profissionais da eSF e aos diferentes vínculos e cargas horárias da eNasf. Assim como pela falta de compreensão do papel do Nasf pela eSF e pelo território, o que perpassa os achados de Souza e Medina2626 Souza TS, Medina MG. Nasf: fragmentação ou integração do trabalho em saúde na APS? Saúde debate. 2018; 42(esp):145-158. por relacionar a falta de articulação e vínculo entre os diferentes atores/atrizes da ESF, SUS e Nasf e seu potencial de produzir um resultado negativo ao programa.

Santos et al.2727 Santos RABG, Uchoa-Figueiredo LR, Lima LC, et al. Apoio matricial e ações na atenção primária: experiência de profissionais de ESF e NASF. Saúde debate. 2017; 41(114):694-706. afirmam que, ao discutir o processo de trabalho e desenvolvimento da eNasf, é preciso considerar os fatores que dificultam as ações do perfil técnico-pedagógico, como a elevada demanda de atendimentos, a formação e a experiência dos profissionais, as exigências da população e da gestão local e a rede de serviços especializada, que é insuficiente para a demanda existente, gerando sobrecarga constante em todos os níveis de atenção, assim como na AB e no Nasf.

A dificuldade relativa à disponibilidade e ao modo de funcionamento da atenção especializada, problema estrutural do SUS, influencia a realização do trabalho do Nasf. Devido à escassez de serviços especializados, ocorre uma utilização equivocada das eNasf de maneira substitutiva a tais serviços2828 Castro CP, Campos GSW. Apoio Matricial como articulador das relações interprofissionais entre serviços especializados e atenção primária à saúde. Physis. 2016; 26(2):455-481..

As eNasf, muitas vezes, vão ser vistas como um modo de suprir a falha da rede de saúde e a ausência de centros de serviços especializados, aproveitando um recurso disponível que não foi previsto para tal função2525 Cunha GT, Campos GWS. Apoio matricial e Atenção Primária em Saúde. Saúde Soc . 2011; 20(4):961-970.. Reconhecida como heterogênica e insuficiente, a rede de cuidados especializados constitui um gargalo para o SUS2929 Magalhães JHM. Redes de atenção à saúde: rumo à integralidade. Divulg. saúde debate. 2014; 52:15-37.,3030 Tesser CD, Poli Neto P. Atenção especializada ambulatorial no Sistema Único de Saúde: para superar um vazio. Ciênc. Saúde Colet . 2017; 2VV2(3):941-951.. Em muitas regiões do País, existe insuficiência na oferta de serviços e carência de profissionais, assim como a dependência do setor privado, que fragmenta o sistema2929 Magalhães JHM. Redes de atenção à saúde: rumo à integralidade. Divulg. saúde debate. 2014; 52:15-37..

Tesser e Poli-Neto3030 Tesser CD, Poli Neto P. Atenção especializada ambulatorial no Sistema Único de Saúde: para superar um vazio. Ciênc. Saúde Colet . 2017; 2VV2(3):941-951. discorrem sobre a necessidade de construção de diretrizes operacionais claras e organizativas para a rede especializada, como ocorreu com a ESF, assim como sobre a elaboração e a indução de um formato organizacional para os serviços de cuidados especializados que tenha por base a experiência do Nasf.

O Nasf e seu processo de desenvolvimento e implantação possuem um componente fundamental para o seu funcionamento e sustentabilidade, dentro da ESF: o Apoio Matricial. O Apoio Matricial configura-se como um dos principais mecanismos geradores dos resultados positivos da eNasf avaliada, além da qualificação dos encaminhamentos (CMR1) e da ampliação da clínica na AB (CMR 2).

Cunha e Campos2525 Cunha GT, Campos GWS. Apoio matricial e Atenção Primária em Saúde. Saúde Soc . 2011; 20(4):961-970. discorrem que o apoio matricial é o referencial teórico-metodológico de orientação do trabalho do Nasf que objetiva assegurar retaguarda especializada às eSF de forma personalizada e interativa. Cunha3131 Cunha GT. A construção da clínica ampliada na Atenção Básica. São Paulo: Hucitec; 2010. afirma que o que se pretende com o apoio matricial é a clínica ampliada, ferramenta eficaz para ampliação do escopo de trabalho da ESF.

Hirdes3232 Hirdes A. A perspectiva dos profissionais da atenção primária à saúde sobre o apoio matricial em Saúde mental. Ciênc. Saúde Colet . 2015; 20(2):371-382. considera necessário o entrosamento das eNasf e eSF para que haja a prática do apoio matricial, e que, para tal, sejam considerados os princípios que a sustentam: vínculo, integralidade do cuidado, interprofissionalidade, acessibilidade e resolutividade, dialogando com os achados desta pesquisa, que descreve os contextos C2, C4 e C6 como elementos que favorecem a ativação do M1 para a ampliação da clínica.

Ilustra-se o papel inovador e importante que o apoio matricial possui para a própria sustentabilidade e para o desenvolvimento do Nasf. O Brasil e o SUS avançam na ampliação dos serviços e na articulação entre eles, a partir de atores e atrizes matriciadores, na coordenação e integralidade do cuidado ao indivíduo. Entretanto, enfrenta diversos contextos que impedem sua ativação plena, seja na micropolítica (C10-C13) ou na macropolítica, que é o caso da revisão e do direcionamento da nova PNAB44 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União. 22 Set 2017..

A republicação da PNAB, em 2017, foi fruto de muitos protestos e questionamentos de atores e atrizes dos segmentos do SUS e da saúde coletiva. Souza e Medina2626 Souza TS, Medina MG. Nasf: fragmentação ou integração do trabalho em saúde na APS? Saúde debate. 2018; 42(esp):145-158. alertam para o fato de que a nova PNAB retira o termo apoio matricial de sua nomenclatura, produzindo dúvidas em torno do papel educativo e de matriciamento do Nasf. Ao analisar os achados desta pesquisa, observa-se uma eNasf que já possui um compartilhamento dos dois aspectos e que, por muitas vezes, perde seu caráter de apoio matricial para assumir um papel de ambulatório.

Brocardo et al.3333 Brocardo D, Andrade CLT, Fausto MCR, et al. Núcleo de Apoio à Saúde da Família (Nasf): panorama nacional a partir de dados do PMAQ. Saúde debate. 2018; 42(esp):130-144. afirmam que a atual PNAB expressa a dimensão assistencial como o núcleo central da atividade do Nasf, contudo, os autores afirmam que é prematuro, ainda, tecer considerações sobre aquela, tendo em vista que ainda está por ser operacionalizada.

No entanto, os achados desta pesquisa alertam para o caminho que o desenvolvimento do programa trilha. Existiam portarias e normativas que colocavam explicitamente o apoio matricial como eixo central do programa, como o próprio nome Núcleo de Apoio à Saúde da Família, passando para Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica, e, mesmo assim, a eNasf encontra dificuldade de organização do processo de trabalho e produção de um cuidado amplo.

Ao retirar tais direcionamentos da PNAB que regem o programa Nasf, o Ministério da Saúde impulsiona os municípios e equipes a produzirem um Nasf cada vez mais fragmentado, ambulatorial e puramente clínico-assistencial. O posicionamento político da gestão do programa, no município deste estudo, é o de manter a nomenclatura antiga e direcionar o apoio matricial como cerne no programa, o que remete que a CMR2 continuará sendo ativa, mas que o contexto político nacional impulsiona a concomitância com a CMR6.

Ainda sobre os elementos que influenciam o desenvolvimento e a sustentabilidade da eNasf avaliada, aponta-se o reconhecimento dos usuários ao programa, contexto que ativa o mecanismo de fortalecimento do autocuidado e produz a ampliação da clínica. Aciole e Oliveira3434 Aciole GG, Oliveira DKS. Percepções de usuários e profissionais da saúde da família sobre o Núcleo de Apoio à Saúde da Família. Saúde debate. 2017; 41(115):1090-1101. e Souza et al.3535 Souza FLD, Chacur EP, Rabelo MRG, et al. Implantação do núcleo de apoio a saúde da família: percepção do usuário. Saúde debate. 2013; 37(97):233-240. afirmam que existe o reconhecimento das atividades realizadas pela eNasf, mesmo quando não estejam associadas ao nome da proposta. Os usuários demonstram reconhecimento das categorias profissionais do Nasf, a partir da participação nas atividades desenvolvidas por esses profissionais3636 Souza FLD, Chacur EP, Martins RCC, et al. Percepções sobre qualidade de vida das usuárias de um núcleo de apoio à saúde da família. Investigação. 2013; 13(3):34-38..

A sustentabilidade do programa Nasf está diretamente relacionada aos resultados positivos produzidos e pelo reconhecimento que as partes interessadas possuem dele. A compreensão do papel do Nasf e do seu potencial na produção do cuidado, ampliação da clínica e (re)direcionamento da própria ESF é imprescindível para sua continuidade e garantia de financiamento. Dessa forma, aponta-se a necessidade de criar estratégias que divulguem e ampliem a compreensão das eNasf no território adscrito e aos profissionais do SUS.

A ampliação da clínica (R2) também foi produzida através da ativação do fortalecimento das ações intersetoriais e dos serviços de saúde (CMR 4). Através dos M5 e M6, articulando e fortalecendo as ações intersetoriais e dos demais serviços de saúde, o Nasf produz um aumento no escopo de oferta de atendimento e ampliação da clínica para todos os usuários cobertos pela AB.

A produção do cuidado e sua integralidade dentro da AB devem ser estabelecidas a partir da comunicação entre os diferentes equipamentos, dentro e fora do setor, criando uma rede de proteção e atenção ao usuário. A articulação entre os serviços, estruturada por meio do diálogo e do vínculo entre os diversos profissionais, ações e projetos, cria uma rede de interdependência e corresponsabilidade entre os equipamentos na direção da garantia do atendimento integral ao usuário3737 Bourguignon JA. Concepção de rede intersetorial. [internet]. 2001 [acesso em 2019 fev 15]. Disponível em: http://www.uepg.br/nupes/intersetor.html.
http://www.uepg.br/nupes/intersetor.html...
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A eNasf avaliada neste estudo realiza espaços de discussão com a eSF, os quais reverberam no planejamento e no fortalecimento das ações da AB. Além disso, a articulação com programas como Academia da Saúde, Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD) e Organizações Não Governamentais (ONG) presentes no território significa um diálogo e planejamento contínuos para a ampliação da clínica e a integralidade do cuidado.

Entretanto, o estudo demonstrou que a falta de rede estabelecida entre os níveis de atenção à saúde, assim como do diálogo institucional entre o setor saúde e os demais setores, fragilizam e dificultam as articulações. A articulação fica dependente das relações e dos contatos interpessoais que os profissionais da eNasf possuem. Corroborando esse achado, Machado, Colomé e Beck3838 Machado LM, Colomé JS, Beck CLC. Estratégia de saúde da família e o sistema de referência e de contrareferência: um desafio a ser enfrentado. R. Enferm. 2011; 1(1):31-40. afirmam que o cotidiano dos serviços de saúde, bem como o sucesso e a agilidade dos encaminhamentos realizados, dependem, em sua maioria, dos relacionamentos interpessoais e da informalidade, muito mais do que de um fluxo sistematizado e pré-estabelecido entre os níveis de complexidade, nos quais as vias de acesso formais, muitas vezes, não funcionam adequadamente.

Nesse contexto, torna-se urgente a implementação de técnicas de gerenciamento que viabilizem a estruturação de espaços de elaboração conjunta de ações, metas e divisão estratégica de funções entre os profissionais dos diferentes equipamentos3939 Ferro LF, Silva EC, Zimmermann AB, et al. Interdisciplinaridade e intersetorialidade na Estratégia Saúde da Família e no Núcleo de Apoio à Saúde da Família: potencialidades e desafios. O Mundo da Saúde. 2014; 38(2):129-138..

Por fim, aponta-se que o programa Nasf está intrinsecamente ligado à organização, ao direcionamento e ao planejamento da eSF e da AB como um todo. Seu processo de trabalho precisa estar atrelado ao da AB e do próprio SUS, desde a relação dos profissionais na USF até a gestão dos programas e suas articulações, o que remete à transversalidade que o processo saúde-doença-cuidado possui e à sua complexidade, que exigem respostas através de políticas e programas cada vez mais integrados, interprofissionais e pautados no diálogo e na construção horizontal.

Considerações finais

A eNasf avaliada produz um perfil que compartilha o aspecto técnico-pedagógico em concomitância com o perfil clínico-assistencial, o qual produz resultados que, em conjunto, significam uma maior resolutividade da AB, mas que, em contrapartida, reproduzem a lógica ambulatorial. A reprodução isolada do aspecto clínico-assistencial representa um aspecto da eNasf que, de certa forma, foi programado na formulação do programa, mas cuja operacionalização não foi projetada, bem como o seu real impacto para o desenvolvimento das eNasf no território.

A prática clínico-assistencial precisa ser feita à luz do aspecto educativo e matricial, caso contrário, esse mecanismo reproduz o ambulatório, transformando o Nasf numa equipe substitutiva dos serviços de especialidades clínicas na AB. O Nasf possui um grande potencial de articulação e redirecionamento da eSF e seu território, fortalecendo e planejando as ações, assim como integrando a ESF com os diversos serviços de saúde e equipamentos sociais. No entanto, determinados contextos dificultam a ação de todo seu potencial e manifesta a fragilidade na garantia de sua sustentabilidade e produção dos resultados.

O estudo possui limitações, por ser um estudo de caso, representa um recorte do programa Nasf na realidade local da eNasf avaliada e de uma eSF apoiada. Contudo, a pesquisa produziu informações e análises importantes que poderão ser usadas para se avançar no processo de desenvolvimento do Nasf e para uma maior compreensão de seu funcionamento e sustentabilidade.

  • Suporte financeiro: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes)

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Maio 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2020

Histórico

  • Recebido
    23 Maio 2019
  • Aceito
    16 Out 2019
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